打印全文
Processo nº 655/2020
Data do Acórdão: 15JUL2021


Assuntos:

Impugnação da matéria de facto
Ónus de indicação da passagem das gravações – artº 599º/2 do CPC
Livre apreciação das provas
Erro na apreciação de provas
Convicção do Tribunal
Princípio da imediação


SUMÁRIO

1. Se é verdade que, por força do princípio da livre apreciação das provas consagrado no artº 558º do CPC, como regra geral, o tribunal aprecia livremente as provas, decidindo os juízes segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto, não é menos certo que a matéria de facto assente de primeira instância pode ser alterada nos termos e ao abrigo do disposto no artº 629º do CPC.

2. Apesar de a lei exigir sempre a objectivação e motivação da convicção íntima do Tribunal na fundamentação da decisão de facto, ao levar a cabo a sua actividade cognitiva para a descoberta da verdade material, consistente no conhecimento ou na apreensão de um acontecimento supostamente ocorrido no passado, o julgador não pode deixar de ser subjectivamente influenciado por elementos não explicáveis por palavras, nomeadamente quando concedem a credibilidade a uma testemunha e não a outra, pura e simplesmente por impressão recolhida através do contacto vivo e imediato com a atitude e a personalidade demonstrada pela testemunha, ou com a forma como reagiu quando inquirida na audiência de julgamento. Assim, desde que tenham sido observadas as regras quanto à valoração das provas e à força probatória das provas e que a decisão de facto se apresenta coerente em si ou se não mostre manifestamente contrária às regras da experiência de vida e à logica das coisas, a convicção do Tribunal a quo, colocado numa posição privilegiada por força do princípio da imediação, em princípio, não é sindicável.

3. O recurso ordinário existe para corrigir erro e repor a justiça posta em causa pela decisão errada. Para impugnar com êxito a matéria fáctica dada por assente na primeira instância, não basta ao recorrente invocar a sua discordância fundada na sua mera convicção pessoal formada no teor de um determinado meio de prova, ou identificar a divergência entre a sua convicção e a do Tribunal de que se recorre, é ainda preciso que o recorrente identifique o erro que, na sua óptica, foi cometido pelo Tribunal de cuja decisão se recorre.

4. Os julgadores de recurso, não sentados na sala de audiência para obter a percepção imediata das provas ai produzidas, naturalmente não podem estar em melhores condições do que os juízes de primeira instância que lidaram directamente com as provas produzidas na sua frente. Assim, o chamamento dos julgadores de recurso para a reapreciação e a revaloração das provas, já produzidas e/ou examinadas na 1ª instância, com vista à eventual alteração da matéria de facto fixada na 1ª instância, só se justifica e se legitima quando a decisão de primeira instância padecer de erros manifestamente detectáveis.

5. Para que possa abalar com êxito a convicção formada pelo Tribunal a quo com vista à revogação da decisão de facto e à sua ulterior modificação pelo Tribunal ad quem, é preciso que o recorrente identifique erro manifesto na valoração de provas e na fixação da matéria de facto, e não a simples divergência entre ele e o Tribunal no que diz respeito à valoração de provas ou à fixação da matéria fáctica. Integram em tais erros manifestos, inter alia, a violação de regras quanto à valoração de provas e à força probatória de provas, v. g. o não respeito à força vinculativa duma prova legal, e a contrariedade da convicção íntima do Tribunal a regras de experiência de vida e à lógica das coisas.

6. Um facto essencial, integrante quer da causa de pedir quer da impugnação, dever ser alegado nos articulados pelas partes, e não pode ser trazido à lide pela testemunha aquando da sua inquirição na audiência de julgamento, pois o que foi dito pela testemunha, por mais credível que seja, em caso algum, tem a virtude de se substituir ao alegado pelas partes em cumprimento do seu ónus de exposição dos factos integrantes na causa de pedir e do seu ónus de impugnação aos factos – artºs 389º/1-c) e 410º do CPC.


O relator



Lai Kin Hong


Processo nº 655/2020


Acordam em conferência na Secção Cível e Administrativa no Tribunal de Segunda Instância da RAEM:

I

No âmbito dos autos de acção ordinária nº CV2-17-0042-CAO, intentada pela A Limitada, contra a B Limitada, ambas devidamente identificadas nos autos, e que correm os seus termos no 2º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Base, foi a final proferida a seguinte sentença, julgando parcialmente procedente a acção e improcedente a reconvenção:
I – Relatório:
  A Limitada, registada na Conservatória dos Registos Comercial sob o n.º XXXXX SO, com sede XXXXXXX;
  veio intentar a presente
  Acção Ordinária
  contra
  B Limitada, sociedade comercial de responsabilidade limitada, com sede em Macau na XXXXXXXX;
  com os fundamentos apresentados constantes da petição inicial de fls. 2 a 18,
  concluiu pedindo que fosse julgada procedente por provada a presente acção, e em consequência, fosse a Ré condenada a pagar à Autora a quantia de MOP$5.657.297,00 acrescida de juros vencidos e vincendos até integral pagamento.
*
  A Ré contestou a acção com os fundamentos constantes de fls. 42 a 77 dos autos.
  Concluiu pedindo que fosse julgado improcedente o pedido da Autora e que esta fosse condenada no pedido reconvencional por si formulado.
*
  Este Tribunal é o competente em razão da matéria e da hierarquia.
  As partes são dotadas de personalidade e capacidade judiciária e de legitimidade "ad causam".
  O processo é o próprio.
  Inexistem nulidades, excepções ou outras questões prévias que obstem à apreciação "de meritis".
  *
  Procedeu-se a julgamento com observância do devido formalismo.
***
II – Factos:
  Dos autos resulta assente a seguinte factualidade com interesse para a decisão da causa:
  Da Matéria de Facto Assente:
- A A. é uma sociedade comercial que se dedica a efectuar obras de construção (alínea A) dos factos assentes).
- A R. é uma sociedade comercial que se dedica à prestação de serviços de design, manufacturação, fornecimento e instalação de produtos de iluminação (alínea B) dos factos assentes).
- Em Junho de 2014, após ter acordado com a ré a construção da iluminação da fachada do “C”, pelo preço de HK$4.979.000,00 e a construção da estação para autocarros do casino/hotel pelo preço de HK$1.447.770,00, a A. iniciou as obras (alínea C) dos factos assentes).
- A R. foi pagando os montantes parcelares do preço total à medida que a obra ia sendo efectuada e reteve, a título de caução, e ainda retém, o montante de HK$452.900,00 relativamente às obras da fachada do “C” e os montantes de HK$144.777,00 e HK$23.975,00 relativamente às obras da estação de autocarros (alínea D) dos factos assentes).
- Autora e ré acordaram também que a autora, pelo preço de HK$4.000.000,00 efectuaria as obras de iluminação da Fachada do Hotel do complexo “D” (D) (alínea F) dos factos assentes).
- A R. reteve o montante correspondente a 10% do valor do preço acordado para as obras referidas em F) para assegurar quaisquer reparações ou defeitos no trabalho executado pela A. (alínea H) dos factos assentes).
- A ré continua a reter em seu poder ainda o montante de HK$200.000,00, do preço dos trabalhos realizados pela autora no “D” (alínea J) dos factos assentes).
- Em 21 de Julho de 2015 a A. adquiriu, a pedido da R., carris de luzes no valor de HK$138. 452,00 (alínea K) dos factos assentes).
- A R. pagou apenas à autora o montante de HK$119.231,00 (alínea L) dos factos assentes).
- A R. reteve o montante de HK$30.000,00 a título de caução no preço acordado para os trabalhos adicionais efectuados no D (alínea M) dos factos assentes).
- A A. acordou com a ré gerir e coordenar um sub-empreiteiro da R., a companhia E (alínea N) dos factos assentes).
*
  Da Base Instrutória:
- Autora e Ré acordaram que, caso passados 12 meses da data acordada para conclusão das obras, nenhuma queixa tivesse sido feita à Autora, a Ré teria que restituir-lhe o montante referido em J) dos factos assentes (resposta ao quesito 1ºC da base instrutória).
- Além das obras referidas em C) e F) dos factos assentes, a Autora acordou com a Ré a construção da “advanture gate” do C (resposta ao quesito 2º da base instrutória).
- Além das obras referidas em C) e F) dos factos assentes e a referida na resposta ao quesito 2º, a Autora acordou com a Ré a substituição das molas “CL180 Spring Clip” para segurar as lâmpadas (resposta ao quesito 7º da base instrutória).
- A Autora despendeu HK$30.000,00 para efectuar a substituição das molas “CL180 Spring Clip” para segurar as lâmpadas (resposta ao quesito º8 da base instrutória).
- Em Dezembro de 2014, em virtude de algumas obras feitas por E, sub-empreiteiro da Ré, terem sido danificadas, este sub-empreiteiro pediu uma compensação à dona da obra tendo, por isso, recebido HK$93.895,00 (resposta ao quesito 12º da base instrutória).
- A Ré deduziu dos pagamentos a fazer à Autora o montante de HK$9.389,50 porque o sub-empreiteiro E pediu a compensação referida nas respostas aos quesitos 12º e 58º directamente à dona da obra (resposta ao quesito 13º da base instrutória).
- Autora e Ré acordaram que metade dos valores retidos pela Ré no preço dos trabalhos realizados pela Autora seria paga quando fosse emitido pela dona da obra, a favor da Ré, um certificado de conclusão das obras (“Practical Completion”) (resposta ao quesito 41º da base instrutória).
- Autora e Ré acordaram que os restantes 50% dos valores retidos seriam pagos depois de decorrido o período de garantia (um ano) se os defeitos que existissem tivessem sido corrigidos e a dona da obra emitisse o certificado de correcção dos defeitos (“Making Good of Defects”) (resposta ao quesitos 42º e 43º da base instrutória).
- Durante o período de garantia, verificaram os parafusos e as porcas utilizadas nas luzes das torres do Hotel (chamadas “F”) começaram a enferrujar (resposta ao quesito 47º da base instrutória).
- A Autora acordou com a Ré que seria responsável pela supervisão da instalação das luzes pelo sub-empreiteiro E (resposta ao quesito 51º da base instrutória).
- As porcas e os parafusos utilizados para fixar às torres das luzes não eram de aço inoxidável (resposta ao quesito 52º da base instrutória).
- O único acesso ao edifício para substituir os parafusos e porcas enferrujadas referidos na resposta ao quesito 47º fazia-se através da chamada gôndola, não podendo a correcção ser feita em qualquer altura porque o hotel se encontrava em funcionamento (resposta ao quesito 53º da base instrutória).
- A Ré suportou o custo com a substituição dos parafusos e porcas enferrujados, no valor de MOP$137.297,50 (MOP$29.297,50 + MOP$108.000,00) (resposta ao quesito 55º da base instrutória).
- Em Dezembro de 2014, algumas obras feitas pelo sub-empreiteiro E foram danificadas e este apresentou uma reclamação por danos no valor de HK$93.895,00 junto do dona da obra (resposta ao quesito 58º da base instrutória).
- Só de noite se podia ver como as luzes instaladas funcionavam (resposta ao quesito 62º da base instrutória).
- Autora e Ré acordaram que a autora devia (resposta ao quesito 75º da base instrutória):
* Gerir e coordenar todas as questões laborais relativas ao E, tais como, mas não só, pedidos de importação para Macau de mão-de-obra, todos os impostos, taxas, seguros, compensações por despedimento, direitos legais;
* Aconselhar o empreiteiro sobre quaisquer questões relativamente às quais este possa ficar em risco financeiro devido a situações sobre a forma como o projecto está a ser desenvolvido a qualquer momento.
- Em Novembro de 2014, desenvolveu-se uma disputa laboral entre o sub-empreiteiro E e os seus trabalhadores por causa da falta pagamento dos salários (resposta ao quesito 76º da base instrutória).
- A Ré pagou o montante de MOP$250.179,00 (MOP$196.179,00 + MOP$54.000,00) para resolver a disputa laboral sob a supervisão das autoridades laborais de Macau (resposta ao quesito 77º da base instrutória).
- O que consta da resposta ao quesito 75º (resposta ao quesito 82º da base instrutória).
***
III – Fundamentos:
  Pela presente acção, pretende a Autora que a Ré seja condenada a pagar-lhe a quantia total de MOP$5.657.297,00 acrescida de juros de mora.
  Para o efeito, alega que foi contratada pela Ré para fazer obras relacionadas com a iluminação da fachada do C e do D.
  Relativamente às obras do C, defende que:
1. no decurso das obras, 10% do valor das obras a pagar à Autora foi retido a título de caução, no valor total de HK$621.652,00 (HK$452.900,00 + HK$144.777,00 + HK$23.975,00) o qual devia ser-lhe restituído no fim das obras mas, concluídas as mesmas em Novembro de 2016, a Ré manteve a caução retida;
2. também no decurso das obras, a pedido da Ré, foram feitas obras adicionais não constantes do orçamento inicial cujo valor ascendeu a HK$169.560,00 (HK$32.000,00 + HK$18.600,00 + HK$85.000,00 + HK$9.760,00 + HK$9.600,00 + HK$5.000,00 + HK$9.600,00) as quais não foram pagas;
3. os atrasos verificados na execução das obras impediram que a Autora pudesse continuar a efectuar as obras a seu cargo e a fizeram incorrer em despesas adicionais com os trabalhadores por si contratados, no valor total de HK$3.544.199,06 (HK$589.234,00 + HK$1.350.305,06 + HK$1.592.500,00 + HK$12.160,00);
4. a Ré procedeu a um desconto incorrecto da quantia de HK$9.389,50.
  Quanto às obras do D, sustenta que:
1. parte do valor das obras inicialmente orçamentadas e adicionais foi retido a título de caução o qual devia ser restituído à Autora até 31 de Dezembro de 2016 mas HK$230.000,00 (HK$200.000,00 + HK$30.000,00) encontrava-se ainda retido pela Ré;
2. no decurso das obras, a pedido da Ré, foram feitas obras adicionais não constantes do orçamento inicial cujo valor ascendeu a HK$32.500,00 (HK$7.500,00 + HK$4.000,00 + HK$21.000,00) mas a Ré recusou-se a pagar;
3. os atrasos verificados na execução das obras impediram que a Autora pudesse continuar a efectuar as obras a seu cargo e a fizeram incorrer em despesas adicionais com os trabalhadores por si contratados, no valor total de HK$853.479,80 (HK$54.400,00 + HK$799.079,80); e
4. a Ré procedeu a dois descontos sem fundamento no valor de HK$19.220,54 e de HK$12.520,00.
*
  Contestando a acção, a Ré impugna grande parte dos factos alegados pela Autora.
  No que diz respeito às obras do C, defende que:
1. parte do valor da caução referida pela Autora não foi restituída porque as obras efectuadas pela Autora tinham defeitos para cuja reparação esta nada fez razão por que a Ré foi e será obrigada a despender algo para o efeito;
2. os trabalhos adicionais, ou seja, os que não estavam incluídos no orçamento inicial, que foram encomendados e efectivamente efectuados foram todos pagos salvo os que não tinham o seu valor comprovado;
3. não houve os atrasos indicados pela Autora porque o prazo indicado pela Autora foi, entretanto, prorrogado e as obras eram pagas de acordo com o volume de obras efectivamente feitas não sendo o tempo um factor a ponderar no cálculo da retribuição;
4. o desconto de HK$9.389,50 deveu-se ao facto de a Autora ter pedido directamente uma indemnização à dona da obra quando contratualmente devia tê-lo feito através da Ré e o valor descontado correspondia ao valor da margem a que a Ré teria direito.
  Em relação às obras do D, sustenta que:
1. a caução referida pela Autora não foi restituída porque as obras efectuadas pela Autora tinham defeitos cuja reparação não estava ainda feita;
2. os trabalhos alegadamente adicionais não tinham o seu valor ou a sua natureza comprovados;
3. não está comprovado o primeiro atraso e não se verificou o segundo atraso porque as obras eram pagas de acordo com o volume de obras efectivamente feitas não sendo o tempo um factor a ponderar no cálculo da retribuição; e
4. nunca foram feitos os descontos de HK$19.220,54 e HK$12.520,00 alegados pela Autora.
  Além de contestar a pretensão da Autora, pede a Ré que aquela seja condenada a pagar-lhe MOP$2.567.842,66 porque:
1. foram utilizados materiais não adequados nas obras do C para cuja substituição a Ré teria despesas em montante não inferior a HK$800.000,00;
2. os defeitos verificados na obras do C não eliminados pela Autora fizeram a Ré incorrer em despesas no valor de HK$995.005,02;
3. os defeitos verificados na obras do C a cargo de um subempreiteiro por falta de supervisão da Autora e não eliminados por esta fizeram a Ré incorrer em despesas no valor de HK$455.143,20;
4. uma disputa laboral entre o mesmo subempreiteiro verificada na sequência de falta de supervisão da Autora fez a Ré desembolsar a quantia de HK$242.902,91 para a resolver.
*
  Tendo em conta a forma como as questões são apresentadas e os pedidos formulados, urge debruçar-se sobre as seguintes matéria:
1. Natureza das relações estabelecidas entre as partes;
2. Caução retida, materiais não adequados e defeitos;
3. Trabalhos adicionais;
4. Atrasos;
5. Descontos indevidos;
6. Disputa laboral; e
7. Pedidos formulados pelas partes.
**
  Natureza das relações estabelecidas entre as partes
  Conforme os factos assentes, aliás, reconhecidos pelas partes, foram celebrados dois acordos em virtude dos quais a Autora realizou trabalhos relacionados com a iluminação das fachadas do C e do D para os quais a Ré teria que pagar mais de HK$10.000.000,00, trabalhos estes anteriormente adjudicada à Ré pela dona da obra.
   Nos termos do artigo 1133º do CC, “Empreitada é o contrato pelo qual uma das partes se obriga em relação à outra a realizar certa obra, mediante um preço.”
   Por sua vez, dispõe o artigo 1139º do CC que “1. Subempreitada é o contrato pelo qual um terceiro se obriga para com o empreiteiro a realizar a obra a que este se encontra vinculado, ou uma parte dela. 2. É aplicável à subempreitada, assim como ao concurso de auxiliares na execução da empreitada, o disposto no artigo 257º, com as necessárias adaptações.”
   Sendo a Ré a empreiteira das obras a que se referem os presentes autos e tendo esta incumbido a Autora de as efectuar, pode-se concluir que está em causa dois contratos de subempreitada sendo a Ré a subempreiteira e a Autora é a empreiteira.
**
  Caução retida, materiais não adequados e defeitos
  Flui do acima exposto que, pelas obras feitas no C, a Ré alegadamente reteve HK$621.652,00 (HK$452.900,00 + HK$144.777,00 + HK$23.975,00) e, pelas obras feitas no D, a Ré reteve HK$230.000,00 (HK$200.000,00 + HK$30.000,00).
  Segundo a Autora, a Ré recusa-se a restituir-lhe não apenas a quantia de HK$621.652,00 que devia ter sido restituída em Novembro de 2016, um ano depois da conclusão das obras do C mas também a quantia de HK$230.000,00 que devia ter sido restituída em 31 de Dezembro de 2016, doze meses depois da conclusão das obras do D.
  A Ré reconhece a retenção das quantias acima elencadas mas defende esta sua atitude no facto de, nas obras a que as quantias HK$452.900,00, HK$144.777,00, HK$23.975,00 e HK$200.000,00 se referem, existirem defeitos, quer por má execução e quer por utilização de materiais inadequados, defeitos estes não eliminados e no facto de, para as obras respeitantes à quantia de HK$30.000,00, ainda não ter sido emitido o certificado de correcção de defeitos.
*
  Resulta da matéria assente que parte do valor das obras seria retido para assegurar quaisquer reparações ou defeitos no trabalho executado a qual seria restituída em dois momentos: 50% da caução no momento da emissão certificado de conclusão das obras (“Practical Completion”) pela dona da obra e os restantes 50% doze meses depois da data acordada para a conclusão das obras e de emitido o certificado de correcção dos defeitos (“Making Good of Defects”) pela dona da obra e a Ré retém, de facto, as quantias acima elencadas a título de caução.
  Quanto aos defeitos alegados para excepcionar a pretensão da Autora e/ou para fundamentar o seu pedido reconvencional, a Ré apenas logrou demonstrar que, nas obras do C, as porcas e os parafusos das luzes utilizados para fixar às torres do hotel (as chamadas “F”) não eram de aço inoxidável e começaram a enferrujar durante o período de garantia tendo a Ré despendido MOP$137.297,50 com a substituição destes materiais.
  Apesar de não constar dos factos assentes qualquer indicação de qual é a data acordada para a conclusão das obras a que se referem os presentes autos ou quando é que estas obras foram concluídas, não se duvida que já se passaram dozes meses quer sobre a data prevista para a conclusão das obras quer sobre a data da conclusão. Com efeito, A Autora alegou que que a data prevista para a conclusão das obras do C seria 30 de Junho de 2015 e a da conclusão foi 15 de Novembro de 2015 enquanto que a Ré defende que a primeira data foi Dezembro de 2015 e não impugna que as obras terminaram por volta de Dezembro de 2015; para as obras do D, ambas as datas para a Autora foram 31 de Dezembro de 2015 enquanto que, para a Ré, a data de 31 de Dezembro de 2015 era apenas uma data projectada para a conclusão das obras e a segunda 1 de Junho de 2016.
  Não havendo factos a indicar a existência de outros defeitos ou a demonstrar que foi recusada a emissão do certificado de correcção dos defeitos, deve a Ré restituir as quantias retidas a título de caução depois de descontar a quantia de MOP$137.297,50 despendida com a substituição destes materiais.
**
  Trabalhos adicionais
  No que toca aos trabalhos adicionais alegadamente realizados nas obras sub judice, sustenta a Autora que, nas do C, a pedido da Ré, substituiu molas, prestou serviços de gerência de projecto, alterou a localização de lâmpadas, fez trabalho nocturno, substituiu ponto de luz, trabalhos estes envolvendo custos adicionais no valor total de HK$169.560,00 e que, nas obras do D, as obras adicionais tem a ver com a instalação e substituição de lâmpadas e trabalho nocturno que acarretaram custos no valor total de HK$32.500,00.
  Feito o julgamento da matéria de facto, a Autora conseguiu tão-só demonstrar que acordara com a Ré a substituição das molas “CL180 Spring Clip” para segurar as lâmpadas e despendeu HK$30.000,00 para o efeito não estando demonstrado que outras obras adicionais foram efectuadas.
**
  Atrasos
  Mais alega a Autora que os atrasos verificados na execução das obras impediram que a mesma pudesse continuar a efectuar as obras a seu cargo fazendo-a incorrer em despesas adicionais com os trabalhadores por si contratados, no valor total de HK$4.397.678,86 (HK$3.544.199,06 + HK$853.479,80).
  Não consta da matéria assente nenhum facto alegado pela Autora para demonstrar que sofreu esses prejuízos na sequência de atrasos ocorridos nas obras.
**
  Descontos indevidos
  Flui do acima exposto que estão em causa três quantias, a saber HK$9.389,50, HK$19.220,54 e HK$12.520,00, alegadamente descontadas nos pagamentos feitos pela Ré à Autora mas sem qualquer fundamento.
*
  Em relação ao desconto de HK$9.389,50, a Autora logrou demonstrar que, em Dezembro de 2014, no âmbito das obras do C, em virtude de algumas obras feitas por um subempreiteiro da Ré terem sido danificadas, este subempreiteiro pediu uma compensação à dona da obra tendo, por isso, recebido HK$93.895,00 e a Ré deduziu dos pagamentos a fazer à Autora o montante de HK$9.389,50 porque a compensação acima referida foi reclamada directamente à dona da obra e não através da Ré.
   Já o alegado pela Ré de que a Autora estava contratualmente proibida de pedir indemnização directamente à dona da obra não ficou provada.
   Assim, por não estar justificado desconto, o mesmo foi, de facto, feito sem fundamento.
*
  Relativamente ao desconto de HK$19.220,54, consta da matéria assente que, a pedido da Ré., a Autora adquiriu carris de luzes no valor de HK$138.452,00 tendo aquela apenas pago a esta o montante de HK$119.231,00.
  Novamente a Ré não logrou demonstrar os factos por si alegados para justificar o desconto.
  Pelo que, houve um desconto no valor de HK$19.221,00 (e não HK$19.220,54) foi feito sem fundamento.
*
  Quanto ao desconto de HK$12.520,00, contrariamente aos descontos acima analisados, a Autora não conseguiu provar que correspondia a custos de administração que cobrava e que a Ré descontou tal quantia sem autorização.
**
  Disputa laboral
  Alega a Ré que, em virtude de um seu subempreiteiro ter deixado de pagar salários aos seus trabalhadores, teve que desembolsar a quantia de HK$242.902,91 a fim de ver o litígio resolvido perante as autoridades laborais de supervisão.
  Entende a Ré que a Autora é responsável pelo ocorrido porque, segundo a contrato celebrado entre as mesmas, impendia sobre a Autora a obrigação de gerir e coordenar todas as questões laborais relativas a esse subempreiteiro, tais como, mas não só, pedidos de importação para Macau de mão-de-obra, todos os impostos, taxas, seguros, compensações por despedimento, direitos legais e aconselhar o empreiteiro sobre quaisquer questões relativamente às quais este possa ficar em risco financeiro devido a situações sobre a forma como o projecto está a ser desenvolvido a qualquer momento.
  Segundo o defendido pela Ré, a responsabilidade da Autora resulta do facto de esta ter incumprido o dever contratual de fiscalizar o subempreiteiro que deixou de pagar os seus trabalhadores.
*
  Nos termos do artigo 787º do CC “O devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor.”.
  Dos factos assentes vê-se que a Autora tinha a obrigação de gerir e coordenar os assuntos relacionados com a situação laboral desse subempreiteiro e de avisar a Ré se algo anormal neste âmbito ocorresse.
  Apesar de estar demonstrado que o subempreiteiro em questão ter estado, efectivamente, envolvido numa disputa laboral por causa de falta de pagamento de salários tendo a Ré, para a solução da mesma, desembolsado MOP$250.179,00, nada demonstra que a Autora não tinha cumprido o dever de fiscalização referido no parágrafo anterior que, aliás, nem sequer vem alegado na contestação.
  É que, a responsabilidade da Autora pressupõe a violação contratual à mesma imputada. Ora, do não pagamento incorrido pelo citado subempreiteiro não decorre necessariamente a falta de cumprimento da obrigação sub judice.
*
  Além disso, a haver incumprimento do dever a que a Autora estava adstrita, o direito que assiste à Ré é o de ser indemnizada dos prejuízos que teve em virtude do incumprimento.
  Com efeito, dispõe o artigo 557º do CC “A obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão”.
   Ora, o montante desembolsado pela Ré devia ter sido suportado pelo citado subempreiteiro. Deve, antes de mais, o pedido de restituição da respectiva quantia ser dirigida contra esse subempreiteiro.
  Quanto à responsabilidade da Autora, nada demonstra que a Ré estava legalmente obrigada a substituir o referido subempreiteiro no pagamento e o dever de fiscalização sub judice destinava-se a acautelar a eventualidade de a Ré ser chamada a cumprir tal obrigação.
  Nessas circunstâncias, não se pode considerar verificado o nexo de causalidade entre o pagamento e o alegado incumprimento contratual.
  Pelo que, não assiste qualquer razão à Ré exigir a restituição da quantia desembolsada.
**
  Pedidos das partes
  Os pedidos formulados pela Autora têm por base (1) a retenção injustificada da caução destinada a assegurar a reparação dos defeitos dos trabalhos executados; (2) a falta de pagamento dos trabalhos adicionais efectuados nas duas obras acima referidas; (3) os prejuízos sofridos pela Autora em virtude de atrasos verificados nestas obras; (4) os descontos indevidos nos pagamentos feitos pela Ré; e (5) os juros de mora.
*
  Da análise acima feita vê-se que, no que à caução retida diz respeito, apenas nos trabalhos executados no C é que houve defeitos nos materiais empregues, defeitos estes não reparados pela Autora, tendo a Ré despendido a quantia de MOP$137.297,50 com a substituição dos materiais.
  Também nessa análise se entendeu que, por não verificarem motivos para a sua retenção, devia a Ré restituir as quantias retidas a título de caução depois de descontar a quantia de MOP$137.297,50.
  Assim, relativamente à caução retida para as obras do C, assiste à Autora de ser restituída a quantia de HK$484.354,50 (HK$621.652,00 - MOP$137.297,50) e, quanto à caução retida para as obras do D, é do direito da Autora receber a totalidade da caução retida, ou seja, HK$230.000,00.
*
  No que diz respeito aos trabalhos adicionais, flui do acima exposto que está, tão-só, demonstrado que a Autora acordou com a Ré a substituição das molas “CL180 Spring Clip” para segurar as lâmpadas e despendeu HK$30.000,00 para o efeito.
  Portanto, a título de trabalhos adicionais, deve a Ré pagar à Autora a quantia de HK$30.000,00.
*
  Não logrou a Autora demonstrar os factos relacionados com os prejuízos sofridos com atrasos verificados nas obras.
  Assim, nada resta senão julgar improcedentes os respectivos pedidos.
*
  Em relação aos três descontos feitos pela Ré, está demonstrado que esta fez dois descontos indevidos, respectivamente, nos valores de HK$9.389,50 e HK$19.221,00.
  Nesse cenário, impende sobre a Ré a obrigação de restituir as quantias indevidamente descontadas.
*
  Quanto aos juros de mora, dispõe o artigo 794º, nº 1, do CC, que “O devedor só fica constituído em mora depois de ter sido judicial ou extrajudicialmente interpelado para cumprir.”
  Porém, dispõe o artigo 794º, nº 2, do CC que “Há, porém, mora do devedor, independentemente de interpelação: a) Se a obrigação tiver prazo certo; b) Se a obrigação provier de facto ilícito; ou c) Se o próprio devedor impedir a interpelação, considerando-se interpelado, neste caso, na data em que normalmente o teria sido.”.
*
  Em relação à caução prestada no âmbito das obras do C, apesar de a Ré não ter alegado quando é que as obras concluíram, a mesma não impugnou que o foi por volta de Dezembro de 2015.
  Assim e na falta de outros dados, para o efeito sub judice, deve considerar-se que o prazo de doze meses completara quando a presente acção foi interposta em 12 de Maio de 2017.
  Pelo que, assiste à Autora o direito de receber juros sobre a quantia de HK$484.354,50 desde 12 de Maio de 2017.
*
  Quanto à caução a restituir pela obras do D, a própria Ré reconhece que o período de garantia dos defeitos das obras deste empreendimento terminara em 2 de Junho de 2017.
  Assim, por não ter restituído a quantia de HK$230.000,00 retida a título de caução nessas obras, os juros de mora sobre esta quantia devem ser calculados a partir de 3 de Junho de 2017.
*
  Sobre o montante de HK$30.000,00 pelos trabalhos adicionais, por não se saber quando é que os mesmos foram concluídos e as datas em que deviam ser pagos, não é possível determinar a data do seu vencimento.
  No entanto, por serem obras realizadas no C, na falta de outros dados, é de entender que na data em que deve ser restituída a caução, o referido montante já estava vencido.
  Assim, os juros sobre a quantia de MOP$30.000,00 contam-se a partir de 12 de Maio de 2017.
*
  Em relação aos descontos indevidamente feitos, novamente não se sabe quando é que a quantia de HK$9.389,50 respeitante às obras do C foi descontada.
  Por isso, não se pode aplicar a norma do artigo 794º, nº 2, b), do CC acima transcrito, apesar de ser manifestamente ilícito o desconto.
  Na falta de outros meios, só se pode dar como certo que, quando foi intentada a presente acção, estava vencida a obrigação.
  Assim, os juros de mora são devidos também a partir de 12 de Maio de 2017.
*
  Relativamente à quantia de HK$19.221,00 também descontada sem fundamento, por se relacionar com as obras do D, segue-se o mesmo raciocínio acabado de referir.
   No entanto, por mais acima se ter considerado que o dia 2 de Junho de 2017 como a data em que terminou o período de garantia, a restituição do que foi indevidamente descontado devia também ter sido feito, o mais tardar, nesse dia.
  Assim, os juros são devidos a partir de 3 de Junho de 2017.
*
  Nos termos do artigo 795º, nºs 1 e 2, do CC “1. Na obrigação pecuniária a indemnização corresponde aos juros a contar do dia da constituição em mora. 2. Os juros devidos são os juros legais, salvo se antes da mora for devido um juro mais elevado ou as partes houverem estipulado um juro moratório diferente do legal.”
  Segundo o artigo 552º, nº 1, do CC “Os juros legais e os estipulados sem determinação de taxa ou quantitativo são fixados por portaria do Governador”.
  Estipula a Ordem Executiva nº 29/2006, de 6 de Julho de 2006, que “A taxa de juros legais e a dos estipulados sem determinação de taxa ou quantitativo é fixada em 9,75%”.
  Pelo que, os juros de mora acima indicados são de 9,75% ao ano.
*
  Pede a Ré que a Autora seja condenada a restituir-lhe (1) as despesas tidas com a substituição dos materiais não adequados que a Autora empregou nas obras feitas no C, as despesas tidas com a reparação dos defeitos verificados nas obras efectuadas (2) pela Autora também no C e (3) pelo subempreiteiro fiscalizado pela Autora e (4) o montante despendido com a resolução de uma disputa laboral em que este mesmo subempreiteiro estava envolvido.
  Na parte em que se debruçou sobre a caução retida pela Ré, foi também abordada a questão relativa à utilização de materiais inadequados e de defeitos existentes nas obras feitas pela Autora e pelo referido subempreiteiro.
  Foi aí dito que a Ré conseguira apenas demonstrar que nas obras do C, as porcas e os parafusos das luzes utilizados para fixar às torres do hotel (as chamadas “F”) não eram de aço inoxidável e tinham começado a enferrujar durante o período de garantia tendo a Ré despendido MOP$137.297,50 com a substituição destes materiais.
  Portanto, a Ré teve efectivamente prejuízos com a utilização de materiais não adequados.
  Não obstante isso, a pretensão reconvencional da Ré não pode proceder.
  É que, não se pode olvidar que foi precisamente nessa parte da presente sentença que se entendeu que à caução a restituir à Autora devia ser subtraída a quantia de MOP$137.297,50 desembolsada pela Ré tendo, assim, mais adiante concluído que a Ré teria apenas que restituir parte da caução.
  Ora, com a dedução assim feita nenhum prejuízo teve a Ré por causa das obras onde foram utilizados aqueles materiais.
  Pelo que, improcedem os pedidos (1), (2) e (3).
*
  Quanto ao valor que a Ré despendeu com a resolução de uma disputa laboral em que estava envolvido o subempreiteiro sob fiscalização da Autora, foi já dito que não estava demonstrado o incumprimento contratual imputada à Autora nem se encontrava estabelecido o nexo de causalidade entre a quantia desembolsada pela Ré e o alegado incumprimento.
  Assim, o pedido (4) também improcede.
***
IV – Decisão:
  Em face de todo o que fica exposto e justificado, o Tribunal julga parcialmente procedente a acção e improcedente a reconvenção, em consequência, decide:
1. Condenar a Ré, B Limitada, a restituir à Autora, A Limitada, a total quantia de HK$772.965.00 (HK$484.354,50 + HK$230.000,00 + HK$30.000,00 + HK$9.389,50 + HK$19.221.00);
2. Condenar a Ré a pagar à Autora juros à taxa de 9,75% sobre a quantia de HK$484.354,50, contados a partir 12 de Maio de 2017;
3. Condenar a Ré a pagar à Autora juros à taxa de 9,75% sobre a quantia de HK$230.000,00, contados a partir 3 de Junho de 2017;
4. Condenar a Ré a pagar à Autora juros à taxa de 9,75% sobre a quantia de HK$30.000,00, contados a partir 12 de Maio de 2017;
5. Condenar a Ré a pagar à Autora juros à taxa de 9,75% sobre a quantia de HK$9.389,50, contados a partir 12 de Maio de 2017;
6. Condenar a Ré a pagar à Autora juros à taxa de 9,75% sobre a quantia de HK$19.221,00, contados a partir 3 de Junho de 2017;
7. Absolver a Ré dos pedidos restantes formulados pela Autora;
8. Absolver a Autora dos pedidos reconvencionais formulados pela Ré.
  Custas da acção pelas partes na proporção dos decaimentos e da reconvenção pela Ré.
  Registe e Notifique.

Notificada e não conformada com o decidido, veio a Ré a recorrer da mesma concluindo e pedindo:
a) O Tribunal a quo cometeu erro de julgamento na apreciação da prova, pelo que a R. vem impugnar a decisão de facto;
b) A R., ora recorrente, entende que o processo continha prova bastante para que o Tribunal a quo tivesse dado como provado que as obras do projecto do C (C), a cargo da A., foram executadas com inúmeros defeitos, e que houve defeitos a corrigir durante o período de garantia da obra;
c) A R., ora recorrente, entende também que o processo continha prova bastante para que o Tribunal a quo tivesse dado como provado que quem tratou da correcção dos defeitos foi a R.;
d) A R., ora recorrente, entende, ainda, que o processo continha prova bastante para que o Tribunal a quo tivesse dado como provado que quem suportou os custos da correcção dos defeitos foi a R., e que o montante respectivo foi de HKD$1.450.148,22 (HKD$995.005,02 + HKD$455.143,20), e não de apenas MOP$137.297,50, como foi considerado pelo Tribunal a quo;
e) Os documentos juntos ao processo e as várias gravações da audiência de discussão e julgamento, todos melhor identificados nas alegações, são prova bastante para comprovar o que se conclui nas alíneas a) a d) supra;
f) Deve considerar-se provado que a R. teve de arranjar dois gestores de projecto, G e H, para gerir os defeitos que a A. não corrigia (pois já nem sequer tinha gente a trabalhar para ela durante o período de garantia, desde Fevereiro de 2016), e que teve que lhes pagar o montante global de HKD$995,005,02 (equivalente a MOP$1.024.855,17) - sendo que este custo é da responsabilidade da A.;
g) Deve considerar-se provado que a R. teve que contratar o empreiteiro I para corrigir os defeitos que a A. não corrigiu, e que teve que lhe pagar o montante de MOP$468.797,50 (ou HKD$455.143,20) - sendo que este custo é da responsabilidade da A.;
h) As testemunhas da R. J e I eram testemunhas independentes, e tinham conhecimento directo e imediato das questões que lhes foram colocadas, pelo que não havia qualquer fundamento para que o Tribunal a quo desconsiderasse o seu testemunho, como fez;
i) A testemunha O, apesar de ser trabalhadora da R., foi contratada exactamente no começo do período de garantia da obra, e tem conhecimento directo e imediato das questões que lhe foram colocadas, nomeadamente sobre os pagamentos efectuados pela R. às pessoas, acima identificadas, que tiveram de substituir a A. na correcção dos defeitos, e na identificação dos defeitos constantes das várias listas juntas ao processo. Não havia qualquer fundamento para que o seu testemunho tivesse sido desatendido pelo Tribunal a quo, apenas pelo mero facto de poder, eventualmente, ser parcial;
j) O princípio da livre apreciação da prova não significa arbitrariedade. A apreciação da prova deve estar sempre sujeita ao escrutínio da razão, das regras da lógica e da experiência, e não a meras convicções. Por exemplo, o mero risco de poder haver uma “eventual parcialidade” das testemunhas não é razão suficiente para as afastar. Caso contrário, a própria lei não as deixaria ser testemunhas, pois o seu testemunho nunca serviria para nada. Além do mais, o facto de estarem ligadas à parte por razões profissionais ou de trabalho pode até significar que têm um conhecimento muito mais directo e informado sobre as questões que estão a ser discutidas;
k) As respostas do Tribunal a quo aos quesitos 28.°,44.° a 46.°,48.° a 50.°, 54.°, 63.°, 64.° e 66.° a 68.° devia ter sido, para todos, “PROVADO”;
1) A resposta do Tribunal a quo ao quesito 55.° devia ter sido “provado que a R. suportou custos para a substituição de material defeituoso no valor total de HKD$1.450.148,22 (HKD$995.005,02 + HKD$455.143,20)”;
m) A resposta do Tribunal a quo aos quesitos 69.°, 70.°, 73.° e 74.° devia ter sido, para todos, “PROVADO”; e
n) Consequentemente, a A. devia ter sido condenada a reembolsar a R. dos montantes que esta suportou com a correcção dos defeitos da obra. Dado que o vafor suportado pela R. (HKD$1.450.148,22) é superior ao valor da quantia que a R. foi condenada a pagar à A. (HKD$772.965,00), devia a A. ter sido condenada a pagar à R. o valor da diferença, ou seja, HKD$677.183,22, equivalente a MOP$697.498,72, deduzindo-se deste valor o montante de MOP$137.297,50 que o Tribunal a quo considerou provado que a R. suportou e era por conta da A., pelo que a A. devia ter sido condenada a pagar à R. o montante de MOP$560.201,22.
Nestes termos, e nos melhores de Direito que Vossas Excelências doutamente suprirão, deve o recurso apresentado pela R. ser recebido e deferido, por provado, e em consequência, deve ser revogada a decisão do Tribunal a quo recorrida, e substituída por outra que condene a A. a pagar à R. o montante de MOP$560.201,22, assim se fazendo a costumeira JUSTIÇA!

Ao recurso respondeu a Autora pugnando pela rejeição parcial do recurso na parte que impugnou a matéria de facto e pela improcedência da restante parte recurso.

Foram colhidos os vistos, cumpre conhecer.
II

Antes de mais, é de salientar a doutrina do saudoso PROFESSOR JOSÉ ALBERTO DOS REIS de que “quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão” (in CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL ANOTADO, Volume V – Artigos 658.º a 720.º (Reimpressão), Coimbra Editora, 1984, pág. 143).

Conforme resulta do disposto nos artºs 563º/2, 567º e 589º/3 do CPC, são as conclusões do recurso que delimitam o seu objecto, salvas as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras e as que sejam de conhecimento oficioso.

Não há questões que nos cumpre apreciar ex oficio.

De acordo com as conclusões tecidas na petição do recurso, a Ré começou por impugnar a matéria de facto, e pretendeu com o êxito da impugnação da decisão de facto ver parcialmente revogada a sentença recorrida, e em substituição julgada parcialmente procedente a reconvenção, passando a reconhecer-lhe o direito ao reembolso das despesas em que os defeitos verificados na obras do C não eliminados pela Autora e os defeitos verificados na obras do C a cargo de um subempreiteiro por falta de supervisão da Autora e não eliminados por esta fizeram-na incorrer, nos valores de HK$995.005,02 e de HK$455.143,20, respectivamente.

Em sede de contra-alegações, a Autora, ora recorrida, suscitou uma questão prévia.

Para a recorrida, conforme se vê no alegado nos pontos 16 a 18, 24, 29, 30 e 33 das motivações de recurso, a Ré não cumpriu o ónus a que se refere o artº 599º/1 e 2 do CPC, uma vez que não foram transcritos os depoimentos prestados na audiência e gravados nos autos.

Não tem razão a recorrida.

Ora, reza o artº 599ºdo CPC que:
1. Quando impugne a decisão de facto, cabe ao recorrente especificar, sob pena de rejeição do recurso:
a) Quais os concretos pontos da matéria de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo nele realizado, que impunham, sobre esses pontos da matéria de facto, decisão diversa da recorrida.
2. No caso previsto na alínea b) do número anterior, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação da prova tenham sido gravados, incumbe ainda ao recorrente, sob pena de rejeição do recurso, indicar as passagens da gravação em que se funda.
3. Na hipótese prevista no número anterior, e sem prejuízo dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe à parte contrária indicar, na contra-alegação que apresente, as passagens da gravação que infirmem as conclusões do recorrente.
4. O disposto nos n.os 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 590.º
A lei exige a indicação das passagens da gravação em que se funda a impugnação da resposta a concretos pontos da matéria de facto que considera incorrectamente julgados, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação da prova tenham sido gravados na audiência de julgamento.

Ora, em lado algum, a lei exige que os depoimentos invocados sejam literalmente transcritos ou reproduzidas nas motivações de recurso.

In casu, conforme se vê nos pontos 16 a 18, 24, 29, 30 e 33 das motivações de recurso, a recorrente identificou as passagens mediante a indicação da localização temporal das gravações.

O que, para nós, já mostra cumprido o ónus de indicação, pois habilita-nos a localizar as passagens em que se fundou o alegado erro na apreciação da prova.

Assim, improcede a tese da recorrida e passemos a debruçar-nos sobre o mérito do recurso.

Ora, se é verdade que, por força do princípio da livre apreciação das provas consagrado no artº 558º do CPC, como regra geral, o tribunal aprecia livremente as provas, decidindo os juízes segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto, não é menos certo que a matéria de facto assente de primeira instância pode ser alterada nos termos e ao abrigo do disposto no artº 629º do CPC.

Diz o artº 629º/1-a) do CPC que a decisão do tribunal de primeira instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pelo Tribunal de Segunda Instância, se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do artº 599º, a decisão com base neles proferida.

Reza, por sua vez, o artº 599º, para o qual remete o artº 629º/1-a), todos do CPC, que:
1. Quando impugne a decisão de facto, cabe ao recorrente especificar, sob pena de rejeição do recurso:
a) Quais os concretos pontos da matéria de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo nele realizado, que impunham, sobre esses pontos da matéria de facto, decisão diversa da recorrida.
2. No caso previsto na alínea b) do número anterior, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação da prova tenham sido gravados, incumbe ainda ao recorrente, sob pena de rejeição do recurso, indicar as passagens da gravação em que se funda.
3. Na hipótese prevista no número anterior, e sem prejuízo dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe à parte contrária indicar, na contra-alegação que apresente, as passagens da gravação que infirmem as conclusões do recorrente.
4. O disposto nos n.os 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 590.º
A recorrente identificou a matéria que considera incorrectamente julgada não provada.

Os meios probatórios que, na óptica da recorrente, impunham decisão diversa são parte dos documentos juntos aos autos e parte dos depoimentos prestados pelas testemunhas inquiridas na audiência de julgamento.

No caso dos autos, houve gravação dos depoimentos.

Foram indicadas as passagens da gravação dos depoimentos que a recorrente entendeu mal valoradas pelo Tribunal a quo.

Todavia, não obstante a verificação dos pressupostos formais da reapreciação da decisão de facto, por razões que passemos a expor infra, este Tribunal de recurso não é permitido pela lei processual a proceder à reapreciação das tais provas nos termos requeridos.

Como se sabe, na matéria da valoração das provas, documental e testemunhal, vigora o princípio da livre apreciação da prova, à luz do qual o tribunal aprecia livremente as provas, decidindo os juízes segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto.

O Colectivo da 1ª instância fundamentou a sua convicção relativamente à matéria ora impugnada nos termos seguintes:
  ……
  Para a prova dos defeitos ou a falta deles e dos custos para a sua eliminação alegados pela Ré, constantes dos quesitos 28º, 44º a 55º, 63º, 64º, 66º a 70º, 72º a 74º, 78º a 81º, estão juntos aos autos os documentos de fls 253 a 518, 524,530 a 547, 704 a 1391, 1393 a 1399, 1678 a 1797 e 2136 a 2137, designadamente relatórios mensais de acompanhamento das obras de Dezembro de 2015 a Novembro de 2016, emails trocados entre os que estavam envolvidos nas obras do período compreendido entre Novembro de 2015 a Outubro de 2016, mapa de salários alegadamente pagos pela Ré para a eliminação de defeitos e documentos relativos à contratação de um outro sub-empreiteiro para a eliminação dos alegados defeitos.
*
  Sobre os defeitos do C constantes dos quesitos 44º e 68º1, ou seja, à excepção dos relacionados com o problema de ferrugem verificado na fachada, os documentos juntos indicam que entre Outubro de 2015 e Novembro de 2016, a Autora, a Ré e muitas outras pessoas envolvidas nas obras designadamente representantes da dona da obra participaram em várias acções de acompanhamento das obras para fiscalizar o funcionamento das obras e resolver questões da mais variada natureza que foram surgindo, algumas vezes com sucesso na sua resolução definitiva outras vezes não.
  No entanto, o tribunal não conseguiu, a partir desses documentos, concluir que todas as questões surgidas correspondiam a defeitos ou apenas a problemas relacionados com o funcionamento das obras, problemas estes normais nas obras dos autos.
  É que, dos próprios relatórios mensais vê-se que se tratava de obras de grande envergadura com milhares de luzes instalados a cobrir uma área bastante extensa. Ora, isso torna natural a ocorrência de problemas não qualificáveis como defeitos, tais como lâmpadas que se fundiam com o uso ou mal colocadas impedindo que se acendessem, sistemas de luzes correctamente instalados mas que precisaram de ser relocalizados ou reorganizados para melhorar o funcionamento ou o efeito, etc.
  Apesar de em alguns dos documentos se constatar que o problema neles discutidos era designado por defects, a observação feita no período anterior impediu que o tribunal interpretasse o termo como correspondente a resultado de má execução dos trabalhos adjudicados à Autora. Pois, uma lâmpada fundida também pode, num sentido abrangente, ser considerado como defect.
  Nenhuma outra prova, designadamente pericial foi apresentada para demonstrar que todos os problemas relatados nos relatórios eram defeitos das obras executadas pela Autora.
  A isso acresce que, da prova testemunhal, incluindo das declarações da testemunha da própria Ré, L, resulta que alguns dos problemas imputáveis a esta já se encontravam resolvidos e nem todos os problemas indicados nos relatórios mensais juntos a fls 253 a 518 tinham a ver com a Autora.
  Por força disso, o tribunal não deu como demonstrado o quesito 44° e 68°.
*
  No que concerne à omissão do dever de eliminação dos eventuais defeitos detectados a que se referem os quesitos 45°, 69° e 72°, dos emails acima referidos vê-se que a Autora esteve sempre envolvida no acompanhamento durante todo o período acima citado.
  Portanto, também não está demonstrado que a Autora deixou de eliminar os eventuais defeitos verificados.
*
  Para a prova dos actos levados a cabo pela Ré para corrigir os alegados defeitos e o custo que teve, referidos nos quesitos 46º, 69º, 70º, 73º e 74º, a Ré juntou os documentos de fls 522, 530 a 547.
  Os documentos de fls 522, 530 e 531 foram elaborados pela própria Ré. Os restantes documentos juntos pela Ré são fotografias dos alegados defeitos, cotações e ordens de encomenda de alguns dos trabalhos constantes do documento de fls 530 e facturas de alguns dos trabalhos constantes deste documento.
  A testemunha da Ré, I, declarou que fez os trabalhos neles indicados e recebeu a quantia de HK$455.143,20.
  Porém, da análise do documento junto a fls 530 verifica-se que as ordens de encomenda e as facturas, no valor total de MOP$137.297,50 (MOP$29.297,50 + MOP$108.000,00) referem-se à ferrugem detectada na fachada, matéria a debruçar mais à frente.
  Nada mais corrobora o teor do documento junto a fls 522.
  Pondo em crise o valor desse último documento, o email junto a fls 1443 demonstra que, em 22 de Agosto de 2014, o G já estava envolvido nas obras do C.
  Portanto, nenhum documento demonstra que a Ré despendeu efectivamente a restante quantia indicada nos documentos de fls 522 e 530 em virtude de eventuais defeitos verificados nas obras do C.
  Tendo em conta o valor da prova testemunhal referido logo no início, o tribunal não deu como demonstrado o alegado nos quesitos 46º, 69º, 70º, 73º e 74º.
*
  Sobre o problema de ferrugem detectada na fachada do C, referido nos quesitos 47º a 55º, 66º e 67º, a Ré juntos os documentos de fls 530 a 547, já acima referidos, e os documentos de fls 605 a 608, 1393 a 1399, 1706 a 1710 e 1747 enquanto que a Autora juntou os documentos de fls 1557 a 1560.
  Dos emails trocados entre as partes e das fotografias de fls 541 a 547 vê-se claramente que os parafusos e as porcas utilizadas na fachada do C não eram de aço inoxidável e começaram a enferrujar depois da sua instalação, facto que a própria Autora reconhece nos emails.
  O mesmo não ocorre com as coberturas visto que dos documentos juntos a fls 1707 e 1708 não se consegue ver os alegados defeitos e as fotografias dos documentos de fls 1395 e 1397 permitem apenas ver uma cobertura com ferrugem cuja origem não está documentada.
  Apesar de a Autora ter reconhecido a fls 1398 e 1399 que era responsável pelo problema das coberturas, nada mais demonstra que todas as coberturas estavam com ferrugem cuja origem tinha a ver com o material utilizado.
  A isso acresce o teor do exame junto a fls 1557 a 1560. É certo que não se pode ter a certeza de que os dois cobertores submetidos ao exame serem iguais aos que foram instalados na fachada do C. Mas o documento não deixa de abalar de certo modo o alegado pela Ré.
  Por força dessas ponderações, o tribunal não deu como assente os quesitos 48° a 50°.
  E isto não obstante o depoimento de algumas das testemunhas da Ré sobre esses quesitos que é contrária a outra prova testemunhal. Pois, como foi referido, na falta de outra prova a corroborar a prova testemunhal, esta não é acolhida face a existência de outra prova testemunhal contrária.
*
  Apesar do que se disse relativamente aos parafusos e porcas utilizadas, não está demonstrado que as partes acordaram expressamente que estes acessórios tinham que ser de aço inoxidável ou que a Autora não deixaria que fossem utilizados materiais perigosos e abaixo das exigências standart.
  Por isso, o tribunal não deu como provado a última parte do quesito 52º e o quesito 67º.
*
  Além disso, toda a prova produzida indica que os parafusos e as porcas foram utilizadas pelo E que fez os trabalhos da fachada do C.
  Por isso, também o quesito 66º foi dado como não provado.
*
  Quanto à supervisão do E os acordos celebrados entre a dona da obra e a Ré e entre a Autora e a Ré, são claros quanto ao dever de supervisão.
  Daí que o quesito 51º foi dado como demonstrado.
*
  O mesmo não acontece com a falta de supervisão imputada e referido no quesito 54º à Autora porque dos emails acima referidos não se pode retirar tal conclusão.

Apesar de a lei exigir sempre a objectivação e motivação da convicção íntima do Tribunal na fundamentação da decisão de facto, ao levar a cabo a sua actividade cognitiva para a descoberta da verdade material, consistente no conhecimento ou na apreensão de um acontecimento supostamente ocorrido no passado, o julgador não pode deixar de ser subjectivamente influenciado por elementos não explicáveis por palavras, nomeadamente quando concedem a credibilidade a uma testemunha e não a outra, pura e simplesmente por impressão recolhida através do contacto vivo e imediato com a atitude e a personalidade demonstrada pela testemunha, assim como com a forma como reagiu quando inquirida na audiência de julgamento.

Assim, desde que tenham sido observados os princípios e os parâmetros legais quanto à valoração das provas e à força probatória das provas e que a decisão de facto se apresenta intrinsecamente coerente ou se não mostre manifestamente contrária às regras da experiência de vida e à logica das coisas, a convicção do Tribunal a quo, colocado numa posição privilegiada por força do princípio da imediação, em princípio, não é sindicável.

Segundo o ensinamento de Amâncio Ferreria, a admissibilidade dos meios de impugnação, incluindo o recurso ordinário, funda-se na falibilidade humana e na possibilidade de erro por parte dos juízes.

O recurso ordinário visa atacar a decisão judicial por ser errada ou injusta.

A decisão é errada ou por padecer de error in procedendo, quando se infringe qualquer norma processual disciplinadora dos diversos actos processuais que integram o procedimento, ou de error in iudicando, quando se viola uma norma de direito substantivo ou um critério de julgamento, nomeadamente quando se escolhe indevidamente a norma aplicável ou se procede à interpretação e à aplicação incorrectas da norma reguladora do caso ajuizado.

A decisão é injusta quando resulta duma inapropriada valoração das provas, da fixação imprecisa dos factos relevantes, da referência inexacta dos factos ao direito e sempre que o julgador, no âmbito do mérito do julgamento, utiliza abusivamente os poderes discricionários, mais ou menos amplos. – in Manual dos Recursos em Processo Civil, 6ª ed. pág. 69 e s.s.

Ou seja, o recurso ordinário existe para corrigir erro e repor a justiça posta em causa pela decisão errada.

Na esteira dessa doutrina autorizada sobre a função do recurso ordinário no processo civil, para impugnar com êxito a matéria fáctica dada por assente na primeira instância, não basta ao recorrente invocar a sua discordância fundada na sua mera convicção pessoal formada no teor de determinados meios de prova, ou identificar a divergência entre a sua convicção e a do Tribunal de que se recorre, é ainda preciso que o recorrente identifique o erro que, na sua óptica, foi cometido pelo Tribunal de cuja decisão se recorre.

Os julgadores de recurso, não sentados na sala de audiência para obter a percepção imediata das provas ai produzidas, naturalmente não podem estar em melhores condições do que os juízes de primeira instância que lidaram directamente com as provas produzidas na sua frente.

Assim, o chamamento dos julgadores de recurso para a reapreciação e a revaloração das provas, já produzidas e/ou examinadas na 1ª instância, com vista à eventual alteração da matéria de facto fixada na 1ª instância só se justifica e se legitima quando a decisão de primeira instância padecer de erros manifestamente detectáveis.

Portanto, para que possa abalar com êxito a convicção formada pelo Tribunal a quo com vista à revogação da decisão de facto e à sua ulterior modificação pelo Tribunal ad quem, é preciso que o recorrente identifique erro manifesto na valoração de provas e na fixação da matéria de facto, e não a simples divergência entre ele e o Tribunal no que diz respeito à valoração de provas ou à fixação da matéria fáctica.

Integram em tais erros manifestos, inter alia, a violação de regras quanto à valoração de provas e à força probatória de provas, v. g. o não respeito à força vinculativa duma prova legal, e a contrariedade da convicção íntima do Tribunal a regras de experiência de vida e à lógica das coisas.

In casu, nada disso foi alegado.

O que fez a recorrente não é mais do que valorar, ela própria, as provas em causa, e formar a sua convicção, diversa da formada pelo Colectivo a quo, sem que tenha sido apontado o erro manifesto na apreciação da prova.

Nestas circunstâncias, nada temos para legitimar este Tribunal de recurso para sindicar a decisão de facto de primeira instância.

Antes de terminar, temos de tecer algumas considerações acerca de dois aspectos abordados nos fundamentos do recurso.

Ao que parece, nos pontos 25 e 26 das alegações e nos pontos h), i) e j) das conclusões, a recorrente está a acusar o Tribunal a quo de ter violado o princípio da livre apreciação de provas por ter desconsiderado os depoimentos prestados por algumas testemunhas por ela arroladas, dadas relações existentes entre a Ré e elas geradoras da parcialidade das mesmas.

A este propósito, o Tribunal Colectivo a quo fundamentou a não consideração destes depoimentos nos termos seguintes:
  Antes de especificar os aspectos mais controvertidos do presente litígio, cabe aqui referir que o tribunal não acolheu sem mais do depoimento da 1ª testemunha, M, ex-empregado da Autora, da 3a testemunha, N, sócio e ex-administrador da Ré, e da 6a testemunha, O, empregado da Ré, que estiveram envolvidas nas obras a que se referem os presentes autos. É que, por força das relações mantidas entre as testemunhas e as partes, não deixou o tribunal de tomar nota da eventual parcialidade que aquelas pudessem ter, quer em virtude do interesse das mesmas no desfecho da presente acção quer em virtude do receio de se vir a revelar possíveis falhas cometidas pelas testemunhas no decurso das obras.
  Por a mesma possibilidade de, em audiência de discussão e julgamento, vir a revelar lapsos imputáveis às restantes testemunhas também ocorrer com estas testemunhas, razão por que a sua isenção e imparcialidade das mesmas podem ficar afectadas, o depoimento desta também foram apreciadas com alguma cautela.
  A isso acresce que, dada a amplitude das obras, o tempo decorrido para a conclusão das obras e o tempo já decorrido desde a conclusão das obras, afigurou-se ao tribunal que era muito provável as testemunhas deixaram de conseguir indicar com precisão os factos e os demais pormenores relativos às obras.
  Por força dessas considerações, a prova testemunhal serviu apenas para corroborar a prova documental especialmente quando o depoimento de uma ou algumas testemunhas é contrário a outro depoimento de outra ou outras testemunhas.
  Porém, como a prova documental é bastante lacunosa, apesar da sua quantidade, o tribunal teve que socorrer, por vezes, às posições expressa ou implicitamente tomadas pelas partes ao longo autos para responder à matéria de facto, para suprir a insuficiência.

Ora, como se sabe, na matéria de prova do nosso ordenamento jurídico, ao lado do princípio da livre apreciação de provas, vigora também o princípio da liberdade de provas, à luz do qual são admissíveis todas as provas que não forem proibidas por lei.

Abstractamente falando, a prova testemunhal é sempre admissível e ao Tribunal não é reconhecido o poder de não admitir em abstracto uma prova testemunhal ou indeferir o pedido a produção de uma prova testemunha com fundamento na mera existência das relações de amizade ou de inimizade com qualquer das partes.

Mas o Tribunal já pode, depois de haver sido admitido o pedido da prova testemunhal, produzida a prova testemunhal em plena audiência pública e valorado o teor dos seus depoimentos, decidir não conferir credibilidade às declarações prestadas por uma determinada testemunha, o que alias é uma das mais importantes manifestações do princípio da livre apreciação de provas.

In casu, conforme justificou o Tribunal Colectivo de julgamento de facto, estamos justamente perante uma decisão a jusante quanto à credibilidade dos testemunhos, consentida pelo princípio da livre apreciação das provas, e não uma decisão quanto à admissibilidade a montante da prova testemunhal requerida pela Ré.

Assim, nada temos a censurar nestes aspecto a decisão de facto.

Outro aspecto prende-se com a questão algo de direito, mas não levada a conclusões, e por isso, em princípio, podemos abster-nos de tecer quaisquer considerações.

Todavia, cabe dizer ex abundantia que:

Diz a recorrente que a A. não fez qualquer prova de que tivesse sido emitido, relativamente a qualquer um dos dois projectos em causa (o do C – C – e o do D – D), o certificado de correcção dos defeitos e que …… a A. só tem direito à restituição das cauções se tiver corrigido os defeitos, e não demonstrado que o fez, não tem, desde logo, direito à restituição da segunda metade das cauções – cf. ponto 10. das motivações de recurso.

É verdade ficou provado que
- Autora e Ré acordaram que metade dos valores retidos pela Ré no preço dos trabalhos realizados pela Autora seria paga quando fosse emitido pela dona da obra, a favor da Ré, um certificado de conclusão das obras (“Practical Completion”) (resposta ao quesito 41º da base instrutória).
- Autora e Ré acordaram que os restantes 50% dos valores retidos seriam pagos depois de decorrido o período de garantia (um ano) se os defeitos que existissem tivessem sido corrigidos e a dona da obra emitisse o certificado de correcção dos defeitos (“Making Good of Defects”) (resposta ao quesitos 42º e 43º da base instrutória).

Mas não tem razão a recorrente.

Antes de mais, é de notar, para além do enferrujamento dos parafusos e das porcas para a fixação das luzes, o Tribunal não imputou à Autora a responsabilidade pela existência de outros defeitos.

O que de per si já torna irrelevante, senão impertinente a questão ora suscitada pela recorrente.

E em segundo lugar, a Autora, enquanto subempreiteiro, basta-lhe alegar e provar a realização e a conclusão das obras acordadas, objecto da subempreitada, para obter o pagamento da totalidade dos preços das obras, incluindo naturalmente a percentagem retida pela Ré como garantia da boa qualidade das obras, e não também a inexistência de defeitos ou a reparação de defeitos.

Ao passo que, sobre a Ré, empreiteira que contratou com a P, dono de obra, e depois subcontratou com a ora Autora, deve impender o ónus de alegar a falta ou a não obtenção de tal certificado de “Making Good of Defects”, junto do dono da obra com quem, só ela, a Ré ora recorrente, contratou, e não também a Autora, ora recorrida.

Por outro lado, não obstante o alegado nos pontos 13 das motivações de recurso, o certo é que, dada a sua natureza essencial no contexto das relações controvertidas, o facto de não ter sido emitido o tal certificado Making Good of Defects pelo dono de obra não pode vir a ser “alegado” pela testemunha aquando da sua inquirição na audiência de julgamento, pois o que foi dito pela testemunha, em caso algum, tem a virtude de se substituir ao alegado pelas partes em cumprimento do seu ónus de exposição dos factos integrantes na causa de pedir e do seu ónus de impugnação aos factos – artºs 389º/1-c) e 410º do CPC.

Por isso, não pode ser tido como provado esse facto, em que a Ré fez alicerçar a sua justificação para fazer sua a percentagem dos preços retida.

Improcede in totum a impugnação da matéria de facto.

O que prejudica o conhecimento do pedido de revogação da sentença de direito, fundado no pretendido êxito da impugnação da matéria de facto.


Concluindo e resumindo:

1. Se é verdade que, por força do princípio da livre apreciação das provas consagrado no artº 558º do CPC, como regra geral, o tribunal aprecia livremente as provas, decidindo os juízes segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto, não é menos certo que a matéria de facto assente de primeira instância pode ser alterada nos termos e ao abrigo do disposto no artº 629º do CPC.

2. Apesar de a lei exigir sempre a objectivação e motivação da convicção íntima do Tribunal na fundamentação da decisão de facto, ao levar a cabo a sua actividade cognitiva para a descoberta da verdade material, consistente no conhecimento ou na apreensão de um acontecimento supostamente ocorrido no passado, o julgador não pode deixar de ser subjectivamente influenciado por elementos não explicáveis por palavras, nomeadamente quando concedem a credibilidade a uma testemunha e não a outra, pura e simplesmente por impressão recolhida através do contacto vivo e imediato com a atitude e a personalidade demonstrada pela testemunha, ou com a forma como reagiu quando inquirida na audiência de julgamento. Assim, desde que tenham sido observadas as regras quanto à valoração das provas e à força probatória das provas e que a decisão de facto se apresenta coerente em si ou se não mostre manifestamente contrária às regras da experiência de vida e à logica das coisas, a convicção do Tribunal a quo, colocado numa posição privilegiada por força do princípio da imediação, em princípio, não é sindicável.

3. O recurso ordinário existe para corrigir erro e repor a justiça posta em causa pela decisão errada. Para impugnar com êxito a matéria fáctica dada por assente na primeira instância, não basta ao recorrente invocar a sua discordância fundada na sua mera convicção pessoal formada no teor de um determinado meio de prova, ou identificar a divergência entre a sua convicção e a do Tribunal de que se recorre, é ainda preciso que o recorrente identifique o erro que, na sua óptica, foi cometido pelo Tribunal de cuja decisão se recorre.

4. Os julgadores de recurso, não sentados na sala de audiência para obter a percepção imediata das provas ai produzidas, naturalmente não podem estar em melhores condições do que os juízes de primeira instância que lidaram directamente com as provas produzidas na sua frente. Assim, o chamamento dos julgadores de recurso para a reapreciação e a revaloração das provas, já produzidas e/ou examinadas na 1ª instância, com vista à eventual alteração da matéria de facto fixada na 1ª instância, só se justifica e se legitima quando a decisão de primeira instância padecer de erros manifestamente detectáveis.

5. Para que possa abalar com êxito a convicção formada pelo Tribunal a quo com vista à revogação da decisão de facto e à sua ulterior modificação pelo Tribunal ad quem, é preciso que o recorrente identifique erro manifesto na valoração de provas e na fixação da matéria de facto, e não a simples divergência entre ele e o Tribunal no que diz respeito à valoração de provas ou à fixação da matéria fáctica. Integram em tais erros manifestos, inter alia, a violação de regras quanto à valoração de provas e à força probatória de provas, v. g. o não respeito à força vinculativa duma prova legal, e a contrariedade da convicção íntima do Tribunal a regras de experiência de vida e à lógica das coisas.

6. Um facto essencial, integrante quer da causa de pedir quer da impugnação, dever ser alegado nos articulados pelas partes, e não pode ser trazido à lide pela testemunha aquando da sua inquirição na audiência de julgamento, pois o que foi dito pela testemunha, por mais credível que seja, em caso algum, tem a virtude de se substituir ao alegado pelas partes em cumprimento do seu ónus de exposição dos factos integrantes na causa de pedir e do seu ónus de impugnação aos factos – artºs 389º/1-c) e 410º do CPC.


Resta decidir.
III

Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam julgar improcedente o recurso, mantendo na íntegra a sentença recorrida.

Custas do recurso pela recorrente e custas pela recorrida do incidente em que se pediu a rejeição parcial do pedido da impugnação da matéria de facto.

Registe e notifique.

RAEM, 15JUL2021
Lai Kin Hong
Fong Man Chong
Ho Wai Neng
1 No quesito 68° pergunta-se pelos defeitos alegadamente verificados nas obras do D. Porém, da análise da contestação retira-se que esse quesito refere-se, antes, à obras do C, pois dos artigo 204° a 209° da contestação vê-se que os quesitos 68° a 70° da base instrutória correspondem à matéria aí alegada relativa a defeitos detectados nas obras do C. Foi nesse sentido que o tribunal analisou esses quesitos e respondeu à respectiva matéria.
---------------

------------------------------------------------------------

---------------

------------------------------------------------------------

Ac. 655/2020-1