打印全文
Processo n.º 627/2021
(Autos de recurso em matéria cível - arresto)

Relator: Fong Man Chong
Data: 27 de Julho de 2021

ASSUNTOS:

- Requisitos de decretamento de arresto e conceito de justo receio

SUMÁRIO:

I – O decretamento da providência depende da verificação cumulativa de dois requisitos (artigo 351º do CPC e artigo 615º do CCM)../../../../Documents and Settings/antonio cruz/Os meus documentos/Trabalho - Base de Dados/c├¡vel/2┬¬ Sec/Dra Judite Pires/Proc 208-B2002 JUDITE PIRES.doc - _ftn10:
- A probabilidade da existência do crédito;
- Existência de justo receio da perda da garantia patrimonial.
II - Conforme entendimento unânime da jurisprudência, para a configuração do “justo receio” não basta o mero receio subjectivo do credor, sustentado em simples conjecturas, antes devendo fundar-se em factos concretos que sumariamente o indiciem. Também a simples recusa do cumprimento, despojada de outros factos que revelem perda da garantia patrimonial, não basta para o preenchimento do requisito em análise.
III - Sendo o arresto deduzido pelo credor contra o devedor, incumbe ao primeiro alegar e provar factos demonstrativos não só da existência do seu crédito, como também do justificado receio de perda da garantia patrimonial, consubstanciado, designadamente, na diminuição sensível do património do segundo, que constitui o garante do cumprimento das suas obrigações, como decorre do artigo 596º do CCM. Essa diminuição pode resultar quer da delapidação desse património, quer mesmo da sua ocultação.
IV – Ficou provado nos autos que a Requerida é titular de 38 imóveis (em vez de 39, um dos quais ficou registado em nome de terceiro), o que revela a dimensão e a solidez da Recorrida, acresce ainda um outro facto assente: durante um período de mais de onze meses, o saldo médio da conta bancária da Recorrida/Requerida foi superior a MOP$200,000,000.00, circunstâncias estas que demonstram a inexistência, in casu, de periculum in mora que justifique o decretamento da providência cautelar de arresto. Eis a razão bastante para indeferir o pedido da Requerente/Recorrente.


O Relator,

________________
Fong Man Chong




Processo nº 627/2021
(Autos de recurso em matéria cível - arresto)

Data : 27 de Julho de 2021

Recorrente : Recurso Final / Recurso Interlocutório
Consultores e Engenharia A, Limitada (A顧問工程有限公司) (Requerente)

Recorrida : Companhia de Construção de Obras Portuárias B, Limitada (B海灣工程有限公司) (Requerida)

*
   Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:

I - RELATÓRIO
    A – Recurso interlocutório:
    Consultores e Engenharia A, Limitada (A顧問工程有限公司), Recorrente, devidamente identificada nos autos, discordando das seguintes decisões:
- Despacho de indeferimento do pedido de algumas diligências apresentado pela Recorrente (fls. 339);
- Despacho que ordenou levantar o arresto por não preencher o 2º requisito (perigo em mora) do arresto, depois de ouvir a parte contrária (Requerida/Recorrida);
Veio, em 05/05/2021, recorrer para este TSI com os fundamentos constantes de fls. 38 a 55, tendo formulado as seguintes conclusões:
     1. O presente recurso vem interposto do douto despacho de fls. 1456, através do qual o Meritíssimo Juiz-Relator do Tribunal a quo rejeitou um conjunto de diligências probatórias requeridas a fls. 1452-5 pela Recorrente.
     2. O Tribunal a quo dispensou as formalidades por entendê-las desnecessárias, considerando-se satisfeito com os elementos carreados aos autos para poder retirar uma conclusão indiciária sobre a situação financeira da Recorrida.
     3. A Recorrida foi convidada excepcionalmente em sede de oposição a apresentar documento revelador da sua situação patrimonial, para demonstrar se se encontra apetrechada de "activo líquido" que logre afastar o periculum in mora identificado na decisão provisória que decretou o arresto.
     4. A Recorrida foi convidada a produzir tal documento obviamente por não ter sido capaz de demonstrar a estabilidade da sua situação financeira em sede de oposição.
     5. A Recorrida juntou o documento de fls. 1427-1435, que se revela ser uma pública-forma de parte dum relatório financeiro certificado por auditora credenciada e espelhará mais ou menos fidedignamente a situação da sociedade reportada a 31/12/19.
     6. A Recorrida poderia ter apresentado o mesmo documento na oposição que apresentou em sede da providência cautelar, mas por algum motivo não o fez, o que permite supor que não considerou que esse documento espelhasse a sua situação actual ou que entendeu que este documento podia prejudicar as suas pretensões.
     7. À luz destas motivações se compreenderá porque o documento não foi junto inicialmente e porque, quando o foi, a Recorrida decidiu truncar substancialmente parte do mesmo.
     8. Ainda assim, as informações que se conseguem extrair do documento apontam já para um estado periclitante das finanças da Recorrida, mesmo que se tenham ocultado dados que provavelmente o comprovam.
     9. O relatório de contas, ao contrário do que foi requerido pelo Tribunal, não foi aprovado pela assembleia geral da Recorrida.
     10. O relatório de contas não se reporta nem ao exercício que ora decorre, nem sequer ao exercício transacto, pelo que não pode ser determinante para asseverar a situação actual das finanças da Recorrida.
     11. O Tribunal recorrido, ao desconsiderar estas lacunas apontadas pela Recorrente, violou as normas do arts. 6.°, n.º 3,442.° e 462.°, todos do CPC, na medida em que desconsiderou por completo o facto de que a Recorrida havia omitido parte integrante e fundamental do documento produzido.
     12. Também foi desrespeitado o anterior despacho de fls. 1410, na medida em que o Tribunal não procurou obter informação actual da sociedade, nem tampouco se quis assegurar que os resultados tivessem sido de facto aprovados pela assembleia geral. 13. Na medida em que o Tribunal se desinteressou por completo de obter uma versão integral do documento e consequentemente de avaliar a real situação financeira da Recorrida, violou o princípio da procura da verdade e da justa composição do litígio.
     14. Também foi violado o princípio do contraditório, pois não foi facultada à Recorrente a possibilidade de se pronunciar informadamente sobre o documento junto aos autos.
     15. As circunstâncias em que foi concedida à contraparte uma oportunidade excepcional de apresentar um documento e depois impossibilitado qualquer escrutínio adequado por parte da Recorrente manifestam uma violação do princípio da igualdade das partes.
     16. O documento junto pela Recorrida a fls. 1427 a 1435 vem identificado como sendo uma pública-forma dum relatório de auditoria preparado por C, que expõe as contas da sociedade após o decurso do exercício anual de 2019.
     17. A Recorrida terá apresentado ao notário público apenas parte do documento, tendo truncado dele informações fundamentais que permitem rebater adequadamente as conclusões nele vertidas.
     18. A versão do documento apresentada não permite à Recorrente analisar capazmente os números nele ínsitos porque a Recorrida omitiu quaisquer dados relevantes para a verdadeira apreciação da sustentabilidade da sociedade.
     19. Como se evidencia pelas notas de rodapé de folhas 3 a 5 do próprio relatório (a fls. 1431-3 dos autos), foram truncadas as folhas 8 a 31 do relatório, as quais se consideram, textualmente, parte integrante do mesmo.
     20. O facto de que os elementos truncados são parte integral do documento significa que são parte indivisível e inextrincável do mesmo; os números só fazem sentido e se compreendem quando confrontados com as fontes donde são retirados.
     21. É nos dados ocultados que se pode asseverar a fiabilidade e coerência dos números que foram facultados, especialmente porque valores muito substanciais se encontram inseridos em rubricas de activos incertos e seguramente controversos.
     22. As páginas omitidas do relatório providenciam informações complementares essenciais para compreender os números reflectidos no balanço e na conta de ganhos e perdas.
     23. Nos termos do art. 54.°, n.º 2 do CCom, "[a]s contas anuais devem ser redigidas com clareza e mostrar a representação fidedigna do património, da situação financeira e dos resultados da empresa".
     24. O art. 54.°, n.º 3 do CCom acrescenta que "[q]uando a aplicação das disposições legais não seja suficiente para mostrar a representação fidedigna do património, da situação financeira e dos resultados da empresa, devem indicar-se as informações complementares necessárias para alcançar esse resultado."
     25. Ainda que se entenda que a informação omitida configure o anexo, este é parte integral e essencial do relatório de contas anuais ou do exercício da empresa, nos termos do art. 54.°, n.º 1 do CCom.
     26. Nos termos do art. 55.°, n.º 3 do mesmo diploma, o anexo "completa, amplia e explica a informação contida no balanço e na conta de ganhos e perdas; quando o imponha uma disposição legal, o anexo inclui a rubrica de financiamento, na qual se inscreverão os recursos obtidos no exercício e suas diferentes origens, bem como a aplicação ou emprego dos mesmos em activo imobilizado ou activo circulante."
     27. Na situação em apreço, o escrutínio dos elementos em falta é fundamental, visto que os números espelhados no relatório parcial levantam sérias dúvidas sobre os elementos em que se consubstanciam.
     28. Uma análise superficial e acrítica dos resultados espelhados no relatório sob apreço revela que a Recorrida apresentava no final do exercício de 2019 um saldo positivo total de MOP$42,585,917.00.
     29. Este relatório permite constatar que a sociedade registou nesse exercício perdas na ordem das MOP$11,754,253.00.
     30. Descontando o valor do capital social e a reserva legal prevista no art. 377.°, n.º 4 do CCom, aparentemente a sociedade apresentava lucros distribuíveis na ordem das MOP$12,585,917.00.
     31. Não se sabe se estes valores foram distribuídos ou não pelos sócios, pois não foi facultado ao Tribunal a deliberação que supostamente terá aprovado os resultados e determinado a aplicação dos excedentes.
     32. Tendo em conta tão-só a dimensão das obras em que a Recorrida está envolvida (desde logo a empreitada que originou o presente litígio) e dos montantes que dela são reclamados, tais valores não representam garantias significativas de sustentabilidade para os seus credores ou para as demais partes que com ela contratem.
     33. Se analisarmos o relatório de contas mais atentamente, deparamo-nos com indícios muito fortes de que a situação financeira da Recorrida é de facto alarmante, mesmo sem os demais valores ocultados que seguramente confirmarão tais indícios.
     34. Os valores das contribuições dos sócios ("借入股東款") para a sustentação da actividade da empresa atingiram no final de 2019 as MOP$721,916,774.00.
     35. As contas demonstram que o item conta corrente para com os sócios ("股東往來") apresenta um défice bastante considerável, para não dizer anormal, no valor total de MOP$151,477,970.00.
     36. Estes dados revelam que a sociedade apenas continua a operar devido a um esforço financeiro estrondoso por parte dos sócios, os quais se presumem estar seguramente na primeira linha de credores a ressarcir.
     37. O investimento dos sócios, sendo essencial para a actividade da empresa, deve ser incorporado enquanto capital social da sociedade, para garantir que esta se encontra dotada dos meios necessários para a prossecução da sua actividade.
     38. Seria importante o Tribunal asseverar em que se consubstanciam estes financiamentos dos sócios, designadamente através da análise da versão integral do relatório, onde se incluem as anotações (附註) n.º 24 e 25 que explicam estes valores.
     39. Tendo em conta os números preocupantes acima revelados, os resultados globais da actividade da empresa apenas conseguem ultrapassar os limites de sustentabilidade devido aos montantes elevadíssimos que vêm catalogados sob o conjunto de créditos que a sociedade tem a reaver de terceiros ("應收帳款及預付款項"), que ascendem às MOP$659,980,952.00.
     40. É fundamental que se possa analisar que itens compõem tal rubrica, através duma análise à anotação n.º 20 do relatório, para compreender em que se baseia a sociedade para chegar a tão estrondoso valor para estes activos.
     41. Não se deve perder de vista decorre outra acção intentada pela Recorrente para reaver quantias em dívida resultantes da empreitada do terminal marítimo da Taipa, que atingiam na altura as MOP$74,510,078.37, sendo manifesto que tal montante não está seguramente reflectido neste relatório de contas.
     42. O mais preocupante, porém, é a propensão para a Recorrida transformar dívidas aparentes em créditos sobre terceiros.
     43. Como se evidenciou no art. 125.° da Oposição, a Recorrida espantosamente aludiu pela primeira vez a um crédito sobre a Recorrente, por virtude de adiantamentos imaginários que ascendem às MOP$127,866,173.20.
     44. Também no artigo 65.° da sua Oposição, a Recorrida afirmou que a D lhe é devedora da quantia de MOP$157,214,432.81, quando está comprovado indiciariamente que a Recorrida tem dívidas a outros subempreiteiros (facto assente na alínea GG) da sentença que decretou o arresto), como o gerente desta sociedade explicou em audiência de julgamento a existência de dívidas no sentido oposto, que atingem as MOP$118,258,701.84.
     45. É difícil crer que se deva à ingenuidade o facto da Recorrida ter optado por não juntar o relatório da sua actividade num primeiro momento, em sede de oposição, e que neste momento apenas o tenha feito parcialmente.
     46. É bastante razoável assumir que na rubrica de 應收帳款及預付款項 estarão elencados valores a que a Recorrida não terá direito e que por esse motivo não seja expectável que tais montantes venham algum dia a entrar em caixa.
     47. Logicamente, consegue-se adivinhar que no final de 2019 as contas da sociedade já se revelavam deficitárias.
     48. Tendo em conta as disparidades entre os montantes que a Recorrida supostamente deve e aqueles de que a Recorrida alega ser credora, é essencial que se consiga desvendar os elementos que fundamentam esta rubrica, através da cabal apreciação da anotação n.º 20, e eventualmente outras informações complementares do relatório.
     49. Também os valores catalogados sobre as rubricas 使用權資產,投資聯營公司 e 其他股權投資são demasiado vagos e opacos para que alguma fé neles se possa depositar sem uma análise complementar das respectivas anotações (n.ºs 12, 13 e 14).
     50. Globalmente, o relatório levanta mais dúvidas do que esclarece, as quais poderão ser dissipadas se o Tribunal tiver acesso à versão integral do documento sob escrutínio.
     51. Por virtude dos argumentos aqui ecoados, a Recorrente havia requerido ao Tribunal, nos termos do art. 6.°, n.º 3, do art. 442.° e do art. 462.° do CPC, fosse convidada a auditora que preparara o relatório de contas a apresentar ao Tribunal a versão integral certificada do relatório de contas de 2019 da actividade da Recorrida, 52. Sem prejuízo, obviamente, de o Tribunal confiar que a própria parte poderia facultar ela própria numa segunda oportunidade a versão integral do documento.
     53. Ao contrário do que foi requerido à contraparte e do que consta no despacho recorrido, o relatório de contas que foi submetido ao Tribunal não foi aprovado pela assembleia geral.
     54. As contas anuais ou de exercício devem ser assinadas por todos os administradores, nos termos dos arts. 57.º, n.º 1, al. b) e 255.º, n.º 2, ambos do CCom.
     55. Nos termos do art. 256.°, n.º 2 do CCom, as contas anuais devem ser sujeitas ao escrutínio do Conselho Fiscal, o qual deve verificar "se as contas anuais e o relatório da administração são exactos e completos, se dão a conhecer fácil e claramente a situação patrimonial da sociedade" (art. 256.°, n.º 3, al. a) do CCom).
     56. O balanço, a conta de ganhos e perdas e o relatório da administração referentes ao exercício devem ser aprovados pelos sócios em assembleia geral ordinária, nos termos dos arts. 216.°, al. b) e art. 220.°, n.º 1, al. a) do CCom.
     57. Não satisfazendo o comando ínsito no despacho de fls. 1410, deveria ter sido a parte convidada a apresentar relatório de contas relativamente ao exercício de 2019, assinado por todos os administradores, escrutinado pelo Conselho Fiscal e aprovado pela assembleia geral.
     58." A deliberação da assembleia geral que tiver aprovado as contas oferecerá também uma visão mais consentânea das finanças da sociedade, pois reflectirá a aplicação dos resultados do último exercício (art. 216.°, al. d) e art. 220, n.º 1, al. b) do CCom).
     59. O Juiz do Tribunal a quo no despacho de fls. 1410 expressamente requereu à contraparte que produzisse um documento que desse a conhecer a sua situação financeira actual ("se esta tem agora activo líquido").
     60. O documento facultado pela Recorrida reflectirá os resultados do dia 31/12/2019, data que antecede em vários meses o levantamento das garantias e a interposição das várias acções judiciais que opõem as partes.
     61. Não se pode pretender que este relatório de contas reflicta a situação presente da Recorrida, nem sequer aquela que se verificava aquando do levantamento das garantias (7/7/2020), aquando do decretamento do arresto (16/10/2020) e muito menos aquando da decisão de levantamento do arresto (19/3/2021).
     62. A forma leviana e inescrupulosa como foi requerido o levantamento das garantias bancárias deixa adivinhar que de facto no momento em que decidiu levantar as garantias a situação financeira da Recorrida estava muito complicada.
     63. Tendo em conta que o exercício de 2019 revelou perdas na ordem das MOP$11,754,253.00, a manutenção ou agravamento desta tendência negativa facilmente terá conduzido a uma situação insustentável das contas da sociedade ainda durante o ano de 2020.
     64. É importante insistir na facultação de informações mais actualizadas, para que o Tribunal se possa certificar que a situação da sociedade não é tão precária como parece ser.
     65. Nos termos do art. 254.°, n.º 1 do Código Comercial, no final de cada exercício, a administração da sociedade deve organizar as contas anuais e elaborar um relatório respeitante ao exercício e uma proposta de aplicação de resultados,
     66. Aquando da prolação do despacho recorrido, mostrando-se encerrado o exercício respeitante ao ano de 2020, a administração da Recorrida já estaria munida seguramente com um conjunto de informações mais consentâneas e fidedignas, devendo ter já elaborado este relatório exigido pela legislação comercial e que ofereceria ao Douto Tribunal uma imagem mais actualizada das suas contas.
     67. O exercício mais recente terminou a 31/12/2020, estando a assembleia geral a deliberar sobre as suas contas em reunião ordinária dentro os primeiros três meses deste ano (nos termos do art. 220.°, n.º 1 do CCom) e devendo o relatório de contas ser submetido ao Conselho Fiscal até 30 dias antes da data prevista para a assembleia geral ordinária, nos termos do art. 256.°, n.º 1 do CCom.
     68. Ainda que este relatório não tivesse sido elaborado quando o Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo tomou a decisão recorrida (a 19/2/2021), era inescapável que estivesse pronto, nos termos da lei, a 1/3/2021, a data-limite para que este fosse submetido ao Conselho Fiscal.
     69. Também o Conselho Fiscal deveria elaborar o seu relatório "até à data da expedição ou publicação dos avisos convocatórios da assembleia geral ordinária", nos termos do art. 256.°, n.º 2 do CCom, pelo que muito provavelmente estaria este também já completo quando decorreu a audiência final de julgamento (10/3/2021).
     70. Deveria a parte contrária ter sido convidada - nos termos do art. 6.°, n.º 3, do art. 442.° e do art. 462.° do CPC - a fornecer um relatório de contas mais actualizado, relativamente ao exercício de 2020, se possível já com o parecer do Conselho Fiscal e a deliberação de aprovação da Assembleia Geral.
     71. Como se viu, o Tribunal recorrido, além de violar o seu próprio despacho anterior de fls. 1410, violou as normas do art. 6.°, n.º 3, do art. 442.° e do art. 462.° do CPC e especialmente o princípio da busca da verdade e da justa composição do litígio que as enforma.
     72. Tendo em conta as legítimas preocupações suscitadas pela Recorrente no que respeita à fidedignidade dos números relevados pelo documento parcial junto pela Recorrida, mister era que o Tribunal a quo procurasse saber realmente se os dados que a enformavam revelavam consistência.
     73. O Tribunal a quo deu-se por satisfeito com uma junção parcial do documento, consciente do facto de que a Recorrida havia truncado parte essencial do documento que poderia contraditar a aparência da estabilidade da sua situação financeira.
     74. Se é verdade que a prova que se tem de produzir em termos de procedimento cautelar é de facto indiciária, não quer isso dizer que o Tribunal possa ignorar o facto de que a contraparte juntou apenas a parte do documento que lhe interessava.
     75. Sabendo o Tribunal que existe parte da prova que foi ocultada, terá obviamente de dar relevância a este facto, não podendo querer beneficiar a parte que ostensivamente pretendeu ocultá-la.
     76. Ao contrário do que referiu o Tribunal no despacho recorrido, a contraparte não omitiu "documentos de suporte", mas sim uma parte integrante e fundamental do documento facultado.
     77. Na verdade, a forma como o documento foi junto aos autos pela contraparte é indiciário do contrário do que pretende demonstrar - por detrás dos números revelados, esconde-se uma situação insustentável da sociedade recorrida.
     78. Tendo em conta que o art. 437.° do CC estabelece que a dúvida sobre a realidade de um facto resolve-se contra a parte a quem o facto aproveita, o Tribunal deveria pretender ver-se esclarecido nos termos requisitados e não secundar a informação que conveio à Recorrida facultar.
     79. O despacho recorrido violou o princípio do contraditório pois impossibilita a parte de se pronunciar capaz ou conscienciosamente sobre o documento facultado.
     80. Nos termos do art. 438.° do CPC, "não são admitidas nem produzidas sem audiência contraditória da parte a quem tenham de ser opostas" , ao passo que o art. 3.° do CPC consagra o contraditório como princípio fundamental do processo civil.
     81. A Recorrente não se pode pronunciar sobre o documento porque parte relevante do mesmo foi ocultado; de facto, é impossível rebater as conclusões do relatório se as premissas - ou os seus pressupostos - foram omitidos.
     82. Os números por si não significam nada se não se encontram sustentados e justificados: um relatório de contas deve ser apreciado no seu todo e não afuniladamente pelas suas conclusões.
     83. A Recorrente não tem a oportunidade de oferecer uma pronúncia devidamente informada do documento, porque este se encontra incompleto, nessa medida tendo sido coarctado o seu direito ao contraditório.
     84. A Recorrente não pôde, de facto, contraditar o documento apresentado ou rebater as conclusões nele reveladas.
     85. Na mesma medida, o despacho recorrido viola o princípio da igualdade das partes consagrado no art. 4.° do CPC, pois demonstra um tratamento favorável do Tribunal para com uma das partes - a quem se permite juntar um documento que lhe é favorável extemporaneamente - em detrimento de outra, à qual nem sequer é permitida pronunciar-se sobre o mesmo cabalmente ou exigir que este seja produzido de forma devida.
     86. Resumidamente, o despacho recorrido violou as normas do art. 6.°, n.º 3, do art. 442.° e do art. 462.° do CPC, ao não ordenar as diligências de prova que se justificavam porque o documento junto pela contraparte veio truncado de informação essencial e porque não foram facultadas informações actualizadas nem aprovadas da forma devida.
     87. O despacho recorrido violou o comando ínsito no despacho anterior de fls. 1410, que ordenara exactamente que a informação prestada fosse actual e devidamente aprovada.
     88. O despacho recorrido violou os princípios da busca da verdade e da justa composição do litígio, do contraditório e da igualdade das partes.
*
    A Recorrida, Companhia de Construção de Obras Portuárias B, Limitada (B海灣工程有限公司), veio, 11/06/2021, a apresentar as suas contra-alegações constantes de fls. 150 a 179, tendo formulado as seguintes conclusões:
     I. Veio a ora Recorrente interpor recurso do despacho de fls. 1456, que indeferiu as diligências por aquela requeridas a fls. 1455v.
     II. A Recorrente, apesar de recorrer do despacho de fls.1456, acaba por tentar impugnar o documento junto pela Recorrida a fls. 1426-1435, atacar a convicção que o Tribunal a quo formou após a análise do documento, e atacar o próprio despacho de fls. 1410.
     III. Tendo em conta que o presente recurso é um recurso do despacho de fls. 1456 (que indeferiu a realização de certas divergências probatórias), não cumpre debater aqui questões relativas a um documento junto aos autos pela Recorrida.
     IV. Qualquer questão relativa a esse documento deveria ter sido alegada após a junção do mesmo aos autos.
     V. Não é este também o momento próprio para apresentar motivos sobre uma eventual discordância com a convicção do Tribunal a quo após a análise desse documento poderá ser demonstrada em sede de recurso da decisão final. Esses motivos deveriam ter sido apresentados no recurso da decisão final, e não neste recurso, do despacho de fls. 1456.
     VI. A Recorrente tenta aproveitar o recurso do despacho de fls. 1456 para se insurgir contra o despacho de fls. 1410, invocando que o Tribunal deu à Recorrida “[...] uma oportunidade extra de carrear prova para o procedimento cautelar, para que pudesse comprovar a estabilidade da sua situação financeira [...], alegando que a Recorrida “[...] não havia ilidido cabalmente o existência do periculum in mora que esteve na base do decretamento da providencia do arresto.”
     VII. O despacho de fls. 1410 foi proferido em respeito pelo princípio do inquisitório consagrado no art. 6º, nº 3 do CPC, e segundo o qual o juiz tem a iniciativa da prova, podendo realizar e ordenar oficiosamente todas as diligências necessárias para o apuramento da verdade, princípio esse expressamente consagrado no âmbito dos procedimentos cautelares, nos termos do disposto no art. 331º, nº 1 do CPC.
     VIII. O despacho visava apenas a junção do balanço para comprovação, ainda que sumária, da existência de activo líquido da Recorrida, e não para colmatar qualquer inércia da Recorrida na produção de prova.
     IX. A Recorrente teve a oportunidade de, em sede de requerimento inicial de arresto, carrear para os autos a prova que julgou ser necessária para demonstrar o periculum in mora, mas aproveitou-o apenas para tentar passar para o Tribunal uma versão dos factos que, em sede de oposição, se veio a mostrar viciada.
     X. O despacho de fls. 1410 não merece qualquer censura e nem foi sequer posto em causa porquanto a Recorrente se conformou com o mesmo.
     XI. O referido despacho não violou o princípio da igualdade ou do contraditório, pois o que se permitia era apenas a resposta ao pedido de litigância de má fé, e essa foi admitida (e o pedido de litigância de má fé veio até a ser julgado improcedente).
     XII. Tudo isto, parece-nos, determinará logo à partida a improcedência do recurso a que ora se responde.
     XIII. Da mesma forma, não merece qualquer censura o despacho fls.1456 que indeferiu as diligências probatórias requeridas pela Recorrente, parecendo-nos que a decisão Recorrida é irrepreensível e deverá ser integralmente confirmada.
     XIV. Como resulta da lei, designadamente do art. 329º, nº1 do CPC, a prova do Requerente da providencia cautelar é junta com o requerimento inicial.
     XV. Em sede de oposição ao Arresto cabe à Recorrida, ali Requerida, produzir prova que afaste os requisitos da providencia cautelar decretada, designadamente, que afaste o periculum in mora.
     XVI. Com a oposição ao arresto visa-se a apreciação dos factos e das provas carreados pela Recorrida que não foram considerados pelo tribunal no primeiro momento, e que justifiquem, ou possam afastar o arresto.
     XVII. Não pode a Recorrente vir em sede de oposição requerer diligências de prova atrás de diligencias de prova, uma vez que tal faria arrastar um processo que se tem por urgente, e onde apenas se exige uma prova sumária dos factos.
     XVIII. Aquilo que a Recorrente está a fazer mais não é do que impugnar um documento junto pela Recorrida, invocando, ainda que sem qualquer razão, que o mesmo não pode demonstrar a capacidade financeira da Recorrida.
     XIX. Se aquilo que a Recorrente pretende é atacar a convicção que o Tribunal retirou daquele documento, então, não o poderá fazer neste recurso, mas no recurso que verse sobre a sentença final que decretou o levantamento do arresto;
     XX. Ao ordenar à Recorrida que viesse juntar aos autos documentação adicional, o Tribunal a quo foi claro ao referir que o que pretendia avaliar era “[...] a situação financeira da Requerida, ou seja, se esta tem agora activo líquido [...]".
     XXI. Os elementos do relatório de auditoria apresentados pela Recorrida são precisamente aqueles que permitem concluir aquilo que o Tribunal a quo pretendia saber: se a Requerida tem, ou não, activo líquido.
     XXII. Estava em causa aferir se se verificava o pressuposto do periculum in mora, pressuposto essencial para o decretamento da providência cautelar de Arresto, e para esse efeito não era necessária uma análise exaustiva das contas da Recorrida e o documento apresentado a fls. 1426-1435 espelha a situação financeira da Recorrida.
     XXIII. A Recorrida consegue retirar do documento junto pela Recorrida as suas próprias conclusões quanto à situação financeira da Recorrida, a questão é que a Recorrente não concorda com a convicção do Mmo. Juiz a quo.
     XXIV. A intenção da Recorrente parece ser a de discutir ponto por ponto as finanças da Recorrida, mas parece-nos que tal escaparia ao objecto de um procedimento cautelar de Arresto.
     XXV. Ficou por demais evidente que a Recorrida tem activo líquido considerável e nada há que leve a pensar que as conclusões da auditora que elaborou o relatório não sejam credíveis.
     XXVI. Percebendo que os resultados da Recorrida são largamente positivos e que as suas finanças estão "de boa saúde", a Recorrente tenta lançar dúvidas e suspeições que nos parecem infundadas.
     XXVII. Resultou evidente um resultado (largamente) positivo espelhado pelo balanço junto aos autos, o que será suficiente para afastar o periculum in mora neste caso.
     XXVIII. O tribunal a quo não impôs que o documento a ser junto aos autos seria o balanço aprovado, mas antes sugeriu que fosse o balanço aprovado, mas acrescentou “´[...] ou demais documentos em [que] pode ser demonstrada a situação patrimonial da Requerida".
     XXIX. A preocupação do Tribunal a quo parece ter sido, única e exclusivamente, a de saber se a Recorrida tinha ou não activo líquido, e com o documento junto aos autos pela Recorrida tal parece ter ficado esclarecido.
     XXX. À data do despacho de fls. 1410 o exercício de 2020 não tinha sequer terminado, o que obstava a que a ora Recorrida viesse juntar aos autos um balanço relativo ao ano de 2020.
     XXXI. Assim, as informações juntas aos autos foram as mais actualizadas que era possível juntar.
     XXXII. Segundo o princípio do inquisitório (art. 6.º, n.º 3 do CPC), o juiz pode ter a iniciativa da prova, podendo ordenar oficiosamente todas as diligências que reputar como necessárias para o apuramento da verdade.
     XXXIII. O artigo 6.º, n.º 3 do CPC constitui uma possibilidade para o julgador, não uma obrigação.
     XXXIV. Aquilo que encontramos no artigo 6.º, n.º 3 do CPC é uma possibilidade deixada ao julgador de ordenar oficiosamente as diligências que repute como necessárias.
     XXXV. A obrigação de prova (o ónus) recai sobre as partes e, neste caso, a Recorrente não logrou fazer a prova que lhe competia - de existência do periculum in mora.
     XXXVI. Para o que estava em discussão neste processo, o Tribunal a quo foi claro: para além da junção de documentos que ordenou no seu despacho de fls. 1410, não considerou necessária nenhuma diligência adicional.
     XXXVII. O princípio do inquisitório dá a possibilidade ao julgador de, dentro daquilo que entender necessário, ordenar diligências probatórias, não estabelece uma obrigação de investigação.
     XXXVIII. Tendo em conta que é o julgador quem tem o poder de ordenar as diligências necessárias para a descoberta da verdade, não se percebe como é que a sua decisão pode violar um preceito que impõe o dever de colaboração às partes.
     XXXIX. A Recorrente ataca a decisão recorrida assacando-lhe a violação de um dever que não pode ser apontado nem a uma decisão nem ao seu decisor, apenas à parte que, eventualmente, tenha circundado esse dever de cooperação, incumprindo-o.
     XL. O artigo 462.º do CPC não tem qualquer aplicação neste caso, porquanto esse artigo refere-se à requisição de documentos a outros organismos, e não solicitação de documentos às partes.
     XLI. Não podemos ignorar o poder investido no juiz consagrado não apenas no art. 6º, nº 3 do CPC, mas também no art. 331º, nº 1 do CPC no que aos procedimentos cautelares diz respeito.
     XLII. Era à Recorrente que competia fazer prova da existência de factos que determinassem o preenchimento do periculum in mora, prova essa que a Recorrente não logrou fazer.
     XLIII. Mesmo não tendo a Recorrente feito a prova que lhe competia, viu-se ainda a Recorrida na situação de ter de provar o contrário, ou seja, de ter de provar que não havia periculum in mora algum, e que as suas finanças estão de boa saúde, prova essa que fez, imbuída do espírito de colaboração com a justiça.
     XLIV. A Recorrida provou cabal e inequivocamente que tem uma situação financeira saudável, parecendo-nos que nenhuma dúvida sobre esse facto subsiste.
     XLV. Não há, in casu, violação de contraditório alguma, uma vez que a Recorrente teve a possibilidade de se pronunciar sobre os elementos juntos aos autos.
     XLVI. Além disso, não caberia neste processo fazer aquilo que a Recorrente queria certamente fazer: discutir se concretas rubricas do balanço da Recorrida eram ou não legítimas.
     XLVII. Não se verificou também nenhuma violação do princípio da igualdade das partes.
     XLVIII. Ao contrário do que afirma a Recorrente, não está em causa uma permissão dada a uma parte de juntar um documento extemporaneamente.
     XLIX. Aquilo que aconteceu foi que o Tribunal a quo, no âmbito dos poderes que lhe são concedidos pela lei (nomeadamente pelos artigos 6.º, n.º 3 e 331º, nº 1º do CPC) ordenou oficiosamente a junção aos autos de um documento que entendeu necessário para o apuramento da verdade, enquanto que rejeitou
     L. Aquilo que se verificou foi uma gestão processual (perfeitamente enquadrada na lei) por parte do Tribunal a quo, que não podemos deixar de entender como ponderada, adequada e meritória.
     LI. Na sequência de tudo o aqui alegado, deve ser o presente recurso interposto pela Recorrente julgado totalmente improcedente, e confirmada integralmente a decisão aqui posta em causa, que consta no despacho de fls. 1456.
*
    B – Recurso da decisão final:
    Consultores e Engenharia A, Limitada (A顧問工程有限公司), Recorrente, devidamente identificado nos autos, discordando da sentença proferida pelo Tribunal de primeira instância, datada de 19/03/2021, veio, em 18/05/2021, recorrer para este TSI com os fundamentos constantes de fls. 97 a 116, tendo formulado as seguintes conclusões :
     1. O presente recurso vem interposto do douto despacho de fls. 1463-1475, através do qual o Tribunal a quo decretou o levantamento do arresto.
     2. Nos termos do art. 333.°, n.º 2 do CPC, esta nova decisão é complementar da anterior que decretara o arresto, que constitui parte integrante do despacho recorrido.
     3. Tal decisão assentou fundamentalmente no entendimento de que a Recorrida logrou afastar o receio da perda da garantia patrimonial, a isto aliando o entendimento inovador de que o levantamento abusivo das garantias afinal não seria revelador de qualquer motivo preocupante para os interesses da Recorrente.
     4. A Recorrente esforçar-se-á por demonstrar que o Tribunal a quo mal andou ao decretar o levantamento do arresto, e isto porque de facto o receio da perda da garantia patrimonial não se encontra dissipado.
     5. A Recorrente aponta à sentença recorrida um vício de nulidade de sentença por excesso de pronúncia, nos termos do art. 571.°, n.º 1 al. d) do CPC.
     6. A Recorrente requer incidentalmente a reforma da sentença no que respeita à matéria fáctica, nos termos consentidos pelo art. 629.°, n.º 1 do CPC.
     7. A Recorrente aponta à sentença erros de julgamento no que respeita à apreciação do justo receio da perda da garantia patrimonial.
     8. O Tribunal a quo entendeu que o justo receio da perda da garantia patrimonial teria sido eliminado por duas ordens de ideias: o levantamento abusivo das garantias não denotava (afinal) quaisquer complicações financeiras subjacentes; a situação financeira da Recorrida revela-se estável ou equilibrada.
     9. No que respeita ao primeiro destes fundamentos, o Tribunal a quo imiscui-se em terrenos que lhe estavam arredados, pois inverteu o entendimento sufragado pelo anterior julgador que determinara o arresto.
     10. Nessa medida terá ultrapassado o escopo da sua intervenção em sede de oposição, arrogando-se de funções equivalentes às de um tribunal de recurso, pois insurgiu-se contra o entendimento sufragado pelo Juiz anteriormente responsável pela causa.
     11. O M.MO Juiz poderia conhecer dos factos novos e meios de prova não antes considerados, estando-lhe vedado, no entanto, corrigir entendimentos consignados no despacho anterior com os quais discordasse.
     12. O M.MO Juiz do Tribunal a quo que inicialmente decretou o arresto atribuiu especial preponderância ao facto de que as garantias foram abusivamente levantadas, para determinar como justificada a providência cautelar requerida.
     13. No despacho que determinou o levantamento do arresto é patente a discordância desse entendimento anteriormente sufragado; aí consigna-se que o levantamento pode ser injustificado pelo facto de não ser necessária a invocação de causa.
     14. Tal entendimento peca desde logo por confundir a desnecessidade de invocação de (justa) causa com a absoluta necessidade de ela existir - daí a caracterização do levantamento das garantias como abusivo.
     15. Mais relevante é o facto de que subtilmente o M.MO Juiz do Tribunal a quo acabou por desconsiderar a relevância dada a tal facto no despacho que decretou o arresto. 16. Ao fazê-lo excedeu as suas funções, actuando enquanto tribunal de recurso, cargo que não lhe foi atribuído.
     17. Devem-se ter por não escritas tais considerações, nessa medida padecendo a sentença da nulidade prevista no art. 571.°, n.º 1, al. d) do CPC, pois o Tribunal a quo pronunciou-se sobre questões de que não podia tomar conhecimento.
     18. O despacho recorrido entrou em contradição insanável com a fundamentação do despacho que decretou o arresto, não se fundando este novel entendimento em factos novos ou provas supervenientes.
     19. Terá sido violada a norma do art. 333.°, n.º 1, al. b) do CPC, pois foi ultrapassado o escopo das finalidades da oposição aí consignadas.
     20. A Recorrente arguirá de passagem vícios que tingiram a apreciação da prova na sentença recorrida, os quais poderão ter influência a jusante na reapreciação do requisito do justo receio da perda da garantia patrimonial.
     21. O Tribunal deu por verificado o facto vertido na alínea PP) por confronto com as certidões do registo predial constantes de fls. 1211 a 1306.
     22. O único reparo que aqui temos a apontar é que a fracção autónoma designada por "E12" da descrição n.º 21944 se encontra registada não em nome da Recorrida mas antes de um tal de E.
     23. Nos termos do art. 629.° do CPC, n.º 1, als. a) e b) e n.º 2, tal facto deverá ser rectificado em conformidade, nos seguintes termos: "PP. A Requerida detém em Macau 38 imóveis"
     24. Por outro lado, o Tribunal deu por assente o facto vertido na alínea QQ) exclusivamente com base no documento de fls. 679.
     25. Do teor do documento, não se pode concluir, como fez o Douto Tribunal a quo, que “[a] Requerida detém os seus depósitos, cujo valor ascende a mais de 200 milhões de patacas.”
     26. Esta declaração efectuada em nome do "F Limitada, Sucursal de Macau”, com ressalva expressa de qualquer responsabilização pelo seu conteúdo, afirma que em média a Recorrida deteve um saldo diário não inferior a 200 milhões de patacas durante o período que mediou entre 1/1/2020 e 4/11/2020.
     27. Teoricamente, isto significa que é possível que a 4/11/2020 não detivesse qualquer saldo naquela instituição bancária, visto que apenas foi facultada a média do período que abarcou os cerca de 10 meses antecedentes à declaração.
     28. Aquela instituição bancária poderia ter declarado o montante que estava depositado à ordem da Recorrida na data em que produziu o documento, mas não o fez.
     29. Não se compreende por que razão a Recorrente não decidiu simplesmente anexar um extracto bancário que lograsse confirmar o facto que alegou.
     30. A junção de tão enigmática declaração bancária não poderá servir o propósito probatório almejado, pois essa não é adequada para tal finalidade.
     31. Nos termos do art. 629.° do CPC, deverá ser rectificada a alínea QQ) da matéria de facto assente para passar a constar o seguinte: "QQ) Entre 1 de Janeiro de 2020 e 4 de Novembro de 2020, a Requerida deteve um saldo médio de depósitos bancários não inferior a 200 milhões de patacas no F Limitada, Sucursal de Macau."
     32. O Tribunal a quo entendeu que (1) não deveria ser dada especial relevância ao facto de que as garantias foram abusivamente levantadas e que (2) os imóveis da Recorrida e o seu saldo bancário, aliados ao balanço, revelam que "o grau do risco de ocultação ou dissipação dos bens da Requerida" é baixo.
     33. Quanto ao primeiro dos argumentos, além de consubstanciar excesso de pronúncia, é ademais revelador de um erro de julgamento, pois é óbvio que o levantamento das garantias quando não consubstancia o uso legítimo dum direito revela um outro propósito mais preocupante que não aquele inerente às suas finalidades.
     34. Não nos podemos olvidar que as garantias foram levantadas numa altura em que a Recorrente já havia terminado a prestação que lhe cabia no escopo das obras.
     35. Apenas a necessidade urgente de colmatar um grave buraco financeiro poderá ter impelido a Recorrida a lançar mão às garantias em seu nome prestadas.
     36. Tal entendimento fora já fixado, aliás, pelo Tribunal recorrido em sede do decretamento de arresto.
     37. Nestes termos, padece o despacho recorrido de erro de julgamento, devendo dar-se redobrada relevância ao facto de que as garantias terão sido abusivamente levantadas para concluir pela periclitante situação financeira da Recorrida.
     38. Quanto ao segundo argumento, não é verdade que a Recorrida tenha logrado comprovar que "baixa o grau do risco de ocultação ou dissipação dos bens da Requerida", nem tampouco que a sua situação financeira esteja equilibrada.
     39. Dissecando a decisão recorrida, extrai-se que o Douto Tribunal a quo assentou o seu entendimento especificamente em três factos: (a) a Recorrida detém 39 bens imóveis; (b) a Recorrida detém um saldo bancário não inferior a MOP$200,000,000.00; (c) o balanço de fls. 1427 e 1436 é equilibrado.
     40. A detenção dos 38 imóveis por parte da Recorrida de forma alguma dissipa o receio da perda da garantia patrimonial, estando ela livre de dispor deles a seu bel-prazer.
     41. Outro seria o caso se a Recorrida tivesse sugerido - ou o Douto Tribunal determinado - que fossem tais imóveis arrestados em sede desta providência cautelar. 42. Não sendo esse o caso, é irrelevante para a decisão em sede de providência cautelar o facto da Recorrida ser detentora de um ou trinta e oito imóveis.
     43. Tendo em conta a imensa fé que o Douto Tribunal a quo depositou no relatório de contas apresentado, não se compreende em que medida o número de imóveis pode querer ser valorizado autonomamente se já contribui para os números parciais que a Recorrida providenciou, designadamente sob o item 物業、機器及設備
     44. Não se deve dar por comprovado - por falta de elementos que o revelem - que a Recorrida detém um saldo bancário não inferior a MOP$200,000,000.00.
     45. A Recorrida tinha a possibilidade e a obrigação de facultar ao Tribunal elementos clarividentes que sustentassem a saúde financeira que alegou; o simples facto de não o ter feito é o sinal mais revelador de uma preocupante situação subjacente.
     46. Não obstante, ainda que admitíssemos a existência de tais depósitos avultados, nada nos informa se estes estão livres de encargos ou se estão sequer disponíveis para uso da sociedade.
     47. Por outro lado, face às dívidas muito substanciais invocadas não só pela Recorrente como pela D, não parece que tais montantes pudessem configurar suficiente causa de conforto, tendo em conta os demais sinais dos autos.
     48. O pedido formulado na acção principal de que esta providência é dependente era até ao momento da propositura da acção de MOP$48,244,315.50.
     49. Na acção que corre termos sob o n.º CV3-20-0046-CAO, em que se reclamam montantes em dívida resultantes da execução do contrato de subempreitada, o valor do pedido ascendeu às MOP$170,663,980.97.
     50. A D considera-se credora da Recorrida dum total de MOP$118,258,701.84.
     51. As dívidas assacadas à Recorrida são de facto de montante bastante substancial e superior a este montante alegadamente disponível ou depositado no Banco.
     52. O relatório financeiro junto pela Recorrida a fls. 1427 a 1435 dos autos será alvo de especial atenção no âmbito do presente recurso, tendo em conta a elevada preponderância que lhe foi atribuída pelo Tribunal a quo.
     53. De facto, a decisão de levantamento do arresto foi ultimamente tomada com base na fé que se depositou sobre tal documento, pelo que se impõe uma cabal e atenta análise do mesmo.
     54. Esta conclusão é revelada não só pela teor e letra da sentença recorrida como pelo facto do M.MO Juiz do Tribunal a quo ter convidado a Recorrida a apresentar o seu balanço aprovado ou demais documentos que por si pudessem demonstrar a sua situação patrimonial; isto porque, obviamente, sentiu que tal prova não havia sido feita em sede da oposição que havia sido apresentada.
     55. O documento que acabou por ser produzido pela contraparte, porém, é tudo menos revelador; por suscitar mais dúvidas do que esclarece, e por ter sido apenas facultada uma versão truncada do mesmo, tal documento foi alvo do pedido de esclarecimentos, o qual foi ignorado pelo Douto Tribunal a quo.
     56. Esforçar-se-á a Recorrente por demonstrar a falta de credibilidade dos valores constantes no documento parcial que consta dos autos.
     57. A este documento foi "apenas" dada relevância para concluir, literalmente, que "baixa o grau do risco de ocultação ou dissipação dos bens da Requerida".
     58. O documento junto pela Recorrida consubstancia uma pública-forma dum relatório de auditoria preparado pela Ex.ma Sra. Dra. C, que expõe as contas da sociedade após o decurso do exercício anual de 2019.
     59. A Recorrida truncou informações fundamentais que permitiriam ao Tribunal retirar conclusões mais consentâneas com a situação real da sociedade e à Recorrente rebater adequadamente as conclusões nele vertidas.
     60. A versão do documento apresentada não permite à Recorrente nem ao Tribunal analisar capazmente os números nele ínsitos porque a Recorrida omitiu quaisquer dados relevantes não só para o relatório de auditoria como para a verdadeira apreciação da sustentabilidade da sociedade.
     61. Como se evidencia pelas notas de rodapé de folhas 3 a 5 do próprio relatório, foram truncadas (pelo menos) as folhas 8 a 31 do relatório, as quais - nas palavras da contabilista certificada que auditou as contas da sociedade - se consideram, textualmente, parte integrante do mesmo.
     62. O facto de os elementos truncados serem parte integral do documento significa que são parte indivisível e inextrincável do mesmo; os números só fazem sentido e se compreendem quando confrontados com as fontes donde são retirados.
     63. É verdadeiramente nos dados ocultados que se pode asseverar a fiabilidade e coerência de tais números, especialmente porque valores muito substanciais se encontram inseridos em rubricas de activos incertos e seguramente controversos.
     64. As páginas omitidas do relatório providenciam informações complementares essenciais para compreender os números reflectidos no balanço e na conta de ganhos e perdas.
     65. O documento truncado tal e qual foi facultado ao Tribunal é perfeitamente inconclusivo, especialmente quando tivermos em conta as poucas ilações que dele podemos retirar.
     66. Nos termos do art. 54.º, n.º 2 do CCom, "[a]s contas anuais devem ser redigidas com clareza e mostrar a representação fidedigna do património, da situação financeira e dos resultados da empresa".
     67. O art. 54.º, n.º 3 do CCom acrescenta que "[q]uando a aplicação das disposições legais não seja suficiente para mostrar a representação fidedigna do património, da situação financeira e dos resultados da empresa, devem indicar-se as informações complementares necessárias para alcançar esse resultado."
     68. Uma análise superficial e acrítica dos resultados espelhados no relatório sob apreço revela que a Recorrida apresentava no final do exercício de 2019 um saldo positivo total de MOP$42,585,917.00.
     69. Este relatório permite constatar que a sociedade registou nesse exercício perdas na ordem das MOP$11,754,253.00.
     70. Descontando o valor do capital social e a reserva legal prevista no art. 377.°, n.º 4 do CCom, aparentemente a sociedade apresentava lucros distribuíveis na ordem das MOP$12,585,917.00.
     71. Não se sabe se estes valores calculados como lucros foram distribuídos ou não pelos sócios, pois não foi facultado ao Tribunal a deliberação que supostamente terá aprovado os resultados e determinado a aplicação dos excedentes.
     72. Tendo em conta tão-só a dimensão das obras em que a Recorrida está envolvida e dos montantes que dela são reclamados, tais valores não representam garantias significativas de sustentabilidade para os seus credores.
     73. Tendo em conta os montantes reclamados pela Recorrente e pela D, tais montantes não são seguramente confortantes e de forma alguma afastam o justo receio da perda da garantia patrimonial.
     74. Se analisarmos o relatório de contas mais atentamente, deparamo-nos com indícios muito fortes de que a situação financeira da Recorrida é de facto alarmante, mesmo sem os demais valores ocultados que seguramente confirmam tais indícios.
     75. Os valores das contribuições dos sócios ("借入股東款") para a sustentação da actividade da empresa atingiram no final de 2019 as MOP$721,916,774.00.
     76. As contas demonstram também que o item conta corrente para com os sócios ("股東往來") apresenta um défice bastante considerável, para não dizer anormal, no valor total de MOP$151,477,970.00.
     77. Estes dados revelam que a sociedade apenas continua a operar devido a um esforço financeiro estrondoso por parte dos sócios, os quais se presumem estar seguramente na primeira linha de credores a ressarcir, se a situação atingir um estado mais crítico.
     78. O investimento dos sócios, sendo essencial para a actividade da empresa, deve ser incorporado enquanto capital social da sociedade para garantir que esta se encontra dotada dos meios necessários para a prossecução da sua actividade.
     79. Fica por asseverar em que se consubstanciam estes financiamentos dos sócios, designadamente através da análise da versão integral do relatório, onde se incluem as anotações (附註) n.º 24 e 25 que explicam estes valores.
     80. Tendo em conta os números preocupantes revelados, os resultados globais da actividade da empresa apenas conseguem ultrapassar os limites de sustentabilidade devido aos montantes elevadíssimos que vêm catalogados sob o conjunto de créditos que a sociedade tem a reaver de terceiros ("應收帳款及預付款項"), que ascendem às MOP$659,980,952.00.
     81. O facto de a Recorrida ter optado por ocultar a anotação n.º 20 do relatório oferece desde logo a ideia de que provavelmente nesta rubrica estarão inseridos valores a que não tem direito e nunca darão entrada no seu património.
     82. Não se deve perder de vista decorre sob o n.º CV3-20-0046-CAO outra acção intentada pela Recorrente para reaver quantias em dívida resultantes da empreitada do terminal marítimo da Taipa, que atingiam na altura as MOP$74,510,078.37.
     83. Sendo manifesto que tal montante não está seguramente reflectido neste relatório de contas, o mais preocupante, porém, é a propensão para a Recorrida transformar dívidas aparentes em créditos sobre terceiros.
     84. Como se evidenciou na oposição, a Recorrida aludiu pela primeira vez a um crédito por virtude de adiantamentos imaginários que ascenderiam às MOP$127,866,173.20, o qual não conseguiu de forma alguma comprovar (nem indiciariamente).
     85. Também no artigo 65.º da sua oposição, a Recorrida afirmou que a D lhe deve MOP$157,214,432.81, quando continua comprovado indiciariamente que a Recorrida tem dívidas a outros subempreiteiros e o gerente desta sociedade explicou a existência de dívidas no sentido oposto que atingem as MOP$118,258,701.84.
     86. É difícil crer que se deva à ingenuidade o facto da Recorrida ter optado por não juntar o relatório da sua actividade num primeiro momento, em sede de oposição, e que num segundo momento apenas o tenha feito parcialmente.
     87. É bastante razoável assumir que na rubrica de 應收帳款及預付款項 estarão elencados valores a que a Recorrida não terá direito; facilmente se adivinha que no final de 2019 as contas da sociedade se revelavam deficitárias.
     88. Também os valores catalogados sobre as rubricas 使用權資產,投資聯營公司 e 其他股權投資são demasiado vagos e opacos para que alguma fé neles se possa depositar sem uma análise complementar das respectivas anotações.
     89. O documento facultado pela Recorrida reflectirá (mais ou menos fidedignamente) os resultados no dia 31/12/2019, data que antecede em vários meses o levantamento das garantias e a interposição das várias acções judiciais que opõem as partes.
     90. Não se pode pretender que reflicta a situação presente da Recorrida, nem sequer aquela que se verificava aquando do levantamento das garantias (a 7/7/20), do decretamento do arresto (a 16/10/20) e muito menos da decisão de levantamento do arresto (a 19/3/21).
     91. A forma leviana e inescrupulosa como foi requerido o levantamento das garantias bancárias deixa adivinhar que de facto no momento em que decidiu levantar as garantias a situação financeira da Recorrida era muito complicada.
     92. Tendo em conta que o exercício de 2019 revelou perdas na ordem das MOP$11,754,253.00, a manutenção ou agravamento desta tendência negativa facilmente terá conduzido a uma situação insustentável das contas da sociedade ainda durante o ano de 2020.
     93. O Tribunal a quo não poderia seguramente ter-se fiado no documento parcial, truncado, desactualizado e revelador de graves problemas financeiros para chegar à conclusão de que a situação financeira da Recorrida não era preocupante.
     94. Se o Tribunal optou por não requerer quaisquer esclarecimentos adicionais da contraparte, não poderia seguramente beneficiá-la por ter escolhido apresentar apenas a versão do documento que melhor lhe convinha.
     95. O Tribunal acabou por incorrer em claro erro de julgamento ao retirar de tal documento a conclusão de que a situação financeira da Recorrida era sadia.
     96. Ressalvando douto entendimento em contrário, o relatório financeiro da Recorrida - e a forma como foi partilhado - revela precisamente o contrário.
     97. Resumidamente, a sentença recorrida padece do vício de excesso de pronúncia, que redunda na nulidade prevista no art. 571.º, n.º 1 al. d) do CPC.
     98. Deverá ser parcialmente modificada a decisão de facto no que respeita às alíneas PP) e QQ).
     99. O despacho recorrido padece de erro de julgamento, devendo ser dado como comprovado o justo receio da perda da garantia patrimonial e decretado o arresto requerido.
*
    A Recorrida, Companhia de Construção de Obras Portuárias B, Limitada (B海灣工程有限公司), veio, 29/06/2021, a apresentar as suas contra-alegações constantes de fls. 182 a 208, tendo formulado as seguintes conclusões:
     I. Veio a ora Recorrente interpor recurso da decisão de fls. 1463-1475, que decretou o levantamento da providência cautelar de Arresto;
     II. A decisão de decretar a providência cautelar de Arresto foi tomada num momento processual em que o Tribunal ainda só tinha em mãos a versão (enviesada) que a aqui Recorrente lhe apresentou;
     III. O Tribunal a quo, munido das duas versões dos factos, decidiu levantar a providência cautelar de Arresto pois chegou à conclusão que não existe periculum in mora nenhum, que a ora Recorrente pintou um cenário negro onde esse cenário não existia, que a ora Recorrida é uma empresa sólida, com resultados positivos e amplo activo, e que não tem comportamentos de devedor falido;
     IV. Seguindo a interpretação da Recorrente, a possibilidade de dedução de oposição que o legislador quis criar, através do artigo 333.º, n.º 1, al. b) do CPC, seria completamente inútil, seria letra morta, sem qualquer alcance prático;
     V. A intenção do legislador, espelhada no artigo 333.º, n.º 1, al. b) do CPC, parece-nos clara: permitir ao juiz que, face a factos alegados pela Requerida, ou face a provas por ela juntas ao processo, considere se foram ou não afastados os fundamentos da providência;
     VI. Sendo afastados os fundamentos da providência, não fará sentido que a mesma subsista, devendo ser levantada;
     VII. Na posse de novos factos e novos elementos de prova, o Tribunal a quo procedeu (aliás, como lhe era exigível) a uma reponderação do caso, tendo entendido não ser de manter a providência cautelar anteriormente decretada;
     VIII. O Tribunal a quo não se "arrogou" a funções equivalentes às de um tribunal de recurso jurisdicional pois ao ordenar o levantamento da providência cautelar de Arresto, não estava esgotado o poder de cognição do Tribunal a quo;
     IX. Da leitura da decisão recorrida, resulta claro que aquilo que moveu o Tribunal a quo a levantar o Arresto foi a consideração de que o património da Recorrida, avaliado no seu conjunto, baixava o "grau do risco de ocultação ou dissipação dos bens", e não qualquer consideração relativa às garantias bancárias;
     X. A decisão recorrida não está ferida de nulidade por excesso de pronúncia, ao contrário do que alega a Recorrente, nem tão pouco padece de qualquer contradição insanável de fundamentação;
     XI. A alteração de 39 imóveis para 38 imóveis em nada alterará a decisão recorrida, uma vez que continuará amplamente demonstrada a existência de avultado património da Recorrida, e a inexistência, in casu, de periculum in mora que justifique o decretamento de uma providência cautelar de Arresto;
     XII. Se o documento de fls. 679 refere que, durante um período de mais de onze meses, o saldo médio da conta bancária da Recorrida foi superior a MOP$200,000,000.00, então isso demonstra, como considerado pelo Tribunal a quo, que o "valor ascende a mais de 200 milhões de patacas.";
     XIII. As correcções aos factos PP) e QQ) pretendidas pela Recorrente não teriam a virtualidade de alterar a decisão recorrida, uma vez que em nada afastam aquilo que ficou evidente neste procedimento: que a Recorrida é uma empresa reputada, que tem um vasto património, uma situação financeira sólida, e que não há periculum in mora que justifique o decretamento de uma providência cautelar de Arresto;
     XIV. Em sede de procedimento cautelar, mais não se pede do que uma análise superficial da bondade das pretensões da ora Recorrente, e não uma análise exaustiva sobre a legitimidade para accionamento das garantias;
     XV. A titularidade de 38 imóveis revelam bem a dimensão, a solidez, a fiabilidade da Recorrida;
     XVI. A Recorrente não alegou factos concretos que indiciem que a Recorrida pretende desfazer-se dos seus bens;
     XVII. O decretamento de providências cautelares tem de ter por base factos concretos, tem de se fundar num periculum in mora real, e não em meras hipóteses. O justificado receio terá de ser isso mesmo: "justificado", e não meramente conjectural;
     XVIII. Um saldo médio de 11 meses revela muito mais sobre a solidez financeira de uma empresa do que o saldo bancário de um só dia;
     XIX. Mais do que mostrar elementos que permitissem concluir que, num certo dia o seu saldo era de certo montante, a Recorrida demonstrou que ao longo do tempo o seu saldo bancário é francamente positivo (superior 200 milhões de patacas, em média);
     XX. A Recorrente limita-se a criar suposições, a tentar lançar dúvidas onde elas não existem. O alegado neste ponto é bem demonstrativo dessa intenção da Recorrente, uma vez que tenta desprezar a informação sobre o saldo bancário durante um lapso temporal alargado, e parece fazer querer acreditar que a informação do saldo num dia em concreto seria uma informação mais completa;
     XXI. Mesmo que se viesse a apurar que os valores alegados pela Recorrente são reais e que serão devidos, ainda assim a Recorrida mostrou suficiente solidez financeira para fazer face a essas dívidas fantasiosas;
     XXII. Nestes autos de procedimento cautelar, o que se pretendia era ter uma ideia sobre as contas da Recorrida (de modo a aferir da existência, ou não, de periculum in mora), e não fazer uma análise exaustiva de cada uma das rubricas do seu balanço;
     XXIII. Os elementos do relatório de auditoria apresentados pela Recorrida são precisamente aqueles que permitem concluir aquilo que o Tribunal a quo pretendia saber: se a Requerida tem, ou não, activo líquido;
     XXIV. considerando que as contas foram elaboradas por auditor independente e certificado, impõe-se concluir que estas espelham fielmente a realidade financeira da Recorrida.
     XXV. Ficou por demais evidente que a Recorrida tem activo líquido considerável e nada há que leve alguém a pensar que as conclusões da auditora que elaborou o relatório não sejam credíveis;
     XXVI. A Recorrida juntou aos autos o relatório mais recente que lhe foi possível juntar;
     XXVII. A certidão comercial da Recorrida (fls. 25) é suficiente para percebermos a envergadura da Recorrida e a sua fiabilidade;
     XXVIII. A Recorrida é uma sociedade comercial que se dedica à construção civil em Macau há mais de 38 anos;
     XXIX. A Recorrida é uma sociedade construtora dotada de uma invejável capacidade económica, reputada no sector, detida por pujantes grupos económicos e liderada por reputados empresários com percurso profissional invejável, e que jamais deixariam manchar a sua imagem ou a sua credibilidade por qualquer dívida que fosse;
     XXX. A diferente valoração da prova não se confunde com o erro de julgamento;
     XXXI. A decisão recorrida não merece qualquer reparo, devendo ser mantida.
*
    Corridos os vistos legais, cumpre analisar e decidir.
* * *
II - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
    Este Tribunal é o competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
    O processo é o próprio e não há nulidades.
    As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são dotadas de legitimidade “ad causam”.
    Não há excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
* * *
  III – FACTOS ASSENTES:
    A sentença recorrida deu por assente a seguinte factualidade adicional (alterada), para além dos factos considerados provados constantes da 1ª decisão que ordenou o arresto requerido (que veio a ser revogada):
     OO. *A Requerida é uma construtora de Macau, actualmente tem em mãos vários projectos em curso. (os artigos 24º e 25º da Oposição)
     PP. A Requerida detém em Macau 39 imóveis – cfr. docs. de fls. 1211 a 1306, cujos teores aqui se dão por integralmente reproduzidos. (o artigo 27º da Oposição)
     QQ. A Requerida detém os seus depósitos, cujo valor ascende a mais de 200 milhões de patacas. (o artigo 28º da Oposição)
     RR. À data da apresentação da oposição, ainda não foi efectuada pela dona da obra a recepção definitiva da mesma. (o artigo 38º da Oposição)
     SS. Na obra em causa a Requerente chegou a incorrer em atrasos na execução dos seus trabalhos. (o artigo 88º da Oposição)
     TT. Pois a Requerida contratou directamente a Macau (Guangzhou) D Construction International Co. Ltd. (澳門(廣州)D建築國際有限公司), que era inicialmente a subempreiteira da Requerente, para finalizar os trabalhos em falta e em atraso. (os artigos 88º a 91 da Oposição)
     UU. A Requerente executou os seus trabalhos com defeitos. (o artigo 92º da Oposição)
     VV. A Requerida insistiu e interpelou por diversas vezes a Requerente para vir reparar esses defeitos, interpelações essas que ocorrerem nas diversas fases da execução da obra como seja nas vistorias para efeitos de recepção provisória da obra, como seja durante o período de garantia. (o artigo 93º da Oposição)
     WW. A liquidação final da subempreitada sub judice efectuada pela Requerida em 31/03/2017 apresenta um resultado negativo contra a Requerente no valor de MOP73,326,253.63.
     XX. Facto que foi comunicado à Requerente. (o artigo 98º da oposição)
     YY. Até à presente data, a título de deduções dos montantes adiantados, a Requerida, pelo menos, receber a quantia de MOP15,146,698.73. (o artigo 116º da oposição)
* * *
IV – FUNDAMENTAÇÃO
    O presente recurso visa atacar duas decisões.
    Comecemos pela primeira decisão atacada.
    
    O despacho atacado tem o seguinte teor:
     Fls. 1427 a 1435 e 1452 a 1455:
     Salvo o devido respeito, parece-nos que a Requerida já tinha junto aos autos o documento oficiosamente solicitado pelo Tribunal por despacho de fls. 1410 - o balanço mais recente e aprovado pela sociedade Requerida - satisfazendo assim o pedido do Tribunal, apesar de não terem sido juntos os outros documentos de suporte, para nós é suficiente para formar uma ideia geral da situação financeira da Requerida, e não se esqueça que na providência cautelar não é exigível uma prova absoluta da verdade dos factos, mas sim a relativa que possa indiciar sumariamente a verosimilhança da realidade. Deste modo, indefiro todas as diligências requeridas a fls.1455v., afigura-nos que já tem condição para a marcação da audiência final para ser ouvida a Requerida nos termos do disposto no art.º 331ºdo CPC
     Designo, assim, o dia 10 de Março de 2021, pelas 9:45 horas, para a realização da audiência de discussão e julgamento.
     Notifique e D.N ..
    Quid Juris?
    Este despacho foi proferido na sequência do pedido apresentado pela ora Recorrente, que consiste na realização das seguintes diligências:
    a) – Instar a auditora C com domicílio (…)a providenciar ao Tribunal a versão integral certificada do relatório de contas de 2019 da actividade da Requerida;
    b) – Instar a Requerida a apresentar relatório relativamente ao exercício de 2019, devidamente assinado por todos os administradores, escrutinado pelo Conselho Fiscal e aprovado pela assembleia geral, e ainda
    c) – Relatório relativamente ao exercício de 2020, devidamente assinado por todos os administradores, escrutinado pelo Conselho Fiscal e aprovado pela assembleia geral.
    
    Perante o indeferimento proferido pelo Tribunal a quo, a Recorrente imputou à decisão, em suma, os seguintes vícios:
    “(…)
     86. Resumidamente, o despacho recorrido violou as normas do art. 6.°, n.º 3, do art. 442.° e do art. 462.° do CPC, ao não ordenar as diligências de prova que se justificavam porque o documento junto pela contraparte veio truncado de informação essencial e porque não foram facultadas informações actualizadas nem aprovadas da forma devida.
     87. O despacho recorrido violou o comando ínsito no despacho anterior de fls. 1410, que ordenara exactamente que a informação prestada fosse actual e devidamente aprovada.
     88. O despacho recorrido violou os princípios da busca da verdade e da justa composição do litígio, do contraditório e da igualdade das partes.”
    
    Que argumentos podemos produzir para rematar todas estas questões suscitadas pela Recorrente?
    Em 1º lugar, o princípio do inquisitório previsto no art. 6.º/3 do CPC confere um poder discricionário ao julgador, que pode ter a iniciativa da prova, podendo ordenar oficiosamente todas as diligências que reputar como necessárias para o apuramento da verdade. O que constitui uma possibilidade para o julgador, não uma obrigação.
    A obrigação de prova (o ónus) recai sobre as partes e, neste caso, a Recorrente, esta não logrou fazer a prova que lhe competia - de existência do periculum in mora, em última análise.
    E, o Tribunal recorrido explicou com clareza por que razão é que não se justificou a realização de tais diligências.
    Em 2º lugar, como resulta do art. 329º/-1 do CPC, a prova do Requerente da providencia cautelar é junta com o requerimento inicial. Em sede de oposição ao arresto, cabe à Recorrida produzir prova que afaste os requisitos da providencia cautelar decretada, designadamente, que afaste o periculum in mora.
    Com a oposição ao arresto visa-se a apreciação dos factos e das provas carreados pela Recorrida que não foram considerados pelo tribunal no primeiro momento, e que justifiquem, ou possam afastar o arresto.
    No caso, aquilo que a Recorrente está a fazer mais não é do que impugnar um documento junto pela Recorrida, invocando que o mesmo não pode demonstrar a capacidade financeira da Recorrida, mas sem razão face a todas as provas produzidas nos autos.
    Em 3º lugar, a Recorrente defendeu que o despacho violou o artigo 462.º do CPC, sem razão obviamente! Pois, este normativo não tem qualquer aplicação neste caso, porquanto ele se refere à requisição de documentos a outros organismos, e não solicitação de documentos às partes.
    À Recorrente competia fazer prova da existência de factos que determinassem o preenchimento do periculum in mora, o que não foi feito.
    Pelo contrário, a Recorrida provou que tem uma situação financeira saudável.
    Em 4º lugar, não há, in casu, violação de contraditório alguma, uma vez que a Recorrente teve a possibilidade de se pronunciar sobre os elementos juntos aos autos.
    Em 5º lugar, no caso, o que o Tribunal a quo fez foi, no âmbito dos poderes que lhe são concedidos pela lei (nomeadamente pelos artigos 6.º, n.º 3 e 331º, nº 1º do CPC) ordenou oficiosamente a junção aos autos de um documento que entendeu necessário para o apuramento da verdade, o que se traduz numa gestão processual por parte do Tribunal a quo, o que representa um diligência ponderada, adequada e meritória.
*
    Por último, importa realçar que não estamos perante um processo principal, mas sim uma providência cautelar, e à Requerente cabe alegar e provar os factos CONCRETOS que integram os requisitos legalmente exigidos.
    De facto, não vejamos que utilidade é que tais relatórios, cuja junção a Requerente solicitou, pode ter para a matéria que importa decidir nestes autos.
    Mais, tais relatórios podem fazer parte do segredo comercial de uma sociedade e a Recorrente não é sócia da Requerida, aqui pode levantar-se a questão da legitimidade de acesso a tais informações.
    O mais importante é que tais relatórios não são matérias absolutamente indispensáveis para decidir a providência cautelar em causa, sendo elas de carácter dilatório, que não têm a virtualidade de alterar os factos considerados provados que levaram a indeferir o pedido. Pelo que, achamos por certa a decisão do Tribunal de 1ª instância, ou seja, foi indeferido o pedido com fundamentos claros e bem apresentados.
    Julga-se assim improcedente o recurso nesta parte.
*
    Prosseguindo,
    Como o recurso tem por objecto a sentença proferida pelo Tribunal de 1ª instância, importa ver o que o Tribunal a quo decidiu. Este fundamentou a sua decisão nos seguintes termos:
     CONSULTORES E ENGENHARIA A, LIMITADA (A顧問工程有限公司), com os demais sinais dos autos, veio requerer procedimento cautelar de arresto contra COMPANHIA DE CONSTRUÇÃO DE OBRAS PORTUÁRIAS B, LIMITADA (B海灣工程有限公司), também, com os demais sinais dos autos, pedindo que se decrete o arresto dos saldos bancários em nome da Requerida para garantia do crédito e juros à taxa legal pelo período de dois anos, num total de MOP$55,153,913.61.
     Para tanto invoca que no âmbito do contrato de subempreitada celebrado entre a Requerente e a Requerida, aquela, mediante o BNU, tinha prestado duas garantias bancárias a favor da Requerida, respectivamente para garantia da boa execução do contrato de subempreitada e a recuperação do montante adiantado pela Requerida à Requerente no início da execução do contrato. (Sublinhado nosso)
     
     Tendo sido ocorrida a recepção provisória por parte do dono da obra e pelo facto de o montante adiantado pela Requerida já ter sido recuperado integralmente, na óptica da Requerente, não mais subsistia o fundamento para a manutenção das referidas garantias bancárias e que a Requerida devia libertar tais garantias bancárias, (Sublinhado nosso) no entanto, ao contrário disso, a Requerida veio accionar, em 23.06.2020, as duas garantias sem nenhuma razão justificativa, solicitando ao BNU o seu pagamento, e em consequência, os montantes constantes das garantias foram transferidos para a conta aberta em nome da Requerida no F.
     Ademais, a Requerente entende na ausência de fundamento para solicitação do pagamento das garantias bancárias não pode esperar que as condutas futuras da Requerida se inclinem para um comportamento honesto, isso faz crer que existe um profundo receio de que a Requerida vai fazendo algo que possa esquivar ao pagamento das quantias devidas em função do contrato de subempreitada, bem como à devolução das quantias abusivamente levantadas com a solicitação das garantias. (Sublinhado nosso)
     
     Pelo que conclui que estão demonstrados os requisitos para que seja decretado o arresto.
     A fls. 548 a 556 foi decretado o arresto nos seguintes termos:
     « Nestes termos e nos termos do artigo 326.º n.º 1 e 2, artigo 351.º n.º 1 e artigo 353.º n.º1, todos do CPC, julgo procedente por provada a presente providência cautelar, ordenando o arresto sobre:
     a) O saldo da conta detida pela Requerida no F LIMITADA, SUCURSAL DE MACAU n. 01-01-20-758243, até ao montante de MOP$55,153,913.61;
     b) O saldo das demais contas bancárias, a prazo, de poupança e/ou à ordem, de que a Requerida seja titular junto de instituições bancárias locais até ao montante de MOP$55,153,913.61, oficiando para o efeito à AUTORIDADE MONETÁRIA DE MACAU;
     c) Os créditos da Requerida resultantes dos pagamentos que sejam devidos em função de execução de empreitadas públicas até ao montante de MOP$55,153,913.61, oficiando para o efeito ao Gabinete para o Desenvolvimento de Infra-estruturas.»
     *
     Notificada a Requerida veio esta deduzir oposição nos termos que constam de fls. 633 a 665, juntando documentos, e em síntese refuta os argumentos invocados pela Requerente quanto ao alegado justo receio da perda da garantia patrimonial por parte da Requerente, a Requerida veio dizer que atentos os patrimónios e os projectos que a Requerida tem actualmente em mãos, bem como a envergadura e reputação da Requerida, (Sublinhado nosso) podia logo afastar qualquer receio de perda da garantia de recuperação do pretenso crédito da Requerente. Por outra banda, a Requerida veio também, na sua oposição, impugnar os factos alegados pela Requerente que ficam sumariamente provados, e que alicerçam a existência do pretenso crédito, particularmente os factos vertidos nas alíneas G, J, K, L, N, O, P, U, W, X, Y, Z, AA, GG, JJ a MM. (Sublinhado nosso)
    
     Concluindo pede a Requerida que seja julgada infundada a providência ou se assim não se entender que seja reduzida o montante arrestado ao limite de MOP$55,153,913.61.
     Vejamos então.
     Nos termos do art.º 333º, nº 1, al. b) do CPC quando o requerido não tiver sido ouvido antes do decretamento da providência pode «deduzir oposição, quando pretende alegar factos ou fazer uso de meios de prova não considerados pelo tribunal e que possam afastar os fundamentos da providência ou determinar a sua redução, aplicando-se, com as adaptações necessárias, o disposto nos artigos 331º e 332º».
     Nos termos do artº 331º nº 1 do CPC apenas se procede à produção de prova quando necessário.
     No caso em apreço, para além dos documentos juntos com a oposição, efectuaram-se algumas diligências de prova requeridas pela ora Requerida, foi entretanto realizada a audiência de julgamento e discussão onde foram produzidas as provas testemunhais.
     Com base dos depoimentos de todas as testemunhas produzidas e da análise dos documentos juntos aos autos, afigura-se-nos que merece alteração ou eliminação de alguns factos que se consideram provados inicialmente, respondendo, assim, novamente a matéria de facto vertidos nas alíneas G, J, K, L, N, O, P, U, W, X, Y, Z, AA, GG, JJ a MM, todos são impugnados pela Requerida, nos termos seguintes:
     - G) Provado apenas que a Requerida foi constituída beneficiária da 1ª Garantia, destinando-se esta a caucionar a boa execução do contrato de subempreitada até à receção definitiva da obra.
     - J) Provado.
     - K) Provado.
     - L) Provado.
     - N) Provado.
     - O) Provado.
     - P) Provado apenas que a Requerente entregou a sua obra à Requerida em Agosto de 2015.
     - U) Provado.
     - W) Não provado.
     - X) Provado.
     - Y) Não provado.
     - Z) Provado apenas que a Requerente solicitou o pagamento de todos os pagamentos em atraso, porém a Requerida não procedeu ao pagamento.
     - AA) Provado.
     - GG) Provado.
     - JJ) Não provado.
     - KK) Não provado.
     - LL) Não provado.
     - MM) Provado.
     *
     A convicção do tribunal relativamente à resposta da matéria de facto resultou dos documentos e depoimentos das testemunhas.
     Em relação à al. G), é de dizer que do texto da 1ª Garantia (cfr. fls. 292), apenas resulta a 1ª Garantia tem por objecto a garantia da cabal execução do objecto do contrato de empreitada, e que se mantém válida até a ocorrência da recepção definitiva por parte do dono da obra.
     No que diz respeito às alíneas J) e K), conforme o texto da 2ª Garantia, convence-nos que a 2ª Garantia (cfr. fls. 293) tem por finalidade a garantia do reembolso das quantias adiantadas pela Requerida, porque nela se refere que a caducidade daquela garantia pressupõe a recuperação cabal das quantias adiantadas para a execução do contrato da empreitada.
     Pelo doc. n.º 17 junto pela Requerente a fls. 296 a 358, logrou provar o que consta em L).
     Quanto à alínea N), este facto resulta basicamente do documento n.º 17, junto com o R.I. - cfr. fls. 357v..
     No que concerne à al. O, a Requerida veio invocar na sua oposição uma quantia (no montante de MOP$482,429,709.36) diversa da que fora alegada pela Requerente, no entanto, não juntou qualquer prova consistente sobre isso, e após feita uma soma aritmética dos valores dos pagamentos comprovados pelos documentos juntos a fls. 359 a 389, só podemos considerar como provada a quantia indicada pela Requerente no R.I., i.e. o valor de MOP$477,510.904.79.
     Quanto à alínea P, dir-se-á que a segunda parte desta alínea não se trata de matéria de facto, insusceptível de ser o objecto da prova, porquanto é matéria conclusiva.
     Relativamente à alínea U, basta ver o doc. de fls. 399 a 439, que demonstrou sumariamente a Requerente, ao longo da execução da obra, tinha acompanhado as solicitações que lhe foram endereçadas para correcção de defeitos.
     Quanto às alíneas W) e JJ), o problema é que à data da prolação da sentença que decretou o arresto ainda não foi emitida a recepção definitiva da obra, então, falta o pressuposto necessário fáctico para dar como provados os factos vertidos em W) e JJ).
     Quanto à al. X, este facto foi confirmado pela 2ª testemunha da Requerida, que deu conta que em Outubro de 2019 todos os defeitos detectados na execução da obra não ligada ao sistema do Ar Condicionado já foram resolvidas, por isso, o Tribunal convence-se tal facto.
     De acordo com o documento de fls. 868, este é uma missiva enviada à Requerente pela Requerida, na qual esta confirmou que todos os defeitos detectados na execução da obra do sistema do Ar Condicionado já estiveram reparados, deste modo, fica não provado o facto da alínea Y.
     De acordo com as regras de experiência comum, não é nada estranho que a Requerente quando se arrogando como possuidora dum crédito para com a Requerida chegou a solicitar à Requerida para o pagamento de todos os pagamentos em falta. E se a tentativa da Requerente tenha mostrado infrutífera, em regra geral, não restaria à Requerente outra alternativa senão recorrer à via judicial para fazer valer o seu direito creditório, assim, consideram-se provados Z) e AA).
     Quanto a GG), segundo o depoimento da 2ª testemunha apresentada pela Requerente, que na altura era responsável e administrador da sociedade “澳門(廣州)D建築國際有限公司”, até o momento, esta sociedade tem um crédito perante a Requerida, decorrente do contrato tripartido celebrado entre a Requerente, a Requerida e a sociedade a que a testemunha presta serviços – cfr. fls. 713 a 718. Pese embora a 1ª testemunha da Requerida tenha dito que a Requerida não devesse nada à “澳門(廣州)D建築國際有限公司”, não foi feita a prova do pagamento resultante do contrato tripartido, assim, deve considerar inalterado o que tinha sido provado pelo Tribunal em relação a GG).
     Em relação a KK), mediante a junção do doc. n.º 4 da oposição (cfr. fls. 679), deve considerar como não provado este facto.
     Pela análise dos documentos n.ºs 6 e 7º da oposição (cfr. fls. 685 a 712), nos quais se discriminam detalhadamente por dono da obra as verbas de defeitos que ficavam por reparar ou resolver, pelo que, não deve ficar provada a alínea LL).
     Quanto à al. MM), é de notar que através dos documentos constantes de fls. 440 a 448, bem demonstra que por várias vezes foi a Requerida interpelada para a devolução das duas garantias bancárias por a Requerente ter entendido que já tinha verificado o cumprimento cabal das obrigações da Requerente.
     *
     Ademais, consideram-se ainda como provados os seguintes factos provenientes dos articulados de oposição da Requerente, que são relevantes para a boa decisão da causa:
     OO. *A Requerida é uma construtora de Macau, actualmente tem em mãos vários projectos em curso. (os artigos 24º e 25º da Oposição)
     PP. A Requerida detém em Macau 39 imóveis – cfr. docs. de fls. 1211 a 1306, cujos teores aqui se dão por integralmente reproduzidos. (o artigo 27º da Oposição)
     QQ. A Requerida detém os seus depósitos, cujo valor ascende a mais de 200 milhões de patacas. (o artigo 28º da Oposição)
     RR. À data da apresentação da oposição, ainda não foi efectuada pela dona da obra a recepção definitiva da mesma. (o artigo 38º da Oposição)
     SS. Na obra em causa a Requerente chegou a incorrer em atrasos na execução dos seus trabalhos. (o artigo 88º da Oposição)
     TT. Pois a Requerida contratou directamente a Macau (Guangzhou) D Construction International Co. Ltd. (澳門(廣州)D建築國際有限公司), que era inicialmente a subempreiteira da Requerente, para finalizar os trabalhos em falta e em atraso. (os artigos 88º a 91 da Oposição)
     UU. A Requerente executou os seus trabalhos com defeitos. (o artigo 92º da Oposição)
     VV. A Requerida insistiu e interpelou por diversas vezes a Requerente para vir reparar esses defeitos, interpelações essas que ocorrerem nas diversas fases da execução da obra como seja nas vistorias para efeitos de recepção provisória da obra, como seja durante o período de garantia. (o artigo 93º da Oposição)
     WW. A liquidação final da subempreitada sub judice efectuada pela Requerida em 31/03/2017 apresenta um resultado negativo contra a Requerente no valor de MOP73,326,253.63.
     XX. Facto que foi comunicado à Requerente. (o artigo 98º da oposição)
     YY. Até à presente data, a título de deduções dos montantes adiantados, a Requerida, pelo menos, receber a quantia de MOP15,146,698.73. (o artigo 116º da oposição)
     *
     Factos não provados:
     Os artigos 94º, 95º e 111º da Oposição.
     *
     A convicção do tribunal relativamente à resposta desta matéria de facto resultou também dos documentos e depoimentos das testemunhas.
     Consigna-se que não se procedeu à resposta aos demais artigos constantes dos articulados da Oposição por constituírem matéria conclusiva ou de direito, meras considerações, factos sem relevância directa para a discussão da causa ou factos já alegados e objecto de resposta.
     Em relação a OO), só temos os depoimentos das testemunhas é que nos permitem formar a convicção deste facto, e como não consta nos autos de qualquer documento sobre os projectos de construção que a Requerida ora tem em mãos, pelo que, não conseguimos apurar quais são eles.
     Quanto a PP) e QQ, basta ver os documentos de fls. 1211 a 1306 e 679 para a sua comprovação.
     No que diz respeito a RR, nos termos do ofício do Gabinete para o Desenvolvimento de Infra-estruturas constante de fls. 1440 dos autos, a recepção definitiva apenas teve lugar no dia 3 de Dezembro de 2020, assim, tornaria-se impossível a sua emissão antes da propositura da oposição por parte da Requerida.
     Em relação aos factos referentes ao atraso na execução da obra da Requerente e à contratação directa com 澳門(廣州)D建築國際有限公司para finalizar os trabalhos em falta e em atraso, basicamente, o Tribunal considerou o conteúdo do documento n.º 8 da Oposição (cfr. fls. 713 e 714), onde na sua cláusula 2.1 a Requerente confessou que houve um sério atraso na execução do contrato subempreitada em causa e isso fez com que a contratação directa com 澳門(廣州)D建築國際有限公司.
     São provados os factos de UU e VV com base nos documentos n.ºs 6, 10, 11, 12 e 13 juntos com a Oposição, só que à data, todos os defeitos já tinham sido reparados conforme o depoimento da 2ª testemunha da Requerida.
     Quanto a WW e XX, pelo documento n.º 15 junto com a Oposição (cfr. 1077 a 1083), bem revela a posição da Requerida referente ao montante que na sua perspectiva tem direito a receber perante a Requerente, mas se quantia esta seja fundada e justificada, esta é outra questão a analisar em própria sede.
     No que diz respeito ao valor efectivamente reembolsado à Requerida pela Requerente, a título de deduções dos montantes adiantados, as partes apresentaram duas versões bem diferentes, a quantia invocada pela Requerente é de MOP$24,586,175.57, o que consta na factura junta a fls 357v.; por sua vez, a Requerida veio alegar uma quantia menor que cifra em MOP$15,146,698.73., afigura-se-nos que o montante alegado pela Requerente é difícil ficar como provado no presente arresto, na medida em que ela não veio juntar os documentos de suporte que servem da base da elaboração das respectivas fracturas, pelo que, não temos condições neste momento para aferir da quantia exacta reembolsada a título de deduções dos montantes adiantados, sendo certo que podemos, pelo menos, a Requerida tinha recebido a quantia de MOP$15,146,698.73, montante este foi aceite por ela no art.º 116º da sua Oposição.
     Quanto aos artigos 94º, 95º e 111º da Oposição, dir-se-á que estes factos não se deram como provados porque faltam provas consistentes para a sua comprovação, de facto, as testemunhas da Requerida chegaram a depor sobre estes factos, mas os depoimentos deles foram prestados de forma vaga e genérica, isto, naturalmente, não nos convence. Nem se diga que o doc. n.º 17 junto com a Oposição pode suficientemente comprovar o facto alegado no art.º 111º da Oposição, porquanto tal documento não seja mais um documento interno da Requerida sem obter a aprovação da Requerente.
     *
     Cumpre apreciar e decidir.
     Nos termos dos art. 351.º, n.º 1 e art. 352.º, n.º 1 do C.P.C. conjugado com o art. 615.º do C.C., bem como conforme o pacífico entendimento da jurisprudência, consideram-se os seguintes requisitos necessários e cumulativos para que a providência de arresto seja decretada:
     1. O fumus boni iuris, que seja a probabilidade de existência dum crédito;
     2. O periculum in mora, que seja a existência de receio justificado de perda da garantia desse crédito;
     O arresto consiste numa apreensão judicial de bens e funda-se no receio de perda da garantia patrimonial do crédito, pois o arresto visa garantir o credor contra a perda de garantia patrimonial do devedor, com a função conservatória e antecipatória.
     *
     Quanto à probabilidade de existência dum crédito, não é exigível no arresto que se prove que o crédito seja certo, líquido e exigível, bastando, tão-só, que se prove a probabilidade séria da sua existência1.
     As questões aqui colocadas pelas partes remetem-nos, em primeiro lugar, para o domínio da garantia bancária.
     O art.º 942º do Código Comercial de Macau dispõe:
     “Garantia autónoma é o contrato pelo qual uma das partes se obriga a pagar à outra uma quantia, determinada ou determinável, logo que esta o solicite, acompanhada ou não de certos documentos relacionados com a obrigação, para o caso de se verificar um determinado risco ou evento.”
     No processo de formação e emissão de uma garantia bancária autónoma existe três negócios jurídicos2:
     Em primeiro lugar, um contrato-base entre o mandante da garantia e o beneficiário, neste caso, é o contrato de subempreitada celebrada entre a Requerente e Requerida.
     Segue-se um contrato, qualificável como de mandato, mediante o qual o mandante incumbe o banco de prestar garantia ao beneficiário.
     E, por último, o contrato de garantia, celebrado entre o banco e o beneficiário, em que o banco se obriga a pagar a quantia convencionada, logo que o beneficiário o informe de que a obrigação garantida se venceu e não foi paga.
     Na garantia autónoma, on first demand (à primeira solicitação), o garante responsabiliza-se perante o credor pelo pagamento de uma obrigação própria, não pelo cumprimento de uma dívida alheia (do garantido); não se trata de garantir o cumprimento da obrigação do devedor, mas antes de assegurar o interesse do credor, pelo que a obrigação decorrente é autónoma, estabelecendo-se de modo independente, sem qualquer subordinação à obrigação garantida – cfr. Ac. RL de 03.04.2014, proc. n.º 5063/11.0TBOER. L1-6, aqui citado apenas em termos de Direito Comparado3.
     Entre as situações de garantia autónoma, figura a garantia on first demand, que se pode traduzir por uma promessa de pagamento à primeira interpelação ou primeira solicitação, não podendo ser discutido o cumprimento ou incumprimento do contrato, bastando a interpelação do beneficiário da garantia – cfr. Ac. STJ de 23.06.2016, proc. n.º 414/14.9TVLSB.L1.S14.
     Volvendo ao nosso caso, nos termos das duas garantias bancárias em causa (cfr. fls. 292 e 293), não é difícil concluir que tais garantias são autónomas e de modo on first demand, uma vez que o banco de BNU, nelas configurado como garante, compromete-se expressamente a honrar as suas obrigações de pagamento logo que lhe solicitar, por forma escrita, pela beneficiária, ora Requerida, o pagamento, não podia neste caso o banco recursar-se ao pagamento seja pelo motivo que for, nos termos acordados nas garantias bancárias5.
     Inocêncio Galvão Telles define, assim, o regime desta operação bancária: “A garantia autónoma é a garantia pela qual o banco que a presta se obriga a pagar ao beneficiário certa quantia em dinheiro, no caso de alegada inexecução ou má execução de determinado contrato (o contrato-base), sem poder invocar em seu benefício quaisquer meios de defesa relacionados com esse mesmo contrato”.
     Adianta ainda que “o garante paga ao credor sem discutir; depois o devedor tem de reembolsar o garante, também sem discutir. E será, por último, entre o devedor e o credor que se estabelecerá controvérsia, se a ela houver lugar, cabendo ao devedor o ónus de demandar judicialmente o credor para reaver o que houver desembolsado, caso a dívida não existisse e ele portanto não fosse, afinal, verdadeiro devedor”6.
     Assim sendo, somos a entender que ao constituir essas duas garantias bancárias on first demand em benefício da ora Requerida, a Requerente deveria ter perfeito conhecimento da sua natureza e efeitos jurídicos, e ter previsto a possibilidade de que a Requerida nela constada como beneficiário poderá um dia accioná-las na sequência da eventual disputa suscitada durante a execução do contrato-base, o contrato de subempreitada, isto quer dizer, mediante a constituição da garantia bancária on first demand, o dador da ordem (garantido) aceita tacitamente a eventual inversão do ónus de demandar, incumbindo ao garantido demandar judicialmente o beneficiário para reaver a quantia que tiver sido pago pelo garante (banco) no caso de exercício abusivo da garantia bancária.
      Com efeito, nos termos da disposição no art.º 957º, n.º 3 do Código Comercial de Macau, o legislador considera-se que “o beneficiário ao pedir o pagamento da garantia está a actuar de boa fé e que não se verifica nenhuma das circunstâncias indicadas nas alíneas a), b) e c) do n.º 1 do artigo 960.º”.
     Daí a intenção legislativa é bastante clara, que se presume o exercício da garantida bancária por parte do beneficiário é sempre de boa-fé, incumbe ao dador da ordem (garantido) a prova do contrário.
     No caso em apreço, do circunstancialismo fáctico provado, resulta claro que primeiro a caducidade das duas garantias bancárias está dependente da recepção definitiva da obra, o que só veio acontecer no dia 3.12.2020 conforme se constata pelo ofício enviado pelo Gabinete para o Desenvolvimento de Ifra-estruturas (GDI)(cfr. fls. 1440), pelo que, na data do accionamento das garantias bancárias, mantinham-se válidas as mesmas.
     Por outro lado, também não é menos verdade que durante a execução do contrato de subempreitada celebrado entre a Requerente e a Requerida, foi constatado um atraso por parte da Requerente, o que levou a Requerida a contratar directamente com uma das subempreitadas da Requerente para finalizar a obra relativa ao sistema do Ar Condicionado, embora não consiga nestes autos apurar o valor exacto dos danos que tinha sofrido a Requerida, a nosso ver, atraso esse podia constituir um motivo para legitimar o accionamento das garantias bancárias em causa.
     Tanto mais que, quanto à 2ª garantia, é questionável se as quantias adiantadas pela Requerida já estão integralmente recuperadas através das alegadas deduções efectuadas em cada factura apresentada à Requerida para o seu pagamento.
     Assim sendo, salvo o devido respeito e melhor entendimento, os factos sumariamente provados nos autos não nos permitem chegar uma conclusão afirmativa de que houve um exercício abusivo das garantias bancárias por parte da Requerida.
     No entanto, pergunta-se se basta com esta conclusão chegada para afastar logo o direito creditório da Requerente?
     Em relação a esta questão, afigura-se-nos que não se pode confundir as duas realidades distintas, uma é a garantia bancária e outra é a cláusula penal.
     Com a cláusula penal as partes fixam antecipadamente a indemnização devida pelo incumprimento, independentemente de o prejuízo ser superior, inferior ou mesmo inexistente, assim evitando litígio quanto ao montante dos danos, podendo o contraente não faltoso fazer sua a quantia estipulada na cláusula penal.
     Antes pelo contrário, enquanto na garantia bancária, à partida não confere ao beneficiário nele configurado qualquer direito à indemnização pré-fixada, através da emissão da garantia bancária, o banco garante compromete-se a pagar a quantia reclamada pelo beneficiário, dentro dos limites da garantia, o banco garante está a cumprir uma obrigação própria, emergente do contrato celebrado com o devedor, assegurando o interesse do beneficiário da garantia – cfr. Ac. TRP 16.05.2017, proc. n.º 1614/13.4TJPRT.P17 – obedece, assim, no mecanismo da garantia bancária a seguinte lema: “paga-se primeiro, discute-se depois”, o accionamento não desencadeia, em rigor, uma transferência definitiva do património em termos do direito substancial, portanto, nada impede o garantido, depois do accionamento da garantia, demandar o beneficiário judicialmente para reaver a quantia que tiver sido recebido indevidamente por ele.
     No caso vertente, se decorrer da factualidade dada como assente que houve o atraso da Requerente e defeitos na execução do contrato subempreitada, e que o atraso levou a Requerida a contratar um terceiro para acabar os trabalhos em falta, porém, o que não logrou provar é que o valor dos danos concretos que tinha sofrido a Requerida por causa disso, deste modo, é descabido que a Requerida fez confiscar a totalidade das quantias emergentes das garantias bancárias sem que tenha sido apurado o montante mais ou menos dos donos causados, daí a razão em que assenta o direito creditório da Requerente.
     Nesse contexto, parece-nos que está preenchido o primeiro requisito para o decretamento do arresto.
     *
     Em relação ao segundo pressuposto, para que a providência seja decretada é suficiente um comportamento do devedor que faça perigar a garantia patrimonial do requerente, sendo certo que o requerente não tem que demonstrar o perigo de dano invocado, bastando-lhe demonstrar ser compreensível ou justificado o receio da sua lesão8.
     Porém, o requisito do receio da perda da garantia patrimonial por banda do credor tem que ser objectivamente justificado, não bastando o receito subjectivo, fundado em simples conjecturas.9
     No caso em apreço, somos a entender que o facto de terem sido accionadas as garantias bancárias pela Requerida não chega para a verificação do receio justo da perda da garantia patrimonial por parte da Requente, não obstante o accionamento ser injustificado, como é bom de ver, conforme o carácter das garantias bancárias em causa que foram abertas na forma on first demand, para a sua realização não precisa da invocacão da justa causa. Tanto mais que a Requerida ora detém 39 bens imóveis e um saldo bancário não inferior a MOP$200,000,000.00, não se constata, pelo balanço apresentado a fls. 1427 a 1435, um desequilíbrio manifesto entre os activos e passivos, tudo isso significativamente baixa o grau do risco de ocultação ou dissipação dos bens da Requerida, isso nos leva a crer que cai por terra o fundamento da Requerente nesse sentido.
     Destarte, afigura-se-nos que não se encontra reunido o 2º requisito para o decretamento da providência cautelar de arresto.
     *
     Quanto ao pedido da condenação da Requerente por litigância de má fé, que basicamente se funda na distorção da verdade dos factos por Requerente, é de salientar que, na presente providência cautelar de arresto, o Tribunal não tem condição de apurar qual será a versão de facto que efectivamente corresponde à verdade material, porque a lei só exige uma prova sumária para decidir a questão de facto, tanto mais que pela factualidade dada como provada e pela análise acima feita, não se demonstra que a pretensão da Requerente é manifestamente infundada, daí que não cai na alçada nas situações previstas no n.º 2 do art.º 385º do CPC.
     Pelo exposto, improcedeu o pedido da condenação da Requerente como litigância de má fé.
     Custas pela Requerida, fixadas em 3 UCs.
     *
     Nestes termos e nos de Direito, julga-se procedente, por provada, a oposição da Requerida, e por conseguinte, determino que seja levantado o arresto já decretado.
     Custas pela Requerente.
     Notifique e Registe.
     
    Quid Juris?
    Sendo o objecto do recurso definido pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pela Recorrente e as que forem de conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras../../../../Documents and Settings/antonio cruz/Os meus documentos/Trabalho - Base de Dados/c├¡vel/2┬¬ Sec/Dra Judite Pires/Proc 208-B2002 JUDITE PIRES.doc - _ftn1, importando destacar, todavia, que o Tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito.
    Considerando, deste modo, a delimitação que decorre das conclusões formuladas pela Recorrente, no caso dos autos cumprirá apreciar fundamentalmente a seguinte questão: é juridicamente correcto mandar levantar o arresto por não estar preenchido o requisito de perigo em mora?
    
    Requerida determinada providência cautelar, importa aferir, antes de mais, da necessidade do seu decretamento, através da indagação do preenchimento dos princípios do “fumus boni iuris” e “periculum in mora”.
    Caso resulte dessa indagação conclusão de natureza afirmativa, importará então avaliar se a medida requerida é a adequada à prossecução do fim que se visa atingir, e, concluindo-se em sentido positivo, se é a mais adequada.
    Mas ainda que essa circunstância não se verifique, sempre o julgador poderá conceder outra providência que não a requerida, de forma a assegurar a tutela provisória dos interesses do requerente, considerando a natureza hipotética do direito invocado, mediante a mínima ingerência possível na esfera jurídica do requerido.
    Finalmente, “na hipótese de se concluir estarem verificados todos os mencionados pressupostos, cumprirá indagar se a medida a decretar (…) se revela proporcional, o que se aferirá sopesando os prejuízos que resultariam, para o requerente, da não concessão da providência cautelar e as desvantagens que decorreriam, para o requerido, da concessão de providência cautelar, sendo que a medida não será decretada se este último prejuízo for consideravelmente superior ao primeiro”10.
    Os princípios enunciados encontram acolhimento na letra da lei, designadamente no artigo 326º (Âmbito) do Código de Processo Civil (CPC), que dispõe:
1. Sempre que alguém mostre fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável ao seu direito, pode requerer, se ao caso não convier nenhuma das providências reguladas no capítulo subsequente, a providência conservatória ou antecipatória concretamente adequada a assegurar a efectividade do direito ameaçado.
2. O interesse do requerente pode fundar-se num direito já existente ou em direito emergente de decisão a proferir em acção constitutiva, já proposta ou a propor.
3. O tribunal pode decretar providência diversa da concretamente requerida.
4. O tribunal pode autorizar a cumulação de providências a que caibam formas de procedimento diferentes, desde que os procedimentos não sigam uma tramitação manifestamente incompatível e haja na cumulação interesse relevante; neste caso, incumbe-lhe adaptar a tramitação do procedimento à cumulação autorizada.
5. Não é admissível, na dependência da mesma causa, a repetição de providência que tenha sido julgada injustificada ou tenha caducado.
    
    As providências cautelares comuns só poderão ser requeridas quando nenhuma das legalmente tipificadas se possa aplicar à situação a acautelar[9], dada a natureza subsidiária daquelas.
    A providência cautelar requerida foi, no caso, o arresto.
    O arresto é um meio de garantia patrimonial do credor, cuja regulamentação substantiva encontra acolhimento nos artigos 615º e seguintes do Código Civil de Macau (CCM), sendo o seu tratamento adjectivo feito pelos artigos 351º a 355º do CPC.
    Prescreve o nº1 do artigo 615º do CCM: “o credor que tenha justo receio de perder a garantia patrimonial do seu crédito pode requerer o arresto de bens do devedor, nos termos da lei de processo”.
    Por seu turno o artigo 351º (Fundamento) do CPC manda:
1. O credor que tenha justificado receio de perder a garantia patrimonial do seu crédito pode requerer o arresto de bens do devedor.
2. O arresto consiste numa apreensão judicial de bens, à qual são aplicáveis as disposições relativas à penhora, em tudo quanto não contrariar o preceituado nesta secção.
    A providência em causa depende da verificação cumulativa de dois requisitos11../../../../Documents and Settings/antonio cruz/Os meus documentos/Trabalho - Base de Dados/c├¡vel/2┬¬ Sec/Dra Judite Pires/Proc 208-B2002 JUDITE PIRES.doc - _ftn10:
    - A probabilidade da existência do crédito;
    - Existência de justo receio da perda da garantia patrimonial.
    Invoca a Requerente a existência de um crédito sobre a Requerida, baseada em 2 garantias autónomas, que, no entender da Requerente, lhe deveriam ser devolvidas uma vez que o obra já foi recebida definitivamente pelo dono da obra (Governo da RAEM) e igualmente já passou o prazo de 2 anos.
    Porém, a Requerida defendeu que existem vícios das obras executadas pela Requerente, cuja eliminação é da responsabilidade da Requerente, pelo que as garantias não podem ser vistas como já caducadas.
    Face aos factos dados como assentes pelo Tribunal recorrido, sem dúvida que o primeiro daqueles requisitos mostra-se indiciariamente preenchido.
    O que gera a controvérsia é justamente o 2º requisito.
    Quanto ao “justo receio de perda da garantia patrimonial” esclarece Abrantes Geraldes12 que tal requisito “pressupõe a alegação e a prova, ainda que perfunctória, de um circunstancialismo fáctico que faça antever o perigo de se tornar difícil ou impossível a cobrança do crédito”, acrescentando que “este receio é o que no arresto preenche o periculum in mora que serve de fundamento à generalidade das providências cautelares. Se a probabilidade quanto à existência do direito é comum a todas as providências, o justo receio referente à perda de garantia patrimonial é o factor distintivo do arresto relativamente a outras formas de tutela cautelar de direitos de natureza creditícia”, precisando ainda que “o critério de avaliação deste requisito não deve assentar em juízos puramente subjectivos do juiz ou do credor (isto é, em simples conjecturas, como refere Alberto dos Reis), antes deve basear-se em factos ou em circunstâncias que, de acordo com as regras de experiência, aconselhem uma decisão cautelar imediata como factor potenciador da eficácia da acção declarativa ou executiva".
    Conforme entendimento unânime da jurisprudência13, para a configuração do “justo receio” não basta o mero receio subjectivo do credor, sustentado em simples conjecturas, antes devendo fundar-se em factos concretos que sumariamente o indiciem.
    Também a simples recusa do cumprimento, despojada de outros factos que revelem perda da garantia patrimonial, não basta para o preenchimento do requisito em análise.
    Ou seja: sendo o arresto deduzido pelo credor contra o devedor, incumbe ao primeiro alegar e provar factos demonstrativos não só da existência do seu crédito, como também do justificado receio de perda da garantia patrimonial, consubstanciado, designadamente, na diminuição sensível do património do segundo, que constitui o garante do cumprimento das suas obrigações, como decorre do artigo 596º do CCM. Essa diminuição pode resultar quer da delapidação desse património, quer mesmo da sua ocultação.
    Concretamente analisado, a Recorrente invocou os seguintes argumentos nesta sede recursória:
    “(…)
     5. A Recorrente aponta à sentença recorrida um vício de nulidade de sentença por excesso de pronúncia, nos termos do art. 571.°, n.º 1 al. d) do CPC.
     6. A Recorrente requer incidentalmente a reforma da sentença no que respeita à matéria fáctica, nos termos consentidos pelo art. 629.°, n.º 1 do CPC.
     7. A Recorrente aponta à sentença erros de julgamento no que respeita à apreciação do justo receio da perda da garantia patrimonial.
    (…)
     18. O despacho recorrido entrou em contradição insanável com a fundamentação do despacho que decretou o arresto, não se fundando este novel entendimento em factos novos ou provas supervenientes.
     19. Terá sido violada a norma do art. 333.°, n.º 1, al. b) do CPC, pois foi ultrapassado o escopo das finalidades da oposição aí consignadas.
     20. A Recorrente arguirá de passagem vícios que tingiram a apreciação da prova na sentença recorrida, os quais poderão ter influência a jusante na reapreciação do requisito do justo receio da perda da garantia patrimonial.
     21. O Tribunal deu por verificado o facto vertido na alínea PP) por confronto com as certidões do registo predial constantes de fls. 1211 a 1306.
     22. O único reparo que aqui temos a apontar é que a fracção autónoma designada por "E12" da descrição n.º 21944 se encontra registada não em nome da Recorrida mas antes de um tal de E.
     23. Nos termos do art. 629.° do CPC, n.º 1, als. a) e b) e n.º 2, tal facto deverá ser rectificado em conformidade, nos seguintes termos: "PP. A Requerida detém em Macau 38 imóveis"
     24. Por outro lado, o Tribunal deu por assente o facto vertido na alínea QQ) exclusivamente com base no documento de fls. 679.
     25. Do teor do documento, não se pode concluir, como fez o Douto Tribunal a quo, que “[a] Requerida detém os seus depósitos, cujo valor ascende a mais de 200 milhões de patacas.”
     26. Esta declaração efectuada em nome do "F Limitada, Sucursal de Macau”, com ressalva expressa de qualquer responsabilização pelo seu conteúdo, afirma que em média a Recorrida deteve um saldo diário não inferior a 200 milhões de patacas durante o período que mediou entre 1/1/2020 e 4/11/2020.
    (…)”.
    Ora, que argumentos podemos avançar nesta sede do recurso?
    Em 1º lugar, é muito clara a ideia consagrada no artigo 333.º, n.º 1, al. b) do CPC: permitir ao juiz que, face a factos alegados pela Requerida, ou face a provas por ela juntas ao processo, considere se foram ou não afastados os fundamentos da providência. Sendo afastados os fundamentos da providência, não fará sentido que a mesma subsista, devendo ser levantada.
    O Tribunal a quo não se "arrogou" a funções equivalentes às de um tribunal de recurso jurisdicional, pois ao ordenar o levantamento da providência cautelar de arresto, não estava esgotado o poder de cognição do Tribunal a quo, estava a assumir um papel que o legislador lhe atribui.
    Em 2º lugar, da leitura da decisão recorrida resulta claro que aquilo que moveu o Tribunal a quo a levantar o arresto foi a consideração de que o património da Recorrida, avaliado no seu conjunto, baixava o "grau do risco de ocultação ou dissipação dos bens", e não qualquer consideração relativa às garantias bancárias!
    Nesta óptica a decisão recorrida não está ferida de nulidade por excesso de pronúncia, ao contrário do que alega a Recorrente, nem tão pouco padece de qualquer contradição insanável de fundamentação. A alteração de 39 imóveis para 38 imóveis em nada alterará a decisão recorrida, e a titularidade de 38 imóveis revelam bem a dimensão, a solidez, a fiabilidade da Recorrida, ou seja, continua demonstrada a existência de património da Recorrida, e a inexistência, in casu, de periculum in mora que justifique o decretamento de uma providência cautelar de arresto.
    Em 3º lugar, se o documento de fls. 679 refere que, durante um período de mais de onze meses, o saldo médio da conta bancária da Recorrida foi superior a MOP$200,000,000.00, então isso demonstra, como considerado pelo Tribunal a quo, que o "valor ascende a mais de 200 milhões de patacas.";
    Em 4º lugar, as correcções aos factos PP) e QQ) pretendidas pela Recorrente, por um lado, tem alguma razão e assim se rectifica, mas por outro, tais correcções não teriam a virtualidade de alterar a decisão recorrida, uma vez que em nada afastam aquilo que ficou demonstrado neste procedimento: a Recorrida tem património suficiente para liquidar a dívida da Recorrente/Requerente, assim não há periculum in mora que justifique o decretamento da providência cautelar de arresto.
    Em 5º lugar, o decretamento de providências cautelares tem de ter por base factos concretos, tem de se fundar num periculum in mora real, e não em meras hipóteses. O justificado receio terá de ser isso mesmo: "justificado", e não meramente conjectural.
    
    No caso, depois de ouvida a parte contrária, o Tribunal recorrido fixou assentes os seguintes factos (neste ponto da matéria):
    “(…)
     
     Ademais, consideram-se ainda como provados os seguintes factos provenientes dos articulados de oposição da Requerente, que são relevantes para a boa decisão da causa:
     OO. *A Requerida é uma construtora de Macau, actualmente tem em mãos vários projectos em curso. (os artigos 24º e 25º da Oposição)
     PP. A Requerida detém em Macau 39 imóveis (Rectifica-se aqui para 38 imóveis, uma vez que a certidão de um imóvel menciona que o proprietário é uma outra pessoa) – cfr. docs. de fls. 1211 a 1306, cujos teores aqui se dão por integralmente reproduzidos. (o artigo 27º da Oposição)

     QQ. A Requerida detém os seus depósitos, cujo valor ascende a mais de 200 milhões de patacas. (o artigo 28º da Oposição)
     RR. À data da apresentação da oposição, ainda não foi efectuada pela dona da obra a recepção definitiva da mesma. (o artigo 38º da Oposição)
     SS. Na obra em causa a Requerente chegou a incorrer em atrasos na execução dos seus trabalhos. (o artigo 88º da Oposição)
     TT. Pois a Requerida contratou directamente a Macau (Guangzhou) D Construction International Co. Ltd. (澳門(廣州)D建築國際有限公司), que era inicialmente a subempreiteira da Requerente, para finalizar os trabalhos em falta e em atraso. (os artigos 88º a 91 da Oposição)
     UU. A Requerente executou os seus trabalhos com defeitos. (o artigo 92º da Oposição)
     VV. A Requerida insistiu e interpelou por diversas vezes a Requerente para vir reparar esses defeitos, interpelações essas que ocorrerem nas diversas fases da execução da obra como seja nas vistorias para efeitos de recepção provisória da obra, como seja durante o período de garantia. (o artigo 93º da Oposição)
     WW. A liquidação final da subempreitada sub judice efectuada pela Requerida em 31/03/2017 apresenta um resultado negativo contra a Requerente no valor de MOP73,326,253.63.
     XX. Facto que foi comunicado à Requerente. (o artigo 98º da oposição)
     YY. Até à presente data, a título de deduções dos montantes adiantados, a Requerida, pelo menos, receber a quantia de MOP15,146,698.73. (o artigo 116º da oposição)
     *
     Factos não provados:
     Os artigos 94º, 95º e 111º da Oposição.
    (…)”.
    Depois o Tribunal a quo fundamentou a sua decisão nos seguintes termos:
    “(…)
     Em relação ao segundo pressuposto, para que a providência seja decretada é suficiente um comportamento do devedor que faça perigar a garantia patrimonial do requerente, sendo certo que o requerente não tem que demonstrar o perigo de dano invocado, bastando-lhe demonstrar ser compreensível ou justificado o receio da sua lesão14.
     Porém, o requisito do receio da perda da garantia patrimonial por banda do credor tem que ser objectivamente justificado, não bastando o receito subjectivo, fundado em simples conjecturas.15
     No caso em apreço, somos a entender que o facto de terem sido accionadas as garantias bancárias pela Requerida não chega para a verificação do receio justo da perda da garantia patrimonial por parte da Requente, não obstante o accionamento ser injustificado, como é bom de ver, conforme o carácter das garantias bancárias em causa que foram abertas na forma on first demand, para a sua realização não precisa da invocacão da justa causa. Tanto mais que a Requerida ora detém 39 bens imóveis e um saldo bancário não inferior a MOP$200,000,000.00, não se constata, pelo balanço apresentado a fls. 1427 a 1435, um desequilíbrio manifesto entre os activos e passivos, tudo isso significativamente baixa o grau do risco de ocultação ou dissipação dos bens da Requerida, isso nos leva a crer que cai por terra o fundamento da Requerente nesse sentido.
     Destarte, afigura-se-nos que não se encontra reunido o 2º requisito para o decretamento da providência cautelar de arresto.
    (…)”.
    Concluindo, é de verificar que, no caso em apreço, sem dúvida a Requerente não invocou factualidade passível de integração do 2º requisito tal como o Tribunal recorrido assim concluiu. Pelo contrário, os factos assentes demonstram claramente que a Requerida tem património suficientes para “garantir” o valor do alegado crédito que a Requerente alegava ter sobre a Requerida, o que é bastante para indeferir o pedido da mesma.
    Pelo que, improcedendo toda a argumentação tecida pela Recorrente neste recurso, é de negar provimento ao recurso jurisdicional pela mesma interposto, confirmando-se a sentença recorrida.
*
    Síntese conclusiva:
    I – O decretamento da providência depende da verificação cumulativa de dois requisitos (artigo 351º do CPC e artigo 615º do CCM)../../../../Documents and Settings/antonio cruz/Os meus documentos/Trabalho - Base de Dados/c├¡vel/2┬¬ Sec/Dra Judite Pires/Proc 208-B2002 JUDITE PIRES.doc - _ftn10:
    - A probabilidade da existência do crédito;
    - Existência de justo receio da perda da garantia patrimonial.
    II - Conforme entendimento unânime da jurisprudência, para a configuração do “justo receio” não basta o mero receio subjectivo do credor, sustentado em simples conjecturas, antes devendo fundar-se em factos concretos que sumariamente o indiciem. Também a simples recusa do cumprimento, despojada de outros factos que revelem perda da garantia patrimonial, não basta para o preenchimento do requisito em análise.
    III - Sendo o arresto deduzido pelo credor contra o devedor, incumbe ao primeiro alegar e provar factos demonstrativos não só da existência do seu crédito, como também do justificado receio de perda da garantia patrimonial, consubstanciado, designadamente, na diminuição sensível do património do segundo, que constitui o garante do cumprimento das suas obrigações, como decorre do artigo 596º do CCM. Essa diminuição pode resultar quer da delapidação desse património, quer mesmo da sua ocultação.
    IV – Ficou provado nos autos que a Requerida é titular de 38 imóveis (em vez de 39, um dos quais ficou registado em nome de terceiro), o que revela a dimensão e a solidez da Recorrida, acresce ainda um outro facto assente: durante um período de mais de onze meses, o saldo médio da conta bancária da Recorrida/Requerida foi superior a MOP$200,000,000.00, circunstâncias estas que demonstram a inexistência, in casu, de periculum in mora que justifique o decretamento de uma providência cautelar de arresto. Eis a razão bastante para indeferir o pedido da Requerente/Recorrente.
    
*
    Tudo visto e analisado, resta decidir.
* * *
V ‒ DECISÃO
    Em face de todo o que fica exposto e justificado, os juízes do Tribunal de 2ª Instância acordam em negar provimento aos recursos (interlocutório e final) interpostos pela Requerente/Recorrente, mantendo-se as decisões recorridas.
*
    Custas pela Recorrente.
*
    Registe e Notifique.
*
RAEM, 27 de Julho de 2021.
Fong Man Chong
Ho Wai Neng
Tong Hio Fong
1 Cfr. Ac. RC, de 21/04/1998, BMJ 476, p. 493.
2 Cfr. Acs. STJ de 29.04.2008, proc n.º 380/08 e de 22.05.2014, proc. n.º 724/12.0YYPRT-A.P1.S1, acessíveis em www.dgsi.pt.
3 Acessível em www.dgsi.pt.
4 Acessível em www.dgsi.pt.
5 “(…)本擔保書規定當B海灣工程有限公司以書面要求時,本銀行必須即時向其提供上述金額以內的全部或部份款項,本銀行不得以任何藉口或理由拒絕提供。”.
6 Citado por Ac. STJ de 23.06.2016, proc. n.º 414/14.9TVLSB.L1.S1.
7 Acessível em www.dgsi.pt.
8 Cfr. Joel Pereira, Prontuário de Formulários e Trâmites, v. II, 4ª ed., p. 723.
9 Cfr. Ac. TRL, de 2.10.2003, CJ-2003-4º-103.
10 Cfr. Lucinda Dias da Silva, “Processo Cautelar Comum”, pág. 146 e segs.
11 Cuja concretização fáctica deve ser efectuada no requerimento inicial, recaindo sobre o requerente o respectivo ónus probatório, nos termos do artigo 335º, nº1 do Código Civil de Macau.
12 Temas da Reforma do Processo Civil”, Almedina, IV vol., pág.191 e seguintes.
13 Entre outros, citados aqui em nome do Direito Comparado, Acórdãos da Relação do Porto 07.10.2008, processo nº 0823457, de 17.05.2004, processo nº 0452207, desta Relação de 10.02.2009, processo nº 390/08.7TBSRT.C1, da Relação de Lisboa de 15.03.2007, processo nº 8563/2006-6 e de 28.10.2008, processo nº 8156/2008-1, todos em www.dgsi.pt.
14 Cfr. Joel Pereira, Prontuário de Formulários e Trâmites, v. II, 4ª ed., p. 723.
15 Cfr. Ac. TRL, de 2.10.2003, CJ-2003-4º-103.
---------------

------------------------------------------------------------

---------------

------------------------------------------------------------





2021-627- aresto-não-decretar-ausência-requisito 62