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Processo nº 702/2020
Data do Acórdão: 22JUL2021


Assuntos:

Mediação imobiliária
Nulidade de contrato
Actuações de mediação imobiliária
Comissão
Gratificação extraordinária
Expressões de cariz conclusivo


SUMÁRIO

1. No âmbito das actividades comerciais de mediação imobiliária desenvolvidas nos termos regulados pela Lei nº 16/2012, independentemente da designação que lhe as partes atribuíram, deve ser tido como comissão o valor pago pelo cliente (utente de serviços de mediação) ao mediador, a título da contrapartida de actuações por banda do mediador e no interesse do cliente, consistentes em acções de visita, divulgação, publicitação ou concertação, com vista à celebração do negócio visado pelo contrato de mediação.

2. Se a questão jurídica essencial controvertida é a de saber se um determinado valor é uma comissão ou uma gratificação de natureza jurídica diversa da comissão, as expressões de comissão e gratificação, inseridas na matéria de facto assente, em caso algum poderão ser atendidas com o seu sentido jurídico, antes terão de ser consideradas não escritas por força do disposto no artº 549º/4 do CPC, pois se traduzem num enunciado de cariz conclusivo que interfere com a qualificação jurídica daquele valor.


O relator



Lai Kin Hong


Processo nº 702/2020


Acordam em conferência na Secção Cível e Administrativa no Tribunal de Segunda Instância da RAEM:

I

No âmbito dos autos de acção ordinária nº CV3-17-0101-CAO, intentada por A contra a B (Macau) Propriedade Limitada, que correm os seus termos no 3º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Base e em que foi feita intervir, a título acessória, C, foi a final proferida a seguinte sentença, julgando improcedente a acção:
I) RELATÓRIO
  A (A), titular do BIR n.º…, residente em Macau, na…, vem intentar a presente
  
  Acção Ordinária contra
  
  B (Macau) Propriedade Lmitada (B(澳門)地產有限公司), com sede em Macau, na…, matriculada na Conservatória dos Registos Comercial e de Bens Móveis sob o n.º…
  
  Interveniente C (C), titular do BIR n.º…, residente em Macau, na ….
  
  com os fundamentos apresentados constantes da p.i., de fls. 2 a 8.
  Concluiu pedindo que seja julgada procedente por provada, e em consequência, ser a Ré condenada a devolver à Autora a importância de HKD$700.000,00, acrescida dos respectivos juros vincendos à taxa legal, a partir da citação, até ao integral cumprimento, além das custas legais e procuradoria condigna.
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  A Ré apresentou contestação com os fundamentos constantes de fls. 54 a 62 dos autos, impugnando os factos articulados pela Autora, dizendo que quem tem direito de promover a fracção “D-20” é a Interveniente e não a Ré, o montante de HKD$700.000,00 foi pago pela Autora à Interveniente e não a ela, a título de comissão, tendo esta pago HKD$100.000,00 por lhe ter recomendado a Autora, requerendo, por isso, a intervenção principal da C, em associação da Ré, para que caso a acção da Autora seja procedida, viria esta responsabilizar-se pela devolução solidária do montante em causa.
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  Por despacho de fls. 87, foi apenas admitida a intervenção acessória da C para efeito de eventual direito de regresso nos termos do art°272°, n°1 do C.P.C..
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  Citada a Interveniente, esta apresentou contestação de fls. 95 a 98, impugnando tantos factos articulados pela Autora como da Ré, dizendo que o montante de HKD$700.000,00 não é comissão, mas gratificação a ela paga pela Autora para que ela lhe deixou adquirir a fracção “D-20” justamente por ele ter direito de promoção da referida fracção, junto da Nova Taipa-Urbanizações, Limitada.
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  Saneados os autos, foram seleccionados factos considerados assentes e os factos que se integram na base instrutória.
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  Foi realizado a audiência de discussão e de julgamento com intervenção do Tribunal Colectivo.
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  O Tribunal é competente em razão da matéria, hierarquia e internacionalmente e o processo é próprio.
  As partes gozam de personalidade e capacidade jurídicas e são legítimas.
  Não existem excepções, nulidades ou outras questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
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II) FACTOS
  Dos autos resultam assente a seguinte factualidade com interesse para a decisão da causa:
  Da Matéria de Facto Assente:
- No início de Dezembro de 2016, a Autora solicitou à Ré os seus serviços de mediação imobiliária, a fim de adquirir à D – Urbanizações Limitada (D發展有限公司) as fracções autónomas designadas por “A18” e “D20”, ambas do prédio em construção, sito em Macau, na Avenida de Kwong Tung, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº.... (alínea A) dos factos assentes)
- Através dos serviços prestados pela Ré, em 3 de Dezembro de 2016 a Autora e a D – Urbanizações Limitada (D發展有限公司) celebraram dois contratos-promessa, através dos quais a última prometeu vender à Autora e esta prometeu comprar as referidas fracções autónomas “A18” e “D20”. (alínea B) dos factos assentes)
- A Ré veio a devolver a quantia que tinha recebido relativamente ao negócio sobre a fracção autónoma “A18”, no valor de HKD$400.000,00. (alínea C) dos factos assentes)
- Em Abril de 2017, a Autora interpelou a Ré, mediante notificação judicial avulsa, para devolver a comissão recebida, relativamente ao negócio sobre a fracção autónoma “D20”, no valor de HKD$700.000,00 (fls. 9 a 11, cujo teor aqui se dá por integramente reproduzidos para todos os efeitos legais). (alínea D) dos factos assentes)
- Em resposta a essa notificação, a Ré informou que o seu serviço de mediação relativo ao negócio sobre a fracção autónoma “D20” foi prestado com a assistência da Sra. C, através do seu estabelecimento comercial de mediadora imobiliária “E地產” (fls. 24 a 28, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais). (alínea E) dos factos assentes)
- Razão pela qual parte da referida comissão, no valor de HKD$600.000,00, foi entregue à Sra. C, o que impossibilitava a Ré a devolver. (alínea F) dos factos assentes)
- Mais informou a Ré que se achava no direito de ficar com os restantes HKD$100.000,00, a título de comissão pela recomendação da Autora como cliente, embora estivesse disponível para devolver essa quantia caso esta não concordasse com esse entendimento. (alínea G) dos factos assentes)
   
  調查基礎內容:
- A Ré foi solicitada pela D – Urbanizações, Limitada (D發展有限公司) para prestar serviços de mediação, a fim de promover a venda de algumas das as fracções do referido prédio. (resposta ao quesito 3º da base instrutória)
- O contrato de mediação entre a Ré e a Autora foi celebrado verbalmente. (resposta ao quesito 8º da base instrutória)
- 氹仔X X第七座二十樓D座(D20)樓盤的推售權益由一間地產中介【E地產】(E Property Agency)所擁有,其企業主為C(C)。(resposta ao quesito 10º-A da base instrutória)
- Em 5 de Dezembro de 2016, a Autora transferiu HKD$700.000,00 para a funcionária da Ré, F. (resposta ao quesito 13º da base instrutória)
- 其後再透過F開立的一張X X銀行支票(編號為…),向C支付上述佣金中的HKD$600,000.00。(resposta ao quesito 14º da base instrutória)
- 氹仔X X在開售樓盤前已被澳門的樓宇市場熱烈關注,在首輪開售時更加出現搶購潮。(resposta ao quesito 16º da base instrutória)
- 當時不少買家為了搶購心儀樓盤,不惜向地產經紀發放額外高額奬金(除樓價及經紀佣金外的金錢奬勵),希望透過具代理權的地產中介人能夠協助購買心儀單位。(resposta ao quesito 17º da base instrutória)
- Em virtude do facto referido na resposta dada ao quesito 10°-A, em 3 de Dezembro de 2016, a funcionária da Ré, F, sob instrução da Autora, alegou à assistentes C que havia um cliente que tinha vontade de pagar uma gratificação extraordinária, no valor de HKD$700.000,00, para que adquira a fracção “D20”que pretendia. (resposta ao quesito 18º da base instrutória)
- 輔助人答應將D20樓盤單位交由F的客戶。(resposta ao quesito 19º da base instrutória)
- A assistente atribuiu à F HKD$100.000,00 da gratificação recebida de HKD700.000,00, para manifestar o agradecimento. (resposta ao quesito 20º da base instrutória)
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III) FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
  Cumpre analisar os factos e aplicar o direito.
  Nos presentes autos, alegou a Autora que solicitou à Ré os seus serviços de mediação imobiliária, a fim de adquirir junto da D- Urbanizações, Limitada, as fracções autónomas, designadas por “A18”e “D20”, ambas integradas no prédio em construção sito na Avenida de Kwong Tung, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n°....
  Através dos serviços prestados pela Ré, a Autora celebrou dois contratos-promessa com a D- Urbanizações, Limitada, relativamente às duas fracções referidas, tendo a Autora pago à Ré as comissões no valor de HKD$400.000,00 e HKD$700.000,00.
  Posteriormente veio a Autor a descobrir que a Ré tinha celebrado com a D- Urbanizações, Limitada acordo para aquela prestar serviços de mediação relativamente às duas fracções em causa, tendo no referido acordo estipulado cláusulas em que proíbe à Ré a cobrar comissões aos compradores por ela angariados. A Ré não comunicou à D- Urbanizações, Limitada a relação de mediação imobiliária celebrada com a Autora nem o recebimento das comissões pagas pela Autora, mais o contrato de mediação imobiliário celebrado entre a Autora e a Ré não foi reduzido a escrito. Com esses factos, entende que o contrato de mediação imobiliária enferme do vício de nulidade, pretendendo que a Ré seja condenada a restituição da comissão paga à Ré no valor de HKD$700.000,00 relativamente à fracção “D20”.
  Na contestação veio a Ré dizer que o direito de promoção da fracção “D20” foi atribuída pela D- Urbanizações, Limitada ao E Property Agency, proprietária da C, a Ré sob mandato da Autor, encetou contacto com a C, tendo esta exigido o pagamento do montante de HKD700.000,00 para conclusão do negócio entre a Autora e a D- Urbanizações, Limitada, a Autora celebrou o contrato-promessa com a D- Urbanizações, Limitada, através da mediação da C e não a Autora, entretanto, como a Ré recomendou cliente para a C, esta pagou-lhe o montante de HKD100.000,00, a título de comissões de colaboração, impugnando que ela não estabeleceu relação de mediação imobiliária com a Autora relativamente a esta fracção.
  A Interveniente C invocou, por seu turno, que o seu estabelecimento comercial “E Property Agency” celebrou com a D- Urbanizações, Limitada acordo de mediação quanto à fracção “D-20”. Como o complexo “X da Taipa” é muito procurado, os potenciais compradores pagaram gratificação extraordinária no valor elevado para os mediadores imobiliários ajudaram a adquirir as fracções desse prédio. Foi nessa circunstância, através da funcionária da Ré, a Autora pagou-lhe gratificações no montante de HKD700.000,00, com a finalidade de esta indicar a Autora como adquirente da fracção “D-20”, celebrando o contrato-promessa com a D- Urbanizações, Limitada. A Interveniente pagou a Ré, o valor de HKD$100.000,00, também a título de gratificações, simplesmente por esta lhe recomendou a cliente, negando ter estabelecido nem relação de mediação com a Autora nem relação de colaboração de mediação com a Ré.
  
  Relação jurídica celebrada pelas partes
  Sustenta a Autora ter celebrado contrato de mediação imobiliária com a Ré, o qual enferme do vício que reconduzirá a sua nulidade, pugnando que a Ré deverá restituir o montante de HKD700.000,00, que lhe tinha sido entregue, a título de comissões, por Autora, como consequência da nulidade do contrato. A Ré negou ter estabelecido contrato de mediação com a Autora, dizendo que a relação foi estabelecida entre esta e a Interveniente, porém, esta também negou a ter celebrado contrato de mediação com a Autora.
  A questão fulcral a resolver no presente litígio consiste em saber com quem a Autora estabelece relação jurídica e qual é natureza dessa relação jurídica
  Segundo a definição prevista no n°1 do art°1° da Lei n°16/2012, entende-se por actividade de mediação imobiliária a actividade comercial destinada a promover, por conta e no interesse do cliente e mediante contrato de mediação imobiliária, a celebração, por terceiros, dos seguintes negócios jurídicos: 1) aquisição ou alienação dos direitos reais sobre bens imóveis; 2) arrendamento de bens imóveis; 3) aquisição ou alienação de estabelecimentos comerciais ou industriais; 4) cessão da posição contratual nos contratos cujo objecto seja um bem imóvel, independentemente da forma assumida.
  Prevê-se, por outro lado, o n° 2 do art°19 da mesma Lei, que contrato de mediação imobiliário é o contrato de prestação remunerada de serviço no âmbito de mediação imobiliária, celebrado entre o mediador imobiliário e o cliente, nele se estipulando, designadamente, os direitos e deveres de ambas as partes.
  Vejamos se a matéria fáctica apurada integra-se nos pressupostos previstos no conceito jurídico do contrato de mediação imobiliária.
  
  Da relação entre a Autora e a Ré
  Conforme os factos tidos por assentes, no início de Dezembro de 2016, a Autora solicitou à Ré os serviços de mediação imobiliária, a fim de adquirir à D—Urbanização Limitada as fracções autónomas designadas por “A18”e “D20”, ambas do prédio em construção, na Avenida de Kwong Tung, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n°.... Através dos serviços prestados pela Ré, em 3 de Dezembro de 2016, a Autora e a Nova Taipa, celebraram dois contratos-promessa, através dos quais a última prometeu vender à Autora e esta prometeu comprar as fracções autónomas “A18” e “D20”. Mais comprova que o contrato de mediação entre a Ré e a Autora foi celebrado verbalmente.
  Resulta dessa factualidade existe um acordo entre a Autora e a Ré, através do qual esta prestou serviços à Autora que culminou com a celebração do contratos-promessa entre a D e aquela para a aquisição das duas fracções autónomas “A18” e “D20” pela última. Como os serviços prestados pela Ré à Autora integram-se no âmbito da actividade de mediação imobiliária, então, entre a Autora e a Ré foi estabelecido contrato de mediação imobiliária.
  
  Da relação entre a Autora, a Ré e a Interveniente
Temos o seguinte quadro fáctico em relação à Interveniente:
  “O X da Taipa despertou muita atenção no mercado imobiliário de Macau antes da sua venda. No lançamento de venda deste prédio, havia a compra frenética.
  Naquele momento, a fim de adquirir uma fracção pretendida, vários compradores não se importavam em atribuir a agentes imobiliários uma gratificação extraordinária de valor elevado (recompensa pecuniária para além do preço da fracção e da comissão de agente imobiliário), esperando que os mediadores imobiliários que têm poder de representação lhes possuam ajudar na compra das fracções pretendidas.
  O estabelecimento comercial “E Proptery Agency” possui o direito de promover a venda da fracção “D-20” e a empresária deste estabelecimento é a C. Em virtude disso, a funcionária da Ré F, sob instrução da Autora, alegou à assistente C que havia um cliente que tinha vontade de pagar uma gratificação extraordinária, no valor de HKD$700.000,00 para que adquira a fracção “D-20”. A assistente prometeu entregar a fracção em causa para o cliente da F.
  Em 5 de Dezembro de 2016, a Autora transferiu HKD$700.000,00 para a funcionária da Ré, F. Posteriormente, esta pagou à C, através do cheque do Banco da X (n°…), HKD$600.000,00 da referida comissão.
  A Assistente atribui à F HKD$100.000,00 da gratificação recebida de HKD700.000,00 para manifestar o agradecimento.”
  Deduz-se dessa matéria fáctica que por causa de haver muitas procuras na altura, os potenciais compradores pagam um recompensa extraordinária aos mediadores imobiliários a que é atribuído o direito de promoção da venda das fracções autónomas desse prédio pela D, Limitada com o objectivo de poder adquirir essas fracções. Eles não precisam de promover a venda das suas fracções, bem ao contrário, os potenciais compradores entraram, por sua iniciativa própria, em contacto com eles com vista a obter o consentimento destes para que lhe escolheram como comprador da especificada fracção cujo direito de promoção da venda foi. Portanto, a Interveniente não prestou serviço de promoção à Autora, ao invés, foi esta quem lhe aproximou e solicitou, mediante a Ré, a entrega da fracção com a promessa de pagamento duma gratificação extraordinária de HKD$700.000,00. A Interveniente interveio no negócio da aquisição da fracção “D-20” entre a Autora e a Nova Taipa simplesmente por ela ter o direito de promover a venda da referida fracção e não pelos serviços de promoção prestados. Estamos com reserva da adequação ou da compatibilidade desse comportamento com os deveres impostos ao mediador imobiliário, todavia, sem sombra de dúvidas é que, a nível factual, quem prestou serviço à Autora na promoção desse negócio é a Ré, através da contacto desta é que levou à Interveniente a consentir em mediar o negócio da fracção “D-20” com a D, à Autora.
  Dest’arte, não julgamos que entre a Autora e a Interveniente foi estabelecido contrato de mediação imobiliária.
  *
  Nulidade do contrto de mediação imobiliária
  Esclarecida está a relação entre a Autora, a Ré, a Assistente, debruçamos a questão principal levantada pela Autora, a restituição do montante de HKD$700.000,00.
  Invoca a Autora que tinha entregado esse montante a Ré, a título de comissão, para a aquisição da fracção autónoma “D-20”, sendo o contrato de mediação imobiliária nulo por vício de forma ou por a Ré ter infligido a cláusula contratual do contrato celebrada com a D ou a regra imposta ao mediador imobiliária pela Lei n° 16/2012, devendo esta restituir a comissão paga.
  Primeiro, como não se entende que entre a Ré e a D existe contrato de mediação imobiliária relativa à fracção “D-20”, cai por terra as últimas duas fundamentações.
  Quanto ao vício de forma, dispõe-se o n°1 do art° 19° da Lei n° 16/2012, o contrato de mediação imobiliária está sujeito à forma escrita.
  De acordo com o disposto do art°211° do C.C., “A validade da declaração negocial não depende da observância de forma especial, salvo quando a lei a exigir.” Prevê-se o art°212° que a declaração negocial que careça da forma legalmente prescrita é nula, quando outra não seja a sanção especialmente prevista na lei.
  Conforme os factos provados, contrato de mediação entre a Ré e a Autora foi celebrado verbalmente, não tendo observado a forma exigida pela lei.
   Assim, o contrato de mediação entre a Autora e a Ré é nulo, visto que não está previsto outra consequência legal na referida Lei da actividade de mediação imobiliária.
  
  Consequência
  De acordo com o disposto do art°282° do C.C., a declaração de nulidade têm efeito retroactivo, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente.
  Com a nulidade do contrato de mediação imobiliária celebrado entre a Autora e a Ré, terá como sua consequência a restituição do montante de HKD$700.000,00?
  Cremos que não, por seguintes razões:
  Não obstantes da celebração do contrato de mediação, dos factos apurados não se resulta que as partes estipularam o valor de HKD$700.000,00 como remuneração da prestação de serviço de promoção da venda pela Ré à Autora relativamente à fracção “D-20”.
  O montante de HKD$700.000,00 foi uma gratificação extraordinária que a Autora pagou à Interveniente porque esta tinha o direito de promoção da venda da fracção “D-20”. Repara-se, agora, na decisão de matéria de facto, por descuidado do Tribunal, não tinha eliminado a expressão da “comissão” na resposta dada ao quesito 14°, no que diz respeito à entrega da quantia HKD$600.000,00 pela F à Interveniente, não obstante desse lapso, deduz-se doutras matérias fácticas provadas, nomeadamente com as respostas dos quesitos 13°, 18° e 20° que a quantia de HKD$700.000,00 prometida pagar à Interveniente pela Autora é gratificação extraordinária, em conjugação dos motivos fundamentados da convicção sobre a matéria de facto, se percebe por lógica que o que foi entregue pela Cheang à Interveniente não é comissão, mas gratificação extraordinária.
  Portanto, mesmo que o contrato de mediação entre a Autora e a Ré fosse nulo, como o montante em causa não é prestação paga pela Autora à Ré em troca do serviço de mediação prestado pela Ré, a nulidade nunca conduzirá a restituição desse montante paga voluntariamente pela Autora ao terceiro, ou seja, à Interveniente.
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  Enriquecimento sem causa
  Por último, pretende a Autora, nas alegações de direito, sustentar o seu pedido com a causa de pedir de enriquecimento sem causa.
  A Autora nunca alegou factos subsumíveis a esse conceito jurídico nos articulados.
  Bem ao contrário, o que foi alegado pela Autora é que tinha como causa a entrega desse quantia à Ré a título de comissão proveniente do contrato de mediação imobiliário que se considerou nulo, não é, por não conseguir provar os factos alegados, é que uma deslocação patrimonial com causa converte, automaticamente, à deslocação sem causa justificada.
  Portanto, falece igualmente essa fundamentação.
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  Em sumo, improcede todo o pedido formulado pela Autora.
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IV) DECISÃO
  Em face de todo o que fica exposto e justificado, o Tribunal julga improcedente a acção e em consequência, decide:
  - Absolver a Ré B (Macau) Propriedade Limitada de todos os pedidos formulados pela Autora A.
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  Custas pela Autora.
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  Registe e Notifique.
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   Como há indícios de que as Ré e Interveniente infligiram regras impostas pelas Lei da actividade de mediação imobiliária, comunique ao Instituto de Habitação de Macau para os efeitos tidos por convenientes.
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  據上論結,本法庭裁定原告的訴訟理由均不成立,裁決如下:
  - 裁定原告A針對被告B(澳門)地產有限公司提出的請求均不成立,並開釋被告。
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  訴訟費用由原告承擔。
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  依法作出通知及登錄本判決。
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  案中事實顯示被告及參加人違反地產中介人業務法的規定,為著適當的效力,通知澳門房屋局。

Notificada e não conformada com o decidido, veio a Autora recorrer da mesma concluindo e pedindo:
1. O presente recurso tem por objecto a sentença proferida pelo Tribunal Judicial de Base, que julgou improcedente o pedido da autora, ora recorrente, e com a qual esta não se conforma, por entender que enferma de contradição entre a fundamentação e a decisão, e erro na apreciação dos factos e do direito.
2. Através da pressente acção, a recorrente veio peticionar a condenação da ré, aqui recorrida a restituir a comissão paga pelos serviços de mediação imobiliária relativos à fracção autónoma designada por “D20”, do prédio em construção, sito em Macau, na Avenida de Kwong Tung, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n° ..., na quantia de HKD$700.000,00.
3. Na sua contestação, a recorrida alegou, em suma, que a mediação da fracção autónoma acima referida estava atribuída a E Property Agency, pertencente à C, pelo que celebrou com esta um acordo de cooperação, para mediar a dita propriedade.
4. Nesse acordo de cooperação ficou previsto que a recorrida receberia a quantia de HK$100.000,00, enquanto a C recebia o montante de HK$700.000,00, cobrado a título de comissão à recorrente, cuja quantia foi inicialmente adiantada pela funcionária da recorrida, F e posteriormente reembolsada pela recorrente.
5. Por esse motivo, a recorrida requereu a intervenção principal provocada da C, a qual veio a ser admitida, mas enquanto intervenção principal acessória.
6. Esta, por sua vez, alegou que recebeu aquela quantia a título de gratificação, por vontade própria da recorrente, para assegurar a realização do negócio de compra e venda.
7. Em causa nos presentes autos, está a actividade desenvolvida quer pela recorrida quer pela interveniente, no ãmbito da compra e venda da fracção autónoma designada por “D20”, do prédio em construção, sito em Macau, na Avenida de Kwong Tung, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n° ..., entre a recorrente e a D - URBANIZAÇÕES, LIMITADA (D發展有限公司).
8. Focando-se numa análise individualizada da natureza da relação jurídica entre a recorrente e cada uma das recorrida e interveniente, o tribunal a quo concluiu ter existido um contrato de mediação imobiliária com a primeira, mas não com a segunda.
9. Salvo o devido respeito, essa apreciação não pode ser feita de forma individual e casuística, mas sim de uma forma integrada e complexa, atendendo a toda a matéria provada nos autos e o contexto que daí decorre, que reflecte a realidade da prática corrente deste sector de actividade em Macau.
10. Desde logo, importa sublinhar que a recorrida e a interveniente são entidades que se dedicam à actividade comercial de mediação imobiliária, a qual consiste na promoção, por conta e no interesse do cliente e mediante contrato de mediação imobiliária, na celebração, por terceiros, de negócios jurídicos relativos a imóveis – art. 2°. Nº 1, 1), da Lei n.º 16/2012.
11. Uma vez que a mediação da fracção autónoma “D20” fora atribuída à interveniente, a recorrida contactou esta, a informar que tinha uma cliente interessada na sua aquisição.
12. Na sequência desse contacto, a recorrida e interveniente celebraram um designado Acordo de Cooperação (vide fls.64 dos autos), mediante o qual acordaram partilhar o negócio da angariação e dividir entre si a comissão a pagar pela ora recorrente.
13. Esta é, aliás, uma bem conhecida prática corrente neste sector de actividade comercial, quando uma mediadora detém a angariação de um imóvel e outra o comprador, como forma de partilharem entre si a comissão a receber.
14. Tudo isto serve para realçar que a recorrida interveio em todo o processo de mediação, em parceria com a interveniente, até à celebração do negócio de compra e venda entre a recorrente e a Nova Taipa.
15. Assim, salvo melhor opinião, estamos perante um contrato de mediação imobiliária celebrado entre a recorrente e a recorrida, a qual veio a subcontratar ou partilhar com a interveniente (titular da angariação do imóvel, por força do contrato de mediação com a Nova Taipa), no âmbito daquilo que designaram por Acordo de Cooperação.
16. Em suma, quer a recorrida quer a interveniente prestaram em conjunto, serviços de mediação imobiliária à recorrente, no âmbito de um único contrato de mediação, com vista à aquisição da referida fracção autónoma.
17. Portanto, ao considerar que ter existido um contrato de mediação celebrado entre a recorrente e a recorrida, o tribunal não pode deixar de considerar a interveniente como parte desse mesmo contrato.
18. No que concerne à qualificação da quantia paga pela recorrente, no montante de HKD$700.000,00, de gratificação, o tribunal fundou a sua decisão nas testemunhas arroladas pela interveniente, as quais, além de funcionários desta, são seus familiares (filhos), o que implica que tenham um interesse directo na causa e como tal, os seus depoimentos não poderiam ser acolhidos sem reserva por parte do tribunal, por não serem isentos.
19. Por outro lado, esses mesmos depoimentos são contrariados por todos os factos constantes nos autos, visto que, conforme já foi acima demonstrado, esse pagamento foi efectuado pela recorrente à funcionária da recorrida, pelo contrato de mediação estabelecido entre ambas, e partilhado com a interveniente, no âmbito do dito acordo de cooperação celebrado estre estas duas, através do qual, dividiriam o preço da comissão da mediação.
20. É natural que, num contexto de elevada procura e pouca oferta, a interveniente - enquanto única detentora da angariação da fracção autónoma “D20” - tenha estabelecido um valor mais elevado para a respetiva comissão.
21. No entanto, uma vez que é ilegal cobrar por essa comissão à recorrente (compradora), a interveniente passou, convenientemente, a designá-la de “gratificação”.
22. Ou seja, aproveitando-se da elevada procura daqueles imóveis, a interveniente não se coibiu de tentar aumentar a fatia do seu lucro, passando a designar os serviços prestados, como “gratificação”.
23. Todavia, as evidencias demonstram que foi exigido à recorrente pagar a quantia de HKD$700.000,00, para que esta pudesse celebrar o negócio de compra e venda com a Nova Taipa, sem o qual a interveniente não permitiria adquirir a fracção em causa.
24. Verifica-se que, sem o pagamento da referida quantia - a qual não acrescia ao preço do imóvel -, a interveniente não prestaria o serviço de mediação da compra e venda e aproximado a recorrente e a companhia Nova Taipa, o que significa que existe uma relação sinalagmática, entre a prestação do serviço e a consequente remuneração.
25. O referido pagamento foi condição para que a interveniente tivesse prestado o serviço de mediação, como a recorrida apenas aceitou pagar a quantia porque a interveniente prestou o serviço de mediação, pelo que, esta quantia se refere a remuneração ou comissão.
26. Aliás, só após o pagamento efectuado pela recorrente, o contrato-promessa de compra e venda veio a ser efectivamente celebrado entre esta e a Companhia Nova Taipa.
27. Portanto, dúvidas não restam que tanto a recorrida como a Interveniente prestaram serviços de mediação imobiliária à recorrente, e que culminaram com a celebração do negócio mediado, o que se enquadra na Lei n.º 16/2012, aplicando-se subsidiariamente os artigos 708° e seguintes do Código Comercial.
28. Efectivamente, ainda nos termos dos citados diplomas, o mediador tem direito ao percebimento de uma comissão, se o negócio vier a ser celebrado como resultado da sua intervenção - art. 709°, n° 1 do C. Com. e art. 18° da Lei n.º 16/2012.
29. Ou seja, pode-se considerar que o contrato de mediação imobiliária é o contrato mediante o qual o mediador se compromete, através de acções de promoção, de visita, divulgação, publicitação ou concertação dos bens imóveis do cliente, a promover a celebração, por terceiros, de negócios jurídicos relativos aos mesmos.
30. A comissão constitui, portanto, a remuneração do mediador, acordada com o cliente, pelo serviço de mediação prestado, ou, por outras palavras, a comissão é a contraprestação devida pela prestação dos serviços de mediação.
31. Acresce que, a quantia de HKD$600.000,00 recebida pela recorrida, ocorreu nos termos do dito acordo de cooperação celebrado com a interveniente, pelo que se trata de uma contraprestação contratual, e nunca poderia ser considerada como forma de demonstrar gratidão.
32. Pelo que, salvo melhor opinião, a quantia paga pela recorrente corresponde à remuneração da recorrida e da interveniente, e como tal constitui comissão, não pode ser considerada como gratificação, não obstante a designação dada pela interveniente, devendo as respostas aos quesitos 13°, 14°, 17°, 18°, 19° e 20° serem alteradas em conformidade, no sentido de aquela quantia ser considerada como comissão, e ser considerado como provado os quesitos 9° e 10°.
33. Conforme foi dado como provado, e bem, o contrato de mediação celebrado pela recorrente não foi sujeito a forma escrita, e nem a interveniente, nem a recorrida conseguiram provar que comunicaram, por escrito, à D, o valor da comissão a receber da recorrente, ou que obtiveram o seu consentimento expresso para a celebração do segundo contrato de mediação imobiliária,
34. Assim como não provaram que comunicaram, por escrito, à recorrente a existente relação de representação e o valor da comissão recebida ou a receber da D, o que constitui uma clara violação do disposto no art. 19°, n° 1 e 4, da Lei n.º 16/2012.
35. A prova desses factos cabia à recorrida e à interveniente, por se tratar de facto negativo e de serem extintivos, modificativos ou impeditivos do direito invocado pela recorrente - art. 335°, nº 2, do CC.
36. Tal incumprimento por parte da interveniente e da recorrida resulta na nulidade do contrato de mediação - art. 19°, nº 6 da Lei n.º 16/2012- e obriga à restituição da comissão entregue pela A. - art. 282°, n° 1, do CC.
37. Pelo que, com o devido respeito, deve a sentença recorrida ser alterada, no sentido de considerar existir contrato de mediação entre a recorrente e a recorrida e a interveniente, bem como o pagamento da quantia de HKD$700.000,00 ser considerada retribuição por essa mediação, e assim, face à nulidade do contrato, ser a mesma restituída à recorrente, nos termos peticionados.
38. Sem prescindir, ainda que fosse considerado que a quantia de HKD$700.000,00 não constitui comissão ou retribuição pelos serviços prestados pela interveniente e pela recorrida- o que apenas se equaciona por mera hipótese de raciocínio -, a mesma teria de ser restituída à recorrente, por inexistência da obrigação do seu pagamento - art. 470°, nº 1, do CC.
39. Efectivamente, a recorrente efectuou o referido pagamento convencida de que o mesmo era devido à interveniente e recorrida, depois destas o terem exigido como forma de assegurar a aquisição da fracção autónoma em causa, dado o número de pessoas interessadas na mesma.
40. Na realidade, a interveniente - e bem assim as mediadoras que desta forma actuam -, aproveitou-se da sua qualidade de mediadora e exorbitou as suas competências enquanto tal- de actuação em nome do vendedor - para obter dos interessados um enriquecimento injustificado à luz de qualquer critério legal e ético.
41. Com efeito, apenas com base na relação de mediação entre a Interveniente e a D, aquela não tem legitimidade para exigir da recorrente qualquer tipo de pagamento e muito menos de o tornar numa condição para a recorrente celebrar o negócio de aquisição.
42. Assim, este pagamento efectuado à interveniente, a não se tratar de comissão, não tem qualquer fundamento ou justificação legal para ser exigido, não obstante a interveniente ter convencido a recorrente do contrário, pelo que se encontram também reunidos os pressupostos para a repetição do indevido- art. 470°, n° 1, do CC.
  Termos em que,
  E com o douto suprimento de V. Ex.as, deverá o recurso interposto ser declarado procedente e, em consequência, revogada a sentença recorrida e em substituição condenar a recorrida a restituir à recorrente a importância de HK$700.000,00, e nos demais termos peticionados,
  Assim se fazendo a costumada
  JUSTIÇA!

Ao recurso responderam a Ré e a Interveniente acessória, pugnando ambas pela improcedência do recurso.

Foram colhidos os vistos, cumpre conhecer.
II

Antes de mais, é de salientar a doutrina do saudoso PROFESSOR JOSÉ ALBERTO DOS REIS de que “quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão” (in CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL ANOTADO, Volume V – Artigos 658.º a 720.º (Reimpressão), Coimbra Editora, 1984, pág. 143).

Conforme resulta do disposto nos artºs 563º/2, 567º e 589º/3 do CPC, são as conclusões do recurso que delimitam o seu objecto, salvas as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras e as que sejam de conhecimento oficioso.

Não há questões que nos cumpre apreciar ex oficio.

Então vejamos quais são as questões que a recorrente efectivamente nos colocou por via do presente recurso.

Na petição da acção, a Autora, ora recorrente, pediu a condenação da Ré na restituição do valor de HKD$700.000,00, que lhe tinha sido entregue alegadamente a título de comissão, com fundamento na nulidade do contrato de mediação imobiliária entre elas celebrado.

Com base na factualidade apurada na 1ª instância, o Tribunal a quo concluiu pela nulidade do contrato de mediação com fundamento na inobservância da forma legal, não tendo, todavia, ordenado a restituição desse valor de HKD$700.000,00, uma vez que aquele valor não podia ser tido como a comissão, paga pela Autora a favor da Ré, ao abrigo do contrato de mediação verbal, ora declarada nulo, mas sim uma gratificação extra e não se integrável no preço dos serviços de mediação prestados pela Ré.

De acordo com as conclusões formuladas na petição do recurso, a Autora veio insistir na qualificação do tal valor como uma comissão dos serviços de mediação prestados pela Ré com vista à celebração do contrato-promessa que tem por objecto a compra da fracção D20.

Não obstante a reacção contra determinados pontos da matéria de facto, não haverá lugar à reapreciação da decisão de facto, ou por ser uma questão falsa, ou por se não terem verificado os pressupostos processuais, conforme melhor abordaremos infra.

Assim, passemos por cima a impugnação da matéria de facto, vamo-nos debruçar sobre a única questão colocada, consistente em saber qual é a natureza jurídica daquele valor de HKD$700.000,00.

Tal como vimos supra na sentença recorrida integralmente transcrita, o Tribunal a quo concluiu pela existência fáctica de um contrato de mediação imobiliária celebrado entre a Autora e a Ré, com vista à celebração do contrato promessa que tem por objecto a celebração de um negócio para a aquisição da fracção autónoma D20.

Contrato de mediação imobiliária esse que acabou por ser julgado nulo por inobservância da forma escrita, imposta pelo artº 19º/1 e 6 da Lei nº 16/2012.

Não tendo sido oportunamente impugnada por qualquer das partes, a sentença recorrida na parte que declarou nulo o contrato de mediação já transitou em julgado.

Entremos então logo na apreciação da questão de saber qual é a natureza jurídica daquele valor de HKD$700.000,00, pago à Ré, a cuja solução fica condicionada a sorte do pedido de condenação da Ré a restituir a comissão, na sequência da ora confirmada nulidade do contrato de mediação.

Ora, diz-se mediação imobiliária a actividade comercial destinada a promover, por conta e no interesse do cliente e mediante contrato de mediação imobiliária, a celebração, por terceiros, de qualquer dos negócios jurídicos elencados no artº 2º/1-1) da Lei nº 16/2012, nomeadamente aquisição ou alienação dos direitos reais sobre bens imóveis.

In casu, ficou provada a seguinte matéria fáctica com relevância à boa decisão sobre a questão em causa:

- No início de Dezembro de 2016, a Autora solicitou à Ré os seus serviços de mediação imobiliária, a fim de adquirir à D – Urbanizações Limitada (D發展有限公司) as fracções autónomas designadas por “A18” e “D20”, ambas do prédio em construção, sito em Macau, na Avenida de Kwong Tung, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº.... (alínea A) dos factos assentes)
- Através dos serviços prestados pela Ré, em 3 de Dezembro de 2016 a Autora e a D – Urbanizações Limitada (D發展有限公司) celebraram dois contratos-promessa, através dos quais a última prometeu vender à Autora e esta prometeu comprar as referidas fracções autónomas “A18” e “D20”. (alínea B) dos factos assentes)
……
- O contrato de mediação entre a Ré e a Autora foi celebrado verbalmente. (resposta ao quesito 8º da base instrutória)
- 氹仔X X第七座二十樓D座(D20)樓盤的推售權益由一間地產中介【E地產】(E Property Agency)所擁有,其企業主為C(C)。(resposta ao quesito 10º-A da base instrutória)
- Em 5 de Dezembro de 2016, a Autora transferiu HKD$700.000,00 para a funcionária da Ré, F. (resposta ao quesito 13º da base instrutória)

Ou seja, ficou provado o pagamento de HKD$700.000,00 à Ré e graça aos serviços prestados pela Ré, a Autora e a D celebraram dois contratos-promessa, através dos quais a última prometeu vender à Autora e esta prometeu comprar as duas fracções autónomas, incluindo a D20.

Não obstante o comprovado reconhecimento do nexo da causalidade ocorrido entre os serviços de mediação prestados pela Ré à Autora e a celebração entre a Autora e a D do contrato promessa sobre a fracção D20, o Tribunal a quo não aceitou que o montante de HKD$700.000,00 era a prestação paga pela Autora à Ré em troca do serviço de mediação prestado pela Ré.

Mas sim, na óptica do Tribunal a quo, o montante traduz-se numa gratificação extraordinária que a Autora pagou à interveniente porque esta tinha o direito de promoção da venda da fracção D-20.

Ao que parece, essas afirmações algo conclusivas alicerçaram-se no facto provado de que 氹仔X X第七座二十樓D座(D20)樓盤的推售權益由一間地產中介【E地產】(E Property Agency)所擁有,其企業主為C.

O Tribunal a quo não explicou expressamente como e porque é que o simples facto de a interveniente de ter detido o direito de promover a venda da fracção D20 justifica o merecimento por parte da interveniente de uma gratificação extraordinária de valor tão elevado.

Talvez pela grande procura das fracções a vender pela D no mercado imobiliário no momento dos factos e/ou pelas boas condições especialmente dotadas por aquela fracção D20, o que aliás resulta indiciado das respostas aos quesitos 16º e 17º da base instrutória, cujo teor é氹仔X X在開售樓盤前已被澳門的樓宇市場熱烈關注,在首輪開售時更加出現搶購潮。當時不少買家為了搶購心儀樓盤,不惜向地產經紀發放額外高額奬金(除樓價及經紀佣金外的金錢奬勵),希望透過具代理權的地產中介人能夠協助購買心儀單位.

Salvo o devido respeito, mesmo assim, não se nos afigura ser de acompanhar a interpretação dessa matéria assente nos termos feitos pelo Tribunal a quo, ou seja, no sentido de que aquele montante tão elevado foi devido à Interveniente pura e simplesmente por ter ela sido incumbida pela D a promoção da venda da fracção D20.

Ora, independentemente da natureza que a Ré atribuiu àquele valor de HKD$700.000,00, isto é, ou ser de gratificação extraordinária ou de comissão propriamente dita, o certo é que, tendo em conta toda a factualidade assente e globalmente interpretada, o valor foi entregue sempre a título da contrapartida de um facere, ou de um serviço, ou de um conjunto de serviços, ou até de um favor, prestados por alguém.

Qualquer que seja o tal facere, é sempre oneroso, uma vez que foi prestado por alguém no exercício das actividades comerciais que, por natureza, têm de ser remuneradas ou lucrativas.

Para nós, estes serviços ou favor onerosos são indispensáveis ao êxito do negócio visado pelo contrato de mediação celebrado entre a Autora e a Ré.

Pois, segundo define o artº 2º/2)-(1) da acima citada Lei nº 16/2012, as actividades da mediação imobiliária podem ser complexas, incluindo designadamente acções de promoção dos bens imóveis do cliente através de visita, divulgação, publicitação ou concertação.

O enunciado concertação comporta um sentido muito abrangente, incluindo actuações encetadas para convencer quem tem maior capacidade de negociar e/ou maior poder de escolher com quem negocia para a celebração de um determinado negócio.

Na actividade de mediação imobiliária desenvolvida num mercado livre, o mediador que detém nas suas mãos um bem mais procurado para promover a sua venda tem naturalmente maior capacidade de angariar clientes e maior poder para escolher com quem negocia.

E o valor da comissão que os mediadores merecem varia num mesmo sentido que a sua capacidade de angariar clientes e o seu poder de escolher com quem negocia.

Porquanto, para convencer quem tem maior capacidade de negociar e maior poder de escolher com quem negocia, é naturalmente preciso que lhe ofereça uma contrapartida mais atraente, nomeadamente de valor mais elevado.

A lei não estabelece o critério para a fixação do valor da comissão nem fixou o limite máximo ou indexado a uma determinada percentagem do valor da coisa, objecto mediato de negócio.

Os clientes e os mediadores podem acordar livremente um quantum da comissão pelos serviços de mediação.

Assim, compreende-se e justificam-se pela lei da oferta e da procura, tanto a disposição dos clientes a pagar uma comissão de valor elevado, até exagerado, como o merecimento por banda do mediador de uma comissão de valor elevado, até exagerado, caso este detenha nas suas mãos o direito exclusivo de promover a venda de uma coisa que seja escassa e muito procurada no mercado.

Cremos que é exactamente o que sucede no caso em apreço.

Pois, na esteira desse raciocínio alicerçado naquela lei de mercado, o valor tão elevado que a Ré exigiu à Autora e esta estava disposta a pagar é no fundo a contrapartida em troca de serviços de mediação com vista à celebração da aquisição daquela preciosa fracção D20 e justifica-se pela raridade e pela escassez de fracções em condições idênticas às daquela fracção D20, existentes no mercado no momento dos factos ou dentre as fracções colocadas à venda pela D naquela onda de promoção.

E portanto a prestação daqueles serviços ou a obtenção daquele favor não podem deixar de ser consideradas actuações por banda da Ré, enquanto mediadora, e no interesse da Autora, consistentes em acções de concertação, incluídas na actividade por ela desenvolvida, no exercício da sua actividade comercial de mediação imobiliária, no sentido de abordar o titular da propriedade de uma fracção pretendida pela Autora, através da mediação e a colaboração da interveniente que detém o direito exclusivo de promover a venda daquela fracção D20, em condições correspondentes à fracção de tipo pretendido pela Autora, por incumbência da D, com vista à celebração do negócio entre a Autora e a D de compra e venda da fracção D20.

Por outro lado, tendo em conta os normativos do artº 19º da acima citada Lei nº 16/2012, é de notar que, ao impor, com a cominação da nulidade, a obrigatoriedade da forma escrita do contrato de mediação no seu nº 1, da menção no contrato dos elementos necessários no seu nº 3, nomeadamente o valor da comissão, e da forma escrita às comunicações necessárias no seu nº 4, uma das preocupações do nosso legislador é justamente a tutela do bem jurídico da transparência quanto à identidade de mediadores intervenientes e dos clientes que representam, ao valor da comissão a receber por mediadores eventualmente de outros clientes também por eles representados, se for caso disso.

Assim, se a mens legislatoris for impor a obrigatoriedade da menção no contrato escrito da comissão e do valor das despesas acordadas e da obrigatoriedade das comunicações necessárias prescritas no artº 19º/4 do mesmo diploma, de modo a manter os clientes (utentes de serviços de mediação) bem informados sobre os seus direitos e deveres, nomeadamente qual será o valor da comissão a pagar, e a habilitá-los a saber se o mediador que contratam também representa os outros sujeitos do negócio visado, não fará sentido tolerarmos a celebração, entre os clientes e o mediador, de um acordo, algo oculto por não sujeito à forma legal imposta ao contrato de mediação, no pagamento de quaisquer outros valores extraordinários, designados diversamente da denominação comissão.

De outro modo, seria substancialmente enfraquecida a força da Lei nº 16/2012, concebida para a regularizar as actividades de mediação imobiliária e assegurar a sua transparência.

E a aceitar a tese sufragada na sentença recorrida e ora defendida pelas recorridas, seria carimbar injustificadamente a tentativa e a atitude de contornar o preceituado no artº 19º da citada Lei nº 16/2012, por forma a retirar do âmbito da aplicação do diploma aquilo que o legislador pretendeu regular.

Assim, é de concluir que, no âmbito das actividades comerciais de mediação imobiliária desenvolvidas nos termos regulados pela Lei nº 16/2012, independentemente da designação que lhe as partes atribuíram, deve ser tido como comissão o valor pago pelos clientes (utentes de serviços de mediação) aos mediadores, a título da contrapartida de actuações por banda dos mediadores e no interesse dos clientes, consistentes em acções de visita, divulgação, publicitação ou concertação, com vista à celebração do negócio visado pelo contrato de mediação.

Finalmente, quanto à pretensão por parte da Autora, ora recorrente, mediante a impugnação da matéria de facto, de ver substituída a expressão gratificação pela expressão comissão nas respostas dadas a vários quesitos, cabe dizer que, por um lado é de rejeitar, por se não mostrado cumprido o ónus a que se alude o artº 599º/1 e 2 do CPC para a viabilização da reapreciação da decisão de facto, e que por outro, a questão suscitada é uma questão falsa, pois as expressões gratificação, inseridas na matéria de facto assente, que a Autora pretende ver eliminadas, em caso algum poderão ser atendidas com o seu sentido jurídico e mas sim deverão ser consideradas não escritas por força do disposto no artº 549º/4 do CPC, pois se traduzem num enunciado de cariz conclusivo que interfere com a qualificação jurídica daquele valor de HKD$700.000,00, uma vez que a questão jurídica essencial aqui tratada é precisamente a de saber se este valor é uma comissão ou uma gratificação diversa da comissão.


Concluindo e resumindo:

1. No âmbito das actividades comerciais de mediação imobiliária desenvolvidas nos termos regulados pela Lei nº 16/2012, independentemente da designação que lhe as partes atribuíram, deve ser tido como comissão o valor pago pelo cliente (utente de serviços de mediação) ao mediador, a título da contrapartida de actuações por banda do mediador e no interesse do cliente, consistentes em acções de visita, divulgação, publicitação ou concertação, com vista à celebração do negócio visado pelo contrato de mediação.

2. Se a questão jurídica essencial controvertida é a de saber se um determinado valor é uma comissão ou uma gratificação de natureza jurídica diversa da comissão, as expressões de comissão e gratificação, inseridas na matéria de facto assente, em caso algum poderão ser atendidas com o seu sentido jurídico, antes terão de ser consideradas não escritas por força do disposto no artº 549º/4 do CPC, pois se traduzem num enunciado de cariz conclusivo que interfere com a qualificação jurídica daquele valor.


Resta decidir.
III

Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam julgar procedente o recurso, revogando a sentença recorrida, e em substituição passando a condenar a Ré na restituição à Autora o valor de HKD$700.000,00, com juros legais contados a partir da citação até ao integral pagamento.

Custas da acção e do recurso pela Ré e pela Interveniente.

Registe e notifique.

RAEM, 22JUL2021

Lai Kin Hong

Fong Man Chong

Ho Wai Neng
Ac. 702/2020-1