Processo n.º 848/2020
(Autos de recurso contencioso)
Data: 15/Julho/2021
Recorrente:
- Sociedade de Desenvolvimento Predial A S.A.
Entidade recorrida:
- Secretário para os Transportes e Obras Públicas
Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:
I) RELATÓRIO
Inconformada com o despacho do Senhor Secretário para os Transportes e Obras Públicas, de 20.5.2020, que ordenou a desocupação do terreno sito na antiga Fábrica de Panchões Iec Long, na sequência do despacho do Exm.º Chefe do Executivo, de 25.7.2017, que declarou a extinção do procedimento de troca de terrenos, recorreu a Sociedade de Desenvolvimento Predial A, S.A. contenciosamente para este TSI, formulando na petição de recurso as seguintes conclusões:
“1. Tal como resulta da vasta prova documental ora submetida, a Administração sempre reconheceu, durante mais de 20 anos e pelo menos até 2017, a legalidade da propriedade, posse e ocupação, quer da aqui Recorrente quer dos anteriores proprietários, antepossuidores e ocupantes B, C e D, e E Lda., de todas as parcelas de terrenos que compõem a zona da antiga Fábrica de Panchões Iec Long, sendo em regime de propriedade perfeita, aforamentos e terrenos omissos.
2. Tal reconhecimento por parte da Administração assumiu plenitude a máxima solenidade com a assinatura do Termo de Compromisso de 10 de Janeiro de 2001, no âmbito do qual a RAEM se obrigou a conceder à Recorrente um terreno situado na A, com cerca de 152.073m2, para construção de um complexo turístico e habitacional, deduzindo-se do prémio a pagar, entre outros, o valor de todos os direitos sobre o terreno ocupado pela antiga Fábrica de Panchões Iec Long, tal como identificado na planta n.º 514/89.
3. A minuta do Termo de compromisso foi revista pelo Sr. STOP e autorizada por Sua Exa. o Chefe do Executivo, respectivamente em 8 e 9 de Janeiro de 2001, tendo o seu conteúdo inclusivamente sido transcrito e mencionado no n.º 1 e n.º 2 do Anexo ao Despacho do STOP n.º 87/2006.
4. A Administração reconheceu que nas concessões por arrendamento e rescindidas em 1986 “não terá diligenciado em procurar saber da verdadeira situação jurídica dos terrenos a conceder neste regime, o que resultou em concessões por arrendamento de terrenos que estavam já sujeitos a regime de concessões por aforamento válidos”.
5. A montante, nunca poderá o Decreto-Lei n.º 85/84/M, de 11 de Agosto servir de lei habilitante de delegações de competências do Sr. Chefe do Executivo nos Secretários do Governo da RAEM.
6. Sendo assente que o n.º 2 do artigo 37º do CPA sujeita a admissibilidade do acto de delegação de competências à existência prévia de lei de habilitação para o efeito, também por esta via se conclui que o Sr. Chefe do Executivo não podia ter delegado no STOP, como não delegou, a competência para a prática do Despacho aqui em crise, ordenador da desocupação, sofrendo este, assim, do vício de incompetência.
7. Incompetência que, salvo melhor opinião, terá de se qualificar, neste caso, de absoluta, e, portanto, apta a ferir o Despacho que ordenou o despejo e desocupação de nulidade, porquanto, a admitir-se a tese de que a RAEM é por si uma única pessoa colectiva pública, e, sendo o Sr. Chefe do Executivo e os Secretários órgãos da mesma pessoa colectiva pública, os actos praticados por estes, no exercício de competências próprias daquele sem acto de delegação de poderes devidamente habilitante, nunca poderiam ser nulos… tese que esvaziaria totalmente de conteúdo útil o disposto quer na alínea b) do n.º 2 do artigo 122º do CPA quer na alínea b) do n.º 1 do artigo 21º do CPAC.
8. Assim, com suporte na avisada doutrina de Macau, verifica-se que o Sr. STOP não é competente para a prática do Acto Recorrido, porquanto inexiste lei habilitante, sendo violados os artigos 37º do CPA e 208º da Lei de Terras, devendo o Acto Recorrido ser anulado por vício de incompetência, nos termos dos artigos 122º e 123º do CPA, e da alínea b) do n.º 1 do artigo 21º do CPAC.
9. Decidiu o Supremo Tribunal de Justiça, no seu Acórdão de 17 de Agosto de 1984, que: “A lei permissiva da delegação tem de ter o valor hierárquico-formal da lei originariamente atributiva da competência em causa, de harmonia com os princípios reguladores da hierarquia das normas jurídicas, pelo que não pode o legislador ordinário permitir a delegação de competência fixada pela constituição, incluindo a competência para os actos a que se refere o n.º 4 do art. 102º deste diploma.”
10. Na linha do entendimento supra importado, questiona-se se poderá uma competência atribuída por Lei ao Sr. Chefe do Executivo ser delegada no STOP por Decreto-Lei ou Ordem Executiva, sendo qualquer destas de inferior valor hierárquico-formal da lei originariamente atributiva da competência em causa, de harmonia com os princípios reguladores da hierarquia das normas jurídicas, ou seja, de harmonia com o Regime jurídico de enquadramento das fontes normativas internas (Lei n.º 13/2009, de 27 de Julho).
11. Porque suportado numa hipotética delegação de poderes estabelecida por fonte legislativa de valor inferior ao valor hierárquico-formal da lei originariamente atributiva da competência em causa, o Acto ora Recorrido viola o disposto no artigo 208º da Lei de Terras, o disposto no n.º 1 do artigo 37º do CPA e o disposto na alínea 16) do artigo 6º da Lei 13/2019, devendo, também por este via, ser anulado por vício de incompetência, nos termos previstos no artigo 124º do CPA e na alínea b) do n.º 1 do artigo 21º do CPAC.
12. O Acto Recorrido praticado pelo Sr. STOP não cabe no âmbito das competências que lhe foram delegadas através da Ordem Executiva n.º 184/2019.
13. No que releva para os presentes autos, a Ordem Executiva n.º 184/2019 refere apenas que, no seu n.º 1: “São delegadas no Secretário para os Transportes e Obras Públicas, Raimundo Arrais do Rosário, as competências executivas do Chefe do Executivo em relação a todos os assuntos relativos às áreas de governação e aos serviços e entidades referidos no artigo 6º do Regulamento Administrativo n.º 6/1999, bem como aos relativos ao seu Gabinete.”
14. Em tais termos, e também nos doutamente ensinados José Cândido de Pinho, o acto de delegação não especifica suficientemente os poderes que são delegados, uma vez que não faz uma menção concreta, expressa e específica sobre certas matérias, nomeadamente sobre a matéria em causa nos presentes autos, sendo ordem de desocupação, nos termos do artigo 208º da Lei de Terras, o que resulta, também por aqui, na falta de competência do Sr. STOP para o efeito, por invalidade do considerado acto delegante.
15. Em reforço deste entendimento vai também José Eduardo Figueiredo Dias, ensinando que: “Do ponto de vista do conteúdo, o delegante deve especificar os poderes que são delegados (artigos 39º, n.º 1). Com isto pretende a lei impedir delegações genéricas.”
16. Dúvidas não poderão existir quanto ao carácter genérico da delegação inserta na Ordem Executiva n.º 184/2019, designada e claramente quando refere que, no seu ponto n.º 1, “(…) em relação a todos os assuntos relativos às áreas de governação e aos serviços e entidades referidos no artigo 6º do Regulamento Administrativo n.º 6/1999, bem como aos relativos ao seu Gabinete.”
17. Assim, por esta via também, e com suporte na avisada doutrina de Macau, verifica-se que o Sr. STOP não é competente para a prática do Acto Recorrido, porque suportado em proibida delegação genérica, violando o n.º 1 do artigo 39º do CPA e o artigo 208º da Lei de Terras, devendo ser anulado por vício de incompetência, nos termos do artigo 124º do CPA e do artigo 21º, n.º 1, alínea b) do CPAC.
18. O segundo requisito exigido pelo artigo 208º da Lei de Terras não se encontra preenchido, porquanto a legalidade ou ilegalidade da ocupação está indeterminada, encontrando-se a sua discussão em Juízo, nomeadamente no âmbito do processo n.º 842/2017, a correr termos no TSI.
19. Por não se encontrar determinado o carácter ilegal da ocupação, o Acto ora Recorrido viola o disposto no artigo 208º da Lei de Terras, devendo ser anulado por vício de violação de lei, nos termos previstos no artigo 124º do CPA e na alínea d) do n.º 1 do artigo 21º do CPAC.
20. A Administração, através da Proposta n.º 255/DSO/2017, de 22.06.2017, emitiu em acto opinativo no âmbito de um contrato administrativo (o Termo de Compromisso), no qual levantou a questão da desproporção das prestações, nomeadamente das áreas dos terrenos, concluindo, por isso, que o Termo de Compromisso seria inválido, por violação ao artigo 86º da Lei de Terras.
21. Mesmo assumindo uma perspectiva de “áreas”, o que não se concede, a Proposta n.º 255/DSO/2017, de 22.06.2017, navega em erro, pois o Terreno da zona da Baía, embora inicialmente proposta uma área de 152.073m2, nunca teria essa área a ser concedida à Recorrente, uma vez que, em Março de 2002, a Administração deduziu e cedeu a área de 99.000m2 à F S.A., pelo que à Recorrente seria concedida uma área de 53.073m2 e nunca os 152.073m2, não esquecendo o facto de ser um terreno pantanoso e alagado, sem quaisquer infraestruturas, quando comparado com aqueloutro da antiga Fábrica de Panchões, já urbanizado e infraestruturado, ou seja, com claras valorizações por m2 muito distintas.
22. O Termo de Compromisso é uma promessa de concessão e não uma concessão, pelo que não pode violar qualquer preceito da Lei de Terras, pela simples razão de inexistir, por enquanto, concessão, em relação à qual nada impede alterações ao procedimento em curso – aliás impõem-se – para lograr o seu ajuste às novas regulamentações (cfr. o artigo 213º da Lei de Terras), o que nunca foi feito pela Administração.
23. Na realidade não existiu um compromisso de troca mas sim de uma concessão e pagamento do seu prémio por: (1) numerário, a ser liquidado no futuro; e (2) em espécie, consubstanciada esta na cedência de direitos sobre os terrenos da fábrica e na execução de trabalhos de infraestruturas, expediente e cobertura legal prevista no n.º 1 do artigo 57º da Lei de terras.
24. Seja como for, certo é que o procedimento dito de troca foi extinto com fundamento numa interpretação da Administração de cláusulas contratuais e sua validade.
25. Assim, estando tal matéria em discussão nas instâncias judicias e derivando a presente ordem de desocupação de um acto opinativo sobre contrato administrativo emitido pela Administração, a ordem de desocupação ora em discussão é ilegal, pelo menos enquanto a administração não lograr a produção desse efeito por via de acção sobre contrato, tal como impõe o estatuído no n.º 1 do artigo 173º do CPA, transcrevendo-se: “Os actos administrativos que interpretem cláusulas contratuais ou que se pronunciem sobre a respectiva validade não são definitivos e executórios, pelo que na falta de acordo do co-contratante, a Administração só pode obter os efeitos pretendidos através de acção a propor no tribunal competente.”
26. Assim não se entendendo, e através da aqui recorrida ordem de desocupação, estará a Administração a obter o mesmo resultado que lhe é vedado pelo artigo 173º do CPA, no âmbito de divergência de opiniões entre a Administração e o Particular quanto a contrato administrativo, pelo menos enquanto não obter declaração judicial que lhe determine a produção do efeito que pretende, conferindo ao Acto a definitividade e executoriedade demandada pelo n.º 1 do artigo 173º do CPA.
27. Assim, porque suportado num acto opinativo sobre contrato administrativo sem intervenção constitutiva do órgão judicial, o Acto Recorrido viola o disposto no artigo 173º do CPA, devendo ser anulado por vício de violação de lei, nos termos previstos no artigo 124º do CPA e na alínea d) do n.º 1 do artigo 21º do CPAC.
28. O Acto ora Recorrido que ordena a desocupação não é um acto vinculado, porquanto nada na lei estabelece qualquer circunstancialismo ou contexto no âmbito do qual o Sr. Chefe do Executivo pode-deve ordená-la.
29. Muitas outras soluções estavam ao alcance da Administração, no intuito de conciliar o seu interesse com o da Recorrente, eliminando-se o que a Administração considerava como ilegalidade, sendo a alegada desproporção das prestações contratuais, consubstanciada nas diferentes áreas dos terrenos objecto da qualificada como troca.
30. E mesmo que a Administração equacionasse outros fundamentos para justificar a extinção do qualificado como procedimento de troca, poderia-deveria ter lançado mão a outros expedientes para, e.g. “Modificar unilateralmente o conteúdo das prestações, desde que seja respeitado o objecto do contrato e o seu equilíbrio financeiro” [cfr. a alínea a) do artigo 167º do CPA (Poderes da Administração)].
31. Note-se que, mesmo assumindo a tese da Administração quanto à desproporção de áreas, o que não se concede como exposto, sempre se deveria respeito ao estatuído no n.º 2 do artigo 213º da actual Lei de Terras, o qual prescreve que: “Se a aplicação da presente lei a actos posteriores exigir a alteração dos já praticados no procedimento, os serviços competentes devem providenciar para que essas alterações se limitem ao estritamente indispensável e sejam feitas com o mínimo de prejuízo para os interessados.”
32. A extinção do qualificado como procedimento de troca e a desocupação não eram as únicas vias de tratamento do procedimento em causa, pelo que o Acto ora Recorrido não é vinculado mas discricionário.
33. A Sociedade de Desenvolvimento Predial A, S.A., a aqui Recorrente, foi constituída com o único intuito de promover, em articulação com a Administração, o desenvolvimento da zona da A, na expectativa e com a confiança de que a Administração cumpriria os princípios e acordos que, ao longo dos anos, foram sendo firmados.
34. Saliente-se que a Recorrente nunca concretizou qualquer projecto na zona da antiga Fábrica de Panchões porque sempre depositou absoluta confiança no compromisso que assumiu para com a Administração, tendo encarado o projecto de desenvolvimento da Baía de Nossa Senhora da Esperança como o único a executar.
35. Após largos anos de negociações, de reconhecimentos expressos quanto às propriedades, posses e ocupações da Recorrente na zona da antiga Fábrica de Panchões, o que sempre levou a Recorrente a não lançar mão às vias judiciais para formalização das mesmas (terrenos aforados e terrenos omissos), após cedências por parte da Recorrente em prol de outros empreendimentos, de desistência por empresa do grupo da Recorrente de processo judicial contra a Administração por prémios erradamente calculados, suportada na confiança numa resolução global, de celebração de acordo escrito (o Termo de Compromisso) entre as partes, eis que a Administração resolve que afinal os terrenos não têm a mesma dimensão (o que nem sequer releva como supra exposto), contrariando a sua postura, comportamento e posição assumida ao longo dos anos, pretendendo agora que a Recorrente desocupe os terrenos cuja ocupação sempre aceitou e reconheceu.
36. Salvo mais douto entendimento e por tudo como exposto, o comportamento da Administração consubstanciado no presente acto, ordenador de desocupação, configura uma manifesta violação ao princípio da boa fé e ao princípio da confiança, previstos no artigo 8º do CPA.
37. É manifesto que o comportamento e actuação da Administração, ao longo de mais de 20 anos, suscitou na Recorrente a confiança de que a concessão a que alude o Termo de Compromisso se iria realizar, pelo que foi manifesta e grosseiramente violado o príncipio da confiança [cfr. a alínea a) do n.º 2 do artigo 8º do CPA].
38. A Administração não é um contratante qualquer, é entidade em quem se deposita grau de confiança distinto e súpero, pelo que deve actuação em conformidade, o que manifestamente não ocorre quando firma um acordo e, unilateralmente, o extingue, interpretando arbitrariamente as suas cláusulas via acto opinativo sem recurso às instancias judiciais como exige a lei.
39. Por outro lado, há também violação ao princípio da proporcionalidade, porquanto a Administração, não estando obrigada a ordenar a desocupação, decidiu fazê-lo, e num momento em que a validade da extinção do qualificado como procedimento de troca se encontra em discussão nas instâncias judiciais, portanto, recorrendo a meio desproporcionado, tanto que, tal como supra alegado, a ordem de desocupação está fundamentada em acto opinativo sobre contrato administrativo emitido pela Administração, sendo tal efeito apenas legalmente admissível possível por via de acção sobre contrato (cfr. o n.º 2 do artigo 5º e o n.º 1 do artigo 173º, ambos do CPA).
40. Assim, uma ordem de desocupação que não tinha de existir, tanto mais na pendência da discussão da legalidade da própria ocupação em si, configura acto desproporcional, sem justa medida e equilíbrio, em qualquer das vertentes do Princípio, sendo adequação, necessidade, exigibilidade e oportunidade, porquanto, mais adequado, medido, equilibrado e menos lesivo seria manter a situação jurídica de ocupação, pelo menos até decisão final do recurso contencioso que coloca a extinção do qualificado como procedimento de troca em crise.
41. Pelo exposto, o Acto ora Recorrido viola o princípio da boa fé, o princípio da confiança e o princípio da proporcionalidade, previstos nos artigos 8º e 5º do CPA, devendo ser anulado por vício de violação de lei e erro manifesto ou total desrazoabilidade no exercício de poderes discricionários, nos termos do artigo 124º do CPA e do artigo 21º, n.º 1, alínea d).”
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Regularmente citada, apresentou a entidade recorrida contestação, pugnando pela negação de provimento ao recurso.
Corridos os vistos, cumpre decidir.
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II) FUNDAMENTAÇÃO
O Tribunal é o competente.
O processo é o próprio.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e têm interesse processual.
Não existem questões prévias, excepções nem nulidades que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
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Resulta provada dos elementos constantes dos autos, designadamente do processo administrativo, a seguinte matéria de facto com pertinência para a decisão do recurso:
Por despacho do Exm.º Chefe do Executivo de 25.7.2017, foi declarada a extinção do procedimento de troca de terrenos respeitante à antiga Fábrica de Panchões Iec Long.
Foi elaborada, em 28.4.2020, pelos técnicos da Direcção dos Serviços de Obras Públicas e Transportes a seguinte proposta: (fls. 90 a 95 dos autos)
“Decisão final – Relatório de averiguação sobre ocupação ilegal de terreno do Estado
Proposta: 03364/DURDEP/2020
Data: 28/04/2020
Processo n.º 4/DC/2019/F
Localização do terreno objecto do processo: terreno do Estado situado na antiga «Fábrica de Panchões Iec Long» e localizado na Rua Direita Carlos Eugénio n.ºs 38-64, contíguo ao terreno na Rua Fernão Mendes Pinto, na Ilha da Taipa (demarcado e assinalado com as letras «A18», «A19», «A22», «T1», «T2» e «T3», na planta cadastral referente ao processo n.º 514/1989, de 16 de Abril de 2019; demarcado e assinalado igualmente com as letras «A» e «B» na planta cadastral referente ao processo n.º 514/1989, de 1 de Abril de 2019.)
1. Relativamente à recuperação do terreno do Estado situado na antiga «Fábrica de Panchões Iec Long», por despacho do Chefe do Executivo, de 24 de Abril de 2017, é exarado na proposta n.º 40/DSO/2017, a DSSOPT desocupar, de imediato, o terreno onde fica a Fábrica de Panchões Iec Long e recuperar o mesmo a favor da RAEM.
2. Analisada a situação jurídica do terreno do Estado onde fica situada a antiga Fábrica de Pachões Iec Long, esta Direcção de Serviços decidiu recuperar o mesmo por fases, tendo, em 15 de Janeiro de 2019, recuperado um terreno com a área total de 17.973m2, demarcado e assinalado com as letras “R1”, “R2”, “R3”, “R4”, “R5”, “R6” e “R7”, na planta cadastral n,º 514/1989, de 13 de Setembro de 2016.
3. Por se considerar o referido terreno apenas parcialmente recuperado, e necessário continuar a prosseguir as respectivas tarefas a fim de recuperar a parte restante do mesmo e exercer plenamente o determinado no despacho do Chefe do Executivo de 24 de Abril de 2017.
4. Por este motivo, pela proposta n.º 08795/DURDEP/2019, de 22 de Outubro de 2019, e pela análise nela constante elaborada pelo grupo de trabalho, propõe-se a recuperação das restantes partes do terreno, sendo aqui transcrita a conclusão da citada proposta: determinar, ao abrigo do n.º 1 do artigo 208º da Lei n.º 10/2013 (Lei de Terras), a ordem de desocupação do terreno do domínio público, ordenando o ocupante ilegal – a «Sociedade de Desenvolvimento Predial A, S.A.», e eventualmente os outros ocupantes ilegais, a desocuparem, no prazo de 60 dias, o referido terreno, ou seja, terreno do Estado da antiga Fábrica de Panchões Iec Long, demarcado e assinalado com as letras «A18», «A19», «A22», «T1», «T2» e «T3», na planta cadastral n.º 514/1989, de 16 de Abril de 2019; propondo-se igualmente, antes de determinar a referida ordem, efectuar previamente uma audiência escrita destinada aos interessados. (Vide anexo I: proposta n.º 08795/DURDEP/2019, de 22 de Outubro de 2019, e auto de notícia datada de 28 de Janeiro de 2019)
5. Por despacho do Senhor Director destes Serviços, substituto, de 31 de Outubro de 2019, exarado na proposta acima referida, é determinado efectuar audiência prévia aos interessados.
6. Nestes termos, pelo ofício n.º 16085/DURDEP/2019, de 5 de Novembro de 2019, dirigida à «Sociedade de Desenvolvimento Predial A, S.A.», e pelo edital n.º 9/E-DC/2019, publicado em 8 de Novembro de 2019, em jornais de língua chinesa e portuguesa, foram notificados os ocupantes ilegais do terreno para se pronunciarem, no prazo de 10 dias, sobre a decisão a tomar. (Vide Anexo II)
7. A «Sociedade de Desenvolvimento Predial A, S.A.» apresentou por escrito em 15 de Novembro de 2019, a seguinte resposta, cujo conteúdo se transcreve integralmente no seguinte: (Vide Anexo II)
… (Vide o original da transcrição em português)
Da análise:
8. Relativamente às questões de identificação e demarcação do terreno, colocadas pela interessada, constam, de forma explícita, na proposta n.º 08795/DURDEP/2019, de 22 de Outubro de 2019, elaborada pelo grupo de trabalho, a planta cadastral referente ao processo n.º 514/1989, de 16 de Abril de 2019, que identifica e demarca as parcelas do terreno com as letras «A18», «A19», «A22», «T1», «T2» e «T3», bem como a planta cadastral referente ao processo n.º 514/1989, da Direcção dos Serviços de Cartografia e Cadastro, de 1 de Abril de 2019, que assinala e demarca as parcelas do terreno com as letras «A» e «B». Em anexo à notificação dirigida à interessada, foi também enviada a planta cadastral referente ao processo n.º 514/1989, de 1 de Abril de 2019. Portanto, não existe dificuldade em identificar o terreno que constitui objecto de recuperação, sendo excluídos os terrenos do domínio privado abordados pela interessada.
9. Constam na citada proposta, bem como na notificação expedida, as informações muito claras da identificação do terreno objecto de recuperação, propõe-se, porém, que sejam inseridas, em anexo, no ofício a notificar a decisão final, a planta cadastral referente ao processo n.º 514/1989, de 1 de Abril de 2019, e a planta cadastral referente ao processo n.º 514/1989, de 16 de Abril de 2019, e que seja indicada a relação existente entre as parcelas assinaladas numa e as assinaladas noutra.
10. E, em relação à questão de pendência dos processos judiciais, colocada pela interessada, os actos administrativos produzem os seus efeitos desde a data em que forem praticados e são executórios logo que eficazes, nos termos do artigo 117º e n.º 1 do artigo 136º do Código do Procedimento Administrativo vigente. Quanto ao efeito suspensivo, os recursos contenciosos abordados pela interessada não suspendem os efeitos de actos administrativos.
11. No que respeita ao requerido para inquirir testemunhas, como as matérias de facto e de direito são claras e a interessada se pronunciou, por escrito, sobre as mesmas, não é necessário inquirir as testemunhas indicadas pela interessada.
12. Nestes termos, considerando que os elementos apresentados pela interessada na audiência são insuficientes na óptica de facto e de fundamento, os mesmos não vão alterar a decisão pretendida a tomar. Nesse sentido, mantém-se a análise elaborada anteriormente pelo grupo de trabalho, constante na proposta n.º 08795/DURDEP/2019, de 22 de Outubro de 2019, e submete-se a presente proposta à consideração do Exm.º Secretário para os Transportes e Obras Públicas, no sentido de:
12.1 Negar o arquivamento e o requerimento de inquirir testemunhas, solicitados pela interessada, e determinar a ordem de desocupação do terreno nos termos do n.º 1 do artigo 208º da Lei n.º 10/2013 (Lei de Terras) e do n.º 1 da Ordem Executiva n.º 184/2019.
12.2 Notificar, por ofício, a «Sociedade de Desenvolvimento Predial A, S.A.», e, por edital, os eventuais ocupantes incertos, da determinação, nos termos do n.º 1 do artigo 208º da Lei n.º 10/2013 (Lei de Terras), da ordem de desocupação do terreno, ordenando a «Sociedade de Desenvolvimento Predial A, S.A.» e os eventuais ocupantes incertos, a desocupação no prazo de 60 dias, do terreno do Estado da antiga Fábrica de Panchões Iec Long, ou seja, o terreno demarcado e assinalado com as letras «A18», «A19», «A22», «T1», «T2» e «T3», na planta cadastral referente ao processo n.º 514/1989, de 16 de Abril de 2019; o mesmo terreno é simultaneamente demarcado e assinalado com as letras «A» e «B» na planta cadastral referente ao processo n.º 514/1989, de 1 de Abril de 2019 e na planta cadastral referente ao processo n.º 514/1989, de 16 de Abril de 2019. (Vide minutas do ofício e do edital em anexo IV)
12.3 De acordo com o n.º 2 do artigo 208º da Lei de Terras, decorrido o prazo acima referido sem que o terreno indicado tenha sido desocupado, a DSSOPT executa a desocupação ao abrigo do Disposto no Código do Procedimento Administrativo.
12.4 O procedimento de desocupação do referido terreno será prosseguido ao abrigo do Código de Procedimento Administrativo e do disposto nos artigos 208º ao artigo 211º da Lei de Terras.
À consideração superior.”
Submetida a proposta à consideração superior, pelo Exm.º Secretário para os Transportes e Obras Públicas foi proferido em 20.5.2020 o seguinte despacho: (fls. 83 dos autos)
“Concordo”
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Pelo Digno Procurador-Adjunto do Ministério Público foi emitido o seguinte douto parecer:
“Na petição inicial, a recorrente pediu a declaração da nulidade e a anulação do despacho lançado na Proposta n.º 03364/DURDEP/2020 pelo Exmo. Senhor STOP em 20/05/2020 (doc. de fls. 83 a 90 dos autos), invocando a incompetência e vários vertente da violação de lei.
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Repare-se que o Venerando TUI vem constantemente proclamando que o art. 3.º do D.L. n.º 85/84/M vigora na Ordem Jurídica da RAEM, e pela Ordem Executiva n.º 113/2014 o Chefe do Executivo delegou, no STOP, as suas competências executivas em relação a todos os assuntos relativos às áreas de governação e aos serviços e entidades referidos no art. 6.º do Regulamento Administrativo n.º 6/1999, onde se encontra a área do ordenamento físico do território, pelo que também estavam delegadas as competências previstas na alínea 1) do n.º 1 do art. 179.º da actual Lei de Terras. (vide. Acórdãos tirados nos Processos n.º 10/2017, n.º 30/2018 e n.º 41/2018)
Respectivamente por mesma razão e por maioria da razão, estamos convictos de que essa douta e mais autorizada jurisprudência se aplica à Ordem Executiva n.º 184/2019 bem como às ordens de desocupação previstas na alínea 1) do n.º 1 do art. 179.º da referida Lei de Terras.
Nestes termos, e com todo o respeito pela melhor opinião em sentido contrário, inclinamos a colher que o Exmo. Sr. STOP é competente para decretar o despacho atacado nestes autos, e são descabidos e inoperantes os argumentos consubstanciados em assacar a incompetência.
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No seu Processos n.º 842/2017, o Venerando TSI julgou improcedente o recurso contencioso interposto pela ora recorrente do despacho do Exmo. Senhor Chefe do Executivo, que se traduz em declarar extinto o procedimento da troca de terrenos. Por sua vez, o Venerando TUI negou provimento ao correlativo recurso jurisdicional (cfr. aresto no Processo n.º 191/2020).
Estes dois veredictos judiciais caucionam-nos a inferir que o sobredito despacho pelo qual o Exmo. Senhor Chefe do Executivo declarou a extinção do procedimento da troca de terrenos não é opinativo previsto no art. 173.º do CPA, mas decisório e autoritário, tendo a virtude de acto administrativo consagrado no art. 110.º deste diploma legal.
Nesta linha de raciocínio, entendemos tranquilamente que é irremediavelmente infundada a arguição (pela recorrente) da violação do disposto no art. 173.º do CPA (vide. pedido na alínea e) da petição inicial).
Acontece que a partir do supramencionado despacho declarativo da extinção do procedimento da troca de terrenos, a ora recorrente deixou de ter qualquer título capaz de legitimar e justificar a sua ocupação dos terre-nos especificados no ponto n.º 12.2 da Proposta n.º 03364/DURDEP/2020.
Ressalvado elevado respeito pela opinião diferente, afigura-se-nos que são imperativos os preceitos no art.208.º da actual Lei de Terras, e por isso, é vinculada a competência estabelecida no seu n.º 1 e atinente à ordem de desocupação, ou seja é vinculado o poder para tal efeito.
Nesta perspectiva, e por mesma razão, entendemos que as caso sub judice se aplica a brilhante jurisprudência que inculca (cfr. Acórdão do TUI no Processo n.º 47/2020): 1. O acto administrativo que ordena o “despejo” da concessionária após declaração de caducidade da concessão é um “acto vinculado”. 2. O acto administrativo tem conteúdo “vinculado” quando o decisor não tem margem de livre decisão, tendo o acto um único sentido (possível). 3. No âmbito da “actividade vinculada”, nenhum relevo tem eventuais alegações de violação dos princípios da boa fé, da justiça, da proporcionalidade, da tutela de confiança e da igualdade.
O que nos garante cabalmente a concluir que o despacho em causa não eiva da arrogada violação dos princípios da boa fé, da confiança e da proporcionalidade.
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Por todo o expendido acima, propendemos pela improcedência do presente recurso contencioso.”
Conforme se decidiu no Acórdão do Venerando TUI, no Processo n.º 21/2004: “Simplesmente, o Magistrado do Ministério Público, no recurso contencioso de anulação, não é parte. Assim, não há norma que impeça o juiz de fundamentar decisão aderindo a texto do Ministério Público, o que se observa a cada passo…”
Atento o teor do douto parecer emitido pelo Digno Procurador-Adjunto, louvamo-lo na íntegra, com o qual concordamos e que nele foi apresentada a melhor, acertada e sensata solução para o caso sub judice, pelo que, considerando a fundamentação de direito aí exposta, cuja explanação sufragamos inteiramente, remetemos para os seus precisos termos.
Desta forma, julga-se improcedente o recurso contencioso.
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III) DECISÃO
Face ao exposto, acordam em julgar improcedente o recurso contencioso.
Custas pela recorrente, com taxa de justiça fixada em 20 U.C.
Registe e notifique.
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RAEM, 15 de Julho de 2021
Tong Hio Fong
Rui Carlos dos Santos P. Ribeiro
Lai Kin Hong
Mai Man Ieng
Recurso Contencioso 848/2020 Página 1