Processo n.º 1158/2020
(Autos de recurso contencioso)
Data: 8/Julho/2021
Recorrente:
- A
Entidade recorrida:
- Secretário para a Segurança
Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:
I) RELATÓRIO
A, do sexo feminino, titular do Salvo-Conduto para deslocações a Hong Kong e a Macau, residente da República Popular da China, com sinais nos autos, inconformada com o despacho do Exm.º Secretário para a Segurança de 20 de Novembro de 2020, que determinou a interdição de entrada na RAEM da recorrente pelo período de 5 anos, interpôs o presente recurso contencioso de anulação de acto administrativo, formulando as seguintes conclusões:
“1. O acto recorrido enferma de ilegalidades que, conforme se demonstrará, o tornam inválido e anulável.
2. O regime jurídico geral da fundamentação dos actos administrativos consta actualmente dos artºs 114º e 115º do Código do Procedimento Administrativo.
3. A fundamentação deve proporcionar ao administrado (destinatário normal) a reconstituição do denominado iter cognoscitivo e valorativo do autor do acto para que este fique a conhecer o motivo por que se decidiu naquele sentido; para que conscientemente o aceite ou o impugne, ao mesmo tempo que se deseja que aquele decida com ponderação o que, em princípio se conseguirá com a externação dos respectivos fundamentos, prática que, normalmente, conduz à sua reflexão.
4. Trata-se, em suma, de exigir motivação adequadamente compreensível.
5. Do exposto flui, que a ora Recorrente tinha o direito de conhecer a respectiva e verdadeira fundamentação, para os fins legalmente previstos. Era necessária uma exposição dos fundamentos de facto e de direito que se apresentasse clara, congruente e suficiente, ainda que sucinta, e esclarecesse concretamente a motivação da decisão, o que não se verifica no acto impugnado, que por isso é ilegal.
6. Ao alegar-se no despacho em causa que a ora Recorrente foi condenada e que apesar da suspensão da execução da pena a sua permanência na RAEM constituirá um perigo para a ordem e segurança públicas não é manifestamente suficiente de facto e de direito para interditar a sua entrada na RAEM.
7. Com efeito, trata-se de um conceito abstracto sem concretização do perigo que eventualmente possa constituir a sua presença na RAEM.
8. Pelo que, a interdição de entrada da RAEM significa a aplicação de uma nova pena algo que o próprio Tribunal entendeu não ser necessário.
9. Violando os princípios da legalidade, da proporcionalidade e da justiça previstos nos artigos 3º, 5º e 7º do Código do Procedimento Administrativo.
Nestes termos e nos mais de direito, com o douto suprimento de V. Exa., deve ser concedido provimento ao presente recurso e, em consequência anulado o despacho recorrido, por vício de forma e por vício de violação de lei, com todas as consequências legais, assim se fazendo a habitual JUSTIÇA!”
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Regularmente citada, pela entidade recorrida foi apresentada a contestação constante de fls. 24 a 34, pugnando pela improcedência do recurso.
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Findo o prazo para alegações, o Ilustre Magistrado do Ministério Público deu o seguinte douto parecer:
“Na petição inicial, a recorrente solicitou a anulação do despacho em escrutínio (vide. fls. 19 a 20 dos autos), assacando o vício de forma por falta de fundamentação bem como a violação dos princípios da legalidade, da proporcionalidade e da justiça previstos nos arts. 3.º, 5.º e 7.º do CPA.
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Do art. 115º do CPA podem-se extrair os seguintes requisitos cumulativos da fundamentação: a)- a explicitude que se traduz na declaração expressa dos fundamentos de facto e de direito; b)- a contextualidade no sentido de constar da mesma forma em que se exterioriza a decisão tomada; c)- a clareza; d)- a congruência e, e)- a suficiência (Lino Ribeiro e José Cândido de Pinho: Código do Procedimento Administrativo de Macau – Anotado e Comentado, pp. 637 a 642). Pois, o n.º 2 deste normativo prevê peremptoriamente que a obscuridade, contradição ou insuficiência equivale à falta de fundamentação.
A jurisprudência autorizada inculca (a título do direito comparado, cfr. Acórdão do STA de Portugal de 10/03/1999, no Processo n.º 44302): A fundamentação é um conceito relativo que depende do tipo legal do acto, dos seus termos e das circunstâncias em que foi proferido, devendo dar a conhecer ao seu destinatário as razões de facto e de direito em que se baseou o seu autor para decidir nesse sentido e não noutro, não se podendo abstrair da situação específica daquele e da sua possibilidade, face às circunstâncias pessoais concretas, de se aperceber ou de apreender as referidas razões, mormente que intervém no procedimento administrativo impulsionando o itinerário cognoscitivo da autoridade decidente.
Com efeito, para que uma (eventual) insuficiência de fundamentação equivalha à sua falta (absoluta), é preciso que seja “manifesta”, no sentido de ser tal que fiquem por determinar os factos ou as considerações que levaram o órgão a agir ou a tomar aquela decisão, ou então, que resulte, evidente, que o agente não realizou um exame sério e imparcial dos factos e das disposições legais, por não ter tomado em conta interesses necessariamente implicados. (vide. Acórdão do TUI no Processo n.º 142/2020)
Bem, convém ainda ter presente que não se deve confundir a falta de fundamentação com a falta de fundamentos; sendo a primeira atinente à forma do acto administrativo e a segunda se refere ao seu conteúdo; a questão de saber se os fundamentos do acto recorrido estão correctos ou não, já é uma questão de fundo. (cfr. Acórdão do TSI no Processo n.º 663/2009).
Não se deve olvidar que concordar é uma coisa, e compreender é outra, a discordância duma posição não se equivale à incompreensão ou à incompreensibilidade. Por isso, a não concordância do interessado com a posição da Administração não germina a falta de fundamentação. O que nos leva a sufragamos a brilhante jurisprudência que inculca (Acórdão do TSI no Processo n.º 288/2015): O acto administrativo considera-se fundamentado quando o administrado, colocado na posição de um destinatário normal – o bonus pater familiae de que fala o artº 480º/2 do Código Civil – possa ficar a conhecer as razões factuais e jurídicas que estão na sua génese, de modo a permitir-lhe optar, de forma esclarecida, entre a aceitação do acto ou o accionamento dos meios legais de reacção, e de molde a que, nesta última circunstância, o tribunal possa também exercer o efectivo controle da legalidade do acto, aferindo o seu acerto jurídico em face da sua fundamentação contextual.
Nestes termos, a nossa leitura do despacho in quaestio deixa-nos a impressão de que não se verifica a arrogada falta de fundamentação, pois esse despacho aponta, com clareza e precisão, o facto (o acórdão condenatório aí referido), os preceitos legais e as avaliações prognósticas que subjazem à decisão de negar provimento ao recurso hierárquico.
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No que diz respeito à invocada violação dos princípios da legalidade, da proporcionalidade e da justiça consignados nos arts. 3.º, 5.º e 7.º do CPA, cabe-nos afirmar que no nosso prisma, é descabido o argumento de que “a interdição de entrada da RAEM significa a aplicação de uma nova pena algo que o próprio Tribunal entendeu não ser necessário, apesar da entidade recorrida assim não entender.” (a 8ª conclusão da petição inicial)
Perfilhamos a brilhante jurisprudência que inculca (cfr. Acórdão do TSI no Processo n.º 647/2012): V- A interdição de entrada no território não colide com os princípios consagrados nos arts. 29º e 43º da Lei Básica. VI- Não estamos neste caso de aplicação de medidas de prevenção em situação semelhante à da aplicação de regras que são próprias de um plano puramente penal. As penas são a reacção pública ao crime, enquanto a medida administrativa de segurança, como esta é, destina-se a salvaguardar um certo padrão social de ordem e tranquilidade públicas sob a forma de reacção a uma atitude comportamental de alguém que se não dobrou às regras de convivência societária.
O que nos aconselha a inferir que a suspensão da execução da pena aplicada em processo penal não obsta à aplicação da interdição de entrada na RAEM, a interdição de entrada como medida de polícia é completamente compatível com a supramencionada suspensão.
Em homenagem da humanidade, é verdade que nos faz sentir muito preocupados o facto reiteradamente alegado pela ora recorrente, no sentido de que ela é a mãe de duas menores – B e C que se nasceram respectivamente em 19/04/2015 e 04/07/2017, e ambas são titulares de bilhetes de identidade de residente permanente da RAEM (cfr. arts. 30.º e 31.º do Recurso Hierárquico Necessário bem como 30.º e 31.º da petição inicial).
No entanto, acontece que a recorrente nunca apresentou a correspondente prova e, de outra banda, ela não alegou facto concreto capaz de demonstrar que tanto a interdição em si mesma como o seu período de 5 anos fixado pela Administração Pública padeça de erro grosseiro, de total desrazoabilidade ou de intolerável injustiça.
Nesta linha de ponderação, em consonância com as doutas doutrina e jurisprudência atinentes aos princípios da proporcionalidade e de justiça, e com todo o respeito pelo melhor entendimento em sentido contrário, inclinamos a colher que o despacho em questão não infringe o princípio da legalidade, nem é manifestamente incompatível com os da proporcionalidade e de justiça.
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Por todo o expendido acima, propendemos pela improcedência do presente recurso contencioso.”
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O Tribunal é o competente e o processo o próprio.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e têm interesse processual.
Não existe outras nulidades, excepções nem questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
Corridos os vistos, cumpre decidir.
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II) FUNDAMENTAÇÃO
Resulta provada dos elementos constantes dos autos, designadamente do processo administrativo, a seguinte matéria de facto com pertinência para a decisão da causa:
Por despacho do Senhor Comandante da PSP, de 16.9.2020, foi aplicada à recorrente a medida de interdição de entrada na RAEM pelo período de cinco anos. (fls. 47 do processo administrativo)
Inconformada, a recorrente interpôs recurso hierárquico junto do Exm.º Secretário para a Segurança. (fls. 50 a 59 do processo administrativo)
A 20.11.2020, o Exm.º Secretário para a Segurança deu o seguinte despacho: (fls. 65 e 66 do processo administrativo)
“DESPACHO
ASSUNTO: Recurso hierárquico necessário
Medida de interdição de entrada na Região Administrativa Especial de Macau
RECORRENTE: A
Vem A, titular do Salvo-Conduto para deslocações a Hong Kong e a Macau nº XXX, apresentar recurso hierárquico do despacho do Senhor Comandante do Corpo de Polícia de Segurança Pública, de 16.09.2020, que lhe interditou a entrada na Região Administrativa Especial de Macau (RAEM), a partir de 29.07.2020, por um período de cinco (5) anos.
Compulsado o processo instrutor, resulta demonstrado que por acórdão do 3º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base, de 20.03.2020, a Recorrente foi condenada na pena de um ano (1) e três (3) meses de prisão, suspensa na sua execução por dois (2) anos, pela prática do crime de peculato, previsto e punido no art. 340º, n.º 1 do Código Penal conjugado com o art. 336º, n.º 2, c) do mesmo Código.
Com efeito, os factos pelos quais foi formalmente acusada – e, aliás, admitidos pela própria em sede de julgamento – vieram, segundo aquele aresto, a comprovar-se, o que, aliado às circunstâncias que nortearam a conduta criminosa em causa, criou na Entidade Recorrida a convicção de que se a Recorrente permanecer no território constituirá um perigo para a ordem e segurança públicas, o que motivou a adopção do acto recorrido, nos termos do art. 4º, n.º 2, 2) da Lei n.º 4/2003, de 17 de Março conjugado com o art. 12º, n.ºs 3 e 4 da Lei n.º 6/2004, de 2 de Agosto.
Por conseguinte, os factos ou as considerações que levaram a Entidade Recorrida a agir e expressas no acto aqui em crise permitem esclarecer, de forma clara, a motivação (quer de facto, quer de direito) subjacente à decisão, não se verificando o vício de falta de fundamentação alegado pela ora Recorrente.
Também naufraga a alegada violação dos princípios da legalidade, da proporcionalidade e da justiça, pois que a aplicação da medida de interdição aqui em causa não consubstancia, como defendido pela Recorrente, a aplicação de uma nova pena que o Tribunal entendeu não ser necessária, já que a sanção penal a que foi sujeita foi objecto de suspensão na sua execução por dois (2) anos.
Na verdade, o contexto do acto impugnado é bem diferente daquele onde a Recorrente foi sujeita a uma punição criminal, pois o mesmo insere-se no âmbito de um procedimento administrativo (e não num processo judicial), de acrácter securitário (não sancionatório), cerceado por uma lógica de prevenção geral e da promoção da paz social, com o desígnio de garantir a segurança e estabilidade da sociedade e onde não é determinante a efectiva punição da Recorrente em sede de justiça criminal.
Assim sendo, decido, ao abrigo do disposto no n.º 1 do art. 161º do CPA, confirmar o acto recorrido e negar provimento ao presente recurso.”
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Analisemos agora os fundamentos do recurso.
Da falta de fundamentação do acto administrativo
A recorrente assaca ao despacho recorrido vício de forma por falta de fundamentação, alegando que não foram indicadas as razões de facto e de direito que serviram de suporte à decisão, especialmente no concernente à “perigosidade” da recorrente.
Estatui-se no artigo 114.º do Código do Procedimento Administrativo que os actos administrativos que neguem, extingam, restrinjam ou afectem por qualquer modo direitos ou interesses legalmente protegidos, ou imponham ou agravem deveres, encargos ou sanções, devem ser fundamentados.
Preceitua-se ainda no n.º 1 do artigo 115.º do mesmo Código que a fundamentação deve ser expressa, através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão, podendo consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações, propostas que constituem neste caso parte integrante do respectivo acto.
A fundamentação visa assegurar a melhoria da qualidade e a legalidade dos actos administrativos, facilitar o recurso contencioso pelos eventuais lesados pelo acto administrativo, de modo a garantir o exercício efectivo do seu direito ao recurso contra actos lesivos, e tem ainda uma função persuasória e consensual, contribuindo para a uma maior transparência da actividade administrativa.1
No vertente caso, entendemos não estar em causa o vício invocado.
Tal como referiu o Acórdão deste TSI, de 11.10.2012, no Processo n.º 229/2012, relativamente a um caso semelhante:
“Ora, ainda que as expressões “perigo para a sociedade” e “facto de perigosidade” façam parte da fundamentação do acto sem grande desenvolvimento, pensamos que o contexto discursivo é bastante ou suficiente para que qualquer homem de meridiana capacidade de entendimento possa colher o verdadeiro sentido delas. Na verdade, não são afirmações soltas, isoladas ou desligadas do todo justificativo. São antes, digamos, ideias de reforço, que se suportam nos factos objectivos(…). Neste sentido, a sua existência no seio da fundamentação contextual mostra-se explicada e bem entendível, e assim mesmo a terão entendido os recorrentes, já que o recurso foi desenvolvido sem hiatos ou falhas que pudessem ser imputadas àquela alegada insuficiência.”
Como observa o Digno Magistrado do Ministério Público, e bem, “Não se deve olvidar que concordar é uma coisa, e compreender é outra, a discordância duma posição não se equivale à incompreensão ou à incompreensibilidade. Por isso, a não concordância do interessado com a posição da Administração não germina a falta de fundamentação.”
Consta do despacho recorrido o facto de a recorrente ter sido condenada na pena de um ano e três meses de prisão, suspensa na sua execução por dois anos, pela prática de um crime de peculato previsto e punido pelo n.º 1 do artigo 340.º do Código Penal, conjugado com a alínea c) do n.º 2 do artigo 336.º do mesmo Código, daí que a entidade recorrida entendeu estar verificado o tal perigo para a ordem e segurança públicas.
Em boa verdade, somos a entender que qualquer destinatário comum (por referência à diligência normal do homem médio que tal deve ser aferido) é capaz de compreender as razões de facto e de direito que determinaram a aplicação de tal medida, não se olvidando, por isso, qualquer tipo de incompreensão por parte da recorrente, ela apenas discordava da decisão.
Efectivamente, a mera discordância do interessado com a posição da Administração não acarreta a falta de fundamentação, pelo que verificado não está o vício alegado.
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Da alegada violação dos princípios da legalidade, da proporcionalidade e da justiça
Preceitua o n.º 1 do artigo 3.º do Código do Procedimento Administrativo que “Os órgãos da Administração Pública devem actuar em obediência à lei e ao direito, dentro dos limites dos poderes que lhes estejam atribuídos e em conformidade com os fins para que os mesmos poderes lhes forem conferidos.” – sublinhado nosso
Por outro lado, dispõe o n.º 2 do artigo 5.º do mesmo Código que “As decisões da Administração que colidam com direitos subjectivos ou interesses legalmente protegidos dos particulares só podem afectar essas posições em termos adequados e proporcionais aos objectivos a realizar.” – sublinhado nosso
Também prevê o artigo 7.º do CPA que “No exercício da sua actividade, a Administração Pública deve tratar de forma justa e imparcial todos os que com ela entrem em relação.”
Ora bem, estatui-se na alínea d) do n.º 1 do artigo 21.º do Código de Processo Administrativo Contencioso que “o erro manifesto ou a total desrazoabilidade no exercício de poderes discrionários” constitui um dos fundamentos de recurso contencioso.
Segundo o Acórdão deste TSI, de 19.5.2011, proferido no âmbito do Processo n.º 363/2009, “A desrazoabilidade a que alude o artigo 21.º, n.º 1, d) do CPAC, aliás, adjectivada de total, deve ser entendida de forma a deixar um espaço livre à Administração, salvaguardados os limites próprios do poder discricionário, nomeadamente os limites internos decorrentes dos princípios da imparcialidade, igualdade, justiça, proporcionalidade ou outros vertidos no Código do Procedimento Administrativo, assim se pondo cobro a eventuais abusos.”
E também o Acórdão deste TSI, de 7.12.2011, no Processo n.º 647/2010, segue também o mesmo entendimento: “total desrazoabilidade no exercício dos poderes discricionários pode comportar-se o sentido de uma absurda e desmesurada aplicação do poder discricionário administrativo perante um determinado caso real e concreto. E a decisão desrazoável é aquela cujos efeitos se não acomodam ao dever de proteger o interesse público em causa, aquela que vai para além do que é sensato e lógico tendo em atenção o fim a prosseguir, um acto absurdo ou por vezes irracional”.
É bom de ver que a Lei n.º 6/2004 confere à Administração o poder de autorizar ou recusar a entrada de não-residentes na RAEM, com vista a assegurar a tranquilidade social e segurança pública da Região, impedindo a entrada e permanência de pessoas indesejáveis, por forma a proteger os interesses pessoais e patrimoniais tanto dos residentes como dos demais visitantes que cá permanecem.
Uma vez constatada do despacho recorrido a condenação da recorrente pela prática de um crime de peculato, nada garante que esta não virá a cometer outros crimes, isso significa que tal situação consubstancia um perigo efectivo para a segurança ou ordem públicas da RAEM.
De facto, estando em causa conceitos indeterminados, é conferida pelo legislador uma margem de livre apreciação à Administração, ou seja, são-lhe conferidos poderes de interpretar aqueles conceitos não densificados com recurso a um juízo de prognose, face às especificidades de cada caso concreto, cuja disciplina escapa à fiscalização judicial, salvo em caso de erro grosseiro ou manifesto.
No caso vertente, por não existir qualquer erro grosseiro ou manifesto, ou desrazoabilidade no exercício de poderes discricionários, improcede o recurso quanto a esta parte.
E não se diga que a recorrente é mãe de duas menores para se defender que a medida tomada pela Administração seja desproporcional.
A nosso ver, não obstante a recorrente estar interdita de entrar na RAEM por cinco anos, mas sendo o marido e as filhas residentes permanentes da RAEM, não estão impedidos de irem conviver com a esposa e a mãe fora da RAEM. No fundo, os interesses próprios desses indivíduos devem ceder perante o interesse público.
Improcede, assim, o vício invocado.
Desta sorte, há-de confirmar o acto impugnado.
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III) DECISÃO
Face ao exposto, acordam em julgar improcedente o recurso contencioso, mantendo o acto recorrido impugnado.
Custas pela recorrente, com 8 U.C. de taxa de justiça.
Registe e notifique.
***
RAEM, 8 de Julho de 2021
Tong Hio Fong
Rui Carlos dos Santos P. Ribeiro
Lai Kin Hong
Mai Man Ieng
1 Lino José Baptista Rodrigues Ribeiro e José Cândido de Pinho, Código do Procedimento Administrativo de Macau, Anotado e Comentado, FM e SAFP, pág. 623 e 624
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Recurso Contencioso 1158/2020 Página 18