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Processo nº 200/2021
(Autos de Recurso Civil e Laboral)

Data: 01 de Julho de 2021
Recorrente: A
Recorrida: B
*
ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:

I. RELATÓRIO
  
  A, com os demais sinais dos autos,
  vem instaurar acção especial de divórcio litigioso contra
  B, também, com os demais sinais dos autos,
  Pedindo que seja decretado o divórcio com fundamento na violação dos deveres conjugais de cooperação e de respeito por parte da ré e que seja esta declarada única culpada pelo insucesso do casamento.
  Proferida sentença, foi a acção julgada improcedente.
  Não se conformando com a decisão proferida vem o Autor interpor recurso da mesma, formulando as seguintes conclusões e pedido:
1. No processo n.º FM1-19-0026-CDL, o recorrente deduziu pedido a respeito da ré B (doravante designada por "recorrida") no sentido de julgar dissoluto o casamento do autor com a ré, bem como declarar a ré como a única culpada.
2. Quanto ao pedido acima mencionado do recorrente, o tribunal a quo sentenciou que era improcedente o pedido de dissolução do casamento (cf. a sentença recorrida a fls. 11, que se dá por integralmente reproduzida).
3. Salvo o devido respeito, o recorrente não concorda com a decisão supra referida, com os seguintes motivos:
4. Impugnação da decisão sobre a matéria de facto
5. Na sentença recorrida o tribunal a quo não deu por assentes os factos invocados na petição inicial nos pontos 10, 33, 34, 35, 45 e 46 (ou seja, os factos não provados na sentença a quo pontos 20-22, 30-32).
6. Por isso, salvo o devido respeito, ora o recorrente impugnaria a decisão acima citada sobre a matéria de facto na seguinte maneira, atendo-se ao art.º 599.º, n.º 1 do CPC.
7. Antes de tudo o mais, o tribunal a quo deu por assentes os casos acontecidos entre o recorrente e a recorrida, que vieram em seguida abertos no CPSP da RAEM com estes números de referência: COM: 11829/2016/C2; COM: 12121/2016/C2; COM: 13618/2016/C2; COM: 14054/2016/C2; COM: 8331/2017/C2; COM: 11434/2017/C2; COM: 8206/2018/C2; COM: 8290/2018/C2; COM: 8590/2018/C2; COM: 8526/2018/C2.
8. Entre os quais, no relatório do caso n.º COM: 11829/2016/C2 se refere que pelas 20h07 da noite de 01/10/2016, o recorrente, em busca de ajuda, participou à polícia que, em linhas gerais, o recorrente e a recorrida tinham discutido por causa da mãe do recorrente, enquanto a recorrida B tinha ficado agitada no processo; (por mais detalhes, vd. o relatório do caso n.º COM: 11829/2016/C2 do CPSP, anexo aos autos a fls. 98–123);
9. No relatório do caso n.º COM: 12121/2016/C2 refere-se que pelas 23h52 da noite de 07/10/2016, o recorrente, em busca de ajuda, participou à polícia que, em linhas gerais, o recorrente e a recorrida tinham discutido por assuntos de vida; foi até redigida uma denúncia de caso suspeito de violência doméstica; (por mais detalhes, vd. o relatório do caso n.º COM: 12121/2016/C2 do CPSP, anexo aos autos a fls. 98–123);
10. No relatório do caso n.º COM: 13618/2016/C2 refere-se que pelas 23h27 da noite de 09/11/2016, o recorrente e a recorrida, em busca de ajuda, participaram à polícia que, em linhas gerais, o recorrente e a recorrida tinham discutido depois de a recorrida ter reclamado dinheiro para sustentar a família ao recorrente; foi até redigida uma denúncia de caso suspeito de violência doméstica; (por mais detalhes, vd. o relatório do caso n.º COM: 13618/2016/C2 do CPSP, anexo aos autos a fls. 98–123);
11. Na decisão recorrida, já ficou provado na alínea m) dos factos assentes que em ambos os casos do CPSP referidos, foi a recorrida que incomodou o recorrente já adormecido e em repouso com embates físicos, entre outras formas ainda (vd. a decisão recorrida, a fls. 3);
12. No relatório do caso n.º COM: 14054/2016/C2 refere-se que pelas 23h26 da noite de 20/11/2016, o recorrente e a recorrida, em busca de ajuda, participaram à polícia que, em linhas gerais, o recorrente e a recorrida tinham discutido depois de a recorrida ter exigido dinheiro ao recorrente; que a recorrida tinha esbravejado; que mesmo dentro do hospital, com intervalos soltava gritos em voz alta, e que por fim se redigiu uma denúncia de caso suspeito de violência doméstica; (por mais detalhes, vd. o relatório do caso n.º COM: 14054/2016/C2 do CPSP, anexo aos autos a fls. 98–123);
13. No relatório do caso n.º COM: 8331/2017/C2 refere-se que pela 01h00 da madrugada de 30/06/2017, o recorrente, em busca de ajuda, participou à polícia que, em linhas gerais, o recorrente e a recorrida tinham discutido à volta da questão da distribuição de casa, e que por fim se redigiu uma denúncia de caso suspeito de violência doméstica; (por mais detalhes, vd. o relatório do caso n.º COM: 8331/2017/C2 do CPSP, anexo aos autos a fls. 98–123);
14. No relatório do caso n.º COM: 11434/2017/C2 refere-se que pela 02h21da madrugada de 03/09/2017, o recorrente e a recorrida, em busca de ajuda, participaram à polícia que, em linhas gerais, o recorrente e a recorrida tinham discutido por causa dos estudos da filha e dos problemas financeiros da família e que por fim se redigiu uma denúncia de caso suspeito de violência doméstica; (por mais detalhes, vd. o relatório do caso n.º COM: 11434/2017/C2 do CPSP, anexo aos autos a fls. 98–123);
15. No relatório do caso n.º COM: 8206/2018/C2 refere-se que pela 20h47 da noite de 11/07/2018, o recorrente e a recorrida, em busca de ajuda, participaram à polícia que, em linhas gerais, o recorrente e a recorrida tinham discutido por questões afectivas e que por fim se redigiu uma denúncia de caso suspeito de violência doméstica; (por mais detalhes, vd. o relatório do caso n.º COM: 8206/2018/C2 do CPSP, anexo aos autos a fls. 98–123);
16. No relatório do caso n.º COM: 8290/2018/C2 refere-se que pela 20h55 da noite de 13/07/2018, o Centro de Saúde de Fai Chi Kei, em busca de ajuda, participou à polícia que, em linhas gerais, estando a recorrida em casa a folgar, esta tinha ficado arreliada porque o recorrente estava no sala de estar a ver a televisão; que então o recorrente tinha voltado ao quarto para dormir; de improviso, a recorrida irrompeu no quarto, usando ambas as mãos, deu um golpe ao recorrente no corpo inferior, gesto que lhe causou dores; ao que este último não tardou nada a empurrar a recorrida com a mão direita e a atingiu no ventre, na tentativa de defender-se; a recorrida, por sua vez, ficou exaltada; que por fim se redigiu uma denúncia de caso suspeito de violência doméstica; (por mais detalhes, vd. o relatório do caso n.º COM: 8290/2018/C2 do CPSP, anexo aos autos a fls. 98–123);
17. Das provas documentais anexas ao autos acima referidas vê-se que decerto a recorrida fez o acto lesivo de agressão ao corpo inferior (por mais detalhes, vd. o relatório do caso n.º COM: 8290/2018/C2 do CPSP, anexo aos autos a fls. 98–123);
18. Portanto, com toda a razão devia ter ficado antes provado o facto mencionado no ponto 33 da petição inicial do recorrente (para pormenores, cf. o atrás especificado nas presentes alegações);
19. Além do mais, pode-se saber dos diversos relatórios do CPSP acima elencados que no período que vai de Outubro de 2016 a Julho de 2018, no espaço de menos de 2 anos, foram 10 vezes que o recorrente deveu apelar o CPSP por causa dos actos da recorrida; ou seja, em média deveu pedir auxílio quase cada 2 meses, e de todas as vezes deve-se redigir a denúncia de caso suspeito de violência doméstica;
20. Tanto mais que tal como refere o facto provado alínea n) na sentença recorrida, o recorrente que é concutor de autocarro, trabalha 10 horas por dia; além disso deve levantar-se às 4h00 da madrugada para preparar-se para o trabalho. Conforme a lei de experiência comum, para satisfazer a necessidade básica de sono, o recorrente deve ir dormir, por volta das 20h00 ou das 21h00 da noite, o mais tardar; (vd. a decisão recorrida, a fls. 3)
21. Porém, do relatório do CPSP sabe-se que sempre que se chega ao horário de descanso à noite, invariavelmente a recorrida dá azo a disputas, sem falta. Então o recorrente recorre à polícia em busca de ajuda. E todas as vezes é a recorrida que, exaltada, berra a plenos pulmões. Dentre os 10 relatórios acima referidos, contam-se 5 que se referem a casos ocorridos na madrugada. De maneira nenhuma o recorrente conseguia descansar;
22. Segundo a lei de experiência comum e os factos provados n) e m) da sentença recorrida, o recorrente, que procura apenas adormecer quanto antes para ficar disposto ao trabalho do dia seguinte, naturalmente não deseja provocar contenda nenhuma àquelas horas. Daqui pode-se supor logicamente que as disputas são induzidas ou iniciadas pela recorrida;
23. Aliás, se as coisas não se tivessem agravado até ao ponto de insolubilidade, o recorrente não teria jamais sacrificado o tempo dedicado ao sono para ir à procura de ajuda à polícia. Pode-se ver que a recorrida nunca respeitou a recorrente, nem alguma vez tomou em conta a sua necessidade de repouso;
24. Enquanto o documento a fls. 223–234 dos autos demonstra que na sequência dos acontecimentos acima descritos, a saúde do recorrente ficou pior a valer;
25. Portanto, com base no quanto acima referido, durante o período que vai de 2016 a 2018, por causa dos actos da recorrida, vezes repetidas o recorrente informou a polícia em busca de ajuda. As disputas, de tanto frequentes e tardias, perturbaram gravemente o período de sono normal do recorrente, o que lhe trouxe enormes angústias tanto fisicamente como psicologicamente.
26. Portanto, devia ter sido considerado provado o facto n.º 34 na petição inicial do recorrente (para pormenores, cf. o atrás especificado nas presentes alegações);
27. De mais a mais, segundo mostram os anexos 5–8 da petição inicial apensada aos autos, o agregado familiar do recorrente acabou por não ter êxito em candidatar-se a habitação económica, porque de Setembro de 2016 a Novembro de 2017, todas as vezes não se conseguiram submeter o original e a cópia do BIRM da recorrida, o original e a cópia do título de TNR / do Cartão para Deslocação à Pátria da recorrida, a Declaração da não integração aos elementos do agregado familiar (CG5) da recorrida e a sua Declaração do Património Líquido do Cônjuge (CG14). A entrega da documentação acima mencionada teria ter acontecido apenas se a recorrida tivesse cooperado; (vd. os anexos 5–8 da petição inicial);
28. Com efeitos as provas documentais acima mencionadas mostram que pela cooperação falha por parte da recorrida, o recorrente não teve sucesso em candidatar-se a habitação económica; por isso mesmo deviam ter sido naturalmente dados por provados tanto o facto n.º 10 invocado pelo recorrente na petição inicial como o n.º 35 (para pormenores, cf. o atrás especificado nas presentes alegações).
29. Por fim, verifica-se com base na prova documental ou seja, no anexo 9 da petição inicial já apensada aos autos que em 18/09/2017 o recorrer principiou a ser assistido pelo serviço de ajuda prestado pelo Movimento Católico Apoio à Família de Macau. A última sessão de seguimento foi em 12/10/2018. Poi bem, o facto é que foi precisamente o período que vai de Setembro de 2017 a Outubro de 2018 que o recorrente e a recorrida recorreram ao CPSP com frequência para que se abrissem processos;
30. Logo, conjugando-se a prova documental fornecida pelo anexo 9 da petição inicial com a constante dos autos a fls. 223–234, com toda a razão deviam ter sido dados por provados tanto o facto n.º 45 invocado pelo recorrente na petição inicial e o n.º 46 (para pormenores, cf. o atrás especificado nas presentes alegações);
31. Resumindo quanto acima dito, o motivo por que o recorrente impugna a decisão sobre a matéria de facto contida na sentença recorrida é que, com base nos provas documentais constantes dos autos a fls. 98-123, dos factos provados n) e m) na sentença recorrida, a fls. 223-234 dos autos, os anexos 5-8 e o anexo 9 da petição inicial, na sentença recorrida não se deram por assentes os factos invocados na petição inicial nos pontos 10, 33, 34, 35, 45 e 46 (ou seja, os factos não provados na sentença a quo pontos 20-22, 30-32). Por isso, o recorrente suplicaria ao Mm.º Juiz do TSI mudar a sentença original e dar por todos provados os factos acima elencados.
32. Acerca da decisão sobre a matéria de direito, segundo o recorrente, a decisão recorrida violou o art.º 8.º, o art.º 1533.º, o art.º 1535.º, o art.º 1635.º, n.º 1 e o art.º 1642.º, n.º 1 do CC, para além do art.º 567.º do CPC. Eis os motivos:
33. Tendo aplicado o art.º 1533.º, o art.º 1535.º e o art.º 1635.º, n.º 1 do CC, o tribunal recorrido chegou à conclusão de que dada a impossibilidade de apurar os motivos e o conteúdo das discussões frequentes surgidas entre o recorrente e a recorrida, não sendo possível julgar sobre qualquer violação dos deveres conjugais, era de negar provimento ao pedido de divórcio.
34. Salvo o devido respeito, nem com o parecer acima citado concorda o recorrente;
35. Na sentença recorrida, entre os factos provados encontra-se o assente de que por causa de actos da recorrida, num espaço de tempo de menos de 2 anos, o recorrente pediu ajuda à polícia por vezes repetidas; (vd. os factos provados alíneas l), o) e p) dos factos provados)
36. Ficou também provado que no matrimónio do recorrente com a recorrida, surgem frequentes contendas acérrimas entre os dois e que todas as vezes a recorrida fica deveras exaltada e agressiva; (vd. os factos provados alíneas j) e k) dos factos provados)
37. Está provado também que em duas ocasiões de participação à polícia em busca de ajuda, a recorrida deu choques físicos ao recorrente, então já adormecido, de modo a disturbar-lhe o sono; (vd. o facto provado alínea m) dos factos provados)
38. Aliás, assim como afirmado nos pontos 7-29 das presentes alegações, o recorrente que é condutor de autocarro, deve obrigatoriamente levantar-se na madrugada; a recorrida, porém, sem falta provoca contendas no horário de repouso do recorrente e fica exaltada até o ponto de praticar mesmo actos lesivos como o de atacar-lhe o corpo inferior para impedir o sono ao recorrente.
39. Ao mesmo tempo pela sua falha cooperação na candidatura a habitação económica, o recorrente desqualificou-se para a candidatura.
40. Pelos distúrbios físicos e psicológicos que sofreu ao longo dos anos, o recorrente, todo supliciado, viu-se a saúde andar de mau a pior; por fim deveu inclusivamente recorrer ao Movimento Católico Apoio à Família de Macau que lhe viesse em socorro com o serviço de acção social;
41. Toda a série de actos da recorrida, por serem tanto graves no tocante à circunstância, ao mesmo tempo, sendo duradouros, já exclui a possibilidade de o recorrente continuar a viver com a recorrida. Prolongar durar o casamento só traria mágoas ao recorrente a proveito nenhum e continuaria a arrastá-lo para que não possa dar início a uma vida nova e normal.
42. Nos termos do art.º 1533.º do CC, os cônjuges estão reciprocamente vinculados pelos deveres de respeito, fidelidade, coabitação, cooperação e assistência;
43. Nos termos do art.º 1535.º do CC, o dever de cooperação importa para os cônjuges a obrigação de socorro e auxílio mútuos e a de assumirem em conjunto as responsabilidades inerentes à vida da família que fundaram
44. Ora no presente caso, conforme os factos provados na sentença recorrida e as provas documentais indicadas nas presentes alegações, tem-se de perguntar: é verdade que a recorrida cumpriu os deveres acima citados?
45. Sabendo perfeitamente que o recorrente, cuja família não gozava de boas condições económicas, podia candidatar-se a habitação económica de modo a livrar-se de ónus que lhe impunha a renda caríssima, durante o período mais do que suficiente de um ano inteiro, a recorrida nem se deu ao trabalho de apresentar o seu documento de identificação com que se completasse o procedimento de candidatura, o que levou por fim à desqualificação para habitação económica. Terá a recorrida, com isso, dado socorro e auxílio na vida conjugal? Terá cumprido o dever de cooperação?
46. Sabendo perfeitamente que o recorrente, enquanto condutor de autocarro, devia trabalhar 10 horas por dia e que ele precisava de despender enormes esforços tanto mentais como físicos para assegurar-se a segurança na condução, a recorrida, por outro lado, fazia questão de litigar e discutir sempre durante o horário de descanso do recorrente, já para não dizer que lhe perturbava o repouso com encontrões físicos e até mesmo agressões; todas as vezes as coisas degeneraram a tal ponto de dever-se participar à polícia que lhes acudisse em socorro. Terá a recorrida sido alguma vez atenciosa tendo em conta a profissão do recorrente? Terá alguma vez querido bem ao recorrente? Terá cumprido realmente o dever conjugal de respeito mútuo?
47. Com efeito, o vosso tribunal afirmou o seguinte no acórdão proferido processo de divórcio n.º 256/2020, em 11/06/2020: a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada. Hoje em dia o conceito do divórcio na mente da gente já se mudou. O divórcio litigioso já não é mais considerado um meio de punição como o era no passado, antes é apreciado como uma solução para os casamentos problemáticos. Se já não convém ao casal uma vida em comum, não faria sentido obrigá-los a viver juntos. Exacerbar-se-lhes-iam as dores ou ficaria a ser um meio de desforra com que um dos dois arrastaria o outro para vingar-se. (cf. o acórdão proferido pelo vosso tribunal no processo n.º 256/2020, fls. 6);
48. No presente caso, visto que as angústias do recorrente já se intensificaram por causa do seu matrimónio com a recorrida. A sua vida normal já está de rastos. É realmente uma bênção para ambas as partes obrigar o recorrente a manter o seu casamento com a recorrida?
49. Poderia talvez chamar normal a um casamento no qual foram abertos 10 casos no CPSP dentro de apenas 2 anos devido a contendas, que aliás estão a tornar-se cada vez mais intensas?
50. No tocante à questão de qual é a parte culpada do casal, verdade seja dita, os factos provados no acórdão recorrido, as provas documentais referidas nos pontos 7-29 das presentes alegações e a lei de experiência comum já são capazes de mostrar que é a recorrida que é a principal culpada.
51. Na eventualidade de uma opinião divergente do Mm.º Juiz que considera sempre impossível destrinçar a parte culpada, então no entendimento do recorrente, pelo menos há bastantes provas que apontam para a falta de idoneidade e para a impossibilidade de manter o casamento do recorrente com a recorrida. Uma continuação forçada não faria nada senão acrescentar mais dores a proveito nenhum;
52. Nos termos do art.º 8.º, n.º 1 do CC, a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.
53. Nos termos do art.º 567.º do CPC, o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito;
54. Nos termos do art.º 1642.º, n.º 1 do CC, se houver culpa de um ou de ambos os cônjuges, assim o deve declarar a sentença; sendo a culpa de um dos cônjuges consideravelmente superior à do outro, a sentença deve declarar ainda qual deles é o principal culpado.
55. Na opinião do recorrente, o pensamento legislativo por detrás do art.º 1635.º e seguintes do CC que são preceitos concernentes a motivos de divórcio e à parte culpada, dá ênfase a julgar se pelas condutas dos cônjuges se mostra apropriada ou possível a continuação duma vida em comum, enquanto é de importância secundária a questão de qual é o cônjuge culpado
56. À luz dos artigos acima citados, no presente caso portanto, mesmo o Mm.º Juiz achando insuficientes as provas para apurar a parte culpada, o recorrente rogaria que se aplicasse a lei aplicável, se houver, ou considerando a recorrida como a principal culpada, ou ainda que ambos os cônjuges são culpados, que se declarasse dissoluto o casamento do recorrente com a recorrida, pois que as mais diversas provas e circunstância já demonstra que é impossível para o recorrente continuar a viver com a recorrida.
57. Nestes termos, como a decisão recorrida violou o art.º 8.º, o art.º 1533.º, o art.º 1535.º, o art.º 1635.º, n.º 1 e o art.º 1642.º, n.º 1 do CC, para além do art.º 567.º do CPC, ora o recorrente pedia encarecidamente ao Mm.º Juiz julgar dissolvido o casamento do recorrente com a recorrida.
58. Quanto ao apoio judiciário concedido ao recorrente, nos termos do art.º 2.º, n.º 3 e do art.º 3.º da Lei n.º 13/2012, o recorrente imploraria ao Mm.º Juiz continuar a dispensá-lo do pagamento de todos os preparos e das custas devidas ao presente recurso.
  Contra-alegando veio a Recorrida B apresentar as seguintes conclusões:
I. A sentença recorrida fez uma acertada e justa decisão em face da matéria de facto relevante de que lançou mão – máxime, face ao teor e aos termos patenteados na petição inicial – bem como do subsequente e respectivo enquadramento nos normativo aplicáveis, razão pela qual deve ser a mesma de manter por inteiro.
II. Não só não ficou provada ou verificada a violação do dever de cooperação como igualmente se não provou que a aqui recorrida tivesse violado o dever conjugal de respeito.
III. Em face do acima exposto – ou seja, a sólida construção jurídica do T.J.B. face à factualidade provada e interpretação e aplicação das pertinentes normas jurídicas aplicáveis – mostra-se à recorrida plenamente sustentada a decisão a quo, não se afigurando a mesma merecedora de qualquer mínimo reparo por parte do T.S.I., o que aqui se requer.

  Foram colhidos os vistos.
  
  Cumpre, assim, apreciar e decidir.
  
II. FUNDAMENTAÇÃO

a) Factos

  Na decisão sob recurso foi apurada a seguinte factualidade:
  
a) O autor e a ré registaram o casamento entre ambos em 11 de Novembro de 2001, na cidade de Zhanjiang, zona de Xiashan da República Popular da China;
b) O autor e a ré fixaram, mediante a celebração da escritura pública, a convenção antenupcial antes do casamento, fixando o regime de bens em regime da separação de bens;
c) Ambos tiveram uma filha em comum, C, nascida na República Popular da China em XX de XX de 2002;
d) Ambos viviam em comunhão na RPC após o casamento;
e) O autor requereu, em 2008, uma acção de divórcio no Tribunal Popular, da zona de Xiashan, cidade de Zhanjiang, da província de Guangdong, contra a ré, processo n.º “2008 , n.º *** – da série Xia Fa Min Yi Chu”;
f) O autor desistiu da instância da referida acção no dia 2 de Setembro de 2008 junto do Tribunal Popular da zona de Xiashan, cidade de Zhanjiang, da província de Guangdong;
g) O autor e a sua filha deslocaram-se para a RAEM onde actualmente vivem, para a fixação da residência, onde também reside a mãe do autor;
h) A ré continua a deslocar-se entre Macau e RPC;
i) Em Agosto de 2016, a família do autor foi seleccionada para a aquisição de habitação económica e foi notificada, em Setembro de 2016, para a apresentação complementar dos dados relativos ao agregado familiar;
j) Autor e ré discutem frequentemente devido a assuntos domésticos;
k) Na noite de 01 de Outubro de 2016, na casa anteriormente referida onde o autor vivia na RAEM, o autor e a ré discutiram, a ré ficou muito exaltada e aos gritos e foi chamada a PSP;
l) Por esse incidente foi instaurado um processo pelo Corpo de Polícia de Segurança Publica, sob o n.º COM:11829/2016/C2, por se tratar de um conflito entre os membros da família;
m) O autor apresentou novamente queixa à polícia, respectivamente, em 8 de Outubro e em 10 de Novembro de 2016, alegando que a ré berrava e repreendia frequentemente o autor depois de ele adormecer e até perturbava o seu descanso por contactos físicos.
n) O autor, como motorista de autocarro, trabalhava cerca de 10 horas por dia, necessitava de se levantar da cama para se lavar às quatro horas da manhã;
o) Devido aos casos acima referidos foram instaurados processos pelo CPSP, n.os COM:12121/2016/C2 e COM:13618/2016/C2, os quais não prosseguiram para processos criminais.
p) Além dos três aludidos casos, surgiram, posteriormente, os seguintes processos:
1) COM: 14054/2016/C2
2) COM: 8331/2017/C2
3) COM: 11434/2017/C2
4) COM: 8206/2018/C2
5) COM: 8290/2018/C2
6) COM: 8590/2018/C2
7) COM: 8526/2018/C2
  
b) Do Direito.

  Vem o Recorrente impugnar a decisão recorrida quanto à matéria de facto, nomeadamente por ter sido dado como não provada a matéria dos quesitos 20º a 22º e 30º a 32º da base instrutória.
  É do seguinte teor a decisão recorrida quanto à matéria de facto não apurada:
  «Com relevo para a decisão da causa nenhum outro facto se provou. Designadamente, não se provou que a ré recusou fornecer dados ao réu para este juntar ao processo de atribuição de casa de habitação económica, que a ré perturbou o sono do autor, nem que:
1. Quando autor e ré viviam na China continental, com o passar do tempo, pouco a pouco o autor sentiu-se incompatível com a ré e discutiram por causa dos assuntos da casa com muita frequência.
2. Tomado o conhecimento do pedido de divórcio, deduzido pelo autor na China continental, a ré começou a queixar-se e chorando por múltiplas vezes e por muito tempo, o mais longo até durava 2-3 horas, causando-lhe dores de cabeça e outras sintomas;
3. Embora ambos mantiveram a relação conjugal, os sentimentos já não eram os mesmos, o relacionamento era cada vez mais deteriorado.
4. O autor entende que a ré não tem, efectivamente, intensão de fixar a residência com ele, mas sim viverem em dois locais diferentes;
5. Devido aos remorsos pelas discussões com o autor, numa noite de Maio de 2016, a ré até chegou, no dia seguinte, após ida do autor ao trabalho, a dirigir expressões grosseiras à mãe do autor, causando-lhe estímulo e provocando-lhe acidente vascular cerebral.
6. Depois dessa data, o autor teve de deixou a mãe viver com o irmão dele na RPC, para evitar mais excitações;
7. Além disso, para não deteriorar novamente a vida familiar, o autor optava, em geral, de ficar em silêncio, sempre que se surgia novas incongruências, com vista a evitar conflitos.
8. Mas, a ré continuava sempre a proferir expressões para perturbar o autor, perante o seu silêncio, criticando o autor por não manifestar interesse dela;
9. Nunca houve sossego na vida familiar de ambos.
10. No dia 1 de Outubro de 2016, o autor sentiu que não haverá, de facto, possibilidades de continuar a conviver;
11. Na noite de 1 de Outubro de 2016, a mãe do autor, por motivo da consulta periódica numa instituição médica, regressou a Macau, pernoitou na casa do autor.
12. Tendo em conta que havia conflito entre a ré e a mãe do autor, e que foi notificado, pelo Instituto de Habitação, para a apresentação dos dados dos agregados familiares para a aquisição de habitação económica, o autor pediu também à ré para que ela regressasse na noite do dia 1 de Outubro de 2016 a Macau, para coabitar, a fim de poder o autor preparar os respectivos documentos e para que ela pudesse pedir desculpas à sua mãe.
13. Mas, a ré insiste não ter errado, recusando pedir desculpa e começou aos berros;
14. Perante essa situação, o autor pretendia ir juntamente com a mãe à casa do irmão mais velho do autor para lá ficarem alojados, para que a mãe fosse novamente excitada por assunto de ambos.
15. Nessa noite de 01 de Outubro de 2016 A ré ficou bastante furiosa ao tomar conhecimento desse assunto, ficando aos berros e usou o seu corpo para bloquear a porta principal da casa, para impedir a saída do autor e da sua mãe.
16. Sem qualquer outra solução, o autor apenas podia telefonar para o seu irmão mais velho para vir buscar a mãe e apresentar queixa à polícia;
17. A porta só foi aberta depois da chegada dos polícias, mas a ré continuava a não colaborar, uma mão a pegar nas barras de ferro do portão, outra mão pressionando a parede laterais do lado oposto do portão, bloqueando com o seu corpo o corredor que dá acesso ao elevador, para não deixar o autor e a sua mãe sairem do local;
18. Por fim, a mãe do autor só conseguiu deixar o local depois de uso de força apropriada pelos agentes;
19. O autor deixou de efectivar a responsabilidade criminal e o caso foi transferido pelo CPSP ao Instituto de Acção Social, para o acompanhamento do caso;
20. Nos casos referidos na alínea q) dos factos provados, a ré estava envolvida em lesões de estrangulamento e ataques à parte inferior do corpo do autor;
21. Entre 2016 e 2018, o autor sentia-se profundamente torturado;
22. O pedido do autor de atribuição de habitação económica foi excluído em Abril de 2018 por falta de dados devido à não colaboração por parte da ré e o desejo do autor de estabelecer e adquirir um imóvel em Macau foi em vão;
23. O autor quis divorciar-se várias vezes depois de ter surgido o primeiro caso acima mencionado;
24. De acordo com o conhecimento do autor, o divórcio do autor e da ré deve ser requerido na RPC, caso regresse à RPC para tratar das formalidades, poderá perder o emprego actual que tem em Macau, o pilar financeiro entrará em colapso e provavelmente perderá a fracção actualmente a arrendar;
25. De acordo com o conhecimento do autor, uma vez que a ré dissera ao autor que havia sofrido aborto, de acordo com as leis da China continental, não se pode divorciar dentro de seis meses após o aborto;
26. A filha do autor chegou a Macau há pouco tempo para estudar e o autor receia que ainda não tenha adaptado a nova vida escolar;
27. Sempre que o autor pedia o divórcio junto da ré, ela começava logo a berrar, ameaçando que iria lançar ácido sulfúrico no autor e procurar pessoal da associação secreta para perturbar a família dele;
28. O autor apenas pode aguentar e manter-se em silêncio, desistindo da ideia de divórcio e mantendo, quanto possível, a distância com a ré, deixando a filha dormir com a mãe para que ele possa descansar;
29. A ré e a filha rejeitaram dormir no mesmo quarto e o autor, sem remédio, teve que sair para dormir na sala de estar, mas, infelizmente, a ré ia sempre para a sala e retirava o cobertor dele ou praticava outros actos que lhe impedia dormir, forçando o autor a voltar para o quarto e dormirem juntos;
30. Esses comportamentos da ré provocaram lesões físicas e mentais ao autor que o obrigaram a pedir apoio junto do Instituto de Acção Social e Movimento Católico de Apoio à Família nos termos que constam do documento de fls. 33.
31. Os comportamentos da ré fizeram com que ambos não conseguissem manter a vida em comunhão, afectando, gravemente, a dignidade, o corpo físico e a vida do autor;
32. No período compreendido entre 2016 e 2018, a ré proferiu ao autor expressões provocantes por muito tempo e por várias vezes, agressões físicas e berros, provocando ao autor graves prejuízos físicos e psicológicos.
  
  A convicção do tribunal fundou-se na análise conjunta e crítica da prova produzida, ponderada segundo a sua verosimilhança e em confronto com as regras da lógica e da experiência.
  Quanto à prova testemunhal, ponderou-a o tribunal considerando que todas as testemunhas inquiridas eram agentes da PSP que intervieram no exercício das suas funções nas diversas situações de discussão exaltada existentes entre autor e ré e demonstraram apenas conhecimento muito vago e memória muito vaga da situação concreta em que intervieram, tendo prestado depoimento também muito vago e nada pormenorizado quanto aos motivos e ao decurso das discussões, mesmo depois de lhes serem exibidos os documentos de fls. 99 a 114 que relatam a intervenção da PSP na sequência das várias discussões conjugais. Desta forma, os depoimentos das testemunhas apenas contribuíram para o tribunal se convencer que houve discussões exaltadas entre autor e ré, mas em nada contribuíram para esclarecer o tribunal quanto ao conteúdo dessas discussões, às razões por que ocorreram, quem as despoletou e alimentou, etc.
  Quanto à prova documental, ponderou-a o tribunal no âmbito da livre convicção considerando que nenhum documento tem força probatória vinculada, com excepção dos documentos que foram juntos com a petição inicial e que relevaram para a formação da convicção do tribunal apenas quanto ao casamento das partes, ao nascimento da sua filha, ao processo de atribuição de casa económica e à instauração de processo de divórcio na China continental e respectiva desistência. Desta forma, também os documentos dos autos demonstram apenas que houve discussões frequentes entre autor e ré, mas não esclarecem as razões nem o conteúdo de tais discussões, nem quem as causou e porquê, nem quem as alimentou e como. Por isso, a convicção do tribunal formou-se no sentido de não estar provada a factualidade alegada na petição inicial relativa ao conteúdo, às causas e ao cônjuge causador das discussões existentes entre autor e ré.
  Também o relatório social junto aos autos não tem virtualidade de esclarecer o tribunal sobre o cônjuge responsável pelas desavenças conjugais.
  No que respeita ao documento de fls. 32, o mesmo não é suficiente para, desacompanhado de qualquer outra prova, fundar a convicção do tribunal no sentido de ter sido devido à actuação da ré que o autor pediu auxílio ao “Movimento Católico de Apoio à Família”. Assim, não logrou o tribunal apurar quais as razões que levaram o autor a pedir auxílio e qual o causador de tais razões.
  Em síntese, a análise conjunta da prova produzida não permitiu ao tribunal esclarecer-se da causa dos conflitos entre autor e ré, designadamente:
  - Se se devem à personalidade da ré;
  - Se se devem ao facto de o autor pretender adquirir casa económica na RAEM e, sendo casado com a ré, as condições económicas da autora o impedirem;
  - Se se devem a qualquer outra razão.».
  
  As alegações e conclusões do recurso versam sobre o entendimento que o Autor tem do que haveria de ter sido dado como provado com base nas queixas apresentadas à polícia e no facto da candidatura a habitação económica não ter tido êxito.
  Contudo, como já aliás resulta da fundamentação na decisão recorrida, contrariamente ao que o Recorrente pretende as queixas apresentadas à policia por si só nada provam, uma vez que, através delas não podemos saber porque é que as discussões entre o casal acontecem, qual o conteúdo e quem as despoletou.
  Os documentos relativos às queixas provam apenas as queixas e o conteúdo da mesma o que está longe de ser demonstrativo de que o conteúdo da queixa seja verdade.
  De igual modo, pelo facto do Autor ter pedido auxílio a um movimento, tal não nos permite excluir a hipótese de eventualmente poder ser ele o causador das discussões, uma vez que, como já se referiu não há prova alguma sobre a causa e conteúdo das discussões.
  Assim como, ainda que, a exclusão da candidatura à aquisição de habitação económica haja ocorrido por falta de documentos da Ré, tal, no quadro em que nos encontramos, não é bastante para se concluir que foi a Ré quem voluntariamente e com intenção de prejudicar, não os facultou, deixando em aberto um sem número de possibilidades que necessitariam de prova complementar que não foi produzida.
  Pelo que, quanto a esta matéria, pese embora o Recorrente indique o documento com base no qual entende que a decisão do tribunal haveria de ter sido outra, esse documento, à míngua de outra prova, não é bastante neste caso concreto para se dar como provado o que se pretende.
  Destarte, não assiste razão ao Recorrente no que concerne à interpretação que haveria de ter sido dada aos documentos que indica no sentido de alterar a decisão quanto à matéria de facto, a qual se encontra fundamentada de forma convicente, nada havendo a alterar.
  Em sentido idêntico veja-se Acórdão deste tribunal de 09.05.2019, processo nº 240/2019, «I – (…). II - para que a decisão da 1ª instância seja alterada, haverá que averiguar se algo de “anormal”, se passou na formação dessa apontada “convicção”, ou seja, ter-se-á que demonstrar que na formação da convicção do julgador de 1ª instância, retratada nas respostas que se deram aos factos, foram violadas regras que lhe deviam ter estado subjacentes, nomeadamente face às regras da experiência, da ciência e da lógica, da sua conformidade com os meios probatórios produzidos, ou com outros factos que deu como assentes.».
  Mais se insurge o Recorrente quanto à decisão impugnada no que concerne à aplicação do direito.
  Nada havendo a alterar à matéria de facto apurada e tendo o divórcio sido requerido apenas com base na violação de dois dos deveres conjugais, as quais não se provaram, outra decisão não se oferecia ao tribunal “a quo” que não fosse a que se tirou.
  De notar, que de uma maneira geral a jurisprudência que se invocou se reporta a divórcios decretados com base na separação de facto, situação que não se invoca nem se aplica ao caso sub judice.
  Por outro lado, ainda que a Jurisprudência tenha de acompanhar o evoluir da sociedade perante determinadas situações, tal não autoriza que se vá para além do direito legislado, e embora a lei determine que se avalie se a violação dos deveres conjugais foi de molde a comprometer de forma definitiva a possibilidade de vida em comum – artº 1635º do C.Civ. - , a impossibilidade da vida em comum enquanto fundamento autónomo, ou aquilo que a Doutrina costuma classificar como incompatibilidades de feitios e que nalgumas legislações é fundamento de divórcio, não o é – fundamento de divórcio – no caso da legislação de Macau.
  Pelo que, nada havendo a apontar à decisão recorrida, impõe-se negar provimento ao recurso.
  
III. DECISÃO
  
  Nestes termos e pelos fundamentos expostos nega-se provimento ao recurso mantendo a decisão recorrida nos seus precisos termos.
  
  Custas a cargo do Recorrente sem prejuízo do apoio judiciário que lhe foi concedido.
  
  Registe e Notifique.
  
  RAEM, 1 de Julho de 2021
  
(Relator)
Rui Carlos dos Santos Pereira Ribeiro

(Primeiro Juiz-Adjunto)
Lai Kin Hong

(Segundo Juiz-Adjunto)
Fong Man Chong
  
  

200/2021 CÍVEL 4