Processo nº 249/2021
(Autos de Recurso Cível e Laboral)
Data do Acórdão: 8 de Julho de 2021
ASSUNTO:
- Marcas
- Carácter distintivo
- Vocábulos para designar a espécie do produto
SUMÁRIO:
- A marca tem como função servir à identificação do produto e do produtor distinguindo-o de outros da mesma espécie;
- Os vocábulos comuns ou sinais genéricos podem ser distintivos e inovadores se tiverem adquirido o que a Doutrina classifica como “secondary meaning” ou se não tiverem relação ou conexão alguma com os produtos a que se destinam e que visa distinguir;
- Não é impeditivo de integrar uma marca nominativa, um vocábulo que de forma alguma designa o produto a que se destina e que só através de um processo intelectual de interpretação possa ser associado a uma outra palavra que remotamente pode ser associada a uma das funções a que o produto se destina.
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Rui Pereira Ribeiro
Processo nº 249/2021
(Autos de Recurso Civil e Laboral)
Data: 8 de Julho de 2021
Recorrente: A Inc.
Recorrida: Direcção dos Serviços de Economia e Desenvolvimento Tecnológico
*
ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:
I. RELATÓRIO
A Inc., com os demais sinais dos autos,
veio interpor recurso judicial da decisão de 26 de Maio de 2020 do Chefe do Departamento da Propriedade Intelectual da Direcção dos Serviços de Economia e Desenvolvimento Tecnológico que recusou o seu pedido de registo das marcas nºs N/1***** e N/1***** pedindo que sejam revogados os despachos de recusa da DSE, sendo substituído por outro que conceda a marca objecto do presente recurso.
Cumprido o disposto no artº 278º do RJPI veio a DSEDT a remeter ao tribunal os processos administrativos referentes aos pedidos de registo de marca a que se reportam os autos.
Pelo Tribunal recorrido foi proferida sentença negando provimento ao recurso judicial interposto.
Não se conformando com a sentença proferida veio a Requerente da marca e Recorrente interpor recurso daquela decisão apresentando as seguintes conclusões:
a. Por douta sentença datada de 18 de Dezembro de 2020, foi o recurso interposto pela Recorrente julgado improcedente e decidido manter o despacho da DSEDT que recusou o registo das marcas N/1***** e N/1***** por entender essencialmente que as marcas registandas “XX YY ZZ” e “XX ZZ” não gozam de capacidade distintiva.
b. A Recorrente discorda profundamente do entendimento do Tribunal a quo, que é contrária a todos os cânones pelos quais se rege a propriedade industrial em Macau e no resto do mundo.
c. Entende a Recorrente que o Tribunal a quo interpretou erradamente os critérios de avaliação da distintividade de uma marca.
d. Como é sabido, a distintividade de uma marca tem de ser aferida no contexto dos bens e serviços que visa distinguir, devendo também ser aferido num todo, pelo que o Tribunal a quo não deveria ter analisado as marcas de forma individualizada, dissecando cada elemento.
e. O Tribunal a quo recusa assim o registo das marcas porque entende (erradamente) que são compostas por um sinais genéricos, usuais e puramente descritivos, sem oferecer qualquer justificação sólida do motivo porque considera que as marcas não são distintivas.
f. Ora, primeiro, a Recorrente não reclama o direito exclusivo do uso das palavras “XX”, “YY”, mas para as combinações únicas e originais das mesmas, constituindo termos novos, sem significados comuns de dicionário.
g. O fundamento de recusa invocado apenas deverá ser aplicado quando o conteúdo descritivo da marca é imediato, claro e inconfundivelmente óbvio para o consumidor médio.
h. Uma marca não precisa ser obviamente distintiva para poder ser registada - marcas sugestivas são passíveis de registo.
i. A questão fulcral é se dado sinal é capaz de funcionar como um emblema de origem comercial ou se é provável que seja usado por diferentes comerciantes como um termo descritivo.
j. Assim que o limite mínimo de distintividade é-atingido, o registo de um sinal deverá ser concedido, independentemente de o mesmo ser mais ou menos inerentemente distintivo.
k. Assim, às marcas sugestivas, alusivas ou evocativas não está vedado o registo Tal é observado pela Associação Internacional de Marcas (“INTA”).
l. Deve considerar-se que as marcas registandas são passível de cumprir a sua função de marca, gozando de capacidade distintiva inerente para identificar no mercado os produtos da Recorrente.
m. Neste aspecto, não completamente óbvio o que “XX YY ZZ” ou “XX ZZ” significam, visto que são termos inovadores sem qualquer significado concreto.
n. Tal é especialmente evidente, quando considerado que a língua inglesa é uma língua estrangeira para a maioria dos consumidores de Macau (mas o mesmo serve para os nativos de língua inglesa).
o. Por outro lado, a recusa do registo das marcas registandas é inconsistente com outras decisões de concessão de marca tomadas pela DSEDT.
p. Com efeito, e é de extrema importância relembrar, foram concedidos vários registos de marcas que incluem a palavra “XX”, incluindo várias marcas pertencentes à família de marcas “XX” da Recorrente, nomeadamente a marca “XX YY” - expressão integralmente incluída na marca registanda “XX YY ZZ” - pelo que se questiona como apenas a adição da palavra “ZZ” elimina a capacidade distintiva daquela marca registanda.
q. Ora, considerando os fundamentos apresentados pelo Tribunal a quo, é incompreensível que tenha ignorado e desconsiderado estes registos, especialmente considerando a semelhança entre as marcas registandas e as marcas já registadas.
r. Se aquelas marcas são passíveis de funcionarem como identificadores da origem dos produtos, também o são as marcas registandas.
s. Ao contrário do que o Tribunal a quo alega, o público consumidor não terá nenhuma dificuldade em associar os produtos à marca - especialmente considerando que a marca registanda estará sempre ligada à Recorrente, uma das, se não a, marca mais famosa e conhecida no mundo.
t. Não sendo de todo absurdo tomar em consideração o facto de que os consumidores estão mais familiarizados com os produtos e marcas da Recorrente, em contraste com os produtos de outro operador.
u. Por outro lado, o Tribunal a quo tem uma interpretação errada de como é avaliado o carácter distintivo de uma marca ao declarar que “a marca “XXX” da Reclamante [ora Recorrente] é um exemplo clássico de marcas que adquiriam distintividade após um longo período de uso. Estas marcas são inerentemente não distintivas, mas adquiriram um significado secundário por meio de uso efectivo” (tradução nossa).
v. Ora, é um princípio basilar em propriedade intelectual que o carácter distintivo de uma marca deve ser considerado no contexto dos produtos e serviços solicitados.
w. Por exemplo, embora a palavra “XXX” seja descritiva de uma fruta, é distintiva para computadores e software - o facto de parte dos resultados de uma pesquisa na internet para “XXX” serem relacionados com frutas, não significa que não possa funcionar como marca para computadores e outros produtos tecnológicos.
x. É portanto espantoso que o Tribunal a quo sugira que a marca “XXX”, utilizada para computadores e produtos tecnológicos, seja um exemplo clássico de uma marca que apenas adquiriu carácter distintivo pelo uso.
y. Também não se entende a declaração do Tribunal a quo de que as expressões “XX YY ZZ” e “XX ZZ” foram universalizados pela indústria, dando como exemplo a impossibilidade da Recorrente registar “VV WW” devido ao uso referencial efectuado da marca “VV” por outros comerciantes. Este entendimento do Tribunal a quo impressiona novamente pela negativa.
z. É óbvio que a Recorrente possui os direitos marcários mundiais da marca de prestígio VV.
aa. Apesar do uso referencial por terceiros poder não consistir numa violação dos direitos marcários da Recorrente sobre esta marca, tal não significa que a Recorrente seja incapaz de registar marcas que contenham VV e outro elemento descritivo, como “WW”.
bb. Tendo efectivamente a Recorrente o registo para a marca “VV XX UU WW” em Macau.
cc. Do mesmo modo, o uso referencial pelos terceiros mencionados pelo Tribunal a quo (apesar do Tribunal a quo não ter oferecido qualquer exemplo), uso que, refira-se, é referencial a marcas e produtos fortemente associados (e pertencentes) à Recorrente também não deverá impedir o registo de “XX YY ZZ” e “XX ZZ” pela Recorrente.
dd. Portanto, ao contrário do que o Tribunal a quo alega, a concessão do registo da marca registanda à Recorrente não criaria um monopólio sobre um termo descritivo e necessário ao mercado nem dificultaria a diferenciação dos produtos da Recorrente dos seus concorrentes.
ee. O registo da marca registanda não irá impedir que terceiros usem o termo de modo descritivo em referência aos seus produtos - o que, efectivamente, fazem - visto que os direitos advindos de um registo de uma marca não conferem ao seu titular o direito de impedir o uso descritivo ou referencial por terceiros.
ff. A Recorrente apenas poderá impedir que terceiros não autorizados utilizem uma marca idêntica ou semelhante no curso do comércio, em bens ou serviços idênticos, semelhantes ou afins aos distinguidos pelo registo da Recorrente, de modo a que haja, efectivamente, risco de confusão para o consumidor.
gg. Assim, deve considerar-se que “XX YY ZZ” e “XX ZZ” são passíveis de cumprir a função de marca, gozando de capacidade distintiva inerente para identificar no mercado os produtos da Recorrente.
hh. O Tribunal a quo não logrou demonstrar que as marcas registandas são compostas por expressões que se tornaram usuais na linguagem corrente do mercado.
ii. Por outro lado, apesar de reconhecer que “XX YY ZZ” e “XX ZZ” são sinais criados e utilizados originariamente pela Recorrente, o Tribunal a quo refere que ainda que, de acordo com a prova apresentada pela Recorrente e com o conhecimento do Tribunal a quo, não reconhece que as martas registandas adquiriram capacidade distintiva através do uso.
jj. No entanto, o Tribunal a quo não especifica de que forma a prova apresentada pela Recorrente levou o Tribunal a quo a chegar a tal conclusão.
kk. Ora, a prova submetida aos autos indicia exactamente o contrário - que, na eventualidade de se considerar que as marcas registandas não são dotadas de capacidade distintiva inerente (o que sem conceder e apenas por mero dever de patrocínio se concede), adquiriram, ainda assim, capacidade distintiva pelo uso que tem sido feito destas no mercado pela Recorrente, através do fenómeno denominado secondary meaning, pelo que são expressões susceptíveis de apropriação exclusiva por parte da Recorrente.
ll. Para este efeito, a Recorrente submeteu prova considerável sobre o uso intenso e reiterado que a Recorrente tem feito das marcas registandas no mercado mundial e de Macau.
mm. Os quais demonstram não apenas a capacidade distintiva das marcas registandas, mas também que as marcas registandas “XX YY ZZ” e “XX ZZ” são objecto de um uso intenso e reiterado por parte da Recorrente e são associadas pelo consumidor à Recorrente e aos produtos que a mesma comercializa.
nn. Ressalve-se que o Tribunal a quo não citou um único exemplo de que as marcas estão a ser usadas por terceiros de modo usual e não como referência às marcas e aos produtos da Recorrente.
oo. Tal declaração do Tribunal a quo é, mais uma vez, evidência de que o Tribunal a quo tem uma interpretação errada de como é avaliado o carácter distintivo de uma marca, tal como já foi referido supra.
pp. O exposto evidencia assim que, para além da distintividade inerente das marcas registandas, o uso intenso e reiterado das mesmas na identificação dos produtos que a Recorrente comercializa contribuiu para que “XX YY ZZ” e “XX ZZ” tenham adquirido capacidade distintiva em Macau.
qq. Para mais, e apesar do registo de marca noutras jurisdições não constitui base ou fundamento para ser concedido o registo de marca em Macau, este não deverá ser totalmente descartado ou descurado.
rr. Os requisitos que um sinal deve cumprir para funcionar como marca são razoavelmente padronizados a nível mundial.
ss. Ora, as marcas registandas “XX YY ZZ” e “XX ZZ” foram registadas em várias jurisdições em todo o mundo, inclusiva mente em Hong Kong, jurisdição geograficamente próximas a Macau, cujo consumidor é semelhante e cujos procedimentos de exame de marca não são menos rigorosos que os praticados em Macau.
tt. A haver qualquer dúvida sobre a capacidade distintiva e registrabilidade das marcas registandas, esta não teria sido aprovada pelos examinadores de Hong Kong.
uu. Deste modo, e tendo em consideração todo o exposto supra, as marcas cujo registo ora se solicita são, no entendimento da Recorrente, inerentemente distintiva e devem ser registadas em Macau, uma vez que não se verificam os alegados fundamentos de recusa previstos no 214.º, n.º 1, a), 9.º, n.º 1, a) e 199.º, n.º 1, al. b) e c) do RJPI
Notificada a DSEDT das alegações de recurso veio esta oferecer o merecimento dos autos.
Foram colhidos os vistos.
Cumpre, assim, apreciar e decidir.
II. FUNDAMENTAÇÃO
a) Factos
Da sentença sob recurso consta a seguinte factualidade:
A) Em 18 de Fevereiro de 2019, a recorrente, A INC., apresentou à Direcção dos Serviços de Economia (DSE) um pedido de registo da marca N/1*****, cujo sinal é XX YY ZZ, para assinalar produtos na classe 9, incluindo: Capas e estojos para computadores, computadores tablete, e teclados de computador; acessórios para computadores.
B) Em 18 de Fevereiro de 2019, a recorrente, A INC., apresentou à DSE um pedido de registo da marca N/1*****, cujo sinal é XX ZZ, para assinalar produtos na classe 9, incluindo: Capas e estojos para computadores, computadores tablete, e teclados de computador; acessórios para computadores.
C) Os supra pedidos foram publicados no Boletim Oficial da RAEM, n.º 20, II Série, de 15 de Maio de 2019.
D) Através do despacho exarado em 26 de Maio de 2020 pelo Chefe do Departamento da Propriedade Intelectual, foram recusados os pedidos de registo das marcas apresentados pela recorrente (vide o processo administrativo, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
E) As supra recursas foram publicadas no Boletim Oficial da RAEM, n.º 25, II Série, de 17 de Junho de 2020.
b) Do Direito
A decisão recorrida após proceder a análise da situação, concluiu que:
«Após a análise geral, entendemos que, como referiu a entidade recorrida, “XX YY ZZ” e “XX ZZ”, todos não são dotadas de eficácia ou capacidade distintiva, para assinalar produtos da classe 9.
Com efeito e em particular, acredita-se que, hoje em dia, na indústria de produtos inteligentes de tablet, “XX ZZ” e “XX YY ZZ” são amplamente considerados como um certo tipo de produtos auxiliares para tablet e, já foram generalizados pela indústria e pelos consumidores, ou seja, só “XX ZZ” e “XX YY ZZ” são difíceis de fazer os consumidores a pensar imediatamente na recorrente, mas sim a pensar nos produtos de capa de tablet. Embora se presuma que a recorrente seja o primeiro que lançou os produtos “XX ZZ” e “XX YY ZZ” no mercado, existe ainda na indústria muitos fabricantes que também produzem acessórios para os produtos inteligentes da recorrente. Sendo que os XXphones, relógios e tablets da recorrente são bem conhecidos, por exemplo a série VV da recorrente, mas, a recorrente pode registar marcas como “VV WW” ou “WW FOR VV”? Salvo o devido respeito, esse Juízo entende que não pode, porque este sinal já foi generalizado pelos consumidores, só “VV WW” não pode fazer os consumidores a pensar que seja produto fornecido pela recorrente, pelo motivo de que já há no mercado muitos fabricantes que produzem os produtos de capa para VV.
Da mesma maneira, “XX ZZ” e “XX YY ZZ” já são produtos auxiliares funcionais para dispositivo inteligente. Hoje em dia, a capa em formato “ZZ” é muito popular, ou seja, é a capa de tipo flip. Acredita-se que, ao ver apenas as palavras “XX ZZ” e “XX YY ZZ”, os consumidores não podem distinguir os produtos de uma empresa dos de outras empresas diferentes, e a palavra “ZZ” já passou ser um termo idiomático na indústria, pelo que os dois sinais registandos não são dotados de eficácia distintiva suficiente.
Quanto ao argumento da recorrente de que os sinais registandos têm o “significado secundário (secondary meaning)”, com base nas provas apresentadas pela recorrente e em conjugação com o conhecimento desse Juízo, não devemos concluir que os sinais “XX ZZ” e “XX YY ZZ” já são dotados de eficácia distintiva suficiente através da sua utilização efectiva a longo prazo, como os exemplos de “American Standard” e “XXX” que é titular da recorrente, esses sinais não são dotados de eficácia distintiva, mas têm o significado secundário (secondary meaning) através da sua utilização efectiva. No entanto, não há elementos que permitam concluir que os dois sinais registandos também tenham o significado secundário (secondary meaning).
Por outro lado, sendo que o registo dos sinais acima indicados foi concedido à recorrente em outras jurisdições, mas, o princípio da territorialidade é aplicado ao registo de marca, então, todos os países ou regiões podem estabelecer sua própria legislação sobre o registo de marcas no quadro dos tratados multilaterais internacionais e, por isso, quando foi concedido o registo das marcas fora de Macau, o que não pode constituir fundamento para a concessão do registo em Macau. Mesmo que fosse concedido em Macau o registo de algumas marcas particulares, não há qualquer fundamento de direito que permita passar ser fundamento para concessão do registo de outras marcas.
Considerando a acepção de “XX ZZ” e de “XX YY ZZ” acima indicada e o seu tipo de actividade (classe 9), entendo que tais palavras são termos necessários e indispensáveis ao fornecer produtos e serviços desse tipo de actividade. Relativamente ao uso dos respectivos termos, o monopólio pode restringir ou enfraquecer as actividades comerciais de outros concorrentes da mesma indústria, nomeadamente, o fornecimento de produtos de capa de tipo flip, o que pode ser restringido pelas marcas registandas. Pelo exposto, salvo o devido respeito por entendimento diverso, entendo que as marcas registandas não só preenchem o impedimento previsto na al. b) do n. º1 do art.º 199.º, mas também preenchem o impedimento previsto na al. c) do n.º 1 do mesmo artigo.
Nestes termos, entendo que as duas marcas registandas pertencem aos sinais previstos no art.º 199.º, n.º 1, alíneas b) e c) do Regime Jurídico da Propriedade Industrial e, não podem ser objecto de protecção, pelo que deve ser mantida a decisão da entidade recorrida que recusou os pedidos de registo das marcas N/1***** e N/1*****.».
Em síntese vem a Recorrente sustentar que as expressões em causa têm capacidade distintiva e adquiriram “secondary meaning” pelo uso que delas tem feito a Recorrente.
A questão que se discute no presente recurso, é a de saber se ocorre o fundamento de recusa do registo da marca previsto na alínea a) do nº 1 do artº 214º conjugado com o nº 1 da al. a) do artº 9º e a alínea b) do nº 1 do artº 199º, todos do Regime Jurídico da Propriedade Industrial.
Nos termos da alínea a) do nº 1 do artº 214º do RJPI o registo da marca é recusado quando se verifique qualquer dos fundamentos gerais de recusa previsto no nº 1 do artº 9º do mesmo diploma.
De acordo com a alínea a) do nº 1 do artº 9º do RJPI devem ser recusados os direitos de propriedade industrial quando o objecto não for susceptível de protecção.
Segundo a alínea b) do nº 1 do artº 199º ambos do RJPI não são susceptíveis de protecção «os sinais constituídos exclusivamente por indicações que possam servir no comercio para designar a espécie, a qualidade, a quantidade, o destino, o valor, a proveniência geográfica ou a época de produção do produto ou da prestação do serviço, ou outras características dos mesmos.».
Como é sabido a marca destina-se a distinguir a origem empresarial dos produtos ou serviços oferecidos ao consumidor, individualizando e distinguindo produtos, mercadorias ou serviços de outros da mesma espécie.
A marca para além de servir a identificação do produto/mercadoria/serviço com o produtor/fornecedor, tem vindo a assumir para além da sua função distintiva uma outra de carácter mais económico e que está directamente relacionada com a sua função publicitária e atractiva1.
Contudo, a função essencial da marca continua a ser o seu carácter distintivo.
Daí que não possam ser constituídas por expressões ou vocábulos comuns sem estarem associadas a qualquer outro sinal distintivo.
A propósito de marcas constituídas apenas por sinais genéricos veja-se Manual de Direito Industrial de Luís M. Couto Gonçalves, Almedina, pág. 171 a 173: «A marca deve, por definição e no cumprimento da sua função própria, ter capacidade distintiva o que significa que deve ser apta, por si mesma, a individualizar uma espécie de produtos e serviços.
A capacidade distintiva da marca, sendo um pressuposto essencial da função da marca, concretiza-se e garante-se, mas não se esgota, nas proibições que a lei expressamente consagra.
O legislador nas als. b), c), d) e e) do n.º 1 do art. 223.º enumera as situações mais frequentes em que o sinal carece de capacidade distintiva.
a) Sinal Genérico do Produto ou Serviço
Sinal genérico é ou o sinal nominativo que, no seu significado originário e próprio, designa exclusivamente o nome do género de produtos ou serviços marcados ou, ainda, o sinal, bi ou tridimensional, que representa, unicamente, a forma comum e ordinária do produto marcado.
Esta proibição vem referida implicitamente na al. a) do n.º 1 do art. 223.º. O sinal genérico corresponde à “antítese de uma marca”.
Ao sinal genérico devem equiparar-se, igualmente, os nomes dos produtos ou serviços incorrectamente redigidos, ou simplesmente abreviados ou, ainda, compostos de simples aditamentos, irrelevantes ou inexpressivos, dos quais não resulte qualquer significado mais sugestivo ou qualquer capacidade individualizadora e, ainda, as denominações genéricas que o sejam face a uma língua estrangeira falada em algum país da Comunidade Europeia.
Por outro lado, se um produto ou serviços tiver mais de uma designação própria a proibição alarga-se a ambas as designações.
Ao contrário dos sinais usuais, de que trataremos adiante, a qualificação jurídica de uma denominação genérica depende mais da definição linguística do que do uso por parte do público consumidor. Um sinal pode ser genérico sem ser usual. Uma denominação é genérica quando se refere ao nome próprio (ainda que não o mais usual) do produto ou serviço que assinale ou, ainda, quando designe o conceito (económico ou natural) do género a que esse produto ou serviço pertença de um modo considerado relevante no mercado.».
No caso em apreço as marcas cujo registo se pretende traduzido para português significam apenas “fólio do teclado inteligente” e “fólio inteligente”.
ZZ é uma folha numerada com características próprias que normalmente integram um livro normalmente de cariz comercial, cuja característica principal é ter duas páginas em cada face e que se dobra pelo meio.
Semelhante a um fólio é uma folha dobrada pelo meio, mas a diferença entre uma e outra está em que aquele (o fólio) está numerado e faz parte de um volume, livro, caderno, ao passo que a folha pode ou não ser numerada e pode ou não fazer parte de um volume, caderno, livro.
Veja-se Dicionário da Língua Portuguesa 2009, Porto editora, pág. 746.
Note-se que o significado de fólio em português e inglês é igual.
Contudo, “ZZ” não tem qualquer conotação com “capas” e não é uma palavra da linguagem comum, mas específica daqueles que se dedicam ao registo de actividades comerciais, em livros em suporte de papel e que conhecem as antigas nomenclaturas.
Em termos práticos uma folha que se dobra ao meio pode ser também usada como capa e contracapa, mas esta não é de certeza a ideia associada pelo cidadão comum a um fólio, designação que, reitera-se nem sequer faz parte da linguagem comum.
A palavra fólio não tem conotação alguma com capas.
Para associar fólio a capas é necessário todo um processo intelectual para concluir que fólio é uma folha ou volume (com características específicas) semelhante a uma folha que se dobra ao meio e que as folhas que se dobram ao meio também podem ser usadas como capas para meter coisas dentro, mas, aqui chegados, já não é de “fólios” que se trata mas de folhas dobradas ao meio.
Ainda que se fizesse essa construção, os significados e ideias mais aproximadas para as marcas cujo registo se pretende, e para aqueles que sabem o que é um fólio, seriam:
1. XX YY ZZ: Folha do livro comercial do teclado inteligente; folha comercial do teclado inteligente; folha que se dobra ao meio do teclado inteligente;
2. XX ZZ: Folha do livro comercial inteligente; folha comercial inteligente; folha que se dobra ao meio inteligente.
Ora, não é impeditivo de integrar uma marca nominativa, um vocábulo (fólio) que de forma alguma designa o produto a que se destina (capas) e que só através de um processo intelectual de interpretação possa ser associado a uma outra palavra (folha) que usada da mesma forma que aquele (dobrada ao meio) possa ter a mesma função que o produto em causa (capas).
As marcas em causa foram pedidas para produtos da classe 9: Capas e estojos para computadores, computadores tablete, e teclados de computador; acessórios para computadores.
Ora o artigo em causa são capas, cobertura, protecção.
Capas essas que se destinam a computadores, computadores tabeletes, teclados de computador, etc..
A única palavra que integra uma das marcas em questão e tem alguma relação ainda que distante com os produtos para que se destina é o YY/teclado.
Mas o certo é que a marca não é pedida para teclados, mas para as capas que, entre outras coisas, também cobrem teclados.
Se atentarmos na marca que a Recorrente é titular N/1*****, também para esta classe de produtos constituída por “VV XX UU WW”, cujo significado em português facilmente se associa a saco inteligente para VVs ou baterias, somos forçados a concluir que é muito mais sugestiva que as marcas agora em questão, e foi concedida à Recorrente.
Ora, nas marcas em causa a palavra “fólio” ou a conjugação “fólio inteligente”, atento o seu significado é manifestamente fantasiosa, tal como aquele que é hoje um dos exemplos de escola mais usados e decorre da marca principal pela qual a Recorrente é conhecida, “Xxx/XXX” para produtos informáticos, computadores, telemóveis, relógios, etc..
Logo, nenhuma das palavras em causa serve para designar a espécie, a qualidade, o destino, o valor, a proveniência geográfica ou a época de produção do produto para o qual foi pedida.
A conjugação de palavras que integram as marcas em causa – XX YY ZZ e XX ZZ –, as quais são apenas nominativas, gera uma composição de fantasia, que da forma como é apresentada se apresenta criativa, singular e com capacidade distintiva, sendo como tal merecedora de protecção.
Também Carlos Olavo em Propriedade Industrial, Vol. I, pág. 85/86:
«Nas alíneas c) e d) do artigo 223.º, tem-se em vista as marcas tradicionais (nominativas, figurativas ou mistas).
Visam estas alíneas evitar que sejam monopolizadas como marcas expressões ou sinais indispensáveis à identificação de mercadorias ou necessárias para a identificação das usas qualidades e funções, ou cujo uso se vulgarizou.
Assim, não servem como marca os sinais constituídos exclusivamente por indicações que possam servir no comércio para designar a espécie, a qualidade, a quantidade, o destino, o valor, a proveniência geográfica, ou a época ou meio de produção do produto ou da prestação do serviço, ou outras características dos mesmos.
Tratando-se de expressões meramente descritivas da realidade a que se reportam, devem poder ser, enquanto sinais genéricos, utilizados por qualquer um.
A simples indicação do produto ou serviço ou de características destes, como seria o caso da marca “Leite” para lacticínios, por carecer de capacidade distintiva, não pode constituir marca.
A capacidade distintiva de um sinal deve ser apreciada tendo em atenção as características próprias dos sinais distintivos em geral, e das marcas em particular.
A protecção de determinado sinal como marca não decorre da maior ou menor qualidade inventiva ou criadora desse sinal, mas sim da sua adequação para distinguir os produtos ou serviços de uma empresa dos de outras empresas.
A marca não precisa de ser invenção do seu titular, nem mesmo original, pode ser uma palavra de uso corrente.
A lei não proíbe que seja adoptado como marca um vocábulo comum de uso generalizado, só sendo de afastar, como marca, sinais meramente descritivos no ramo de comércio onde se inserem os produtos ou serviços a que a marca se destina.
O facto de se tratar de palavras concretas não exclui a capacidade distintiva do sinal, pois seria absurdo que só pudessem constituir marcas nominativas expressões de fantasia.».
Pelo que, face a todo o exposto, não se enquadrando as marcas em causa na al. b) do nº 1 do artº 199º do RJPI e uma vez que a composição das palavras em causa, ao assumir carácter de fantasia tem capacidade distintiva, impõe-se concluir no sentido das marcas em causa serem concedidas.
Uma outra questão é o uso privativo das expressões usadas na composição da marca: XX, YY e ZZ.
Sendo todas estas expressões de uso comum não podem de modo algum ser monopolizadas por quem quer que seja, pelo que, a atribuição da marca, nos termos dos nº 2 e 3 do artº 199º do RJPI, haverá que ressalvar que nenhuma destas palavras, em inglês, “XX”, “YY” e “ZZ” são de utilização exclusiva do Requerente.
Destarte, não acompanhando a decisão recorrida, deve a mesma ser revogada bem como a decisão da DSEDT, e em consequência serem as marcas em causa concedidas com a ressalva da não exclusividade indicada, concedendo-se provimento ao recurso.
III. DECISÃO
Nestes termos e pelos fundamentos expostos, concede-se provimento ao recurso, revogando-se as decisões recorridas, concedendo as marcas N/1***** e N/1***** ressalvando-se que nenhuma das palavras, em inglês, “XX”, “YY” e “ZZ” são de utilização exclusiva do Requerente.
Sem custas.
Registe e Notifique.
RAEM, 8 de Julho de 2021
(Relator)
Rui Carlos dos Santos Pereira Ribeiro
(Segundo Juiz-Adjunto)
Fong Man Chong
(Primeiro Juiz-Adjunto)
Lai Kin Hong
Vencido por entender ser de acompanhar a sentença recorrida.
1 Sobre esta matéria veja-se Carlos Olavo; Propriedade Industrial, Vol. I, pág. 74/75.
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249/2021 CÍVEL 1