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Processo nº 590/2021/A
(Suspensão de Eficácia)

Data do Acórdão: 27 de Julho de 2021

ASSUNTO:
- Suspensão de eficácia.
- Cancelamento de BIRPM
- Prejuízo de difícil reparação

SUMÁRIO:
- Considerando que a interposição de recurso contencioso de um acto administrativo visando a declaração da sua invalidade não tem “efeito suspensivo”, impõe-se reconhecer que situações existem em que a imediata execução do acto pode produzir efeitos tais que se torne impossível, mais tarde, quando verificada a sua nulidade ou causa da sua anulação, faze-los desaparecer.
- Precisamente para obviar tais situações, admitiu o legislador a possibilidade de o particular se socorrer do meio processual da “suspensão de eficácia do acto”, procurando obviar a que a administração execute o respectivo acto administrativo, desencadeando os seus efeitos jurídicos e materiais de modo a criar ao particular que venha a vencer o recurso, situações tornadas irremediáveis ou dificilmente reparáveis, garantindo correspondentemente a execução real e efectiva da decisão e utilidade do recurso.
- O cancelamento do B.I.R.M. de um (até aí) “residente permanente” da R.A.E.M. que aqui nasceu e residiu de forma regular e contínua, com a sua consequente “necessidade de ter de se deslocar para o exterior de Macau” sem que lhe seja conhecida a posse de qualquer outro documento de identificação ou de viagem e qualquer outra “relação familiar”, constitui “dano” merecedor de tutela jurídica que integra o conceito de “prejuízo de difícil reparação” para efeitos do art. 121°, n.° 1, al. a) do C.P.A.C..


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Rui Pereira Ribeiro













Processo nº 590/2021/A
(Suspensão de Eficácia)

Data: 27 de Julho de 2021
Requerente: A
Requerida: Secretário para a Administração e Justiça
*
ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:

I. RELATÓRIO

A, com os demais sinais dos autos,
  vem requerer a suspensão de eficácia do despacho do Secretário para a Administração e Justiça de 26.05.2021 que rejeitando o recurso hierárquico necessário interposto manteve a decisão de declarar nulos os actos de emitir o BIRPM e o passaporte da RAEM e de cancelar os mesmos ao ora Requerente.
  Para tanto alega o Requerente em síntese que nasceu em Macau em 05.05.19XX tendo sido registado como B, filho de C titular de BIRPM e de D, ao tempo titular de título de permanência temporária, sendo que desde então tem vindo a ser emitido ao Requerente o BIRPM.
  Por sentença de 23.05.2011 foi declarado que o Requerente não é filho de C mas sim de F, tendo sido corrigido o respectivo assento de nascimento quanto à menção da paternidade.
  Ao tempo do nascimento do Requerente F ainda não era residente de Macau qualidade que só veio a adquirir em 2002.
  Em 26.01.2017 o Requerente requereu à DSI a renovação do BIRPM o que foi deferido.
  Em 22.03.2021 a DSI notificou o Requerente de que foram declarados nulos o BIRPM e o passaporte da RAEM do Requerente.
  O Requerente desde o seu nascimento que tem vivido em Macau com os pais e sua irmã mais velha aqui tendo frequentado o ensino desde o jardim infantil até à universidade vindo em 2018 a ser nomeado guarda do CPSP profissão que ainda hoje desempenha.
  Os pais e a irmã mais velha do Requerente são residentes de Macau assim como os outros familiares e o Requerente não possui documentos de identificação de outro país ou região.
  Se o Requerente ficar sem os seus documentos de identificação não poderá residir em Macau nem tem qualquer identidade no interior da China, ficando também impedido de exercer a sua profissão de guarda da CPSP o que implica ficar desempregado.
  O pai do Requerente sofre de doença oncológica cujas despesas são suportadas pelo Requerente pelo que, ficando sem emprego deixará de poder auxiliar o seu pai o que terá consequências graves e irreparáveis.
  A suspensão da execução do acto não determinará grave lesão do interesse público e não há fortes indícios da ilegalidade do recurso contencioso já interposto, pelo que entende estarem verificados os requisitos do nº 1 do artº 121º do CPAC.
  
  Citado o órgão administrativo requerido para contestar veio este fazê-lo impugnando a verificação do prejuízo invocado pela Requerente.
  
  Pelo Ilustre Magistrado do Ministério Público foi emitido o seguinte parecer:
  «1.
  A, melhor identificado nos autos, veio instaurar o presente procedimento cautelar de suspensão de eficácia do acto praticado pelo Secretário para a Administração e Justiça que, em recurso hierárquico, manteve a declaração de nulidade dos actos de emissão do Bilhete de Identidade de Residente Permanente do Requerente e bem assim do seu passaporte da RAEM.
  2.
  (i)
  Decorre do disposto no artigo 121.º, n.º 1 do Código de Processo Administrativo Contencioso (CPAC), que a suspensão de eficácia dos actos administrativos que tenham conteúdo positivo ou que, tendo conteúdo negativo, apresentem uma vertente positiva é concedida quando se verifiquem os seguintes requisitos:
(i) a execução do acto causar previsivelmente prejuízo de difícil reparação para o requerente ou para os interesses que estre defenda ou venha a defender no recurso contencioso;
(ii) a suspensão não determine grave lesão do interesse público concretamente produzido pelo acto;
(iii) do processo não resultem fortes indícios de ilegalidade do recurso.
  Estes requisitos do decretamento da providência cautelar da suspensão de eficácia são de verificação cumulativa bastando a não verificação de um desses para que tal decretamento resulte inviável, sem prejuízo, no entanto, do disposto nos n.ºs 2, 3 e 4 do citado artigo 121.º do CPAC (assim, entre outros, o Ac. do Tribunal de Última Instância de 4.10.2019, processo n.º 90/2019).
  (ii)
  No caso, o acto suspendendo é, fora de dúvida, um acto positivo por isso que dele decorre uma alteração na prévia situação jurídica da Requerente.
  Além disso, a ser decretada a suspensão de eficácia do acto não vemos que daí resulte grave lesão para o interesse público concretamente prosseguido pelo acto, pelo que se pode dizer preenchido o requisito da providência a que alude a alínea b) do n.º 1 do artigo 121.º do CPAC.
  Do mesmo modo, do processo não resultam fortes indícios de ilegalidade do recurso contencioso, mostrando-se assim verificado o requisito previsto na alínea c) do n.º 1 do artigo 121.º do citado diploma legal.
  Resta a questão de saber se a execução do acto causa previsivelmente prejuízo de difícil reparação ao Requerente.
  A nosso ver, a resposta a tal questão não pode deixar de ser positiva.
  Na verdade, como a propósito de situação em tudo idêntica decidiu o nosso mais alto Tribunal, é de considerar que o cancelamento do Bilhete de Identidade de Residente de Macau de um residente permanente da Região com cerca de 27 anos de idade e que aqui nasceu e residiu de forma regular e contínua, com a sua consequente necessidade de ter de se deslocar para o exterior de Macau sem que lhe seja conhecida a posse de qualquer outro documento de identificação ou de viagem e qualquer outra relação familiar, constitui dano merecedor de tutela jurídica que integra o conceito de prejuízo de difícil reparação para efeitos do artigo 121°, n.° 1, al. a) do CPAC (adaptámos ao caso, com a devida vénia, a formulação lapidar que consta do sumário do acórdão do Tribunal de Última Instância de 13.1.2021, processo n.º 212/2020. No mesmo sentido, veja-se o acórdão do Tribunal de Segunda Instância de 7.11.2019, tirado no processo n.º 1013/2019/A, também versando sobre uma situação concreta análoga à que se aprecia nos presentes autos).
  Estão, pois, verificados, em nosso modesto entendimento, todos os requisitos de que o artigo 121.º, n.º 1 do CPAC faz depender o decretamento da suspensão de eficácia.
   3.
  Pelo exposto, salvo melhor opinião, parece ao Ministério Público que deve ser deferido o pedido de suspensão de eficácia.».
  
  II. PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
  
  O Tribunal é o competente.
  O processo é o próprio e não enferma de nulidades que o invalidem.
  As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são legítimas.
  Não existem outras excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa e de que cumpra conhecer.
  
  III. FUNDAMENTAÇÃO
  
  III.a) Factos
a) O requerente nasceu em Macau no dia 5 de Maio de 19XX, tendo sido lavrado o assento de nascimento n.º 2*** da Conservatória do Registo Civil onde consta que o seu nome é B (B), o pai é C (C) titular do BIRPM n.º 7******(0) e a mãe é D (D) titular do Título de Permanência Temporária n.º 6*****;
b) Em 23 de Maio de 1994 C, o pai do Requerente, em sua representação pediu pela primeira vez a emissão do BIRM o qual veio a ser emitido com o n.º 1/******/2, e foi renovado em 9 de Fevereiro de 1996, em 22 de Junho de 1998, em 15 de Dezembro de 2004 e em 29 de Outubro de 2009;
c) Por sentença de 23 de Maio de 2011 proferida no processo que correu termos no TJB sob o nº CV3-10-0017-CAO foi declarado que o Requerente não é filho de C, mas sim de F (F), e foi ordenado que se procedesse à alteração do assento de nascimento do Requerente quanto à paternidade;
d) D era titular do TPT emitido pela Polícia de Segurança Pública, e no dia 25 de Outubro de 1996, foi lhe emitido pela primeira vez o BIRM, e F era residente do Interior da China, entrou em Macau no ano de 2002 usando o Salvo-Conduto Singular para Deslocação a Hong Kong e Macau, e no dia 11 de Fevereiro de 2002, foi lhe emitido pela primeira vez o BIRM;
e) Em 15 de Fevereiro de 2012 foi requerida a renovação do BIRPM do Requerente fazendo-se constar a paternidade de F o que foi deferido;
f) Em 26 de Janeiro de 2017, o Requerente requereu à DSI a renovação do BIRPM n.º 1******(2), declarando que o pai é F e a mãe é D, renovação essa que foi deferida;
g) Em 22 de Março de 2021, a Directora da DSI proferiu despacho no qual concordou com a Proposta n.º 9-DAG-DJP-D-2021 e declarou nulos os actos de emitir e renovar o BIRM e o passaporte da RAEM do Requerente e cancelou o Passaporte n.º MA01***** e o BIRPM n.º 1******(2) de que o Requerente era titular;
h) Em 30 de Abril de 2021, o Requerente interpôs recurso hierárquico daquele despacho, o qual por despacho de 26 de Maio de 2021 veio a ser rejeitado mantendo-se a decisão da DSI.
i) Desde o nascimento, o Requerente tem residido em Macau com os pais e a irmã mais velha, onde frequentou o jardim infantil, a escola primária, a escola secundária e a universidade em Macau e obteve habilitações profissionais;
j) Após a graduação, o Requerente trabalhou em Macau, foi admitido ao 26º Curso de Formação de Instruendos das Forças de Segurança, concluiu este curso e em 6 de Novembro de 2018, foi o Requerente nomeado como guarda do CPSP n.º 1*****.
  
  A convicção do tribunal resultou dos documentos juntos ao processo administrativo apenso, nomeadamente de fls. 1 a 175.
  
  III.b) Do Direito
  De acordo com o disposto no artº 120º do CPAC a eficácia dos actos administrativos pode ser suspensa quando os actos:
  a) Tenham conteúdo positivo;
  b) Tendo conteúdo negativo, apresentem uma vertente positiva e a suspensão seja circunscrita a esta vertente».
  No caso dos autos o acto em causa, alterando a situação jurídica da Requerente é manifestamente de conteúdo positivo.
  Por sua vez o CPAC no nº 1 do seu artº 121º consagra os requisitos para que a suspensão seja concedida, a saber:
«Artigo 121.º
(Legitimidade e requisitos)
  1. A suspensão de eficácia dos actos administrativos, que pode ser pedida por quem tenha legitimidade para deles interpor recurso contencioso, é concedida pelo tribunal quando se verifiquem os seguintes requisitos:
  a) A execução do acto cause previsivelmente prejuízo de difícil reparação para o requerente ou para os interesses que este defenda ou venha a defender no recurso;
  b) A suspensão não determine grave lesão do interesse público concretamente prosseguido pelo acto; e
  c) Do processo não resultem fortes indícios de ilegalidade do recurso.
  2. Quando o acto tenha sido declarado nulo ou juridicamente inexistente, por sentença ou acórdão pendentes de recurso jurisdicional, a suspensão de eficácia depende apenas da verificação do requisito previsto na alínea a) do número anterior.
  3. Não é exigível a verificação do requisito previsto na alínea a) do n.º 1 para que seja concedida a suspensão de eficácia de acto com a natureza de sanção disciplinar.
  4. Ainda que o tribunal não dê como verificado o requisito previsto na alínea b) do n.º 1, a suspensão de eficácia pode ser concedida quando, preenchidos os restantes requisitos, sejam desproporcionadamente superiores os prejuízos que a imediata execução do acto cause ao requerente.
  5. Verificados os requisitos previstos no n.º 1 ou na hipótese prevista no número anterior, a suspensão não é, contudo, concedida quando os contra-interessados façam prova de que dela lhes resulta prejuízo de mais difícil reparação do que o que resulta para o requerente da execução do acto.».
  
  Tal como tem vindo a ser entendido de forma unânime pelo TUI1 a verificação dos requisitos indicados nas três alíneas do nº 1 são de verificação cumulativa.
  
  Como se diz no Acórdão do TUI proferido no processo nº 212/2020 de 13.01.2021 «…, impõe-se reconhecer que situações existem em que a imediata execução do acto pode produzir efeitos tais que se torne impossível, mais tarde, quando verificada a sua nulidade ou causa da sua anulação, faze-los desaparecer.
  Precisamente para obviar tais situações, admitiu o legislador a possibilidade de o particular se socorrer do meio processual de “suspensão de eficácia do acto”, procurando obviar a que a administração execute o respectivo acto administrativo, desencadeando os seus efeitos jurídicos e materiais de modo a criar ao particular que venha a vencer o recurso, situações tornadas irremediáveis ou dificilmente reparáveis.
  O pedido de suspensão de eficácia apresenta-se assim como que ligado à necessidade de acautelar, ainda que provisoriamente, a integridade dos bens ou a situação jurídica litigiosa, garantindo correspondentemente a execução real e efectiva da decisão e utilidade do recurso. Tem, assim, como meio processual acessório de natureza cautelar, o objectivo de evitar os inconvenientes do “periculum in mora” decorrentes do (normal) funcionamento do sistema judicial; (neste sentido, vd., Vieira de Andrade in, “A Justiça Administrativa”, 2ª ed. pág. 167 e F. do Amaral, “Dtº Administrativo”, Vol. IV, pág. 302).
  É assim a “suspensão da eficácia de actos administrativos” – matéria regulada nos art°s 120 e segs.do C.P.A.C. – uma “providência cautelar” que visa impedir que, durante a pendência de um recurso contencioso (ou acção), ocorram prejuízos ou que a situação de facto se altere de modo a que a decisão que se vier a proferir, sendo favorável, perca toda a sua eficácia ou parte dela, tornando-se numa decisão puramente platónica.»
  
  No caso em apreço o Requerente nasceu em Macau onde sempre viveu e estudou, vindo a frequentar o Curso de Formação de Instruendos das Forças de Segurança e a ser nomeado guarda da CPSP.
  Da execução imediata do despacho cuja suspensão se pede inquestionavelmente resulta que o Requerente não só perde os únicos documentos de identificação que possui, pois apesar de se admitir que o Requerente tenha a nacionalidade Chinesa, tendo nascido em Macau, segundo as regras da experiência é bastante provável que não possua documentos de identificação da China Continental, para além de que, não mais pode comparecer ao trabalho o que implica a perda do emprego como guarda da CPSP.
  A tudo isto acresce o facto do mundo se encontrar numa situação de pandemia em que a circulação de pessoas está condicionada, sendo frequente só se admitir a entrada em determinados países a nacionais e/ou residentes, o que ocorre em Macau e na China Continental.
  Relativamente ao requisito da alínea a) do nº1 do indicado preceito – prejuízo de difícil reparação – reproduzimos aqui a citação usada no já citado Acórdão do TUI de 13.01.2021:
  «8 –(…)
  Com o advérbio-previsivelmente, está o legislador a alertar que o interessado invoque e prove uma situação de facto de onde se extraia com muita probabilidade a ocorrência dos danos. Quer isto dizer, que o requisito em apreço não se basta com uma alegação vaga, superficial, mais ou menos conclusiva dos danos. Também não é suficiente invocar ou reproduzir as palavras da lei. É preciso expor e especificar muito bem a situação factual concreta, de modo a que fique bem claro que, sem a suspensão, a esfera jurídica do interessado ou dos que ele defende, ficará muito provavelmente lesada. É que, neste capítulo, a alínea demonstra perfeitamente que não estamos perante um quadro de presunção “iuris tantum” acerca da existência do prejuízo.
  Depois, é preciso ainda que os efeitos danosos sejam de tal modo severos que se tornem de difícil reparação. É evidente que este é um conceito indeterminado. Mas até por assim ser, mais cuidado deve o requerente elaborar e expor um quadro fáctico bem fundamentado, capaz de convencer o tribunal de que o recurso contencioso bem sucedido seguido da execução do julgado dificilmente será apto a reparar os prejuízos sofridos, a ponto de repor integralmente a situação actual hipotética. Portanto, deverá ser neste requisito que o recorrente deve depositar a sua máxima atenção.
  E claro que a prova aqui não tem que ser cabal, perfeita e exaustiva, como aquela que se faz geralmente numa acção; em vez disso, é perfunctória, característica e própria de uma providência cautelar, de processado urgente. Isso, contudo, não desobriga o interessado de narrar circunstanciadamente os factos, expor muito bem a sua situação jurídico/material pretérita e actual, bem como os danos advenientes e futuros que sejam causa do acto suspendendo. O referido conceito indeterminado deve ser, portanto, densificado o máximo que puder ser através de factos que sejam verosímeis e demonstráveis, sem prejuízo daqueles que, por muito evidentes, tenham a natureza de notórios (art. 250°, n°2 do CC e 434°, do CPC).
  (…)
  12 –Deve ter-se em conta que os danos a invocar e provar são os danos que devem resultar do acto através de um juízo assente na lógica e na consequência pura. Quer dizer, segundo um padrão objectivo, os prejuízos hão-de decorrer da execução do acto, de tal modo que é pressuposta a verificação de uma relação de causa-efeito entre o acto e a sua execução. Desta feita, entende-se que ficam fora da previsão da alínea os prejuízos hipotéticos, eventuais e conjecturais.
  13 –E os danos morais serão de considerar na figura?
  Qualquer decisão ablativa, qualquer acto decorrente de uma Administração dita “agressiva”, até mesmo qualquer indeferimento pode provocar aborrecimentos, dores de cabeça, arrelias, mal-estar; é natural, é próprio da reacção do ser humano perante uma adversidade. E pode ser ainda uma “perda de face”, uma indignidade perante a sociedade em geral ou perante um grupo (profissional, social, lúdico, desportivo, etc.) no qual o interessado se encontre incluído, uma humilhação, a vergonha profunda, um forte desgosto, etc.
  Também não repugna admitir que a demolição da casa, que sempre serviu de moradia do requerente e da sua família mais próxima e directa e que, portanto, neles criou uma ligação afectiva, ou a separação de uma mãe do seu filho menor de terna idade, que dos seus cuidados e amparo precisa, haverá de gerar danos desse tipo.
  Todavia, independentemente da verificação de danos morais, o que releva para a caracterização do requisito será intensidade deles. E isso, só casuisticamente pode ser analisado. Portanto, o que podemos dizer é que os danos morais não estão necessariamente afastados da previsão da norma em apreço; devemos, por outro lado, entender que só devem ser atendidos aqueles que, pela sua gravidade, intensidade e objectividade, mereçam a tutela do direito. Assim o proclama o art. 489° do Código Civil”; (cfr., v.g., ob. cit., Vol. II, pág. 214 e segs., e, no mesmo sentido, V. Lima e A. Dantas in, “C.P.A.C. Anotado”, pág. 347 e segs.).».
  Ainda naquele Acórdão do TUI sobre a situação que decorre da imediata execução do acto igual àquele que é agora objecto destes autos, diz-se «…e, perante o que se consignou, e sem necessidade de uma muito elaborada ou desenvolvida fundamentação, cremos que mais adequado seria considerar-se que verificado se apresenta o pressuposto processual previsto na alínea a) do n.° 1 do art. 121° do C.P.A.C., isto é, quanto ao aludido “prejuízo de difícil reparação”.
  Com efeito, e antes de mais, não se pode olvidar que em causa está o estatuto de “residente permanente da R.A.E.M.” da ora recorrente que, para além de outros “direitos –e deveres –fundamentais”, (cfr., v.g., art. 24° e segs. da L.B.R.A.E.M.), lhe atribui, (nomeadamente), o direito (de continuar a) residir (legalmente) em Macau, (onde, note-se, tem vivido desde que nasceu), e que, perante a decisão de cancelamento do seu Bilhete de Identidade de Residente da R.A.E.M., a coloca, como a própria alegou, numa situação de “permanência ilegal” que irá culminar com a sua “expulsão da R.A.E.M.”.
  E, nesta conformidade, esta sua “necessidade de ter de se deslocar para o exterior de Macau” (após aqui ter mantido o seu “centro de vida” desde a sua nascença), nomeadamente, para a R.P. da China ou qualquer outra parte do mundo, sem que lhe seja conhecida a posse de qualquer outro documento de identificação ou de viagem e desconhecida sendo igualmente qualquer outra “relação familiar”, não deixa de representar um (evidente) “dano de difícil reparação”.
  Admite-se, independentemente do demais, que tal “dano” se apresenta como um “dano–essencialmente – não patrimonial”.
  Porém, não obstante tal natureza, importa atentar que o mesmo não deixa de integrar o conceito de “prejuízo” da alínea a) do n.° 1 do art. 121° atrás transcrito, e que, (como se nos mostra também evidente), não deixa de ser merecedor de tutela jurídica; (cfr., art. 489°, n.° 1 do C.C.M.).
  De facto, como expulsar-se de Macau uma jovem com quase 20 anos de idade que aqui tem vivido de forma “permanente” com a sua – única – “família”, forçando-a a se mudar e a ir viver para um “local” que desconhece, sem qualquer tipo apoio?
  Não constituirá tal situação um “prejuízo de difícil reparação”?
  Mostra-se-nos pois que a resposta só pode ser de sentido positivo, (nomeadamente, nos tempos que correm, em que ultrapassada se deve considerar a concepção tradicional de “prejuízo irreparável”, mais adequada sendo uma ponderação com base em critérios como o da “irreversibilidade” ou da “intolerabilidade”; cfr., v.g., Vieira de Andrade in, “Ajustiça Administrativa”, pág. 168).».
  
  Se tal argumentação já seria bastante para retirar igual conclusão no caso em apreço, aqui acresce ainda o facto do Requerente ser guarda da CPSP, posição que apenas pode desempenhar enquanto residente permanente da RAEM.
  No que concerne à possibilidade de reparação dos prejuízos decorrentes da perda da actual situação profissional é do nosso conhecimento a existência de jurisprudência que sustenta que o mesmo é reparável, através da indemnização.
  Contudo, estando em causa o vínculo laboral, a indemnização que se venha a obter relativamente aos salários perdidos nunca será suficiente para reparar o prejuízo.
  Em matéria de direito laboral há muito que o prejuízo vai muito para além da perda salarial.
  No âmbito do direito de trabalho a nível mundial tem vindo a Doutrina, legislação e jurisprudência a privilegiar a reintegração do trabalhador em detrimento da indemnização devida pelo despedimento ilícito.
  Actualmente não necessita de grandes explicações que o trabalho para além de ser um meio de prover ao sustento através do salário é também uma forma de realização e de crescimento profissional e pessoal, sendo inclusivamente, nalgumas legislações punida a colocação do trabalhador em inactividade.
  Se a perda salarial é facilmente indemnizável através da quantificação do valor perdido e juros, já a frustração e a perda de formação e evolução, não o serão tão facilmente.
  Por fim, a interrupção de um percurso laboral que poderá nunca mais poder voltar a ser retomado, é manifestamente de difícil reparação.
  A acrescer a tudo, não podemos esquecer que desde o início de 2020 o mundo vive uma situação de pandemia sem precedentes que obriga a que todos os juízos e soluções que antes faziam sentido e se encontravam justificadas sejam reponderados.
  É por demais evidente não carecendo de prova que a perda de um emprego na actual conjuntura económica dificilmente poderá ser solucionada com a brevidade com que o seria anteriormente.
  
  Destarte, concluímos, assim, estar verificado o requisito da al. a) do nº 1 do artº 121º do CPAC.
  
  Acompanhamos o parecer do Ilustre Magistrado do Ministério Público de que estão verificados os requisitos das alíneas b) e c) do nº 1 do artº 121º do CPAC, uma vez que não resultam indícios em sentido contrário.
  Destarte, estando preenchidos os requisitos cumulativos do nº 1 do artº 121º do CPAC impõe-se decidir em conformidade ordenando a suspensão de eficácia do acto como requerida.
  
  IV. DECISÃO
  
  Nestes termos e pelos fundamentos expostos deferindo-se o requerido declara-se a suspensão de eficácia do despacho do Secretário para a Administração e Justiça de 26.05.2021 que manteve a decisão de declarar nulos os actos de emitir e renovar o BIRPM e o Passaporte do Requerente e ordenou o cancelamento dos mesmos.
  
  Sem custas por delas estar isenta a entidade requerida.
  
  Registe e Notifique.
  
  RAEM, 27 de Julho de 2021
  
(Relator)
Rui Carlos dos Santos P. Ribeiro
  
(Primeiro Juiz-Adjunto)
Lai Kin Hong
  
(Segundo Juiz-Adjunto)
Fong Man Chong

Mai Man Ieng
1 Acórdãos do TUI de 26.09.2012, Proc. Nº 58/2012, de 16.05.2018, Procs. n°s 21/2018 e 38/2018, de 04.10.2019, Proc. Nº 90/2019 e de 26.02.2020, Proc. Nº 136/2019.
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590/2021/A SUPSENSÃO 18