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Processo nº 486/2021
(Autos de Recurso Civil e Laboral)

Data: 15 de Julho de 2021
Recorrente: A (Autor)
Recorrida: B, S.A. (Ré)

ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:

I - RELATÓRIO
  Por sentença de 18/03/2021, julgou-se a acção parcialmente procedente e, em consequência, condenou-se a Ré B, S.A. a pagar ao Autor A a quantia de MOP$130,901.69, acrescida de juros moratórios à taxa legal.
Dessa decisão vem recorrer o Autor, alegando, em sede de conclusões, os seguintes:
1. Versa o presente recurso sobre a douta Sentença na parte relativa à condenação da Ré (B) no pagamento ao Autor do trabalho prestado em dia de descanso semanal (isto é, trabalho prestado após seis dias de trabalho consecutivo em cada período de sete dias de trabalho) à luz da Lei n.º 7/2008.
2. Pelas razões que adiante melhor se expõem, está o Recorrente em crer que a douta Sentença enferma de um erro de aplicação de direito quanto à concreta forma de cálculo utilizada e, deste modo, se mostra em violação ao disposto no art. 42.º da Lei n.º 7/2008, razão pela qual se impõe que a mesma seja substituída por outra que decida em conformidade com a melhor interpretação a conferir ao referido preceito legal;
Em concreto,
3. Entendeu o Tribunal a quo que a Nova Lei das Relações de Trabalho admite que o gozo do período de descanso possa não ter frequência semanal e, como tal, a concessão do dia de descanso possa ocorrer em cada 8.º dia após a prestação pelo Autor de 7 (sete) dias de trabalho consecutivo - razão pela qual considerou que os dias que o Autor gozou no 8.º dia são considerados como sendo dias de descanso semanal, razão pela qual o Autor apenas terá direito a receber a diferença entre os dias de dispensa ao 8.º dia já gozados e os dias que faltou gozar ao 7.º dia a título de descanso semanal;
4. Ora, salvo o devido respeito, em caso algum pode o ora Recorrente se conformar com tal juízo decisório;
5. Em primeiro lugar, não resulta da Nova Lei das Relações de Trabalho que a concessão de um dia de descanso (leia-se, de dispensa) em cada 8.º dia (após a prestação pelo Autor de 7 dias de trabalho consecutivo) possa ser considerado como sendo um dia de descanso semanal;
6. Em segundo lugar, contrariamente ao avançado pelo Tribunal a quo, não resulta da matéria de facto assente (nem foi sequer alegado pela Ré nos articulados) que a actividade desenvolvida pela Ré, por si só, "torne inviável" o gozo pelo Autor (e pelas demais centenas de guardas de segurança) um dia de descanso semanal em cada período de sete dias, isto é que possa não ter uma frequência semanal;
7. Trata-se, de resto, de uma situação (leia-se, interpretação) que foi já anteriormente apreciada pelo douto Tribunal de Recurso, nos termos da qual se entendeu que:
"(...) uma coisa é a continuidade das actividades de casino, outra coisa é a inviabilidade de assegurar aos seus guardas de segurança o gozo de um descanso de vinte e quatro horas consecutivas num período de sete dias.
Não podemos aceitar que, dado o número gigantesco, que aliás é facto notório, dos elementos do pessoal de segurança da B, como é que não é viável mobilizá-los por forma a conciliar o normal funcionamento dos casinos com a não prestação de serviço por um número razoável dos guardas de segurança durante apenas vinte e quatro horas em cada período de sete dias!
Aliás, se é viável, (...) o gozo pelo Autor de um dia de descanso ao oitavo dia, não se vê por quê motivo não é viável o gozo do tal dia ao sétimo dia!
De qualquer maneira, o dito oitavo dia que o Autor gozou nunca é qualificável como descanso semanal a que se refere o art. 42.º da Lei n.º 7/2008 (...)" (Cfr. o Ac. do TSI n.º 944/2020).
8. E a ser assim, salvo o devido respeito, em caso algum se justifica que aquando do apuramento dos dias de descanso semanal a que o Autor tem direito, o douto Tribunal a quo tivesse procedido ao "desconto" dos dias de dispensa gozados pelo Autor em cada oitavo dia após a prestação de sete dias de trabalho consecutivo em cada semana, tratando-os como se fossem dias de descanso semanal, porque em manifesta contradição com a letra e com o espírito do art. 42.º, n.º 2 da Lei n.º 7/2008.
9. Em concreto, resultando da matéria de facto provada, que:
"Entre 07/11/2009 até 20/07/2015, o Autor prestou 242 dias de trabalho ao sétimo dia, após a prestação de seis dias consecutivos de trabalho em cada semana (...)" (ponto 18.º da Sentença);
"Entre 21/07/2015 até 20/07/2018, o Autor prestou 123 dias de trabalho ao sétimo dia, após a prestação de seis dias consecutivos de trabalho" (ponto 19.º da Sentença),
10. Impõe-se a condenação da Ré a pagar ao Autor a quantia de Mop$91,250.00 - e não só de apenas Mop$13,421.00 conforme resulta da Decisão em crise - segundo a seguinte fórmula: (salário diário) X (n.º de dias de descanso semanal não gozados);
11. A não se entender assim, está o Recorrente em crer ter existido uma errada aplicação da norma em questão (leia-se, do n.º 2 do art. 42.º da Lei n.º 7/2008) pelo Tribunal de Primeira Instância, o que em caso algum poderá deixar de conduzir, nesta parte, à sua nulidade, devendo ser substituída por outra que decida em conformidade com o referido preceito legal, o que desde já e para os legais e devidos efeitos se invoca e requer.
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A Ré respondeu à motivação do recurso do Autor, nos termos constantes a fls. 276 a 283, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, pugnando pela improcedência do mesmo.
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Foram colhidos os vistos legais.
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II - FACTOS
Vêm provados os seguintes factos pelo Tribunal a quo:
1. Desde 07/11/2009 até 20/07/2018 o Autor esteve ao serviço da Ré (B), prestando funções de “guarda de segurança”, enquanto trabalhador não residente. (A)
2. Entre 07/11/2009 e 31/07/2010, o Autor exerceu funções para a Ré (B) ao abrigo do Contrato de Prestação de Serviços n.º 2/2003. (B)
3. Desde o início da prestação de trabalho, o Autor sempre respeitou os períodos e horários de trabalho fixados pela Ré. (C)
4. Entre 07/11/2009 a 31/07/2010 a Ré (B) pagou ao Autor a quantia de MOP$7,500.00, a título de salário de base mensal. (D)
5. Entre 01/08/2010 a 20/07/2015 a Ré (B) pagou ao Autor a quantia de MOP$7,500.00, a título de salário de base mensal. (E)
6. Entre 21/07/2015 a 20/07/2018, a Ré pagou ao Autor a quantia de MOP$7,785.00, a título de salário de base mensal. (F)
7. Entre 07/11/2009 a 20/07/2018, o Autor gozou de dias de férias anuais por cada ano civil e de dias de dispensa ao trabalho não remunerados, nomeadamente, 24 dias em 2010, entre 04/01/2011 a 24/01/2011, 06/12/2011 a 24/12/2011, 06/11/2012 a 26/11/2012, 24 dias em 2013, 08/04/2014 a 04/05/2014, 05/09/2015 a 03/10/2015, 23/04/2016 a 21/05/2016 e, 18/04/2017 a 11/05/2017. (1.º)
8. Resulta do ponto 3.4. do Contrato de Prestação de Serviços n.º 2/2003 ao abrigo do qual o Autor foi autorizado a prestar trabalho para as Rés até 31/07/2010, ser devido ao Autor (e aos demais trabalhadores não residentes com ele contratados) “(…) um subsídio mensal de efectividade igual ao salário de 4 dias, sempre que no mês anterior não tenha dado qualquer falta ao serviço”. (2.º)
9. Entre 07/11/2009 a 31/07/2010 o Autor nunca deu qualquer falta ao trabalho sem conhecimento e autorização prévia por parte da Ré. (3.º)
10. Entre 07/11/2009 a 31/07/2010, a Ré (B) nunca pagou ao Autor qualquer quantia a título de subsídio de efectividade. (4.º)
11. Entre 07/11/2009 a 20/07/2018, por ordem da Ré, o Autor estava obrigado a comparecer no seu local de trabalho, devidamente uniformizado, com, pelo menos, 30 minutos de antecedência relativamente ao início de cada turno. (7.º)
12. Durante o referido período de tempo, tinha lugar um briefing (leia-se, uma reunião) entre o Team Leader (leia-se, Chefe de turno) e os “guardas de segurança”, na qual eram inspeccionados os uniformes de cada um dos guardas e distribuído o trabalho para o referido turno, mediante a indicação do seu concreto posto dentro do Casino. (8.º)
13. Entre 07/11/2009 a 20/07/2015 o Autor compareceu ao serviço da Ré (B) com 30 minutos de antecedência relativamente ao início dos 1687 dias/turnos que prestou para a Ré, tendo permanecido às ordens e às instruções dos seus superiores hierárquicos. (9.º)
14. Entre 21/07/2015 a 20/07/2018 o Autor compareceu ao serviço da Ré (B) com 30 minutos de antecedência relativamente ao início dos 867 dias/turnos que prestou para a Ré, tendo permanecido às ordens e às instruções dos seus superiores hierárquicos. (10.º)
15. A Ré nunca pagou ao Autor qualquer quantia pelo período de 30 minutos que antecedia o início de cada turno. (11.º)
16. A Ré nunca conferiu ao Autor o gozo de um descanso adicional remunerado, proporcional ao período de trabalho prestado. (12.º)
17. Entre 07/11/2009 a 20/07/2018, o Autor prestou a sua actividade de segurança para a Ré (B) num regime de turnos rotativos de sete dias de trabalho consecutivos, a que se seguia um período de vinte e quatro horas de descanso, em regra no oitavo dia, que antecedia a mudança de turno. (13.º)
18. Entre 07/11/2009 a 20/07/2015, o Autor prestou 242 dias de trabalho ao sétimo dia, para a Ré (B) após a prestação de seis dias consecutivos de trabalho. (14.º)
19. Entre 21/07/2015 a 20/07/2018, o Autor prestou 123 dias de trabalho ao sétimo dia, para a Ré (B) após a prestação de seis dias consecutivos de trabalho. (15.º)
20. Entre 07/11/2009 a 20/07/2018 a Ré (B) nunca pagou ao Autor qualquer acréscimo salarial pelo trabalho prestado em cada um dos sétimos dias, após a prestação de seis dias de trabalho consecutivo. (16.º)
21. 07/11/2009 a 20/07/2015, a Ré (B) faltou fixar ao Autor 35 dias de descanso compensatório, em sequência do trabalho prestado em dia de descanso semanal.
Entre 21/07/2015 a 20/07/2018, a Ré (B) faltou fixar ao Autor 18 dias de descanso compensatório, em sequência do trabalho prestado em dia de descanso semanal. (17.º)
22. Resulta do Contratos de Prestação de Serviço n.º 2/2003 ao abrigo do qual o Autor prestou trabalho para a Ré que: “(…) decorridos os primeiros 30 dias de prestação de trabalho por parte do trabalhador (leia-se o Autor), este terá direito, para além da remuneração supra referida, às bonificações ou remunerações adicionais que a 1.º outorgante (leia-se, a Ré) paga aos operários residentes no Território”. (18.º)
23. Desde 31/03/2002 a Ré paga de forma regular e periódica aos trabalhadores guardas de segurança residentes uma determinada quantia por mês, a título de gorjetas ou tips. (19.º)
24. A distribuição das referidas gorjetas ou tips pelos seus funcionários obedece a um esquema desde 31/03/2002, denominado por “Distribution policy”. (20.º)
25. Entre 07/11/2009 a 31/07/2010, a Ré nunca pagou ao Autor quaisquer bonificações, remunerações adicionais, gorjetas ou tips. (22.º)
26. A Ré pagou sempre ao Autor o salário correspondente ao trabalho prestado nos dias de descanso semanal em singelo, caso este tenha trabalhado em tal dia. (23.º)
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III – FUNDAMENTAÇÃO
1. Da compensação devida pelo trabalho prestado em dias de descanso semanal na vigência da Lei nº 7/2008:
Ficou provado que:
1. Entre 07/11/2009 a 20/07/2018, o Autor prestou a sua actividade de segurança para a Ré (B) num regime de turnos rotativos de sete dias de trabalho consecutivos, a que se seguia um período de vinte e quatro horas de descanso, em regra no oitavo dia, que antecedia a mudança de turno. (13.º)
2. Entre 07/11/2009 a 20/07/2015, o Autor prestou 242 dias de trabalho ao sétimo dia, para a Ré (B) após a prestação de seis dias consecutivos de trabalho. (14.º)
3. Entre 21/07/2015 a 20/07/2018, o Autor prestou 123 dias de trabalho ao sétimo dia, para a Ré (B) após a prestação de seis dias consecutivos de trabalho. (15.º)
4. Entre 07/11/2009 a 20/07/2018 a Ré (B) nunca pagou ao Autor qualquer acréscimo salarial pelo trabalho prestado em cada um dos sétimos dias, após a prestação de seis dias de trabalho consecutivo. (16.º)
  Seguiu o seguinte raciocínio: dividiu o número dos dias de trabalho prestados pelo Autor e descontou os dias em que o Autor havia descansado ao 8.º dia, após a prestação de sete dias de trabalho consecutivos, apurando que o Autor terá direito a auferir a diferença entre os dois.
  Este TSI tem entendido, de forma unânime, que o trabalho prestado ao sétimo após a prestação de seis dias consecutivos de trabalho em cada semana deve ser qualificado como trabalho prestado no dia do descanso semanal, não obstante o Autor ter gozado um dia de descanso ao oitavo dia.
A razão de ser consiste em “o trabalhador não pode prestar mais do que seis dias de trabalho consecutivos, devendo o dia de descanso ter lugar, no máximo, no sétimo dia, e não no oitavo, nono ou noutro dia do mês, salvo acordo das partes em sentido contrário, no que toca ao momento de descanso a título de “compensação”, mas o critério para este efeito é sempre o período de sete dias como uma unidade” (cfr. Ac. do TSI, Proc. nº 89/2020, de 16/04/2020).
Por outro lado, “(...) uma coisa é a continuidade das actividades de casino, outra coisa é a inviabilidade de assegurar aos seus guardas de segurança o gozo de um descanso de vinte e quatro horas consecutivas num período de sete dias.
  Não podemos aceitar que, dado o número gigantesco, que aliás é facto notório, dos elementos do pessoal de segurança da B, como é que não é viável mobilizá-los por forma a conciliar o normal funcionamento dos casinos com a não prestação de serviço por um número razoável dos guardas de segurança durante apenas vinte e quatro horas em cada período de sete dias!
  Aliás, se é viável, (...) o gozo pelo Autor de um dia de descanso ao oitavo dia, não se vê por quê motivo não é viável o gozo do tal dia ao sétimo dia!
  De qualquer maneira, o dito oitavo dia que o Autor gozou nunca é qualificável como descanso semanal a que se refere o art. 42.º da Lei n.º 7/2008 (...)” (Cfr. o Ac. do TSI n.º 944/2020).
Assim, o descanso remunerado do trabalhador no oitavo dia não pode ser qualificado como descanso semanal sem acordo das partes ou quando a natureza da actividade da empresa não torne inviável o gozo no sétimo dia, antes deve ser qualificado como dia de descanso compensatório pelo trabalho prestado no dia de descanso semanal a que se alude o nº 2 do artº 43º da Lei nº 7/2008.
 Neste conformidade, o Autor tem o direito de receber: MOP$7500/30*1940/7(07/11/2009-20/07/2015)+MOP$7,785/30*990/7(21/07/2015-20/07/2018)=MOP$105,839.50, reduzidos a MOP$91,250.00 tendo em conta o próprio pedido do Autor no presente recurso jurisdicional.
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Tudo visto, resta decidir.
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IV – DECISÃO
Pelas apontadas razões, acordam em conceder provimento ao recurso interposto pelo Autor, decidindo-se revogar a sentença na parte respectiva e condenar a Ré a pagar ao Autor, a título da compensação pelo não gozo dos dias de descanso semanal, no total de MOP$91,250.00, com juros de mora à taxa legal a partir da data do presente aresto (cfr. Ac. do TUI, de 02/03/2011, Proc. nº 69/2010).
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Custas pela Ré.
Notifique e D.N..
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RAEM, aos 15 de Julho de 2021.
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Ho Wai Neng
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Tong Hio Fong
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Rui Carlos dos Santos P. Ribeiro




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