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Processo nº 623/2021
(Autos de Recurso Penal)

Data: 11 de Agosto de 2021
Recorrente: A
*
ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:

I. RELATÓRIO
  
  A, com os demais sinais dos autos, ora preso no Estabelecimento Prisional de Coloane (E.P.C.),
  Inconformado com a decisão que lhe negou a concessão de liberdade condicional, vem interpor recurso da mesma sustentando na motivação apresentada que estavam preenchidos todos os requisitos para a concessão da liberdade condicional tendo a decisão recorrida incorrido em erro na apreciação dos pressupostos materiais para a concessão daquela nos termos do artº 56º do Código Penal, tudo conforme consta de fls. 235 a 242, tendo apresentado as seguintes conclusões:
  1.º
  É verdade que no presente processo o recorrente cometeu vários crimes, entre os quais duas ofensas à integridade física e dois consumos de drogas. Contudo, já foi punido por todos os 4 crimes juntos concorridos com uma única pena. Quer dizer, o recorrente devia cumprir 4 anos e 5 meses de pena de prisão.
  2.º
  Até agora o recorrente já completou mais de 4 anos de prisão e o cárcere já bastou para educá-lo e puni-lo.
  3.º
  As duas ofensas à integridade física perpetradas pelo recorrente no presente processo eram "crimes impulsivos" enquanto os dois crimes de consumo de drogas foram resultado da toxicomania por uma longa história de consumo de drogas quando era jovem – ambos foram casos típicos de crime por jovens perversos.
  4.º
  Passado 4 anos em prisão, o recorrente, enquanto recluso, já se liberou da toxicodependência de uma vez. Já se madurou e tornou-se sereno. Pode-se crer que não voltará a tomar drogas nem ferir fisicamente outras pessoas comportando-se precipitosamente.
  5.º
  Julgando pelos factos, durante o cumprimento da pena o recorrente fez verdadeiramente não poucas acções positivas, entre outros, frequentou o curso de regresso à educação da escola primária, participou em formações profissionais e vários tipos de actividade de lazer e em competições. Isso mostra que o recorrente está esperançoso e determinado pela vida no futuro e que a sua personalidade evoluiu enormemente.
  6.º
  Portanto o caso do recorrente adequa-se à finalidade de prevenção especial prevista pelo art.º 56.º, n.º 1, alínea a) do CP.
  Dos autos resultam indícios suficientes mostrando que o recorrente já se arrependeu completamente. Tem-se comportado bem na prisão. Verificou-se um enorme progresso na evolução da personalidade. Conta com o apoio da família depois da libertação; já tem projectos de trabalho.
  7.º
  Mais importante é o facto de que depois do indeferimento do primeiro pedido de liberdade condicional, o recorrente não se abandonou mas bem pelo contrário continuou a preparar-se com empenho esperando poder repagar a sociedade a cada momento.
  8.º
  Tal como indica o TSI no acórdão n.º 601/2020, "ao tomar decisão sobre a liberdade condicional, não se pode, poendo a tónica excessivamente na importância da prevenção geral, negligenciar a idêntica importância da prevenção especial, muito menos se pode causar a impressão extrema de que um crime grave exclui a possibilidade de liberdade condicional. Senão seria uma negação completa do espírito legislativo na liberdade condicional." (sublinhados nossos)
  9.º
  Em suma, pode-se esperar com razão que uma vez libertado da pena, o recorrente viverá de maneira socialmente responsável sem voltar a cometer crimes, e portanto sem exercer impactos significativos à defesa da ordem jurídica ou da paz social de Macau.
  10.º
  Ou seja, o caso do recorrente já se adequa à finalidade objectivo de prevenção geral prevista pelo art.º 56.º, n.º 1, alínea b) do CP.
  
  Respondendo veio o Ilustre Magistrado do Ministério Público pugnar pelo acerto e manutenção da decisão recorrida.
  
  Pelo Ilustre Magistrado do Ministério Público junto deste tribunal foi emitido o seguinte Douto Parecer:
  «Entendemos que não deve ser reconhecida razão ao recorrente A, por não estarem preenchidos, na íntegra, os pressupostos da aplicação da liberdade condicional.
  Por força do artº 56 n.º 1 do Código Penal de Macau, a concessão da liberdade condicional depende da co-existência do pressuposto formal e do pressuposto material.
  É considerado como pressuposto formal da concessão da liberdade condicional, que o condenado tenha já cumprido dois terços da pena de prisão e no mínimo seis meses. Já o pressuposto material abarca a ponderação global da situação do condenado à vista da necessidade da prevenção geral e prevenção especial, sendo a pena de prisão objecto de aplicação da liberdade condicional quando resultar um juízo de prognose favorável ao condenado em termos da aceitável reintegração do agente na sociedade e da defesa da ordem jurídica e da paz social.
  Consta a fls. 154 das anotações do Código Penal de Macau dos Drs. Manuel Leal-Henrique e Manuel Simas Santos o seguinte: “Nas sessões de trabalho entre os representantes da Assembleia Legislativa e do Executivo discutiu-se amplamente a temática da liberdade condicional, tendo os deputados chamado à atenção para a necessidade de se imprimir maio rigor na aplicação do instituto.”, citando o respectivo registo do relatório das Sessões, “Ainda sobre a liberdade condicional, foram apresentadas desconcordâncias quanto ao estipulado no ... , e no nº. 4, que consagra a concessão ope Legis da liberdade condicional na situação aqui regulada. (in Relatório das Sessões)”.
  Neste sentido, a aplicação da liberdade condicional nunca é feita pela lei com carácter automático, ou seja, não é obrigatório aplicá-la mesmo estando preenchido o pressuposto formal, tendo de mostrar-se satisfeito o pressuposto material.
  É evidente, em consonância com o vigente C.P.M., ser a última ponderação a influência à ordem jurídica e tranquilidade social trazida pela decisão da concessão da liberdade antecipada do condenado.
  Analisados os autos, foi o recorrente condenado 4 vezes, pela prática de vários tipos de crimes, a saber: Ofensa grave à integridade física, Ofensa simples à integridade física, Tráfico de menor gravidade e Consumo de droga, a nível diferente, a ordem jurídica e a paz social desta R.A.E.M., mostrando assim a sua fraca capacidade de se afastar da prática de actos ilícitos.
  Formulou um parecer o Sr. Director do Estabelecimento Prisional de prognose social favorável ao recorrente. No entanto, parecer este, não tem a concordância do Tribunal recorrido (cfr. fls. 209 a 213).
  A ressocialização do condenado não é o único pressuposto material a ter em consideração para efeitos de aplicação do instituto ora em causa.
  Em referência à natureza e à consequência jurídica do crime de tráfico de estupefacientes (ou seja, Tráfico de menor gravidade), são evidentes a gravidade do crime, o prejuízo para a saúde pública e a perturbação da tranquilidade social, tudo consequência do acto ilícito praticado pelo recorrente.
  Como é do conhecimento geral a criminalidade relacionado como o tráfico de produtos estupefacientes tem criado muitos e sérios problemas sociais, relevando exigências de prevenção geral relativamente a este tipo de actividades ilícitas, que se constituem como riscos sérios para a saúde pública e a paz social.
  Por outro lado, o recorrente não cumpriu na íntegra a decisão judicial que lhe condenou, nomeadamente a parte relativa ao pagamento de indemnização aos ofendidos de agressão.
  In casu, tendo em consideração a realidade social de Macau e a rigorosa exigência da prevenção geral quanto aos tipos de crimes praticados pelo recorrente, bem como a influência negativa que a liberdade antecipada do recorrente, como um recluso reincidente, virá trazer para a comunidade, nomeadamente, o prejuízo da expectativa da eficiência das leis, temos de afirmar que a concessão da liberdade condicional seria, muito provavelmente, incompatível com a ordem jurídica e a paz social, nos termos do disposto n.º 56 n.º 1 do C.P.M.
  Pelo exposto, não conseguimos chegar a uma conclusão favorável ao recorrente para lhe conceder a liberdade condicional, por não vermos que as condições em que o recorrente se encontra encontrem eco no disposto do art.º 56 n.º 1 do C.P.M.
  Concluindo, entendemos que deve ser rejeitado o recurso interposto por improcedente.».
  Foram colhidos os Vistos.
  
  Cumpre assim apreciar e decidir.
  
II. FUNDAMENTAÇÃO

a) Dos factos

Da decisão sob recurso consta a seguinte factualidade:
Eis a condenação e a situação do cumprimento de pena do condenado no presente processo A:
* A 03/02/2010, por ter cometido um crime de ofensa simples à integridade física p. e p. pelo art.º 137.º, n.º 1 do CP, o condenado foi condenado em 24/06/2011 dentro dos autos n.º CR1-11-0111-PCS em multa de 120 dias, de montante diário de MOP$60,00, totalizando MOP$7.200,00. Não pagando a multa ou não substitui-la por trabalho, seria-lhe aplicados 80 dias de pena de prisão. A sentença já transitou em julgado em 04/07/2011. O condenado já pagou a multa.
* A 02/05/2013, por ter cometido um crime de consumo ilícito de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas p. e p. pelo art.º 14.º da Lei n.º 17/2009, o condenado foi condenado em 03/05/2013 dentro dos autos n.º CR1-13-0074-PSM em 2 meses de pena de prisão, com a execução suspensa por 1 ano e 6 meses, a condição de o condenado dever sujeitar-se ao tratamento para toxicodependentes acompanhado e organizado por assistentes sociais do Departamento de Reinserção Social dentro do período de suspensão da pena, incluindo a desintoxicação com internação, se necessário. A sentença já transitou em julgado em 13/05/2013.
* Tendo o condenado depois violado o dever de suspensão de execução de pena, a 25/09/2014 o juízo estendeu o período de suspensão acima referido por 1 ano, e durante o período continuava a ser acompanhado por assistentes sociais do Departamento de Reinserção Social, a fazer tratamento de desintoxicação e com o regime de prova. O despacho acima referido transitou em julgado a 15/10/2014.
* O condenado voltou a violar o dever de suspensão de execução de pena. Portanto a 16/07/2015 o juízo decidiu revogar a sua suspensão de execução da pena. O condenado devia cumprir dois meses de pena de prisão efectiva. O despacho acima referido transitou em julgado a 07/09/2015. O condenado já cumpriu a pena.
* A 22/09/2014, por ter cometido um crime de ofensa simples à integridade física p. e p. pelo art.º 137.º, n.º 1 do CP, o condenado foi condenado em 03/03/2016 dentro dos autos n.º CR3-15-0562-PCS em 5 meses de pena de prisão, com a execução suspensa por 1 ano e 6 meses, devendo o condenado também pagar à vítima a indemnização de MOP $5000,00. A sentença já transitou em julgado em 05/04/2016. Mais tarde a suspensão de execução da pena no processo suspendeu-se, devendo o condenado cumprir 5 meses de pena de prisão efectiva.
* Por ter cometido um crime de ofensa grave à integridade física p. e p. pelo art.º 138.º, alínea d) do CP, o condenado foi condenado em 09/01/2018 dentro dos autos n.º CR2-17-0397-PCC em 3 anos e 6 meses e no pagamento de indemnização no montante de MOP$47.001,00 na modalidade de responsabilidade solidária. A sentença já transitou em julgado em 21/05/2018.
* Por ter cometido um crime de consumo ilícito de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas p. e p. pelo art.º 14.º da Lei n.º 17/2009, o condenado foi condenado em 04/09/2018 dentro dos autos n.º CR4-17-0465-PCS em 2 meses e 24 dias de pena de prisão efectiva. A sentença já transitou em julgado em 24/09/2018.
* Nos autos n.º CR1-17-0370-PCC, por ter cometido um crime de produção e tráfico de menor gravidade p. e p. pelo art.º 11.º, n.º 1, alínea 1) da Lei n.º 17/2009, o condenado foi condenado em 9 meses de pena de prisão efectiva a 07/09/2018
* Em cúmulo jurídico das penas condenadas nos autos acima referidos n.º CR1-17-0370-PCC, n.º CR2-17-0397-PCC e CR4-17-0465-PCS, aplicaram-se ao condenado, na totalidade, 4 anos de pena de prisão efectiva. A decisão de cúmulo jurídico transitou em julgado em 16/01/2019. Em conjugação com a pena que devia cumprir dentro dos autos n.º CR3-15-0562-PCS, o condenado devia cumprir 4 anos e 5 meses de pena de prisão efectiva no total.
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Eis a situação de detenção do condenado A nos vários processos:
Nos autos n.º CR1-17-0370-PCC não foi detido;
Nos autos n.º CR2-17-0397-PCC foi detido a 07/06/2017; a 08/06/2017 foi remetido para o Estabelecimento Prisional de Coloane para a prisão preventiva;
Nos autos n.º CR4-17-0465-PCS ficou detido por um dia, em 18/06/2016;
Nos autos n.º CR3-15-0562-PCS não foi detido;
O seu prazo de pena acaba em 06/11/2021 e em 16/05/2020 completou o prazo de pena do qual depende o pedido de liberdade condicional (cf. os autos de execução da pena de prisão fls. 113).
O condenado já pagou as custas processuais e os encargos condenados nos autos n.º CR1-17-0370-PCC e nos autos n.º CR3-15-0562-PCS, mas ainda não pagou a indemnização aos autos n.º CR3-15-0562-PCS e aos autos n.º CR2-17-0397-PCC (cf. os autos de execução da pena de prisão fls. 121 e os autos fls. 62, 173-174).
O condenado ainda tem um processo pendente no qual está suspeito de um crime de ofensa simples à integridade física (cf. os autos fls. 175-195, e fls. 96).
*
O condenado não é primário. Ficou aprisionado pela primeira vez. Tinha cerca de 23 anos de idade quando cometeu o crime mais recente.
O condenado tem agora 28 anos. Nasceu em Macau. Os pais divorciaram-se. Vive com a mãe e a filha do namorado da mãe. É o segundo entre os irmãos. Tem uma irmã mais velha. Todos os familiares são croupiers de profissão. Têm boas relações uns com os outros.
O condenado nunca esteve entusiasmado por estudar. Abandou os estudos depois do 6.º ano da escola primária. Trabalhou como empregado de mesa, aprendiz numa casa de penhores, caixa num casino e responsável por relações públicas.
O condenado é muito afeiçoado à irmã mais velha. Os familiares vêm visitá-lo à prisão regularmente e mantêm o contacto com ele através de cartas. Espera poder reintegrar-se na sociedade no futuro com os pés bem assentes na terra, para que os familiares não se preocupem por ele.
Passaram cerca de 4 anos desde 07/06/2017, dia no qual o condenado foi remetido para a prisão para cumprir a pena. Restam 5 meses de pena de prisão.
Segundo o registo do condenado na prisão, ele está classificado como "confiável". A avaliação geral que a prisão deu ao condenado com base no seu comportamento durante o cumprimento da pena foi "bom". Foi punido em Agosto de 2019 por violação de regras.
O condenado frequentou o curso de regresso à educação da escola primária na prisão. As cadeiras eram: chinês, matemática, educação visual e informática. De 02/04 a 26/05/2019 participou na formação profissional para empregados de mesa; mais tarde, em 27/05 começou a participar formalmente na formação profissional (suspensa em 28/05/2019 por violação de regras). Durante a formação profissional, o formador comentou que era consciencioso e diligente. Além disso, mostrava-se activo nas actividades realizadas na prisão, incluindo palestras de vários tipos, cursos recreativos e competições.
Libertado, o condenado vai viver com a mãe. Diz que vai procurar um emprego quanto antes para poder ganhar dinheiro e tomar conta da família.
Este juízo, nos termos do art.º 468.º, n.º 2 do CPP, ouviu a opinião do condenado sobre a presente concessão da liberdade condicional. O condenado declarou por meio da carta (vd. os autos a fls. 199 e 200) que tinha reconhecido os seus crimes e que se tinha arrependido sinceramente; que tinha aceitado o indeferimento do seu primeiro pedido de liberdade condicional; que na prisão estudava como autodidacta com afinco e que tomava parte em vários tipos de actividade; e que ia usar a verba de comparticipação pecuniária para pagar uma parte das despesas de justiça. Prometeu continuar a pagar indemnização depois da libertação. A família já lhe arranjou um trabalho como mecânico de reparação de automóveis. Espero que o juiz lhe conceda a liberdade condicional.

b) Do Direito
  
  O artº 56º do CP regula os pressupostos e duração da liberdade condicional nos seguintes termos:
Artigo 56.º
(Pressupostos e duração)
  1. O tribunal coloca o condenado a pena de prisão em liberdade condicional quando se encontrarem cumpridos dois terços da pena e no mínimo 6 meses, se:
  a) For fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes; e
  b) A libertação se revelar compatível com a defesa da ordem jurídica e da paz social.
  2. A liberdade condicional tem duração igual ao tempo de prisão que falte cumprir, mas nunca superior a 5 anos.
  3. A aplicação da liberdade condicional depende do consentimento do condenado.
  Depende, assim, a concessão da liberdade condicional da verificação de pressupostos formais – a saber: cumprimento de 2/3 da pena no mínimo de 6 meses e consentimento do arguido – e materiais – a saber, os indicados nas alíneas a) e b) do nº 1 do citado preceito -.
  A indicada alínea a) está relacionada com o objectivo maior da execução da pena de prisão e que consiste na “ressocialização do agente”, havendo de ser aferida em função da aquisição pelo recluso de «condições favoráveis ao prosseguimento de uma vida sem praticar crimes, ao seu ingresso na vida fiel ou conformada com o dever-ser jurídico penal, visando a prevenção da reincidência através da colaboração voluntária e activa daquele» - Cit. Figueiredo Dias em Os Novos Ramos da Política Criminal e do Direito Penal Português do Futuro, pág. 29 e 30, citado por Manuel Leal Henriques em Manual de Formação de Direito Penal de Macau, pág. 228, Ed. 2005.
  A alínea b) do indicado preceito visa a defesa da sociedade no âmbito da prevenção geral positiva e negativa, isto é, seja por via do restabelecimento na comunidade da confiança da salvaguarda dos bens jurídicos, seja por via da prevenção/intimidação quanto à prática de futuros crimes.
  Como se diz no Acórdão deste Tribunal de 21.11.2019, proferido no processo nº 1068/2019, «Com efeito, importa ter em conta que a liberdade condicional não é uma “medida de clemência”, constituindo uma medida que faz parte do normal desenvolver da execução da pena de prisão, manifestando-se como uma forma de individualização da pena no fito de ressocialização, pois que serve um objectivo bem definido: o de criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, durante o qual o delinquente possa, equilibradamente, recobrar o sentido de orientação social fatalmente enfraquecido por efeito da reclusão; (cfr., v.g., J. L. Morais Rocha e A. C. Sá Gomes in “Entre a Reclusão e a Liberdade – Estudos Penitenciários”, Vol. I, em concreto, “Algumas notas sobre o direito penitenciário”, IV cap., pág. 41 e segs.).
  Trata-se de um incidente de execução da pena de prisão a que preside uma finalidade específica de prevenção especial positiva ou de socialização, e que assenta na formulação de um juízo de prognose favorável sobre o comportamento futuro e em liberdade, do condenado que já cumpriu parte considerável da pena; (cfr., Figueiredo Dias in, “Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime”, 1993, Aequitas, Editorial Notícias, pág. 528).
  Na esteira do repetidamente decidido nesta Instância, a liberdade condicional “é de conceder caso a caso, dependendo da análise da personalidade do recluso e de um juízo de prognose fortemente indiciador de que o mesmo vai reinserir-se na sociedade e ter uma vida em sintonia com as regras de convivência normal, devendo também constituir óbviamente matéria de ponderação, a defesa da ordem jurídica e da paz social”; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 25.07.2019, Proc. n.° 759/2019, de 05.09.2019, Proc. n.° 891/2019 e de 17.10.2019, Proc. n.° 992/2019, podendo-se também sobre o tema ver o Ac. da Rel. de Coimbra de 24.01.2018, Proc. n.° 540/16).
  (…)
  Com efeito, na formulação do juízo de prognose sobre o comportamento futuro do condenado, o tribunal deve ponderar os traços da sua personalidade e a evolução desta durante a execução da pena, as competências por si adquiridas no período de reclusão, o comportamento prisional, o seu relacionamento com o crime cometido, as necessidades subsistentes de reinserção social, e, em especial, as perspectivas de enquadramento familiar, social e profissional e a necessidades de protecção da vítima, quando disso seja caso. A liberdade condicional deverá ser concedida quando o julgador conclua que o condenado reúne condições que, razoavelmente, fundam a expectativa de que, uma vez colocado em liberdade, assumirá uma conduta conforme às regras da comunidade. Inversamente, a liberdade condicional deverá ser negada quando o julgador conclua que o condenado não reúne tais condições, seja porque o juízo contrário se revela carecido de razoabilidade, seja porque se revela temerário; (cfr., v.g., o recente Ac. da Rel. de Coimbra de 12.06.2019, Proc. n.° 3371/10).
  Como também já tivemos oportunidade de considerar, a liberdade condicional não é de conceder quando o percurso até ao momento experienciado pelo condenado não oferece ainda suficiente segurança para sustentar um “juízo positivo” acerca do seu comportamento futuro quando em meio livre; (neste sentido, cfr., v.g., o recente Ac. da Rel. de Évora de 19.02.2019, Proc. n.° 13/16).».
  No que concerne aos requisitos formais para a concessão da liberdade condicional dúvidas não há, no caso em apreço, de estarem os mesmos verificados.
  No parecer elaborado pelo Director dos Serviços Correccionais e na Informação prestada pela Divisão de Segurança e Vigilância do Estabelecimento Prisional foi formulada opinião no sentido de ser concedida a liberdade condicional requerida.
  Contudo a decisão recorrida não acompanhou aqueles pareceres.
  Foi preponderante na decisão recorrida as várias condenações de que o recluso já havia sido alvo seja por ofensas corporais seja por consumo ilícito e tráfico de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas, inicialmente em penas multas, posteriormente em penas de prisão cuja execução foi suspensa, as quais não se mostraram suficientes para que o recluso conformasse a sua personalidade e comportamento de acordo com a lei, pelo que, se entendeu que o cumprimento da pena até agora atingido não são suficientes para se concluir que aquele já adquiriu as competências necessárias para agir de acordo com o dever-ser jurídico penal de que se falou supra.
  Concordando-se e acompanhando a decisão recorrida quanto a este aspecto igualmente entendemos não estar ainda verificado o requisito da al. a) do nº 1 do artº 56º do CP.
  
  Por outro lado, entende-se na decisão recorrida que em face da natureza dos crimes praticados e da reicindência, a censura ético-jurídica exigida pela sociedade demanda pelas já explicadas razões de prevenção geral positiva e negativa, tendo em consideração o desvalor da sua conduta e os bens jurídicos em causa, que a liberdade condicional não é compatível com a ordem jurídica e paz social, pelo que, não estando preenchido também, o requisito da al. b) do nº 1 do artº 56º do CP aquela não deve ser concedida.
  
  Destarte, acompanhando a decisão recorrida aquela que tem vindo a ser a jurisprudência deste tribunal em situações idênticas, não havendo reparo a apontar-lhe e aderindo aos fundamentos dela constantes, entendendo-se que não estão verificados os requisitos das alíneas a) e b) do nº 1 do artº 56º do CP, impõe-se decidir em conformidade.
  
III. DECISÃO
  
  Nestes termos e pelos fundamentos expostos, nega-se provimento ao recurso.
  
  Custas pelo Recorrente fixando-se a taxa de justiça em 3 UC´s.
  
  Fixam-se os honorários ao defensor nomeado em MOP2.000,00.
  
  Notifique.
  
  RAEM, 11 de Agosto de 2021
  
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Rui Carlos dos Santos P. Ribeiro
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Lok Si Mei
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Rong Qi
  

623/2021
PENAL (LC) 1