Reclamação nº 5/2021/R
A Limitada, credor reclamante nos autos da acção executiva nº CV2-18-0071-CEO, no âmbito desses autos interpôs recurso do despacho que lhe não reconheceu o crédito reclamado.
Por douto despacho do Mmº Juiz a quo, foi admitido o recurso com subida diferida nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.
E porque o recurso lhe tivesse sido admitido com subida diferida, veio formular a presente reclamação nos seguintes termos:
O A, LIMITADA, Credor Reclamante nos autos acima indicados e aí melhor identificado, não se conformando com o despacho a fls. 139 que retém o recurso por si intentado, vem, respeitosamente, nos termos do disposto nos artigos 595.º e 596.º do Código de Processo Civil, apresentar
RECLAMAÇÃO
da retenção desse recurso, o que faz nos termos e com os seguintes fundamentos:
Venerando Presidente do
Tribunal de Segunda Instância
1. O tribunal a quo proferiu o despacho a fls. 124 a 126 no sentido de não reconhecer o crédito do aqui Reclamante e de considerar a matéria de facto como sendo controvertida na base instrutória.
2. O Reclamante, não se conformando do teor desse despacho, uma vez que o seu crédito não havia sido impugnado, interpôs recurso, a fls. 132, pugnando pela subida imediata, em separado e com efeito suspensivo.
3. Tal recurso foi admitido pelo tribunal a quo pelo despacho a fls. 139, tendo, contudo, fixado a sua "... subida com o fim do processo do incidente, nos autos por apenso e com efeitos meramente devolutivo ...".
4. No seguimento, no mesmo despacho, foi agendado o dia 16 de Março para a audiência de discussão e de julgamento.
5. A Reclamante considera que a fixação do regime de subida diferida tornará o seu recurso interposto absolutamente inútil porque implicará a discussão da matéria de facto na audiência de discussão e de julgamento, precisamente o que o recurso pretende evitar.
Senão, vejamos:
6. O artigo 601.º, n.º 2 do Código de Processo Civil dispõe que "sobem também imediatamente os recursos cuja retenção os tornasse absolutamente inúteis".
7. Considerando o objecto do recurso em causa, a eventual procedência do recurso implicará considerar reconhecidos os créditos e as respectivas garantias que não foram impugnados, resultando em matéria de facto assente cuja natureza não é objecto de audiência de discussão e julgamento, o que é justamente a utilidade pretendida pela Recorrente, ora Reclamante, com a interposição do recurso.
8. Daí que a retenção do recurso conduzirá à inutilidade absoluta do próprio recurso, visto que a decisão diferida do tribunal ad quem, independentemente do seu conteúdo, passa a não ter qualquer efeito sobre o processo.
9. Por último, o processo de reclamação e graduação de créditos é um verdadeiro processo declarativo de estrutura autónoma, embora funcionalmente subordinado ao processo executivo, e não um mero incidente da acção executiva - neste sentido vide Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, proferido no Processo nº 0632162, disponível em http://dgsi.pt, que cita entre outros Aberto dos Reis (Proc. de Execução, II, pág. 267), Lebre de Freitas (A Acção executiva Depois da Reforma, pág. 317), Teixeira de Sousa (A acção Executiva Singular, pág.338), Castro Mendes (Obras Completas, ed. Da AAFDL, III, pág. 448) e Amâncio Ferreira (Curso de Processo de Execução, 2ª ed., a pág. 233) .
10. A execução e a reclamação são processos perfeitamente diferenciados, com objectivos específicos e autónomos - apenas se reencontrando na fase do pagamento.
Termos em que deve ser dado provimento à presente reclamação e, em consequência, ser revogada a decisão reclamada e substituída por outra que fixe o regime de subida imediata ao recurso interposto pelo ora Reclamante e admitido a fls.139.
Requer, para instruir a reclamação nos termos do artigo 596º, nº2, a passagem de certidão do despacho saneador de fls. 124 a 126, do seu requerimento de interposição de recurso de fls. 132 e do despacho de fls.139 que o admitiu e lhe fixou subida diferida.
Passemos pois a apreciar a reclamação.
Ora, a única questão levantada pela reclamante é saber se o recurso em causa deve subir imediatamente.
O artº 601º do CPC dispõe:
1. Sobem imediatamente ao Tribunal de Segunda Instância os recursos interpostos:
a) Da decisão que ponha termo ao processo;
b) Do despacho que aprecie a competência do tribunal;
c) Dos despachos proferidos depois da decisão final.
2. Sobem também imediatamente os recursos cuja retenção os tornasse absolutamente inúteis.
Atendendo ao que foi alegado pela reclamante, a boa decisão da presente reclamação deve ser encontrada com a correcta interpretação do número dois do artigo acima citado, pois in casu obviamente não estamos perante qualquer das situações previstas nas alíneas do número um.
A redacção dessa norma do número dois é bem demonstrativa de que a inutilidade absoluta diz respeito ao recurso em si e não aos actos processuais praticados posteriormente ao despacho objecto do recurso.
Ou seja, a inutilidade absoluta do recurso só se verifica, quando seja qual for a decisão que o tribunal de recurso lhe der, ele, o recurso, já é absolutamente inútil no seu reflexo sobre processo.
In casu, na sequência da reclamação dos créditos, deduzida pelo A, ora reclamante, no âmbito dos autos da acção executiva nº CV2-18-0071-CEO, foi proferido pelo Tribunal a quo o despacho saneador.
Inconformado com o saneador, o ora reclamante interpôs recurso dele para o Tribunal de Segunda Instância, pois entende que nos termos do artº 761º, nº 3 do CPC têm-se como reconhecidos os créditos e as respectivas garantias reais que não foram impugnados, só se fazendo prova se o crédito tiver sido impugnado, o que não foi o caso.
Ora, diz o artº 761º do CPC que:
1. Se nenhum dos créditos for impugnado ou a verificação dos impugnados não depender de prova a produzir, profere-se logo sentença que conheça da sua existência e os gradue com o crédito do exequente.
2. Se a verificação de algum dos créditos impugnados depender de prova a produzir, observa-se o seguinte:
a) Seguem-se os termos do processo ordinário ou sumário de declaração posteriores aos articulados, conforme a verificação diga ou não respeito a algum crédito de montante superior ao limite do processo sumário;
b) Seguindo-se os termos do processo ordinário, o despacho saneador declara reconhecidos os créditos que o puderem ser, embora a graduação de todos se faça na sentença final.
3. Têm-se como reconhecidos os créditos e as respectivas garantias reais que não forem impugnados, sem prejuízo do disposto no artigo 406.º ou do conhecimento das questões que deviam ter implicado indeferimento liminar da reclamação.
4. Quando algum dos créditos graduados não seja exigível, a sentença de graduação determina que, na conta final para pagamento, se efectue o desconto correspondente ao benefício da antecipação.
5. O juiz pode suspender os termos do apenso de verificação e graduação dos créditos posteriores aos articulados, até à realização da venda, quando considere provável que o produto desta não ultrapassará o valor das custas da própria execução.
Como se sabe, o saneador visa, inter alia, à selecção da matéria de facto relevante, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito, indicando os factos que considera assentes e os factos que, por serem controvertidos, integram a base instrutória.
Interpretado a contrário senso o nº 2 desse artigo, podemos inferir que, na óptica do Tribunal a quo, o crédito foi impugnado e a sua verificação dependerá de prova a produzir.
Assim, se vier a ser julgado a final procedente o recurso de cuja retenção ora se reclama, será determinada a revogação do despacho saneador recorrido e anulado todo o processado posterior ao saneador e os actos entretanto praticados que pode afectar, incluindo a julgamento de facto que incide sobre a parte do thema probandum e a decisão sobre a reclamação de créditos, e o consequente cumprimento do disposto no artº 761º/1 do CPC.
Eis o reflexo sobre o processo que poderá advir da eventual procedência do recurso.
Admitimos embora que a procedência do recurso ora retido poderá vir a ter lugar numa altura em que o ora reclamante já terá sido investido na qualidade do credor por decisão de direito tomada após a tramitação imposta pelo artº 761º/2 do CPC.
O que tornará efectivamente o recurso ora retido superveniente inútil e fará cessar o interesse de agir por parte do ora reclamante.
Todavia, mesmo nesta hipótese, o direito reclamado pelo ora reclamante nunca não ficará irreversivelmente prejudicado pela decisão objecto do recurso de cuja retenção ora se reclama, pois o crédito que ele pretende ver reconhecido e graduado por via de recurso nos termos do artº 761º/1 do CPC já lhe terá sido reconhecido e graduado pela decisão tomada com a observância da tramitação prescrita no artº 761º/2 do CPC.
Talvez possa ter ficado prejudicado o ora reclamante por ter suportado maiores incómodos e despesas resultantes da tramitação prescrita no artº 761º/2 do CPC, não se pode olvidar que a economia processual não é a única preocupação por banda do nosso legislador ao conceber o regime do momento de subida dos recursos interlocutórios, pois, o mesmo foi adoptado após a cautelosa ponderação dos vários factores, nomeadamente a conveniência de decidir as questões logo que vão surgindo, e o inconveniente de demorar o processo, ou complicá-lo pela presença simultânea de tramitações diversas – cf. Amâncio Ferreira, Manual de Recursos em Processo Civil, 6ª ed., pág. 179.
Cremos que foi justamente por razões que se prendem com esses factores que o nosso legislador não quis mandar subir imediatamente os recursos cuja retenção apenas os pudesse tornar supervenientemente inúteis.
Pelo que vimos supra, sem necessidade de mais considerações, indefiro a reclamação confirmando o despacho reclamado.
Custas pelo reclamante.
Fixo a taxa de justiça em 1/8.
Cumpra o disposto no artº 597º/4 do CPC.
R.A.E.M., 28JUL2021
O presidente do TSI
Lai Kin Hong
Recl.5/2021-1