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Processo nº 826/2019-I
Data do Acórdão: 08JUL2021


Assuntos:

Não admissão de recurso
Reclamação para a conferência
Pedido de aclaração
Efeito interruptivo do pedido apenas literalmente apelidado de aclaração da sentença
Extemporaneidade de reclamação

SUMÁRIO

1. Não se pode aproveitar do pedido de aclaração para manifestar a discordância da decisão, com vista a pretender alteração do julgado, sob pretexto de existência de obscuridade ou ambiguidade na fundamentação da decisão visada.

2. Um requerimento apenas literalmente apelidado de aclaração da sentença no qual manifestamente não se está a pedir nenhuma aclaração em sentido material, não tem a virtude de fazer interromper o curso do prazo de recurso ordinário da sentença.

O relator



Lai Kin Hong


Processo nº 826/2019-I


Acordam em conferência na Secção Cível e Administrativa no Tribunal de Segunda Instância da RAEM:

A, devidamente identificada nos autos, notificada do Acórdão datado de 11MAR2021, que lhe negou provimento ao recurso interposto da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo, no âmbito da presente acção da indemnização por ela instaurada, veio recorrer daquele Acórdão deste Tribunal para o Tribunal de Última Instância.

Por despacho do Relator do processo, o recurso não foi admitido com fundamento na inferioridade do valor da causa à alçada do Tribunal de Segunda Instância.

Notificado do despacho da não admissão do recurso, a recorrente veio formular o seguinte requerimento:
A, Recorrente nos autos supra identificados, notificado do douto despacho de fls. 824, que indeferiu a interposição de recurso por considerar que o valor da causa não ultrapassa a alçada do Tribunal de Última Instância, vem expor e ora requerer a V. Exa. o seguinte:
1. Relativamente ao valor da causa, resulta do artigo 248.º do Código de Processo Civil ("CPC") que para o seu cálculo contam todos os pedidos, nomeadamente o pedido de juros já vencidos.
2. Na petição de recurso que foi interposta a 14/02/2017, no pedido n.º 2, o ora Recorrente peticionou que lhe fossem também pagos juros legais à taxa em vigor.
3. Face ao disposto no artigo supra, o valor de MOP1.000.000,00 (um milhão de Patacas) não contempla necessariamente a totalidade do valor da causa, porque ao mesmo acrescem necessariamente os juros vencidos pelo período que intermediou 14 de Fevereiro de 2017 até à data em que foi proferida a sentença pelo Tribunal Administrativo em sede de primeira instância.
4. Nos termos do artigo 619.º do CPC, compete ao relator a quem é distribuído o processo e após a sua recepção, corrigir todos os elementos relativos ao recurso, que influenciam a sua qualificação (cfr. aI. b do n.º 1 do artigo 619.º), o que inclui necessariamente o valor da causa tal como atribuído pelo Recorrente
5. Face a estes dispositivos legais resulta claramente que, não obstante a omissão da correcção do valor da causa, constam dos autos os elementos que permitem quantificar o mesmo, apos inclusão dos juros, num valor certamente superior a MOP1.000.000,00 (um milhão de Patacas).
6. Nestes termos, face aos elementos que constam dos autos, vem requerer a V. Exa. que em sede de aclaração do despacho proferido a fls. 824, venha considerar que, pela inclusão do pedido de juros, o valor da causa é necessariamente superior a MOP1.000.000,00 (um milhão de Patacas) que constam dos autos e que, por esse motivo, cabe e compete ao Tribunal admitir o recurso em questão.

Cumprido o contraditório, foi proferido pelo Relator o seguinte despacho:

Mediante do requerimento a fls. 829, vem a recorrente pedir a aclaração do despacho da não admissão do recurso por ela interposto, constantes das fls. 824.

Reza o artº 572º/-a) do CPC, ex vi do artº 1º do CPAC, que “pode qualquer das partes requerer no tribunal que proferiu a sentença o esclarecimento de alguma obscuridade ou ambiguidade que ela contenha.”.

Todavia, não nos é obscuro nem ambíguo o despacho de cuja aclaração se pede, dado que não vemos em que aspecto o mesmo se apresenta como ininteligível ou oferece mais do que um sentido.

Dando uma vista de olhos ao presente pedido, dito de aclaração, verificamos que no fundo a recorrente não está a pedir qualquer aclaração, mas sim a questionar a forma como se calcudou o valor tido por fixado à presente acção e em que se fundou a não admissão do recurso.

Mal andou a recorrente por ter optado por um meio de reacção não idóneo.

Pois independentemente da bondade da decisão contida no despacho, não nós é possível esclarecer o despacho que se não apresenta obscuro nem ambíguo.

Tratando-se in casu de um despacho proferido ao abrigo do disposto no artº 153º/2 do CPAC, o meio idóneo para reagir deve ser a reclamação para a conferência.

Assim sendo, sem mais delongas, não sendo considerado como de “aclaração”, o presente pedido deve ser indeferido.

Tudo visto, resta decidir.

Nos termos e fundamentos acima expostos, indefiro o pedido que recorrente denominou por de “aclaração” e formulado mediante o requerimento as fls. 829 dos p. autos.

Custas pela recorrente, com taxa de justiça fixada em 1UC, sem prejuízo do apoio judiciário na modalidade concedida.

Notifique.

Notificada desse despacho, veio a recorrente reclamar o despacho que lhe não admitiu o recurso, tendo para o efeito alegado e pedido o seguinte:
RECLAMAR PARA A CONFERÊNCIA
nos termos e com os fundamentos seguintes:
A. Do valor da causa
1. Ao processo 826/2019 foi atribuído o valor da causa de MOP1.000.000,00 (um milhão de Patacas) e, consequentemente, indeferida a interposição de recurso, decisão com a qual o ora Reclamante não se conforma.
2. O n.º 2 do artigo 248.º do Código de Processo Civil (“CPC”) estabelece que “cumulando-se na mesma acção vários pedidos, o valor da causa é igual à soma dos valores de todos eles; mas quando, como acessório do pedido principal, se pedirem juros, rendas e rendimentos já vencidos e os que se vencerem durante a pendência da causa, na fixação do valor da causa atende-se somente aos interesses já vencidos”(sublinhado nosso).
3. Ora, resulta do artigo mencionado que, para cálculo do valor da causa contam todos os pedidos, nomeadamente o pedido de juros já vencidos.
4. Na petição de recurso, interposta a 14/02/2017, no pedido n.º 2, o ora Reclamante peticionou que lhe fossem pagos também juros legais à taxa em vigor.
5. Face ao disposto supra, o valor de MOP1.000.000,00 (um milhão de Patacas) não contempla necessariamente a totalidade do valor da causa, porque ao mesmo acrescem necessariamente os juros vencidos pelo período que intermediou 14 de Fevereiro de 2017 até à data em que foi proferida a sentença pelo Tribunal Administrativo em sede de primeira instância.
6. Nos termos do artigo 619.º do CPC, compete ao relator a quem é distribuído o processo, e após a sua recepção, corrigir todos os elementos relativos ao recurso, que influenciam a sua qualificação (cfr. al. b do n.º 1 do artigo 619.º), o que inclui necessariamente o valor da causa tal como atribuído pelo Reclamante.
7. Face a estes dispositivos legais resulta claramente que, não obstante a omissão da correcção do valor da causa, constam dos autos os elementos que permitem quantificar o mesmo, após inclusão dos juros, num valor necessariamente superior a MOP1.000.000,00 (um milhão de Patacas).
Nestes termos, face aos elementos que constam dos autos, e nos demais de direito aplicável, deve a presente reclamação ser julgada procedente, incluído a quantificação do pedido de juros no valor da causa e, consequentemente, admitindo o recurso em questão.

Dada a simplicidade e com a concordância dos Adjuntos, foi submetida sem vistos à conferência imediata.

Então vejamos.

Ora, como se sabe, dada a falibilidade humana e naturalmente a possibilidade de erro por parte dos juízes, a lei processual estabelece instrumentos processuais colocados à disposição dos sujeitos processuais e até terceiros que se vêem prejudicados por uma decisão judicial, com vista à eliminação dessa decisão que, pelo menos na sua óptica, se apresenta injusta, errada ou violadora da lei.

Eis os chamados meios de impugnação, dentre os quais, uns dirigidos ao próprio autor da decisão ou ao colectivo em que se integra o autor da decisão, que são por exemplo a arguição de nulidade, oposição mediante embargos de terceiro e embargos de executado, e reclamação para a conferência, outros dirigidos a uma instância hierarquicamente superior, ai temos interalia a reclamação para o presidente do tribunal superior e o recurso ordinário.

Nos termos do disposto no artº 153º/2 do CPAC, do despacho de não admissão de recurso, proferido pelo Relator do TSI, cabe reclamação para a conferência do Colectivo.

In casu, notificada do despacho do Relator que lhe não admitiu o recurso, a recorrente pediu a aclaração do mesmo.

Tal como se vê no despacho que decidiu a aclaração, o requerimento não foi por nós tido como de aclaração, por nele a recorrente se limitar a impugnar a não admissão do recurso vertida no despacho aclarando que não se apresenta obscuro nem ambíguo.

A este propósito, já chegámos a pronunciar-se no sentido de que não se pode aproveitar do pedido de aclaração para manifestar a discordância da decisão, com vista a pretender alteração do julgado, sob pretexto de existência de obscuridade ou ambiguidade na fundamentação da decisão visada – cf. Ac. do TSI, de 26OUT2006, no proc. nº 399/2006.

Não tendo sido tido como pedido de aclaração e por isso sido indeferido, o requerimento datado de 04MAIO2021 não tem naturalmente o efeito interruptivo do prazo legal estabelecido para a sua impugnação.

No mesmo sentido, já este TSI já chegou a pronunciar-se no Ac. do TSI, datado de 04DEZ2003, no proc. nº 252/2003, onde se defende que um requerimento apenas literalmente apelidado de aclaração da sentença no qual manifestamente não se está a pedir nenhuma aclaração em sentido material, não tem a virtude de fazer interromper o curso do prazo de recurso ordinário da sentença.

Tendo a recorrente sido notificada do despacho de não admissão do recurso mediante a carta registada expedida em 20ABR2021, a presente reclamação apresentada por fax à Secretaria do TSI em 04JUN2021 é manifestamente deduzida fora do prazo legal de 10 dias, não interrupto,

Em conclusão:

3. Não se pode aproveitar do pedido de aclaração para manifestar a discordância da decisão, com vista a pretender alteração do julgado, sob pretexto de existência de obscuridade ou ambiguidade na fundamentação da decisão visada.

4. Um requerimento apenas literalmente apelidado de aclaração da sentença no qual manifestamente não se está a pedir nenhuma aclaração em sentido material, não tem a virtude de fazer interromper o curso do prazo de recurso ordinário da sentença.

Tudo visto, resta decidir.

III

Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em conferência não admitir a presente reclamação, por manifesta extemporaneidade.

Custas do incidente pela recorrente, com a taxa de justiça fixada em 4 UC, sem prejuízo do apoio judiciário já concedido.

Notifique.

RAEM, 08JUL2021

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Lai Kin Hong Mai Man Ieng
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Fong Man Chong
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Ho Wai Neng

Proc. 826/2019-I-1