Processo nº 1015/2020
(Autos de Recurso Contencioso)
Data: 08 de Julho de 2021
ASSUNTO:
- Faltas por motivo de doença
- Junta de saúde
- Notificação verbal
SUMÁRIO:
- Nos termos da al. a) do nº 1 do artº 104 do ETAPM, salvo nos casos de internamento em estabelecimento hospitalar, o trabalhador quando atinja o limite de 60 dias de ausência ao serviço por motivo de doença justificada é submetido à Junta de Saúde, para esta pronunciar-se sobre a aptidão do trabalhador em regressar ao serviço (artº 105º, nº 1, al. a) do ETAPM).
- A notificação verbal do parecer da Junta de Saúde logo após a sua realização não é suficiente para o Recorrente saber se o tal parecer foi ou não confirmado pelo Director dos SSM e a partir do qual produz os seus efeitos.
- Nesta conformidade, não se pode dizer que o Recorrente incumpriu conscientemente a deliberação da Junta de Saúde no sentido de regressar ao serviço, uma vez que ele não tem conhecimento do acto da homologação do Director dos SSM, não sabendo portanto se a decisão da Junta de Saúde produziu ou não efectivamente efeitos.
O Relator,
Ho Wai Neng
Processo nº 1015/2020
(Autos de Recurso Contencioso)
Data: 08 de Julho de 2021
Recorrente: A
Entidade Recorrida: Secretário para a Segurança
ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
I – Relatório
A, melhor identificado nos autos, vem interpor o presente recurso contencioso contra o despacho do Secretário para a Segurança, de 21/09/2020, que lhe aplicou a pena de demissão, concluíndo que:
1. Vem a petição de recurso contencioso interposto contra a Entidade Recorrida, o Exmo. Senhor Secretário para a Segurança, que, no âmbito do Processo Disciplinar n.º 227/2019-CPSP, proferiu uma decisão de aplicação ao Recorrente de pena de demissão, prevista nas disposições conjugadas dos artigos 219,º, alínea g), 224.º, 238º, nº 2, alínea i), 240.º, alínea c) e 228.º, todos do EMFSM;
2. A Entidade Recorrida emitiu o acto administrativo recorrido, imputando ao Recorrente a não observância do dever de assiduidade, previsto na alínea a) do n.º 2 do artigo 13.º do EMFSM, por alegadamente ter faltado injustificada mente ao serviço desde 23 de Julho até 20 de Setembro de 2019;
3. O Recorrente ingressou no Corpo de Polícia de Segurança Pública no ano de 1999, na categoria de Guarda de primeira, tendo o número de Agente 292961, sempre foi um funcionário diligente, zeloso, responsável e respeitado no seio do Corpo de Polícia de Segurança Pública, tendo sido colocado na classe de comportamento "Exemplar", e merecido a avaliação de Bom;
4. Desde 2014 o Recorrente passou a sentir fortes dores no pescoço, no ombro, na região lombar e na perna, resultantes do acidente de viação que sofreu em 1997;
5. Essas dores frequentes no pescoço, na zona lombar e no ombro, com irradiação para a zona dos membros inferiores, impedem o Recorrente de estar em pé ou sentado por períodos prolongados, e impedem também de caminhar por períodos prolongados, de subir e descer escadas, designadamente não conseguindo suportar os normais trabalhos de patrulha com armas, treinos físicos e testes, afectando de forma séria e grave a sua a vida profissional e pessoal, tornando-se assim incapacitantes;
6. Por força dessa doença, o Recorrente recorreu a consultas médicas e efectuou exames radiológicos que vieram diagnosticar uma doença degenerativa e hérnia dos discos intervertebrais lombares L4-5, uma epicondilite lateral no úmero direito, uma espondilose lombar, com ciática e dores lombares, com compressão da raiz nervosa do L5, dores nas costas, no ombro direito e na perna esquerda, com dormência e fraqueza;
7. A partir desse momento passou a efectuar tratamento médico e fisioterapia, bem como a tomar a medicação que lhe era prescrita pelo seu médico assistente;
8. Apesar dos tratamentos médicos a que se submeteu, o Recorrente não viu melhorada a sua situação de saúde pelo que a partir do mês de Maio de 2016 teve que recorrer à situação de baixa médica, como resulta dos relatórios médicos;
9. Desde Fevereiro de 2016 que o Recorrente está numa situação de ausência ao trabalho por motivo de doença devidamente comprovada pelos médicos que acompanharam o Recorrente;
10. Durante todo este período, e por determinação do Corpo de Polícia de Segurança Pública, o Recorrente foi sendo apresentado a diversas Juntas de Saúde;
11. Nas Juntas de Saúde era havida uma reunião com os médicos da Junta de Saúde, onde era solicitado ao Recorrente a apresentação de documentos e relatórios dos médicos que a seguiam, ou o Recorrente procedia à entrega de documentos à Junta;
12. Em todas as ocasiões que compareceu perante a Junta de Saúde o Recorrente nunca foi examinado pelos médicos que a compõe, limitando-se a entregar documentos de que dispunha e emitidos pelos médicos que acompanhavam o seu estado clínico
13. No dia 21 de Junho de 2019 o Recorrente foi à Junta de Saúde tendo dado opinião que i o Recorrente podia voltar ao trabalho uma vez que havia um relatório medico que lhe fixava uma incapacidade de trabalho de 5%, cfr. fls. 90 e 320 do presente processo disciplinar;
14. O Recorrente nunca foi notificado pela Junta de Saúde nem pelos Serviços de Saúde do parecer da Junta de Saúde, fosse de que modo fosse
15. Em data que não consegue precisar foi informado dessa decisão pelo Corpo de Polícia de Segurança Pública através de Oficio nº 184/DRH/DGR/2019 de 2 de Julho de 2019;
16. O Recorrente não recebeu qualquer notificação ou instrução por parte do Corpo de Polícia de Segurança Pública dando-lhe ordens para se apresentar ao serviço no dia 23 de Julho de 2019;
17. Dessa notificação resulta claro que a Junta de Saúde foi realizada nos termos do disposto no art. 104º, nº 1, al. a) do ETAPM, isto é, porque atingiu o limite de 60 dias de ausência ao serviço por motivo de doença justificada;
18. A Junta de Saúde de 21 de Junho de 2019 não se pronunciou nem decidiu sobre a confirmação ou não confirmação da doença durante o período de 01/02/2019 a 20/06/2019;
19. Perante aquela deliberação e perante a notificação de fls. 90 o Recorrente teria ainda que diligenciar pela obtenção de atestados médicos suplementares para que a Junta de Saúde pudesse completar o procedimento dessa mesma confirmação;
20. O Recorrente continuou de baixa médica porque estava doente, doença essa clinicamente comprovada, apresentado sempre atestados médicos para esse efeito;
21. Na Junta de Saúde de 20 de Setembro de 2019 não foi confirmada a doença no período entre 01/02/2019 a 23/06/2019 e no período entre 23/07/2019 a 10/09/2019, tendo esta dado opinião que o Recorrente podia voltar ao trabalho com trabalhos ligeiros;
22. O Recorrente nunca foi notificado pela Junta de Saúde nem pelos Serviços de Saúde desses pareceres da Junta de Saúde, fosse de que modo fosse;
23. No dia 9 de Setembro de 2019 foi instaurado um processo disciplinar contra o Recorrente, sob o n.º 170/2019, devido a alegadas ausências ilegítimas ao serviço;
24. Esse processo disciplinar veio a ser arquivado por despacho do Senhor Comandante do CPSP de 22 de Novembro de 2019, despacho esse que recaia sobre as ausências ilegítimas no período de 1 de Fevereiro a 23 de Junho de 2019 e no período de 23 de Julho a 10 de Setembro de 2019, cfr. resulta de fls. 3 do presente processo disciplinar;
25. Os factos que foram considerados naquele processo disciplinar já arquivado, e referentes ao período de 23 de Julho a 10 de Setembro de 2019, são os mesmos que estão em discussão no presente processo disciplinar, e sobre os quais incidiram a decisão punitiva ora recorrida, o que corresponde a uma dupla valoração dos factos;
26. A decisão proferida, enquanto violadora de princípios estruturantes que regem o processo disciplinar, como sejam o princípio da proibição da dupla valoração, ou princípio do non bis in idem, padece do vício de violação de lei, o que gera a sua anulabilidade que se invoca
27. Há vícios no procedimento administrativo da Junta de Saúde que jamais poderão servir qualquer decisão punitiva em prejuízo do Recorrente, sendo certo que o Recorrente é completamente alheio a esses vícios;
28. As Juntas de Saúde, porque foram reunidas ao abrigo do disposto no art. 104º, nº 1, al. a) do ETAPM, têm um dever de se pronunciar sobre a aptidão do trabalhador em regressar ao serviço (art. 105º, nº 1, al. a) do ETAPM), já que as outras duas decisões constantes da alínea b) e c) do artigo 105.º, n.º 1 não e enquadram no art. 104, nº 1, al. a);
29. Resulta do art. 105º, nº 7 do ETAPM o dever de notificar o interessado do resultado do parecer da Junta de Saúde e respectivo acto de homologação, em cumprimento do disposto no artigo 68.º e 70.º do CPA;
30. A decisão recorrida afirma que a deliberação da Junta de Saúde de 21 de Junho de 2019 foi comunicada ao Recorrente, quando tal não corresponde à verdade pois os Serviços de Saúde omitiram claramente o seu dever de notificação, e assim a decisão recorrida está inquinada com o vício e violação de lei por erro nos pressupostos de facto;
31. A Entidade Recorrida solicitou, no âmbito do processo disciplinar, o depoimento dos médicos que compuseram as Juntas Médicas in casu, porém tais diligências complementares não foram levadas a cabo, limitando-se Director dos Serviços de Saúde a emitir um ofício afirmando que a junta de Saúde cumpriu a lei;
32. A omissão dessas diligências complementares constitui nulidade insuprível nos termos do n.º 1 do art. 262º DO EMFSM;
33. O Sr. Instrutor, no seu relatório final, olvida que a intervenção do Recorrente tem de revelar perfeito conhecimento do conteúdo dos actos em causa, tal como decorre da al. b), do nº 1 do art. 69 do CPA, e por isso a decisão recorrida viola o disposto na al. b), do nº 1 do art. 69º do CPA;
34. Na Junta de Saúde, porque reunida ao abrigo do art. 104º, nº 1, al. a), apenas se delibera se o trabalhador está apto para o trabalho;
35. Ainda que o Recorrente tivesse sido notificado desta deliberação, o que não sucedeu, nunca o Recorrente poderia de aqui concluir que houvesse alguma ordem de regresso ao serviço;
36. A ordem para o Recorrente se apresentar imediatamente ao trabalho não é da competência dos Serviços de Saúde, muito menos da Junta de Saúde, pois compete apenas ao Corpo de Polícia de Segurança Pública, e essa ordem nunca existiu;
37. Importa considerar que o CPSP levou quase 1 mês a dar conhecimento ao Recorrente da deliberação de 21 de Junho de 2019;
38. A seguir a interpretação do acto recorrido, ao não agir diligentemente, o CPSP colocou o Recorrente na posição de ausente do serviço sem justificação, quando este desde sempre justificou as suas ausências por doença através da apresentação dos competentes atestados médicos;
39. Há neste procedimento uma clara violação do princípio da adequação e eficiência procedimental plasmado no artigo 12.º do CPA, que não poderá jamais resultar em prejuízo do Recorrente;
40. A Administração desrespeitou in casu um dever de notificação, e violou o princípio da eficiência e desburocratização, o que é gerador de uma ilegalidade e que inquina o acto recorrido no vicio de violação de lei por erro nos pressupostos de facto e de direito;
41. Nos termos do disposto no art. 104º, nº 1, al. a) do ETAPM o funcionário deve ser submetido a uma Junta de Saúde se estiver ausente do serviço por doença justificada por mais de dias, sendo que essa Junta apenas decide se o funcionário está ou não apto para regressar ao serviço, isto é, nada decide quanto à confirmação ou não da doença;
42. Se o funcionário que foi considerado apto a regressar ao serviço pela Junta de Saúde, voltar a adoecer nos 7 dias uteis seguintes, deverá ser chamado a uma nova Junta, a que podemos designar de 2ª Junta, e essa Junta apenas tem competência para confirmar ou não a doença, tal como diz o art. 105º, nº 2, in fine, isto é, não tem competência para determinar se as faltas ao serviço dadas anteriormente são ou não justificadas;
43. Se a 2ª Junta não confirmar a doença, e o funcionário continuar a faltar ao serviço após essa 2ª Junta, então só a partir desse momento é que se poderá considerar que essas ausências - as ocorridas depois da 2ª Junta de não confirmação da doença - serão consideradas injustificadas. É o que decorre do art. 105º, nº 5 do ETAPM;
44. A junta de Saúde de 20 de Setembro reuniu nos termos do disposto no art. 104º, nº 1, al. a) do ETAPM, isto é, porque o Recorrente havia atingido o limite de 60 dias de ausência ao serviço por motivo de doença justificada;
45. O resultado que decorre dessa Junta de Saúde apenas poderá ser o de considerar o trabalhador aptou ou não a regressar ao trabalho, e a Junta não tem a competência para considerar as faltas injustificadas naquele período entre 23/07/2019 e 20/09/2019;
46. O Recorrente nunca foi chamado à 2ª Junta nos termos do art. 105º, nº 2, logo, não há decisão de confirmação (ou não) da doença;
47. As ausências ao serviço durante o período de 23/07/2019 e 20/09/2019 não são injustificadas;
48. E assim, a Junta de Saúde de 20 de Setembro não poderia ter decidido como decidiu, isto é, que durante o período de 23/07/2019 e 20/09/2019 o Recorrente estava a faltar ao serviço injustificadamente:
49. A Decisão recorrida incorre uma vez mais em vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto e de direito, por violação do disposto no art. 104º, nº 1, al. a), 105º, nº 1, al. a), nº 2 e 5 do ETAPM;
50. O conceito de "ausência ilegítima" adoptado pelo legislador, definido como um deixar de comparecer ao serviço "injustificadamente" - que não se confunde, todavia, com o conceito de fartas justificadas/injustificadas adoptado pela lei laboral - está pensado para aqueles casos em que o militarizado se abstém pura e simplesmente de comparecer ao serviço, sem qualquer motivo aparente, ou sem a preocupação de explicar o porquê da sua ausência, o que não é o caso do Recorrente;
51. O Recorrente encontrava-se, e encontra-se, efectivamente impossibilitado de voltar ao trabalho porque estava, e está, doente;
52. Todos os atestados médicos que se juntam e já constantes dos autos do processo disciplinar provam isso mesmo, a doença incapacitante do Recorrente para trabalhar;
53. Resulta da respectiva escala de serviço junta ao processo disciplinar que o Recorrente estava "doente", e que as faltas ao serviço estavam justificadas;
54. O Recorrente nunca teve intenção de faltar ao trabalho, não foi uma opção sua, mas uma necessidade resultante da sua doença clinicamente provada;
55. Não "desapareceu" do trabalho, não assumiu uma atitude de abstenção descuidada e desrespeitosa pelo serviço público que presta há mais de 15 anos com zelo, diligência e sentido de cumprimento de dever;
56. O comportamento do Recorrente não é subsumível às referidas previsões normativas e que densificam em que circunstâncias existe uma violação do dever de assiduidade;
57. Não se encontrando verificada uma situação de ausência ilegítima do Recorrente ao serviço, prevista no artigo 238.º, n.º 2, alínea i) do EMFSM, o acto recorrido está inquinado com o vício de violação de lei por erro nos pressupostos de Facto e de Direito, o que gera a anulabilidade do acto, como resulta do artigo 124.º do CPA, que aqui se invoca para os devidos efeitos legais, nomeadamente para efeitos do estabelecido na alínea d) do nº 1 do artigo 21.º do CPAC;
58. Nos termos do n.º 1 do artigo 238.º do EMFSM (idêntico ao n.º 1 do artigo 315.º do ETAPM), a inviabilidade de manutenção da situação jurídico-funcional é pressuposto essencial para a aplicação da pena de demissão, que in casu foi aplicada;
59. Torna-se necessário que essa violação, em concreto, e fundadamente, importe a inviabilidade da manutenção da relação funcional prevista na referida disposição legal;
60. Se é certo que o conceito de inviabilização da manutenção da relação funcional se concretiza através de juízos de prognose em que a Administração goza de ampla liberdade de apreciação, não é menos certo é que esse juízo terá necessariamente de assentar em factos concretos, factos esses que deverão ser tidos em conta, o que não sucede in casu;
61. Em momento algum do procedimento disciplinar sub judice foi apontado e fundamentado qualquer motivo de falta de competência ou de falta de idoneidade moral do Arguido, ora Recorrente, que são os requisitos que presidem à inviabilidade da continuidade da relação laboral;
62. Era ao autor do despacho punitivo a quem competia alegar e provar que as alegadas infracções inviabilizariam a manutenção da situação jurídico-funcional do Recorrente, o que não sucedeu in casu;
63. O acto recorrido é omisso quanto à fundamentação do conceito de insustentável a manutenção do vínculo funcional, pelo que a entidade recorrida também aqui violou o seu dever de fundamentação;
64. Não resulta do acto recorrido por que razão a entidade recorrida optou pela pena de demissão e não pela pena de aposentação compulsiva;
65. A entidade recorrida violou o seu dever de fundamentação a que está vinculada nos termos do artigo 282.º, n.º 1 do EMFSM em conjugação com o disposto nos artigos 114.º e 115.º do CPA;
66. Se a Administração aplica determinada pena disciplinar que se mostra vinculada à verificação de pressupostos que não decorrem da factualidade dada como provada, então a Administração age em erro na qualificação jurídica dos factos;
67. Conclui-se, portanto, que do presente procedimento disciplinar não consta nenhum motivo de falta de competência ou de falta de idoneidade moral do Recorrente, nem que o Recorrente revela uma personalidade inadequada ao exercício das suas funções, nem como a conduta do Recorrente atinge de forma grave e intolerável o prestigia e a credibilidade da instituição de que faz parte;
68. As alegadas infracções não são susceptíveis de inviabilizar a manutenção da situação jurídico-funcional, i.e., o seu vínculo profissional não se encontra comprometido, não tendo havido quebra do vínculo de confiança com os respectivos superiores hierárquicos, nem a sua personalidade se revela inadequada ao exercício das funções públicas que desempenha;
69. A decisão punitiva padece do vício de violação de lei por erro sobre os pressupostos de Facto e de Direito, o que conduz à sua inevitável anulação, nos termos do artigo 124.º do CPA;
70. Não resulta do acto recorrido o motivo pelo qual a Entidade Recorrida optou pela pena mais gravosa de demissão e não por pena disciplinar menos gravosa;
71. A Entidade Recorrida, ao emitir o acto administrativo recorrido, violou flagrantemente os poderes discricionários subjacentes à aplicação das sanções disciplinares à Recorrente, consubstanciada na aplicação da pena disciplinar mais gravosa, a de demissão;
72. A sanção aplicada deve reflectir o grau de culpa e a gravidade da conduta, o que, manifestamente, não acontece na decisão recorrida;
73. A decisão punitiva padece de erro grosseiro na avaliação da culpa do Recorrente e de manifesta violação do princípio da proporcionalidade, que decorre do princípio da culpa, devendo a pena corresponder ao grau do desvalor da conduta do infractor, tendo em conta todas as circunstâncias relacionadas com a prática da infracção, devendo ser proporcional à gravidade da conduta disciplinarmente ilícita e atendendo-se a todo o circunstancialismo atenuante;
74. A decisão recorrida não considerou factos essenciais para a aplicação de uma decisão justa, equitativa e proporciona, factos esses que consubstanciam circunstâncias atenuantes da conduta do Recorrente e comprovam que a decisão punitiva de demissão é manifestamente excessiva e desproporcional;
75. O Recorrente tem mais de 15 anos de bons serviços como funcionário público, com lealdade e dedicação, e sempre pautou a sua conduta pessoal e profissional por um código ético rigoroso, sendo uma pessoa de reconhecido mérito, capacidade de trabalho e sempre consciente da importância e dignidade que é o serviço público;
76. Todos os seus anos de serviço desde 1999 têm sido avaliados consecutivamente com a classificação de "Bom":
77. O Recorrente sempre se comportou com a rectidão e honestidade e durante a sua carreira, sempre reunindo o respeito e bom nome por parte dos seus colegas de profissão;
78. O Recorrente é pessoa honrada e digno das funções que desempenha e do juramento que fez e sempre teve brio e orgulho no seu percurso profissional;
79. A haver infracção disciplinar, o que não se concede, esta foi praticada sem qualquer intenção por parte do Recorrente, e nem tão pouco tem qualquer tipo de repercussões na imagem do CPSP;
80. O Recorrente tem a seu cargo três filhos e a sua mãe que tem problemas de saúde, necessitando de cuidados médicos;
81. A decisão recorrida é manifestamente desproporcional à pena que lhe é aplicada, verificando-se um erro manifesto na escolha da medida sancionatória aplicada, em claro desrespeito pelo princípio da proporcionalidade;
82. A sanção a aplicar deveria ser enquadrada numa pena disciplinar menos gravosa;
83. A decisão ora recorrida enferma do vício de violação de lei, por violação dos princípios da proporcionalidade, adequação e justiça consagrado no artigos 5.º, n.º 2, e 7.º do CPA, pela total desrazoabilidade no exercício de poderes discricionários no que respeita à aplicação da pena de demissão, o que gera a sua anulabilidade, como resulta do artigo 124º do CPA, que aqui se invoca para os devidos efeitos legais, nomeadamente para efeitos do estabelecido na alínea d) do nº 1 do artigo 21º do CPAC.
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Regularmente citada, a Entidade Recorrida contestou nos termos constantes a fls. 94 a 100 dos autos, cujo teor aqui se dá integralmente reproduzido, pugnando pelo não provimento do recurso.
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O Recorrente apresentou as alegações facultativas, mantendo na sua essência, a posição assumida na petição inicial.
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O Mº Pº emitiu o parecer constante de fls. 152 a 157v dos autos, cujo teor aqui se dá integralmente reproduzido
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Foram colhidos os vistos legais dos Mmºs Juizes-Adjuntos.
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II – Pressupostos Processuais
O Tribunal é o competente.
As partes possuem a personalidade e a capacidade judiciárias.
Mostram-se legítimas e regularmente patrocinadas.
Não há questões prévias, nulidades ou outras excepções que obstam ao conhecimento do mérito da causa.
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III – Factos
Com base nos elementos existentes nos autos e no respectivo P.A., é assente a seguinte factualidade com interesse à boa decisão da causa:
1. O Recorrente ingressou no Corpo de Polícia de Segurança Pública no ano de 1999, com última categoria de Guarda de primeira classe.
2. Desde 2016 está numa situação de ausência ao trabalho por motivo de doença.
3. Foi submetido à Junta de Saúde por diversas vezes.
4. A Junta Médica realizada no dia 21/06/2019 considerou que o Recorrente era apto em regressar ao serviço.
5. Logo após a realização da Junta de Saúde, o Recorrente foi informado verbalmente do respectivo resultado.
6. O Director dos Serviços de Saúde homologou o parecer da Junta Médica no mesmo dia.
7. No entanto, o Recorrente continuou ausentar do serviço por motivo de doença no período entre 23/07/2019 a 10/09/2019.
8. Foi submetido novamente à Junta de Saúde no dia 20/09/2019, e a mesma não confirmou as faltas dadas período entre 23/07/2019 a 10/09/2019 como faltas justificadas por motivo de doença.
9. Este parecer da Junta de Saúde foi homologado pelo Director dos Serviços de Saúde no mesmo dia.
10. Em 22/11/2019, o Comandante da PSP proferiu, no âmbito do processo disciplinar nº 170/2019, no qual foi arguido o ora Recorrente, o seguinte despacho:
“…
經審閱本紀律程序,發現如下:
於2019年8月29日,資源管理廳以便函通知,根據衛生局健康檢查委員會審查記錄,健康檢查委員會於2019年6月21日對嫌疑人之個案發表意見“建議可返回工作崗位”。
於2019年8月16日,健康檢查委員會再次對嫌疑人之個案發表意見“相關專科醫生於06/06/2019的工作能力評估結果顯示,該工作人員目前喪失工作能力為5%,但其所提交的醫療報告未有充分理據證明20/06/2019至23/06/2019期間的缺勤是否合理,因此,本委員會不予確認”。
經調查後,於2019年9月20日,健康檢查委員會再次對嫌疑人之個案發表意見“該工作人員由01/2/2019至23/06/2019及23/07/2019至10/09/2019的缺勤未能證實為合理因病缺勤,不予確認。根據相關工作能力評估報告,該人員可返回部門工作,但需安排輕便工作。”。
據資料顯示,於2019年6月21日後,嫌疑人除享受年假外,仍無間斷地處於因病缺勤狀態(資料暫至10月8日)。
根據《公共行政工作人員通則》第105條第2款之規定:“被健康檢查委員會視為有能力返回部門工作之工作人員,如在隨後之七個工作日內再患病,應立即被命令接受同一委員會檢查,以確認病況。”;根據第105條第5款之規定:“如健康檢查委員會認為存在顯示有欺詐之情況或不確認在第二款所指之病況,缺勤之日數視為不合理缺勤,並對工作人員適用第九十條(不合理缺勤)第二款之規定。”
綜合上述,由於嫌疑人由健康檢查委員會不確認嫌疑人由01/2/2019至23/06/2019及23/07/2019至10/09/2019的因病缺勤,已超過連續五日及簡斷 10日缺勤,因此根據《澳門保安部隊軍事化人員通則》第289條第2款之規定,應立即對嫌疑人提起不正當缺勤程序。
現決定將本程序作“歸檔”處理,另命令司法及紀律辦公室提取本程序之必要文件制作證明書,就嫌疑人上述基於健康檢查委員會“不予確認”因病缺勤而引致的不正當缺勤提起另一“不正當缺勤”程序跟進。
… ”.
11. Na sequência do despacho supra do Comandante da PSP, foi instaurado o processo disciplinar especial por ausência ilegítma contra o ora Recorrente, que correu termos sob o nº 227/2019.
12. Em 21/09/2020, o Secretário para a Segurança proferiu o seguinte despacho (nº 099/SS/2020):
“…
Nos presentes autos de processo disciplinar em que é arguido o Guarda de primeira n.º 292961, A, do Corpo de Polícia de Segurança Pública, vem, conforme consta da acusação, a qual aqui se dá por inteiramente reproduzida, abundantemente provado que:
Na sequência de faltas por doença em que se constituíra desde o dia 1 de Fevereiro de 2019, o arguido foi presente a uma Junta de Saúde no dia 21 de Junho de 2019, a qual deliberou no sentido de o mesmo se apresentar ao serviço. O arguido gozou férias entre 24 de Junho e 23 de Julho de 2019, data em que devia cumprir a deliberação da Junta de Saúde, apresentando-se ao serviço.
O arguido não se apresentou ao serviço, como era seu dever no termo do gozo desse período de licença de férias, mantendo-se na situação de ausência por motivo de doença.
Em 16 de Agosto de 2019, o arguido foi de novo presente à Junta de Saúde, tendo sido deliberado aguardar esclarecimentos especializados sobre o estado clínico e, na sequência disso, voltou a Junta de Saúde a reunir em 20 de Setembro, sessão em que, após análise de um relatório elaborado por especialista da patologia invocada, acabou por ser reiterada a inexistência de incapacidade para o normal exercício de funções e, em consequência dessa deliberação, injustificadas faltas ocorridas entre 23 de Julho e 20 de Setembro.
Tendo faltado injustificadamente ao serviço por 5 (cinco) dias consecutivos dentro do mesmo ano civil, em violação do dever de assiduidade inscrito na alínea a do n.º 2 do artigo 13.º do Estatuto dos Militarizados das Forcas de Segurança de Macau (EMFSM), aprovado pelo Decreto Lei n.º 66/94/M, de 30 de Dezembro, constitui-se na situação ausência ilegítima conforme consta da alínea i) do n.º 2 do seu artigo 238.º com referência, também, ao disposto nos n.ºs 2 e 5, respectivamente dos artigos 90.º e 105.º do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública.
O comportamento absentista demonstra não ter o arguido condições para a manutenção do seu vínculo funcional, nomeadamente por falta de identificação com os deveres de assiduidade e disponibilidade para o exercício de funções, especialmente quando se comparam este tipo de condutas com a entrega ao serviço público protagonizada pela generalidade dos seus colegas, sendo, pois, de excluir a aplicação da pena expulsiva de aposentação compulsiva, não obstante contar mais de 15 anos de serviço, em face da atitude relapsa demonstrada e cuja gravidade inculca um elevado grau de censura ético-jurídica, ao persistir numa incapacidade física não clinicamente comprovada.
Nestes termos, ouvido o Conselho de Justiça e Disciplina, o Secretário para a Segurança, no uso dos poderes executivos que lhe advêm do n.º 1 da Ordem Executiva n.º 182/2019, com referência à competência disciplinar atribuída pelo Anexo G ao artigo 211º do EMFSM, ponderado que foi, também, o circunstancialismo atenuante constante da acusação, designadamente aquele a que se referem as alíneas b) h) e i) do n.º 2 do artigo 200.º do citado EMFSM
Pune o arguido, Guarda de primeira n.º 292961, A, do Corpo de Polícia de Segurança Pública, com a pena disciplinar de DEMISSÃO, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 219.º, alínea g) e 224.º, 238.º n.º 2 als. i) e 240.º al c), com os efeitos do artigo 228.º, todos os normativos citados do EMFSM.
…”.
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IV – Fundamentação
Nos termos da al. a) do nº 1 do artº 104 do ETAPM, salvo nos casos de internamento em estabelecimento hospitalar, o trabalhador quando atinja o limite de 60 dias de ausência ao serviço por motivo de doença justificada é submetido à Junta de Saúde, para esta pronunciar-se sobre a aptidão do trabalhador em regressar ao serviço (artº 105º, nº 1, al. a) do ETAPM).
Por sua vez, o nº 2 do citado artº 105º prevê que “O trabalhador que, tendo sido considerado apto pela Junta de Saúde para regressar ao serviço, volte a adoecer, no decurso dos 7 dias úteis seguintes, deve ser imediatamente mandato apresentar à mesma Junta, para efeitos de confirmação da doença”.
Caso a Junta de Saúde não confirmar a doença, os dias de ausência são havidos como faltas injustificadas (cfr. nº 5 do citado artº 105º do ETAPM).
No caso em apreço, a Junta de Saúde realizada em 21/06/2019 considerou que o Recorrente era apto em regressar ao serviço.
E logo após a realização da Junta de Saúde, o Recorrente foi informado verbalmente do respectivo resultado.
No entanto, o Recorrente continuou ausentar do serviço por motivo de doença no período entre 23/07/2019 a 10/09/2019.
Foi submetido novamente à Junta de Saúde no dia 20/09/2019, e a mesma não confirmou as faltas dadas período entre 23/07/2019 a 10/09/2019 como faltas justificadas por motivo de doença.
Assim, num primeiro momento, tudo indica que as faltas do serviço do Recorrente no período entre 23/7/2019 a 10/09/2019 são ausências ilegítimas, face ao disposto do nº 5 do artº 105º do ETAPM.
Porém, melhor analisada a situação concreta, temos um outro entendimento.
Prevê o n.º 1 do artigo 27.º do Decreto-Lei n.º 81/99/M que “A verificação ou confirmação das doenças e das incapacidades é feita pela Junta de Saúde e pela Junta de Revisão”.
Mais estatui a al. a) do n.º 2 do mesmo artigo que “Compete à Junta de Saúde, entre outros, verificar ou confirmar, nos termos da lei, as situações de doença do pessoal dos serviços públicos, tendo em vista a justificação de faltas ou fixação de incapacidades resultantes de doença ou acidente”.
E o n.º 3 do mesmo art. 27.º estabelece que “compete à Junta de Revisão apreciar, mediante requerimento do interessado ou a pedido dos serviços, as deliberações da Junta de Saúde relativas a incapacidades, confirmando-as ou alterando-as”.
Por sua vez, determina a al. f) do n.º 2 do artigo 9.º do mesmo diploma legal que “Compete ao Director dos SSM, em especial, homologar os pareceres das juntas médicas”.
Como se vê, o legislador atribui à Junta de Saúde a competência de confirmar ou não as situações de doença do pessoal dos serviços públicos, tendo em vista a justificação de faltas ou fixação de incapacidades resultantes de doença ou acidente, e o poder de revisão à Junta de Revisão em caso de recurso hierárquico impróprio quanto à fixação de incapacidades resultantes de doença ou acidente feita pela Junta de Saúde.
Tanto o parecer da Junta de Saúde como o da Junta de Revisão, ambos sujeitam à homologação do Director dos SSM.
Não resulta dos autos que o Recorrente foi pessoalmente notificado do acto de homologação do parecer da Junta de Saúde de 21/06/2019, antes ficou provado que só lhe foi dado conhecimento verbal do resultado da Junta de Saúde logo após a realização da mesma.
Ora, no momento da notificação verbal do Recorrente quanto à decisão/resultado da Junta de Saúde, a mesma ainda não está reunida todos os requisitos legais para a produção de efeitos.
Pois, o Director dos SSM pode optar em não homologar o parecer da Junta de Saúde. Neste caso, o parecer da Junta de Saúde deixa de ter qualquer efeito legal.
Daí que um conhecimento verbal do parecer da Junta de Saúde logo após a sua realização não é suficiente para o Recorrente saber se o tal parecer foi ou não confirmado pelo Director dos SSM e a partir do qual produz os seus efeitos.
Nesta conformidade, não se pode dizer que o Recorrente incumpriu conscientemente a deliberação da Junta de Saúde no sentido de regressar ao serviço, uma vez que ele não tem conhecimento do acto da homologação do Director dos SSM, não sabendo portanto se a decisão da Junta de Saúde produziu ou não efectivamente efeitos.
Aliás, caso o Recorrente for devidamente notificado do acto de homologação do Director dos SSM sobre o parecer da Junta de Saúde, pode impugná-lo por via contenciosa a seu benefício.
Pelo exposto, é de concluir que existe erro no pressuposto de facto no acto recorrido quando afirmar que o Recorrente violou de forma consciente a decisão da Junta de Saúde, não regressando ao serviço conforme determinado pela referida Junta, dando assim faltas injustificadas.
Por outro lado,
O que gera a anulabilidade do acto recorrido.
Torna-se desnecessária a apreciação dos demais vícios invocados.
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V – Decisão
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em julgar procedente o presente recurso contencioso, anulando o acto recorrido.
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Custas pela Entidade Recorrida, que goza da isenção subjectiva.
Notifique e D.N..
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RAEM, aos 08 de Julho de 2021.
Ho Wai Neng
Tong Hio Fong
Rui Carlos dos Santos P. Ribeiro
Mai Man Ieng
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1015/2020