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Processo nº 656/2021
(Autos de Recurso Penal)

Data: 11 de Agosto de 2021
Recorrente: A
*
ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:

I. RELATÓRIO
  
  A, com os demais sinais dos autos, ora preso no Estabelecimento Prisional de Coloane (E.P.C.),
  Inconformada com a decisão que lhe negou a concessão de liberdade condicional, vem interpor recurso da mesma sustentando na motivação apresentada que estavam preenchidos todos os requisitos para a concessão da liberdade condicional tendo a decisão recorrida incorrido em erro na apreciação dos pressupostos materiais para a concessão daquela nos termos do artº 56º do Código Penal, tudo conforme consta de fls. 75 a 91, tendo apresentado as seguintes conclusões:
1. Vem o presente recurso interposto da decisão proferida nos presentes autos, que negou a concessão de liberdade condicional à Arguida, ora Recorrente, no âmbito do pedido por esta apresentado.
2. Salvo o devido respeito, não pode a Recorrente conformar-se com a decisão recorrida por entender que a mesma foi proferida sem a consideração plena do caso concreto, não tendo, como seria exigível, sido apreciada toda a base fáctica e psicológica de toda uma situação que se prende não só com aspectos jurídicos, mas também com aspectos humanos.
3. O que por sua vez acaba por determinar a violação do disposto no artigo 56.º, n.º 1, alíneas a) e b) do Código Penal (CP), inquinando a decisão recorrida quer com o vício de erro de direito na ponderação dos pressupostos da concessão de liberdade condicional nos termos do n.º 1 do art. 400º do CPP, quer com o vício de erro notório na apreciação da prova nos termos da alínea c) do n.º 2 do art. 400º do CPP; conforme adiante se explanará.
4. A Recorrente foi condenada, pela prática, em co-autoria material e na forma consumada, de um crime de extorsão p.p. pelo artigo 215.º, n.º 2, alínea a) do Código Penal (CP), na pena de prisão de 2 anos e 9 meses, sendo que, por haver já sido condenada no âmbito do processo judicial n.º CR1-08-0043-PCC na pena de 9 meses de prisão suspensa pelo período de 2 anos, foi-lhe aplicada em cúmulo, jurídico das duas penas, uma pena única de 3 anos de prisão efectiva.
5. Considerando que a Arguida foi detida no dia 2 de Abril de 2019 data em que deu entrada no Estabelecimento Prisional de Macau (EPM), em 20 de Março de 2021 atingidos foram os 2/3 da pena, sendo que a referida pena ter-se-á por totalmente cumprida a 20 de Março de 2022 (conforme fls. 1016 dos autos do processo CR4-10-0024-PCC).
6. Daí que, cumpridos que estavam os 2/3 da pena a que foi condenada e mostrando-se preenchidos os requisitos formais da liberdade condicional, submeteu a Recorrente o pedido génese dos presentes autos.
7. Tal pretensão foi recusada pelo Meritíssimo Juiz de Instrução Criminal, sumariamente, por se ter entendido que a Recorrente não cumpre ainda o requisito material da liberdade condicional previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 56.º do CP.
8. Salvo o devido respeito, não assiste razão ao douto Tribunal a quo, porquanto, claramente se decidiu pela rejeição da liberdade condicional da Recorrente sem a análise plena e fundamentada das circunstâncias do caso concreto, fazendo tabua rasa dos factos em apreço, a condição pessoal da Recorrente. Baseando-se a decisão de não concessão da liberdade condicional à Recorrente numa alegada necessidade em “observar mais a Arguida”.
9. No caso de ser libertada a Recorrente irá residir com a sua família retomando a sua vida familiar, sendo ainda que a Recorrente assim que sair da prisão terá a oportunidade de exercer uma actividade profissional e assim se poder dedicar a um recomeço de vida depois da reclusão.
10. Porém, mesmo assim, e sem sequer considerar o bom comportamento tido pela Recorrente durante o tempo de reclusão, a douta decisão recorrida concluiu em sentido oposto ao afirmar que é preciso mais tempo para observar se a reclusa está preparada para se adaptar à vida honesta, portanto, o Tribunal não tem confiança suficiente de que a reclusa pode viver com uma atitude responsável, se for autorizada a ter a liberdade condicional.
11. Torna-se necessário aqui analisar os pressupostos de aplicação da liberdade condicional e aferir se se verificam todos os requisitos para que a Recorrente possa beneficiar deste instituto.
12. A liberdade condicional apresenta requisitos formais e materiais, os quais se encontram previstos no artigo 56.º do CP e se caracterizam por ser a condenação em pena de prisão superior a seis meses, o cumprimento de 2/3 da pena e o consentimento do condenado - artigo 56.º, n.º 1 e 3 do CP.
13. No que diz respeito aos requisitos materiais, dispõem as alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 56º do CP que o tribunal coloca o condenado a pena de prisão em liberdade condicional se: “a) For fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da prisão, que o condenado, . uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes; e b) A libertação se revelar compatível com ri defesa da ordem jurídica e da paz social”.
14. Por outras palavras, os requisitos materiais de aplicação da liberdade condicional assentam no bom comportamento prisional do condenado, na sua capacidade de se readaptar à vida social e vontade séria de o fazer e num juízo de prognose social favorável de que uma vez em liberdade não cometerá crimes, aceitando a sociedade sem traumas o seu regresso.
15. Importa, pois, aqui ponderar a fundada esperança de que a condenada, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes, ponderado também, por outro lado, a compatibilidade entre a libertação antecipada do condenado e a defesa da ordem jurídica e da paz social.
16. No caso em apreço, dúvidas não há quanto à verificação dos requisitos formais indispensáveis à concessão de liberdade condicional à Recorrente.
17. Quanto aos requisitos materiais, resulta do relatório elaborado pelo Técnico do Estabelecimento Prisional que a Recorrente tem tido um comportamento prisional bom ao longo dos anos em que se encontra presa, não existindo nenhuma infracção nem nenhum processo disciplinar no seu registo prisional. A Recorrente não te\m quaisquer outros processos pendentes, não tendo hábitos de marginalidade.
18. Na prisão, a Recorrente tem revelado interiorização pelo crime a que foi condenada e tem demonstrado uma vontade firme de se reintegrar familiar e socialmente, havendo sido reunidas as condições para tais reintegrações.
19. Atendendo às razões supra-referidas, dúvidas também não existem de que se encontram preenchidos os requisitos materiais previstos na alínea a) do n.º 1 do artigo 56.º do CP (exigências de prevenção especial).
20. No que concerne ao disposto na alínea b) do n.º l do artigo 56.º do CP, de acordo com o Senhor Professor Hguelredo Dias, lia defesa da ordem jurídica e da paz social, por seu turno, corresponde a exigências de prevenção geral positiva no seu grau mínimo” (Figueiredo Dias in Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime, Coimbra Editora, 2005, p. 540).
21. Aqui, apesar da lei exigir a verificação cumulativa dos pressupostos mencionados no n.º 1 do artigo 56.º do CP, afigura-se-nos incontroversa a prevalência do contemplado na respectiva alínea a). Neste sentido, o Código Penal de Portugal, sintomaticamente, no caso de cumprimento de dois terços da pena, prescinde, em absoluto, do referendado na alínea b), conforme se pode verificar pelo disposto no artigo 61.º, n.º 3 do CP de Portugal.
22. No caso vertente, e salvo o devido respeito, não nos parece que a concessão da liberdade condicional seja susceptível de infringir as apontadas exigências de prevenção geral, porquanto é de considerar minimamente assegurado que a Recorrente interiorizou o desvalor da sua conduta criminosa e que em liberdade conduzirá a sua vida de forma honesta e válida, sem praticar crimes. Entendimento este que também parece resultar dos autos.
23. Assim, mostrando-se cumpridos 2/3 da pena a que foi a Recorrente condenada e mostrando-se preenchido o requisito referido na alínea a) do n.º 1 do artigo 56.º do CP, particularmente o comportamento prisional adequado, as perspectivas de uma boa integração familiar e laboral, interiorização da gravidade da conduta praticada e arrependimento face à mesma, sendo possível formular um juízo de progriose favorável sobre o seu comportamento futuro em liberdade,
24. Obrigar à Recorrente a cumprir o resto da pena em nada contribuirá para a sua ressocialização e, salvo o devido respeito, tal constitui uma medida injusta e excessivamente severa que poderá gerar sentimentos de revolta social, acabando por ser contraproducente e criar perigos latentes para a paz social que antes não existiam.
25. Embora a liberdade condicional não seja entendida como sendo uma medida de clemência, deverá ter-se como uma recompensa pela boa conduta do condenado, visando sobretudo estabelecer um período de transição entre a prisão e a liberdade, durante o qual o recluso pode equilibradamente recuperar o sentido de orientação social enfraquecido pelo efeito da reclusão. Deste modo, a conduta prisional da reclusa apresenta-se como um elemento muito importante para a formulação de um juízo de prognose favorável à libertação da reclusa.
26. A Recorrente é uma cidadã que sempre contou, conta e continuará a contar com o apoio da família, os quais o visitam com regularidade e revelam uma preocupação permanente com ela.
27. A Recorrente sem dúvida alguma que para além de revelar arrependimento pelos actos praticados no passado, revela ainda um arrependimento profundo por todo mal que a consequência de tais factos tenha causado na sua família.
28. A Recorrente durante o tempo da sua “clausura” tem demonstrando uma vontade firme de se dedicar-se à família.
29. Neste sentido, e de todo o exposto, é possível formular, no caso vertente, um juízo de prognose favorável sobre o comportamento futuro da Recorrente em liberdade atendendo à evolução da sua personalidade em face do seu comportamento prisional.
30. Pelo que, por todo o exposto se pode concluir que estão verificados todos os requisitos previstos no artigo 56.º do CP para que à Recorrente seja concedida a liberdade condicional.
31. Não obstante o apontado vicio de erro de direito que supra se deixou expendido, entende ainda a Recorrente, salvo devido respeito que a decisão recorrida, ao afirmar que precisa de mais tempo para observar e só assim pode conformar que ela pode combater a tentação incorre ainda em erro notório na apreciação da prova previsto na alínea c) do n.º 2 do art. 400º do CPP,
32. Isto porque além de não ter tido em consideração, salvo o devido respeito, a verificação das circunstâncias quer formais quer materiais vertidas no art. 56º do CP e acima indicadas, as quais, necessariamente, levariam à conclusão de que a Recorrente está em condições de se readaptar à vida em sociedade.
33. Não foram também considerados pelo Tribunal a quo outros elementos constantes dos autos, como seja o relatório do Técnico Social do Estabelecimento Prisional responsável pelo seu acompanhamento nem o parecer do digno Magistrado do Ministério Público, ambos apontando no sentido de um juízo de prognose favorável em relação à futura conduta da Recorrente.
34. Em todos esses elementos probatórios é realçado o carácter responsável e solidário da Recorrente, a sua dedicação à família e preocupação em ajudar os outros.
35. Os familiares reforçam também o arrependimento da Recorrente pelos factos por ela praticados no passado e a sua vontade em recomeçar uma vida nova junto da família, a qual solicita também que lhe seja concedida uma nova oportunidade.
36. Pelo que, não tendo o Tribunal a quo tido em consideração os elementos que se acabam de referir, e salvo o devido respeito, não se percebe em que fundamentos efectivamente o Tribunal a quo se sustentou para considerar, a final, que não está alcançada a exigência de prevenção geral.
37. Face a todo o exposto, salvo devido respeito, estamos em crer que, quer porque não teve em consideração todos os elementos, quer porque considerou elementos insusceptíveis de relevarem para efeitos de concessão de liberdade condicional, incorreu o Tribunal a quo em vício de erro notório na apreciação da prova tal qual vem previsto na alínea c) do n.º 2 do art. 400º do CPP.
38. Termos em que, nos demais de direito que V. Exas. Doutamente suprirão, deverá ser dado provimento ao presente recurso e operar a respectiva concessão da liberdade condicional nos termos do art. 56º e seguintes do CPM, com todas as consequências legais daí resultantes.
  
  Respondendo veio o Ilustre Magistrado do Ministério Público pugnar pelo acerto e manutenção da decisão recorrida.
  
  Pelo Ilustre Magistrado do Ministério Público junto deste tribunal foi emitido o seguinte Douto Parecer:
  «1.
  A, melhor identificada nos autos, inconformada com a douta decisão do Meritíssimo Juiz do 1.º Juízo de Instrução Criminal do Tribunal Judicial de Base que lhe indeferiu o pedido de concessão de liberdade condicional, interpôs o presente recurso, pugnando, em síntese, pela revogação da douta decisão recorrida e pela sua substituição por outra que lhe conceda aquela liberdade.
  2.
  2.1.
  Decorre do artigo 56.º do Código Penal (CP) que a concessão de liberdade condicional depende da verificação de pressupostos de natureza formal e de natureza substancial.
  São pressupostos de natureza formal:
(i) O cumprimento de dois terços da pena e no mínimo 6 meses (artigo 56.º, n.º 1 do Código Penal);
(ii) o consentimento do condenado (artigo 56.º, n.º 3 do Código Penal).
São pressupostos de natureza substancial:
(i) Que, de forma fundada, seja de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes [artigo 56.º, n.º 1, alínea a) do Código Penal];
(ii) Que a libertação se revele compatível com a defesa da ordem jurídica e da paz social [artigo 56.º, n.º 1, alínea b), segunda parte, do Código Penal].
  Em relação aos pressupostos de natureza substancial, pode dizer-se que aquele que vem referido na alínea a) do n.º 2 do artigo 56.º do Código Penal tem em vista a satisfação de finalidades de prevenção especial, ao passo que aquele a que alude a alínea b) do mesmo n.º 2 do artigo 56.º do mesmo diploma legal, visa a prossecução de finalidades de prevenção geral.
  2.2.
  No caso concreto, é incontroversa a verificação dos pressupostos de natureza formal de concessão da liberdade condicional.
  Na verdade, por um lado, a Recorrente deu o seu consentimento à dita liberdade e, por outro lado, já se mostram cumpridos dois terços da pena de prisão que lhe foi aplicada.
  Já no que concerne aos pressupostos substanciais da liberdade condicional, nada temos a acrescentar às bem fundamentadas e pertinentes considerações exaradas pelo nosso Ilustre Colega na douta resposta que apresentou ao recurso e às quais aderimos.
  Parece-nos de salientar que, face à concreta gravidade dos crimes por si praticados, a concessão da liberdade condicional, nesta altura, colocaria em causa as exigências de prevenção geral que estiveram presentes na condenação, podendo dizer-se que ficariam fortemente afectadas as expectativas da comunidade na validade e na eficácia das normas penais violadas.
  A defesa da ordem jurídica e da paz social, pode dizer-se com segurança, é incompatível com a libertação, nesta altura, do Recorrente, pelo que se não mostram verificados os pressupostos substanciais previstos nas alíneas a) e b) do n.º 2 do artigo 56.º do Código Penal.
  Deste modo, estamos em crer que a decisão recorrida deve ser mantida.
  3.
  Face ao exposto, salvo melhor opinião, é nosso parecer:
  Deve ser negado provimento ao recurso jurisdicional interposto, mantendo-se, em consequência, a douta decisão recorrida.»
  
  Foram colhidos os Vistos.
  
  Cumpre assim apreciar e decidir.
  
II. FUNDAMENTAÇÃO

a) Dos factos

Da decisão sob recurso consta a seguinte factualidade:
---Em 26/02/2010, a reclusa foi julgada pelo Tribunal do 1º Juízo Criminal do TJB, no processo comum colectivo nº CR1-08-0043-PCC, por ter cometido um crime de “Furto Qualificado” p.p.p. artº 198º, nº 1, al. e) do CPM (com circunstâncias de atenuação especial da pena previsto no artº 201º, nº1 e 67º do CPM), a qual foi condenada na pena de 9 meses de prisão, suspensa a sua execução pelo período de 2 anos (vide fls 48 a 50 do PEP)
---Em 16/09/2011, a reclusa foi julgada pelo Tribunal do 4º Juízo Criminal do TJB, no processo comum colectivo nº CR4-10-0024-PCC, por ter cometido um crime de “Extorsão” p.p.p. artº 215º, nº 2, al. a), artº 198º, nº 2, al. a) e 196º, al. b) do CPM, a qual foi condenada na pena de 2 anos e 9 meses de prisão, este processo foi feito cúmulo com o processo CR1-08-0043-PCC, a qual foi condenada na pena única de 3 anos de prisão efectiva (vide fls. 4 a 12v do PEP). A reclusa inconformada com a decisão interpôs recurso, tendo o TSI proferido acórdão no dia 19/01/2012, negou provimento ao recurso, a reclusa face à decisão apresentou arguição de nulidade, o TSI, no dia 01/03/2012, julgou improcedente a respectiva arguição (vide fls. 13 a 28v do PEP)
---Em 30/04/2019, a reclusa foi julgada pelo Tribunal do 4º Juízo Criminal do TJB, no processo comum colectivo nº CR4-18-0256-PCC, por ter cometido um crime de “Emprego” p.p.p. artº 16º, nº 1 da Lei nº 6/2004, a qual foi condenada na pena de 5 meses de prisão, suspensa a sua execução pelo período de 3 anos e 6 meses, com condição de no prazo de 3 meses após trânsito em julgado o acórdão, pagar uma contribuição pecuniária no valor de MOP$3,000 à RAEM (vide fls. 54 a 59 do PEP). O MP inconformado com a decisão interpôs recurso, tendo o TSI proferido acórdão no dia 26/03/2020, deu provimento ao recurso, alterou a pena do crime de “Emprego”, para 5 meses de prisão efectiva, isentando a condição do pagamento da contribuição pecuniária (vide fls. 70 a 75 do PEP).
---Em cúmulo das 3 penas dos 3 processos, a reclusa tem de cumprir no total de 3 anos e 5 meses de prisão efectiva. Posto isto, a reclusa terminará a pena em 18/08/2022, sendo que os dois terços da pena terminou em 27/06/2021 (vide fls. 79 a 80 do PEP).
---A reclusa já pagou as custas dos três processos de condenação (vide fls. 2, 46, 51 e 84 a 85 do PEP).
---A reclusa não tem outros processos pendentes a aguardar julgamento.
*
---A reclusa tem presentemente 46 anos de idade, é residente de Macau, divorciada, tem um filho com o ex-marido.
---A reclusa foi operária fabril de vestuário, explorou negócio de venda de telemóveis e cartões SIM e também câmbio monetário.
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---A reclusa entre 16/09/2011 a 27/09/2011 foi detida preventivamente devido ao processo CR4-10-0024-PCC, depois foi autorizada a liberdade condicional aguardando a data do julgamento, em 02/04/2019 foi conduzida ao EPM para cumprir a pena até à presente data.
---Segundo os registos do EPM, a reclusa pertence ao tipo de confiança, durante a prisão o comportamento dela é “péssimo”. A reclusa tem as seguintes infracções disciplinares:
➢ Em 12/04/2020 violou as regras do estabelecimento por “condutas ofensivas às outras reclusas do estabelecimento”, que por sua vez, em 11/05/2020 foi repreendida em público e sancionada;
➢ Em 14/04/2020 violou as regras do estabelecimento por “incumprimento da ordem ou indicação dada ou sem justa causa atrasava na execução das tarefas incumbidas”, que por sua em 11/05/2020, foi aplicada a prisão em separado numa cela de sanção disciplinar e retirada do direito ao recreio; e
➢ Em 17/09/2020 violou as regras do estabelecimento por “condutas ofensivas às outras reclusas do estabelecimento”, que por sua vez foi aplicada em 15/10/2020, a prisão em separado numa cela de sanção disciplinar e retirada do direito ao recreio;
---Durante a prisão, o ex-marido da reclusa ia visitá-la periodicamente, dado que o seu filho estuda no estrangeiro, por isso só tinha contactos por correspondência com seu filho.
---Depois de terminar a prisão, a reclusa irá viver com seu ex-marido e filho; em relação ao trabalho, a reclusa referiu que tem planos para explorar uma loja conveniente ou dedicar-se ao negócio de venda de telemóveis.
*
---Nos termos do artº 468º, nº 2 do CPPM, foi notificado a reclusa para opinar sobre a sua liberdade condicional, a qual através de carta (de fls. 47 a 48 dos autos) referiu estar consciente de que se comportou mal, desejaria que o Tribunal lhe autorizasse a libertação antecipada, a fim de poder unir-se à família o mais cedo possível.

b) Do Direito

  O artº 56º do CP regula os pressupostos e duração da liberdade condicional nos seguintes termos:
Artigo 56.º
(Pressupostos e duração)
  1. O tribunal coloca o condenado a pena de prisão em liberdade condicional quando se encontrarem cumpridos dois terços da pena e no mínimo 6 meses, se:
  a) For fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes; e
  b) A libertação se revelar compatível com a defesa da ordem jurídica e da paz social.
  2. A liberdade condicional tem duração igual ao tempo de prisão que falte cumprir, mas nunca superior a 5 anos.
  3. A aplicação da liberdade condicional depende do consentimento do condenado.
  Depende, assim, a concessão da liberdade condicional da verificação de pressupostos formais – a saber: cumprimento de 2/3 da pena no mínimo de 6 meses e consentimento do arguido – e materiais – a saber, os indicados nas alíneas a) e b) do nº 1 do citado preceito -.
  A indicada alínea a) está relacionada com o objectivo maior da execução da pena de prisão e que consiste na “ressocialização do agente”, havendo de ser aferida em função da aquisição pelo recluso de «condições favoráveis ao prosseguimento de uma vida sem praticar crimes, ao seu ingresso na vida fiel ou conformada com o dever-ser jurídico penal, visando a prevenção da reincidência através da colaboração voluntária e activa daquele» - Cit. Figueiredo Dias em Os Novos Ramos da Política Criminal e do Direito Penal Português do Futuro, pág. 29 e 30, citado por Manuel Leal Henriques em Manual de Formação de Direito Penal de Macau, pág. 228, Ed. 2005.
  A alínea b) do indicado preceito visa a defesa da sociedade no âmbito da prevenção geral positiva e negativa, isto é, seja por via do restabelecimento na comunidade da confiança da salvaguarda dos bens jurídicos, seja por via da prevenção/intimidação quanto à prática de futuros crimes.
  Como se diz no Acórdão deste Tribunal de 21.11.2019, proferido no processo nº 1068/2019, «Com efeito, importa ter em conta que a liberdade condicional não é uma “medida de clemência”, constituindo uma medida que faz parte do normal desenvolver da execução da pena de prisão, manifestando-se como uma forma de individualização da pena no fito de ressocialização, pois que serve um objectivo bem definido: o de criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, durante o qual o delinquente possa, equilibradamente, recobrar o sentido de orientação social fatalmente enfraquecido por efeito da reclusão; (cfr., v.g., J. L. Morais Rocha e A. C. Sá Gomes in “Entre a Reclusão e a Liberdade – Estudos Penitenciários”, Vol. I, em concreto, “Algumas notas sobre o direito penitenciário”, IV cap., pág. 41 e segs.).
  Trata-se de um incidente de execução da pena de prisão a que preside uma finalidade específica de prevenção especial positiva ou de socialização, e que assenta na formulação de um juízo de prognose favorável sobre o comportamento futuro e em liberdade, do condenado que já cumpriu parte considerável da pena; (cfr., Figueiredo Dias in, “Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime”, 1993, Aequitas, Editorial Notícias, pág. 528).
  Na esteira do repetidamente decidido nesta Instância, a liberdade condicional “é de conceder caso a caso, dependendo da análise da personalidade do recluso e de um juízo de prognose fortemente indiciador de que o mesmo vai reinserir-se na sociedade e ter uma vida em sintonia com as regras de convivência normal, devendo também constituir óbviamente matéria de ponderação, a defesa da ordem jurídica e da paz social”; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 25.07.2019, Proc. n.° 759/2019, de 05.09.2019, Proc. n.° 891/2019 e de 17.10.2019, Proc. n.° 992/2019, podendo-se também sobre o tema ver o Ac. da Rel. de Coimbra de 24.01.2018, Proc. n.° 540/16).
  (…)
  Com efeito, na formulação do juízo de prognose sobre o comportamento futuro do condenado, o tribunal deve ponderar os traços da sua personalidade e a evolução desta durante a execução da pena, as competências por si adquiridas no período de reclusão, o comportamento prisional, o seu relacionamento com o crime cometido, as necessidades subsistentes de reinserção social, e, em especial, as perspectivas de enquadramento familiar, social e profissional e a necessidades de protecção da vítima, quando disso seja caso. A liberdade condicional deverá ser concedida quando o julgador conclua que o condenado reúne condições que, razoavelmente, fundam a expectativa de que, uma vez colocado em liberdade, assumirá uma conduta conforme às regras da comunidade. Inversamente, a liberdade condicional deverá ser negada quando o julgador conclua que o condenado não reúne tais condições, seja porque o juízo contrário se revela carecido de razoabilidade, seja porque se revela temerário; (cfr., v.g., o recente Ac. da Rel. de Coimbra de 12.06.2019, Proc. n.° 3371/10).
  Como também já tivemos oportunidade de considerar, a liberdade condicional não é de conceder quando o percurso até ao momento experienciado pelo condenado não oferece ainda suficiente segurança para sustentar um “juízo positivo” acerca do seu comportamento futuro quando em meio livre; (neste sentido, cfr., v.g., o recente Ac. da Rel. de Évora de 19.02.2019, Proc. n.° 13/16).».
  No que concerne aos requisitos formais para a concessão da liberdade condicional dúvidas não há, no caso em apreço, de estarem os mesmos verificados.
  No parecer elaborado pelo Director dos Serviços Correccionais e na Informação prestada pela Divisão de Segurança e Vigilância do Estabelecimento Prisional foi formulada opinião no sentido de não ser concedida a liberdade condicional requerida, uma vez que a Reclusa ainda tem de interiorizar a necessidade de adequar o seu comportamento de acordo com a lei e adquirir a consciência da ilicitude e de controlo dos seus actos.
  A decisão recorrida acompanhou aqueles pareceres.
  Foi preponderante na decisão recorrida o comportamento prisional da reclusa com várias infracções cometidas e as várias condenações de que já foi alvo – por crimes de furto qualificado, extorsão e emprego ilegal - inicialmente em penas de prisão cuja execução foi suspensa, as quais não se mostraram suficientes para que a reclusa conformasse a sua personalidade e comportamento de acordo com a lei, resultando não haver ainda a certeza da reclusa já ter adquirido as condições favoráveis ao prosseguimento de uma vida sem praticar crimes, o que se traduz na necessidade de maior observação e acompanhamento do seu comportamento, pelo que, se entendeu que o cumprimento da pena até agora atingido não são suficientes para se concluir que aquela já adquiriu as competências necessárias para agir de acordo com o dever-ser jurídico penal de que se falou supra.
  Concordando-se e acompanhando a decisão recorrida quanto a este aspecto igualmente entendemos não estar ainda verificado o requisito da al. a) do nº 1 do artº 56º do CP.
  
  Por outro lado, entende-se na decisão recorrida que em face da natureza dos crimes praticados e da reicindência, a censura ético-jurídica exigida pela sociedade demanda pelas já explicadas razões de prevenção geral positiva e negativa, tendo em consideração o desvalor da sua conduta e os bens jurídicos em causa, que a liberdade condicional não é compatível com a ordem jurídica e paz social, pelo que, não estando preenchido também, o requisito da al. b) do nº 1 do artº 56º do CP aquela não deve ser concedida.
  
  Destarte, acompanhando a decisão recorrida aquela que tem vindo a ser a jurisprudência deste tribunal em situações idênticas, não havendo reparo a apontar-lhe e aderindo aos fundamentos dela constantes, entendendo-se que não estão verificados os requisitos das alíneas a) e b) do nº 1 do artº 56º do CP, impõe-se decidir em conformidade.
  
III. DECISÃO
  
  Nestes termos e pelos fundamentos expostos, nega-se provimento ao recurso.
  
  Custas pela Recorrente fixando-se a taxa de justiça em 3 UC´s.
  
  Notifique.
  
  RAEM, 11 de Agosto de 2021
_________________________
Rui Carlos dos Santos P. Ribeiro
_________________________
Lok Si Mei
_________________________
Rong Qi

656/2021 1
PENAL (LC)