打印全文
Processo nº 615/2021
Data do Acórdão: 27JUL2021


Assuntos:

Documentos nominativos
Registo de motociclos ou ciclomotores


SUMÁRIO

1. Para o efeito da interpretação e aplicação do disposto no artº 67º do Código do Procedimento Administrativo, entendem-se por documentos nominativos quaisquer suportes de informação que contenham dados pessoais, definidos no artº 4º/1-1) da Lei nº 8/2005.

2. Na matéria do exercício por um terceiro do direito de acesso aos documentos nominativos, o disposto no artº 15º/1 do Estatuto do Advogado não tem a virtude de derrogar o disposto no artº 67º/2 do Código do Procedimento Administrativo.

3. O registo de motociclo ou ciclomotor a que a DSAT se encontra obrigado a proceder ao abrigo do artº 17º/-3) do Regulamento Administrativo n.º 3/2008 é apenas para o efeito administrativo interno do mesmo órgão administrativo, não se destinando a dar publicidade da situação jurídica dos motociclos e ciclomotores a circular em Macau.


O relator



Lai Kin Hong


Processo nº 615/2021


Acordam em conferência na Secção Cível e Administrativa no Tribunal de Segunda Instância da RAEM:

I

No âmbito dos autos da acção para prestação de informação, consulta de processo ou passagem de certidão, instaurada por Bernardo Paiva Mourão, na qualidade de advogado inscrito na Associação dos Advogados de Macau, contra o Direcção dos Serviços para os Assuntos de Tráfico, doravante simplesmente designada por DSAT, e que correm os seus termos no Tribunal Administrativo e foram registados sob o nº 455/21-PICPPC, foi proferida a seguinte sentença julgando improcedente a acção:
I. Relatório
   Requerente: A, melhor identificado nos autos,
   intentou
   Acção para prestação de informação, consulta de processo ou passagem de certidão, contra
   Entidade Requerida: DIRECTOR DA DIRECÇÃO DOS SERVIÇOS PARA OS ASSUNTOS DE TRÁFEGO,
   Pedindo que esta seja intimada para a passagem de certidão relativa ao motociclo da marca KYMCO VJR 110F1 A/T, com a chapa de matrícula MJ-XX-XX da qual conste expressamente a identidade e a morada do proprietário do referido veículo, em 8/11/2019 (cfr. fls. 2 a 12 dos autos).
*
   A Requerida apresentou a resposta a fls. 23 a 29 dos autos.
*
A digna Magistrada do M.º P.º emitiu o douto parecer a fls. 31 a 34 dos autos, no sentido de ser julgada procedente a acção, cujo teor se transcreve no seguinte:
“在充分尊重不同立場下,我們不能認同被聲請實體拒絕向聲請人發出有關證明的決定理據。
按照行政卷宗第01頁資料顯示,聲請人向被聲請實體申請發出關於車牌編號MJ-XX-XX、商號及型號為KYMCO VJR 110FI A/T的電單車於2019年11月08日的所有權人及其地址的證明。而根據第3/2008號行政法規《交通事務局的組織及運作》第17條第(3)項規定,對於摩托車之登記屬於被聲請實體的職責範圍,換言之,聲請人向被聲請實體提出行使資訊權的標的,正正是屬後者所負責的登記資料內容。
根據第49/93/M號法令核准之《汽車登記制度》第1條第1款規定:“一、汽車登記之主要目的係對有關所有人作認別,以及一般旨在公開對機動車輛之權利。”,以及第2條第1款規定:“一、為登記之目的,機動車輛僅指《道路法典》界定為機動車輛,且獲交通事務署給予註冊之車輛。”。由此可見,為着汽車登記之效力,尤其上述《汽車登記制度》的適用,按照《道路法典》,及現行第3/2007號法律《道路交通法》界定為機動車輛且獲交通事務局給予註冊的車輛均須進行有關汽車登記。
確實,不論過去的第16/93/M號法令核准的《道路法典》還是現行第3/2007號法律《道路交通法》並沒有明確就機動車輛作出定義,然而,按照上述兩項法例的整體解釋,不難發現摩托車本身均屬於機動車輛範圍並予以規範:《道路法典》第49條第1款規定機動車輛的駕駛者必須取得有關的駕駛執照、第54條第3款規定機動車輛的註冊、第59條規定機動車輛的強制民事責任保險、第64-A條規定公共道路危險先占犯罪以及第69條公共道路非法先占輕微違反;《道路交通法》第72及73條規定機動車輛的土地、空氣及噪音污染、第75條第1款規定機動車輛的初次檢驗及定期檢驗、第76條規定機動車輛的註冊、第77條車輛識別、第79至81條規定機動車輛駕駛者的駕駛執照取得、第86條規定機動車輛的強制民事責任保險、第91條規定舉辦或參加未經許可的車輛體育比賽犯罪、第92條規定在禁止駕駛期間駕駛犯罪及第95條無牌駕駛犯罪等。從上述條文規定可見,毫無疑問不論對於《道路法典》還是現行《道路交通法》規定,摩托車乃屬於該等法例規定的機動車輛範圍。而第17/93/M號法令核准之《道路交通規章》第27條﹝照明裝置、燈光訊號裝置及反光裝置﹞第1款規定:“機動車輛按其為重型摩托車或汽車…”,以及第67條﹝實習測驗﹞第11款規定:“應投考人申請,可採用設有自動變速箱的機動車輛進行A1小類的重型摩托車、輕型汽車以及D1及D2小類的重型客車的駕駛實習測驗。”,更明確指出機動車輛摩托車亦作為機動車輛的其中一種車輛類型。
此外,上述第3/2008號行政法規《交通事務局的組織及運作》第17條第(1)項規定被聲請實體亦有職責接收關於認可機動車輛的卷宗,並將之送交機動車輛商標和型號核准委員會。而根據第92/2008號行政長官批示《訂定“機動車輛商標和型號核准委員會”的職權及其組成》第一點規定:“一、核准將在澳門地區的公共街道上行駛的汽車、重型電單車、輕型電單車、掛車及半掛車的商標和型號的權限歸於“機動車輛商標和型號核准委員會”,以下稱委員會。”,毫無疑問,亦將重型電單車和輕型電單車與其他汽車一樣,屬於機動車輛類別作出規範。
無需贅言,按照上述一系列規範道路交通、汽車登記制度、汽車商標及型號的核准以及交通事務局的組織法例規定,均系統及一致地視摩托車作為機動車輛的範圍。為此,對於不論屬於重型還是輕型摩托車,均適用第49/93/M號法令核准的《汽車登記制度》作出相應的登記,以便對有關所有人作認別,以及一般旨在公開對機動車輛之權利。
至於被聲請實體聲稱由於上述法令附件二的《汽車登記手續費表》第1條僅提及重型汽車及輕型汽車的登記手續費,因此該汽車登記度並不適用於重型摩托車、輕型摩托車及其他車輛,並指出針對後者的 輛現時欠缺相應的登記規範。
然而,我們未能認同此說法。首先,該附件二只是針對有關的登記手續費事宜,該費表中沒有就摩托車或其他車輛的登記費用作出規定,根本不能因此而“推斷”汽車登記制度的適用範圍。再次強調的是,第49/93/M號法令第2條第1款已明確對此作出規定:汽車登記制度係適用於《道路法典》界定為機動車輛且獲交通事務署給予註冊的車輛。再者,根據舊有的第24/83/M號法令核准之《物業、商業及汽車登記收費表》當中關於汽車登記收費表(Tabela de Emolumentos do Registo de Automóveis)第1條有規定重型汽車、輕型汽車以及摩托車的登記收費,而第49/93/M號法令序言法中明確指出:“…透過簡化計算方法及調整為作出登記行為需付之手續費金額,對手續費表作出修正。”,對此,我們意見認為似乎立法者於現行的汽車登記制度中,有意對於摩托車的登記作不出收費。無論如何,上述附件2中沒有規範摩托車的登記收費,根本不能作為摩托車不適用汽車登記制度的理據。
另一方面,我們亦不能認同被聲請實體主張其組織法第17條第(3)項規定該行政部門負責處理有關重型摩托車及輕型摩托車的登記,是屬於行政登記的性質,僅用作內部行政管理之用。誠然,其組織法的條文規定並沒有相對應的文意顯示該登記僅作行政管理性質的含義,而上述第49/93/M號法令核准的《汽車登記制度》沒有對於汽車登記作出所謂的行政登記及具公示性質的登記兩者區分。我們亦看不見立法者存在哪些理由,對於摩托車需要由行政部門作出內部行政管理的登記、以及摩托車排除公示性登記制度之外。
根據《汽車登記制度》第1條第1款、第5條第1款a)項及第2款規定汽車登記具公示性質,目的公開所有人的認別及其對車輛的權利,而當中機動車輛的所有權及其移轉均為須登記事實。該制度的附件一《汽車登記規章》第8條第1款a)項規定了一般登記的申請要件包括申請人姓名及常居所內容,以及第41條規定任何人得取得登記行為及歸檔文件之證明、影印本或副本。
毫無疑問,由於第49/93/M號法令核准之《汽車登記制度》特別規定了關於機動車輛,包括摩托車本身的登記的公示性質以及任何人皆可行使登記行為的資訊權,為此,並不存在有關資訊權的法定限制情況。
綜上所述,我們意見認為本案訴訟理由成立,建議勒令被聲請實體發出關於車牌編號MJ-XX-XX、商號及型號為KYMCO VJR 110FI A/T的電單車於2019年11月08日的所有權人及其地址的證明。”.
*
   Este Tribunal é o competente em razão da matéria e da hierarquia.
   As partes são dotadas de personalidade e capacidade judiciária e de legitimidade “ad causam”.
   O processo é o próprio.
   Inexistem nulidades, ou questões prévias que obstem à apreciação “de meritis”.
***

II. Fundamentação
1. De facto
   Resulta provada por documentos, a seguinte factualidade pertinente:
   - O Requerente é Advogado que patrocina, no processo judicial n.º CV3-21-0003-CAS a correr seus termos no Tribunal Judicial de Base, o réu Fundo de Garantia Automóvel e Marítimo (conforme o doc. junto a fls. 41 a 46 dos autos).
   - Em 9/3/2021, o Requerente apresentou junto do Director dos Serviços para os Assuntos de Tráfego um requerimento de certidão, alegando o seguinte:
   “…A, Advogado, com escritório em Macau, na XXXXXXXX, vem muito respeitosamente requerer a V. Exa., ao abrigo do n.º 1 do artigo 15.º do Estatuto do Advogado, e atento o disposto no artigo 41.º do Regulamento do Registo de Automóveis aprovado pelo Decreto-Lei n.º 49/93/M, de 13 de Setembro, mutatis mutandis, se digne ordenar a passagem de certidão relativa ao motociclo da marca KYMCO VJR 110 F1 A/T, com a chapa de matrícula MJ-XX-XX, da qual conste expressamente a identidade e morada do proprietário do referido veículo, em 8 de Novembro de 2019.
   Mais requer que a referida certidão seja passada em Língua Portuguesa.
   A certidão ora requerida destina-se à instrução do processo judicial autuado sob o n.º CV3-21-0003-CAS, a correr termos pelo Tribunal Judicial de Base, em que o Requerente é mandatário do réu Fundo de Garantia Automóvel e Marítimo…” (conforme o doc. junto a fls. 13 dos autos).
   - Por ofício n.º 785/DV/2021, expedido em 29/4/2021, foi o Requerente notificado da resposta com o seguinte teor:
    “…Na sequência da carta que nos foi dirigida para a versão portuguesa do ofício n.º 679/DV /2021, datada no dia 25 de Março de 2021 :
   Fundamentando com utilidade judiciária, citando os termos do n.º 1 do artigo 15.º do “Estatuto do Advogado”, para o requerimento de emissão da certidão de informação registada do proprietário do motociclo MJ-XX-XX emitida por esta Direcção de Serviços, cabe informar do seguinte teor:
   De acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 15.º do “Estatuto do Advogado”, pode ser solicitado a esta repartição pública o exame de documentos que não tenham carácter reservado ou secreto, no entanto, nos termos da alínea 1) do n.º 1 do artigo 4.º da Lei n.º 8/2005 (Lei da Protecção de Dados Pessoais),entendem-se como dados pessoais o nome, o número do bilhete de identidade e o endereço do proprietário do veículo em causa, atribuindo-lhes natureza de confidencialidade. Perante a legislação vigente e mencionada, esta Direcção de Serviços não poderá emitir a certidão por si solicitada, na sequência do exercício da sua profissão. Ao mesmo tempo, nos termos do n.º 2 do artigo 67.º do “Código do Procedimento Administrativo” (CPA), o direito de acesso aos documentos nominativos é reservado à pessoa a quem os dados digam respeito e a terceiros que demonstrem interesse directo e pessoal, razão pela qual esta Direcção de Serviços tomou a decisão de recusar a emissão da certidão solicitada, conforme o disposto nos n.os 2 e 3 do artigo 67.ºdo CPA.
   Nos termos dos artigos 10.º, 93.º e 94.º do “Código do Procedimento Administrativo”, aprovado pelo Decreto-Lei n .º 57/99/M, de 11 de Outubro, dentro do prazo de dez (10) dias a partir do dia seguinte da recepção do presente ofício poderá pronunciar-se ou complementar sobre os fundamentos constituídos quanto à decisão tomada por Direcção de Serviços…” (vide fls. 14 a 16 dos autos).
   - Em 24 de Maio de 2021, o Requerente intentou a presente acção.
***

2. De direito
  
  Como é sabido, a propositura da acção para prestação de informação, consulta de processo ou passagem de certidão pressupõe “Quando não seja dada satisfação às pretensões formuladas ao abrigo dos artigos 63.º a 67.º do Código do Procedimento Administrativo ou de lei especial sobre direito dos particulares à informação, consulta de processo ou passagem de certidão…” (conforme se diz no artigo 108.º, n.º 1 do CPAC).
  
  Portanto, pretende-se, com este meio processual, concretizar o direito à informação dos administrados, tanto da natureza procedimental como da não procedimental, tudo em obediência ao princípio da administração aberta, nos termos dos artigos 63.º a 67.º do CPA, por força dos quais está a Administração constituída no dever de informar. E em caso do seu incumprimento faltoso, será esta inelutavelmente intimada pelo Tribunal no sentido de facultar ao interessado os elementos solicitados.
  
   No caso dos autos em apreço, estamos perante um pedido da intimação para a prestação da informação formulado perante o Tribunal na sequência da recusa expressa da Requerida (Embora esta, na sua contestação, pareça sustentar a inexistência da recusa por mera lapso da formulação utilizada no ofício da resposta, sendo que a sua intenção real era a de convidar o Requerente para aperfeiçoar o requerimento, não foi essa leitura que fizemos do ofício n.º 785/DV/2021: para nós, é inequívoco que o pedido de informação do Requerente se encontrou indeferido, com a exposição sucinta dos respectivos fundamentos legais.)
  
  O ora Requerente invocou a sua titularidade do direito à informação com fundamento no artigo 67.º do CPA, argumentando, em síntese, o seguinte:
  - As informações solicitadas não têm caracter reservado, porque não integram documentos nominativos nem respeitam à intimidade das pessoas, afastando-se assim a aplicação do n.º 2 da referida norma legal;
  - As informações solicitadas – o registo relativo a motociclo de que constam os elementos de identificação do proprietário e da sua morada – têm natureza pública em resultado da integração da lacuna existente com aplicação do Regulamento do Registo de Automóveis, sendo certo que a exigência da publicidade do registo dos veículos automóveis, de embarcações ou de aeronaves se deva estender ao registo de motociclos e ciclomotores que se encontra na posse da Requerida;
  - Mesmo que se considerasse a informação solicitada como contida no documento nominativo, encontra-se demonstrado o interesse directo e pessoal do Requerente para obter a respectiva certidão, justificado pela necessidade da instrução do processo judicial devidamente identificado em que o mesmo patrocina o Réu.
  
  Vejamos.
  
  Não se destinando o ora requerimento às informações sobre um determinado procedimento em curso, a pretensão do Requerente deve ser analisada de acordo com o disposto no artigo 67.º do CPA, onde se prevê o seguinte:
“Artigo 67.º
(Princípio da administração aberta)
  1. Os particulares têm direito de acesso aos arquivos e registos administrativos, mesmo que não se encontre em curso qualquer procedimento que lhes diga directamente respeito.
  2. O direito de acesso aos documentos nominativos é reservado à pessoa a quem os dados digam respeito e a terceiros que demonstrem interesse directo e pessoal.
  3. O acesso aos arquivos e registos administrativos pode ser recusado, mediante decisão fundamentada, em matérias relativas à segurança do Território, à investigação criminal e à intimidade das pessoas.
  4. O acesso aos arquivos e registos administrativos faz-se em regra mediante a passagem de certidões ou fotocópias autenticadas dos elementos que os integram, sendo possível a consulta directa dos documentos arquivados ou registados quando a lei a permita ou quando o órgão competente a autorize.
  5. A consulta directa ou a passagem de certidões ou fotocópias, quando permitidas ou autorizadas, devem ser asseguradas aos interessados no prazo máximo de dez dias úteis.” (sublinhado nosso)

  Conforme ensinam Linho José Baptista Rodrigues Ribeiro e José Cândido de Pinho, “O artigo 64.º (conforme o artigo 67.º do nosso Código vigente) é mais vasto no campo da fonte informativa. Agora não se tem acesso à matéria do procedimento administrativo, cuja existência aliás não pressupõe necessariamente, mas sim aos elementos contidos nos arquivos ou registos administrativos. É, assim, um direito à informação administrativa, não à informação procedimental…” (cfr. Código do Procedimento Administrativo de Macau, anotado e comentado, p. 408).

  Pois bem, a regra que vale aqui é a de “livre acesso” – “o que a Administração sabe, o administrado tem o direito de saber”, em virtude da qual deve ser reconhecido a todos os particulares o direito de livre acesso a informações constantes de documentos, processos, arquivos e registos administrativos. A excepção à dita regra encontra-se prevista nos n.ºs 2 e 3 do mesmo artigo, isto é, quando está em causa o acesso aos documentos nominativos, ou o acesso pretendido incide sobre os documentos administrativos que envolvam matérias relativas à segurança da RAEM, à investigação criminal e à intimidade das pessoas, casos em que prevalece a regra inversa, da proibição de acesso.
  
  A recusa da satisfação do pedido do Requerente em análise fundamenta-se, ao abrigo do artigo 67.º, n.º 2 do CPA, na existência do “documento nominativo” a que respeita a sua pretensão, designadamente, por ser documento que contém “o nome, o número do bilhete de identidade e o endereço do proprietário do veículo em causa”.
  
  Importa, portanto, tentar apurar o alcance de tal conceito de “documento nominativo” para o efeito do artigo 67.º, n.º 2 do CPA. A este propósito, cremos ser manifesto que o conceito utilizado na norma na sua versão original portuguesa carece da posterior densificação que no entanto, não se encontra devidamente feita. Provavelmente, o sentido que transparece na norma da versão da tradução chinesa com equivalência semântica (“載有個人資料之文件”) terá sido da apreensão mais acessível, o qual corresponde literalmente, em português, aos “documentos que contenham os dados pessoais”.

  Não obstante, será que tal equivalência aqui encontrada através da comparação entre as duas versões da mesma norma é juridicamente válida?
  
  O ora Requerente, partindo da letra da lei da alínea c) do n.º 1 do artigo 4.º da Lei n.º 65/93 (Lei de Acesso aos Documentos da Administração ou LADA), de 26 de Agosto, considerou que os simples elementos de identificação não são dados pessoais para efeito de protecção especial. E segundo a definição dada por aquela norma, são considerados como “dados pessoais” as “informações sobre pessoa singular, identificada ou identificável, que contenham apreciações, juízos de valor ou que sejam abrangidas pela reserva da intimidade da vida privada.”). Nesta conformidade, “nem todas as informações respeitantes a pessoas singulares são “dados pessoais”: é necessário que as informações integrem apreciações ou juízos de valor ou sejam abrangidas pela reserva da intimidade da vida privada.” (cfr. José Renato Gonçalves, Acesso à Informação das Entidades Públicas, pp. 64 a 65).
  
  Por conseguinte, no sentido daquela LADA portuguesa, tal como assinalado pelo Requerente, integram o conceito de documento nominativo apenas os dados pessoais sensíveis ou do foro íntimo de um indivíduo – por exemplo, os que revelem o seu estado de saúde ou que se prendam com a sua vida sexual, os relativos às suas convicções filosóficas, políticas, religiosas, etc.
  
   É de realçar, no entanto, que a supradita definição sobre “dados pessoais”, dada pela LADA na versão antiga de 1993, mantida intocada com as alterações introduzidas pela Lei n.º 94/99, de 16 de Julho, não era coincidente com a definição vertida na Lei da Protecção de Dados Pessoais ou LPDP portuguesa, Lei n.º 67/98, de 26 de Outubro, no seu artigo 3.º a), nos termos do qual são dados pessoais “qualquer informação, de qualquer natureza e independentemente do respectivo suporte, incluindo som e imagem, relativa a uma pessoa singular identificada ou identificável (《titular dos dados》); é considerada identificável a pessoa que possa ser identificada directa ou indirectamente, designadamente por referência a um número de identificação ou a um ou mais elementos específicos da sua identidade física, fisiológica, psíquica, económica, cultural ou social;…”.
  
  Como se depreende daí, o conceito de “dados pessoais” na acepção da LPDP é muito mais abrangente, o que poderia resultar na disponibilização a terceiros não consentida por esta Lei dos documentos que continham dados pessoais, por se considerar que inexistiam neles “apreciações, juízos de valor, ou que sejam abrangidas pela reserva da intimidade” de acordo com as referidas normas da LADA então vigente.
  
   Contudo, no ordenamento jurídico português actual, a referida discrepância legislativa na definição dos “dados pessoais” encontra-se totalmente eliminada com a entrada em vigor da Lei n.º 26/2016, de 22 de Agosto, que tenha revogado a LADA anterior de 2007, introduzido uma alteração significativa da noção do “documento nominativo”, passando este a ser considerado como “o documento administrativo que contenha dados pessoais, definidos nos termos do regime legal de protecção de dados pessoais” (conforme previsto no artigo 3.º, n.º 1, alínea b) daquela Lei), sendo tal redacção mantida com a actualização mais recente introduzida pela Lei n.º 33/2020, de 12 de Agosto.
  
  Pelo que se deve afirmar que mesmo no âmbito do direito comparado, a definição de dados pessoais para o efeito do acesso à informação administrativa é mais ampla do que parece ser sugerido pelo Requerente, na medida em que se remete actualmente para a definição de dados pessoais constantes da LPDP, com vista a garantir uma maior protecção aos seus titulares.
  
  Quanto a nós, não temos ainda, no ordenamento jurídico de Macau, uma lei específica que garante o acesso às informações administrativas como no direito português. O que se pode encontrar aqui é apenas as normas constantes do CPA acerca do regime do direito à informação, e especialmente, o citado artigo 67.º, n.º 2 com uma breve referência ao “documento nominativo”, mas sem nenhuma concretização posterior.
  Daí compreende-se melhor a bondade da jurisprudência dos tribunais superiores de Macau na sua tentativa de encontrar uma definição do conceito por referência às normas existentes no direito português, conforme o teor do segmento citado pelo Requerente:
  “Assim, afigura-se-nos legitimável o recurso ao direito comparado, nomeadamente ao direito português, onde foi inspirado o nosso CPA, aprovado ainda na Administração Portuguesa e mantido em vigor após o estabelecimento da RAEM.
  O nosso CPA foi aprovado em 1999, altura em que estava em vigor em Portugal a Lei n.º 65/93, de 26 de Agosto - Acesso aos Documentos Administrativos. Esta lei define no seu artº 4º/1-b) os chamados documentos nominativos como quaisquer suportes de informação que contenham dados pessoais.
  Então o que se deve entender por dados pessoais?
  A nossa Lei da Protecção de Dados Pessoais (Lei nº 8/2005) define, para efeitos dessa lei, dados pessoais como qualquer informação, de qualquer natureza e independentemente do respectivo suporte, incluindo som e imagem, relativa a uma pessoa singular identificada ou identificável («titular dos dados»), sendo considerada identificável a pessoa que possa ser identificada directa ou indirectamente, designadamente por referência a um número de identificação ou a um ou mais elementos específicos da sua identidade física, fisiológica, psíquica, económica, cultural ou social.
  Definição essa que é coincidente com a estabelecida no artº 3º/-a) da lei homóloga de Portugal, que é a Lei nº 67/98 de 26OUT, em vigor no momento da aprovação do nosso CPA.
  Assim sendo, cremos que podemos adoptar, com a segurança razoável, a definição dos “documentos nominativos”, estabelecida naquele diploma vigente em 1999 em Portugal, para interpretar o sentido e averiguar o alcance do normativo do artº 67º/2 do nosso CPA…” (veja-se, o Acórdão do TSI, Processo n.º 444/2017, de 6/7/2017).
   
  É evidente que para chegar à sua conclusão, a douta jurisprudência foi à norma do artigo 4.º, n.º 1, alínea b) da dita Lei n.º 65/93, de 26 de Agosto mas apenas com intenção de buscar daí o conceito do documento nominativo como “quaisquer suportes de informação que contenham dados pessoais”, remetendo, no entanto, a definição de dados pessoais para a Lei da Protecção de Dados Pessoais (Lei nº 8/2005) por ser “coincidente com a estabelecida no artº 3º/-a) da lei homóloga de Portugal, que é a Lei nº 67/98 de 26OUT”.
  
  Assim, parece-nos legítimo concluir que a definição de dados pessoais com relevância para a aplicação do artigo 67.º, n.º 2 do CPA que se obtém através da referida jurisprudência é tão abrangente como na lei portuguesa actual. Considera-se, nesta acepção, como documento nominativo “quaisquer suportes de informação que contenham dados relativos à pessoa singular identificada ou identificável, conforme o estabelecido no disposto no artigo 4.º, n.º 1, alínea 1) da Lei nº 8/2005.”, nos termos sumariados por douto Acórdão.
  
  Nesta linha, in casu, as informações pretendidas pelo ora Requerente devem ser qualificadas como dados pessoais constantes do suporte que consubstancia documento nominativo.
*
  Estando-se perante um documento nominativo, o respectivo acesso é reservado à pessoa a quem os dados digam respeito, ou a terceiros que demonstrem interesse directo e pessoal, e além disso, aos que, embora sejam omissos na dita norma do artigo 67.º, n.º 2, obtenham um consentimento expresso junto ao titular dos dados constantes dos documentos por se tratar do direito susceptível de autolimitação voluntária, ou nas outras condições especificadas no disposto do artigo 6.º daquela Lei n.º 8/2005.
  
  Mas além disso, consideramos ser ainda concebível que o referido carácter reservado seja afastado pela norma especial onde se prevê a possibilidade da divulgação pública dos mesmos dados na tese perfilhada pelo Requerente com a invocação das normas do Regulamento do Registo de Automóveis para a integração da suposta lacuna, e que parece ter sido acolhida ainda pelo parecer do Ministério Público mas já com fundamento na aplicabilidade directa do dito Regulamento.
  
  A questão que se deve colocar concretamente é saber se o registo relativo ao motociclo ou ciclomotor com os dados pessoais daí constantes, destina-se ou não dar a publicidade da sua situação jurídica, assim como sucede com o registo dos veículos automóveis, de embarcações ou de aeronaves.
  
  Quanto a isto, entendeu a Recorrida que na inexistência do enquadramento legal para o efeito (não sendo aplicável o DL n.º 49/93/M para o registo de automóveis), o registo de motociclo ou ciclomotor a que a DSAT se encontra obrigado a proceder ao abrigo do artigo 17.º, alínea 3) do Regulamento Administrativo n.º 3/2008 é apenas para o efeito administrativo interno, não sendo possível se tornar de acesso público.
  
  Salvo o melhor entendimento, acompanhamos a dita posição da Recorrida. Procuremos demonstrar o porquê.
  
  Desde logo, como sabemos, a exigência da publicidade registal tem como sua causa primordial a oponibilidade erga omnes dos direitos reais: a constituição dos direitos reais sobre a coisa, por natureza, implica para o seu titular a esfera do domínio exclusivo da mesma (aspecto positivo da soberania), e para todos os demais, a exclusão à mesma esfera de soberania que se encontrem vinculados pelo dever de abstenção (aspecto negativo da soberania).
  
  É certo que a atribuição dos referidos efeitos oponíveis erga omnes se destina a proteger, prioritariamente, os interesses do titular dos direitos reais contra qualquer invasão de terceiros, não se ignora, contudo, que o reconhecimento desta oponibilidade como consequência directa da constituição dos direitos dessa natureza implicará um manifesto prejuízo para o tráfico jurídico, em desfavor do potencial ou pretenso adquirente em virtude das circunstâncias não cognoscíveis. Daí surgiu a necessidade da publicidade para se dar a conhecer a situação jurídica das coisas como condição daquela oponibilidade, tendo em vista sobretudo ultrapassar o aludido conflito entre a segurança do direito e a segurança do tráfico. E a inscrição registal apresenta-se, entre os outros meios e fora da dúvida, como uma forma permanente e mais eficiente para assegurar os fins de publicidade neste sentido (cfr. quanto a este tema, entre os outros autores, Mónica Jardim, Efeitos substantivos do Registo Predial, Terceiros para Efeitos de Registo, pp. 29 a 41).
  
  Se assim é, parece ser claro que o registo de motociclo ou ciclomotor que o Requerente pretende, no caso concreto, por achar ter essencialmente por fim dar publicidade à situação jurídica dos bens sujeitos a registo com vista à segurança do respectivo comércio jurídico, se reporta, no fundo, ao da propriedade.

  Quanto ao registo da propriedade de motociclo ou ciclomotor, salvo a melhor opinião, temos por certo que este não se encontra submetido ao DL n.º 49/93/M e ao anexo Regulamento de Registo de Automóveis.
  
  A redacção das respectivas normas é inteligível neste sentido: a norma do artigo 1.º, n.º 1 do referido DL dispõe, quanto ao âmbito da aplicação do regime, o seguinte: “1. O registo de automóveis tem essencialmente por fim individualizar os respectivos proprietários e, em geral, dar publicidade aos direitos inerentes aos veículos automóveis.” (sublinhado nosso).
  
  Por sua vez, na norma do artigo 2.º, n.º 1, estabelece-se que “Para efeito de registo, são considerados veículos automóveis apenas os veículos como tais definidos pelo Código da Estrada, que tenham matrícula atribuída pela Direcção de Viação.” (sublinhado nosso).
  
  Se recorrermos ao anterior Código da Estrada, aprovado pelo DL n.º 16/93/M, de 28 de Abril, não será difícil de encontrar aí, no seu artigo 1.º alíneas n), t) e x) os veículos definidos como automóveis, enquanto que o motociclo e o ciclomotor referidos nas alíneas z) e aa) do mesmo preceito não são automóveis.
  
  Sendo assim, o regime jurídico previsto no DL n.º 49/93/M não é aplicável ao registo da propriedade do motociclo ou de ciclomotor (A este respeito, a letra das referidas normas dos artigos 1.º, n.º 1 e 2.º, n.º 1 na versão chinesa utiliza um termo pouco preciso – 機動車輛, o qual na realidade, se refere ao veículo com motor em geral. Esta dificuldade, não obstante, não deixa de ser superável com a interpretação da norma da versão portuguesa original, que aponta, expressamente, para a aplicação do diploma aos veículos automóveis (ou 汽車 em chinês)).
  
  Porém, sem prejuízo do que antecede, parece-nos que o fundamento legal de registo de motociclo/ciclomotor pudesse ser encontrado em outro lugar, isto é, na norma do artigo 52.º do Regulamento do Trânsito Rodoviário em que se prevê a tramitação da matrícula, designadamente, nos n.º s 10 e 11. Daí resulta-se o seguinte:
  “…
  10. Feita a matrícula, é passado o livrete, o qual é entregue pelo Leal Senado de Macau aos respectivos importadores, fabricantes ou proprietários, acompanhado de uma guia, devidamente datada e autenticada com o selo branco, na qual se indicam o nome ou firma do importador, proprietário ou fabricante do veículo, bem como a marca deste e o seu número de matrícula.
  11. O livrete e a guia referidos no número anterior são entregues pelos interessados na Conservatória dos Registos Comercial e Automóvel, a fim de ser registada a propriedade do veículo.” (sublinhado nosso).
  
  Além disso, a obrigatoriedade de matrícula prevista no artigo 76.º, n.º 1 da Lei n.º 3/2007 (Lei de Trânsito Rodoviário) ainda exige que “Só podem circular na via pública os veículos matriculados, à excepção dos velocípedes de duas rodas e dos velocípedes com mais de duas rodas em linha e dotados de mais de um par de pedais.”
  
  A nosso ver, face às referidas normas conjugadas aplicáveis indistintamente aos veículos em geral, os motociclos ou ciclomotores encontram-se sujeitos à matrícula para poderem circular nas vias públicas, e feita a matrícula, poderá proceder-se ao registo da propriedade com o livrete e a guia obtidos. Não tendo sido afastada a possibilidade do registo da propriedade ciclomotor/motociclo, o que nos falta seria um regime que concretize tal possibilidade e que preveja a respectiva tramitação administrativa, como aquele que temos para o registo de veículo automóvel.
  
  Mas independentemente da verificação desta hipótese, é evidente, pelo menos para nós, que se é este tipo de registo que o Requerente efectivamente pretendeu, deveria ser o mesmo solicitado junto à Conservatória dos Registos Comercial e Automóvel, a qual terá sido entidade competente para guardar as informações e emitir as certidões tal como requeridas, quer por força da referida norma do artigo 52.º, n.º 11 do Regulamento do Trânsito Rodoviário, quer por aplicação analógica das normas ínsitas no DL n.º 49/93/M, de 13 de Setembro para a integração das supostas lacunas. Como tal, o pedido de informação do Requerente não deveria ter sido formulado perante a DSAT que carece da competência necessária.

  Agora, o ora registo de motociclo/ciclomotor relativamente ao qual a própria Requerida nunca denegou ter a posse com a respectiva competência derivada do artigo 17.º, alínea 3) do Regulamento Administrativo n.º 3/2008 (“À Divisão de Veículos compete, designadamente:…3) Proceder ao registo de motociclos e ciclomotores;…”) é o mero arquivo ou registo administrativo referido na norma do artigo 67.º n.º 1 do CPA. Tal registo, mesmo podendo conter alguns dados coincidentes com os típicos do registo de propriedade, é, certamente, algo diferente, sem aquela vocação de assegurar a publicidade da situação jurídica da coisa, sempre assinalada pelo ora Requerente.
   
  Nestes termos, deve ser negado o carácter público da informação ora pretendida.
*
  Por consequência, temos de voltar à norma geral do artigo 67.º, n.º 2 do CPA. Resta saber se, para obter o registo em causa – documento nominativo – que se encontra na posse da Requerida, o ora Requerente enquanto o terceiro demonstrou ou não o interesse directo e pessoal a fim de prevalecer o alegado direito de acesso sobre o do titular dos dados pessoais constantes daquele documento (aliás, tal exigência legal coincide com o disposto do artigo 6.º, alínea 5) da Lei n.º 8/2005).
  
  Importa que tendo o documento solicitado o carácter reservado, o ónus de demonstração aqui exigido não fica afastado pela simples invocação da qualidade de advogado por ora Requerente com fundamento no artigo 15.º, n.º 1 do Estatuto de Advogado, aprovado pelo DL n.º 42/95/M de 21 de Agosto (sendo certo que a norma diz “1. No exercício da sua profissão, o advogado pode solicitar em qualquer tribunal ou repartição pública o exame de processos, livros ou documentos que não tenham carácter reservado ou secreto, bem como requerer verbalmente ou por escrito a passagem de certidões, sem necessidade de exibir procuração” (sublinhado nosso)) (cfr. no mesmo sentido, o supra-referido Acórdão do Tribunal de Segunda Instância n.º 444/2017, de 6/7/2017).
  
  Segundo o que se alega subsidiariamente na p.i no artigo 31.º, a obtenção da certidão dos referidos dados é necessária à instrução de um processo judicial devidamente identificado, autuado sob o n.º CV3-21-0003-CAS, a correr os termos pelo Tribunal Judicial de Base, em que o Requerente é mandatário do réu Fundo de Garantia Automóvel e Marítimo.
  
  Mas quando convidado para apresentar os elementos demonstrativos do seu interesse directo e pessoal, o Requerente limitou-se a juntar a fls. 39 a 46 dos autos uma cópia do despacho, da nota de citação, da primeira página da petição inicial actuada, bem como o documento comprovativo da sua constituição como mandatário do réu, donde não se vislumbra alguma ligação entre a informação solicitada e o processo judicial identificado e a alegada necessidade no seu acesso para a instrução do processo, não se podendo concluir pela existência do interesse específico e atendível no lado do Requerente para suportar a sua pretensão informativa.
  
  Assim sendo, outra solução não há senão improceder a acção.
  
  Resta decidir.
***

III. Decisão
  Face ao exposto, decide-se:
  Julgar improcedente a acção e absolver a Requerida do pedido.
*
  Custas pelo Requerente, com taxa de justiça fixada em 5 UC.
*
  Registe e notifique.

Notificado e inconformado com a sentença, o requerente interpôs recurso jurisdicional para este Tribunal de Segunda Instância, concluindo e pedindo nos termos seguintes:
I. Vem o presente recurso interposto da sentença proferida nos presentes autos a fls. 47-55, a qual julgou improcedente a acção e, consequentemente, negou provimento ao pedido, de passagem de certidão, apresentado pelo Recorrente junto da DSAT em 9 de Março de 2021, «relativa ao motociclo da marca KYMCO VJR 110 FI A/T, com a chapa de matrícula MJ-XX-XX,da qual conste expressamente a identidade e morada do proprietário do referido veículo, em 8 de Novembro de 2019.»;
II. Com o devido e incondicional respeito, a referida decisão padece de lamentável erro de julgamento, aplicação e interpretação da lei;
III. A sentença recorrida violou o disposto no n.º 1 do artigo 1.º do Regulamento do Registo de Automóveis, quando conjugado com as alíneas 2), 3) e 4) do artigo 17.º da lei orgânica da DSAT, e com o n.º 1 do artigo 67.º (princípio da administração aberta) do Código do Procedimento Administrativo (CPA); com o n.º 11 do artigo 52.º, e com as alíneas a) e h) do n.º 1, e com o n.º 2, do artigo 118.º, ambos do ora denominado Regulamento do Trânsito Rodoviário; e, com o n.º 1 do artigo 2.º da lei orgânica dos serviços dos registos e do notariado;
IV. A sentença recorrida violou também o disposto nos n.os 2 e 3 do artigo 67.º do CPA, quando conjugados com a alínea 1) do n.º 1 do artigo 4.º, e com as alíneas 2) e 5) do artigo 6.º, atento o disposto no n.º 4 do artigo 21.º e no n.º 4 do artigo 25.º, todos da Lei da Protecção dos Dados Pessoais;
V. A sentença recorrida violou ainda o disposto no n.º 1 do artigo 15.º do Estatuto do Advogado, quando conjugado com o n.º 2 do artigo 67.º, e com os artigos 8.º (princípio da boa fé), 9.º (princípio da colaboração entre a Administração e os particulares), e 12.º (princípio da desburocratização e da eficiência), todos do CPA, particularmente atento o disposto nos n.os 1 e 2 do artigo 1.º (do advogado como servidor da Justiça e do Direito); nos n.os 1, 4 aI. a), 5 e 6 do artigo 5.º (segredo profissional) e 12.º (colaboração na administração da Justiça), todos do Código Deontológico dos Advogados;
VI. O thema decidendum é saber se o registo de motociclos e ciclomotores é público, e tem, essencialmente, por fim individualizar os respectivos proprietários e, em geral, dar publicidade aos direitos inerentes aos referidos veículos;
VII. Na ausência de regulamentação quanto ao registo de motociclos e ciclomotores, dever-se-ão aplicar a tal registo as regras constantes do Regulamento do Registo de Automóveis aprovado pelo Decreto-Lei n.º 49/93/M, de 13 de Setembro, mutatis mutandis, nomeadamente no que respeita à publicidade do registo, podendo assim qualquer pessoa obter certidão, fotocópia ou cópia dos actos de registo e dos documentos arquivados;
VIII. Compete à DSAT, e não à Conservatória dos Registos Comercial e de Bens Móveis (CRCBM), proceder ao registo de motociclos e ciclomotores, incluindo o da sua propriedade;
IX. Perante a inexistência de facto de um registo "de propriedade" dos motociclos e ciclomotores junto da CRCBM, é inútil solicitar a certidão respectiva a esta Conservatória;
X. O registo público «é o assento efetuado por um oficial público e constante de livros públicos, do livre conhecimento, direto ou indireto, por todos os interessados, no qual se atestam fatos jurídicos conformes com a lei e respeitantes a uma pessoa ou a uma coisa, factos entre si conectados pela referência a um assento considerado principal, de modo a assegurar o conhecimento por terceiros da respetiva situação jurídica, e do qual a lei faz derivar como efeitos mínimos, a presunção do seu conhecimento e a capacidade probatória»;
XI. A publicidade é o objecto do registo, e com ela visa-se a segurança do comércio jurídico. A actividade que assegura aquele efeito e protecção jurídica está a cargo de um registo público que dá a conhecer a situação jurídica de bens, através de procedimentos definidos na lei e que conferem fé pública aos actos registados;
XII. O objecto e efeitos do registo de veículos é a situação jurídica dos mesmos e a sua publicidade através do próprio registo e da produção de meios de prova: as certidões de registo. A publicidade dos bens sujeitos a registo visa a segurança do comércio jurídico e a protecção de terceiros;
XIII. O registo de motociclos e ciclomotores a que alude a alínea 3) do artigo 17.º da lei orgânica da DSAT destina-se (também) à informação do público e pode ser consultado pelo público em geral, não estando os dados ali registados sujeitos a protecção especial de sigilo, atento o disposto nas alíneas 2) e 5) do artigo 6.º, bem como no n.º 4 do artigo 21.º, e no n.º 4 do artigo 25.º, todos da Lei de Protecção de Dados Pessoais;
XIV. Na raiz do "princípio da administração aberta", consagrado no artigo 67.º do CPA, está a pretensão de substituir e superar o princípio da arcana praxis ou o princípio do segredo - característico de um modelo de Administração Pública autoritária; burocrática, fechada sobre si mesmo, que decide em segredo -, pelo princípio geral da publicidade ou da transparência, próprio de uma Administração aberta, participada, que age em prol dos cidadãos e em comunicação com os administrados;
XV. Este princípio vem consagrar como regra geral que tudo o que consta nos arquivos da res publica (Administração), ao público pertence;
XVI. Esta regra - que diremos "de ouro" porque nela assenta, também, o Estado de Direito -, só pode ceder e admite excepções no que respeita às matérias relativas à segurança do Estado e da Região, à investigação criminal e à intimidade das pessoas, bem como quanto aos chamados "documentos nominativos";
XVII. Os dados pessoais não são merecedores de protecção especial, sempre e em qualquer circunstância, nomeadamente quando não prevaleçam sobre a prossecução de interesses legítimos do fiel-arquivista dos dados, ou de terceiro que a eles tenha de recorrer, importando sim "encontrar la giusta misura, ponderar a quantidade de informação prestada, o que implica saber, a quem e para quê vão servir os dados pessoais fornecidos, através de certidões ou informações relativas às pessoas singulares (...)";
XVIII. A pretensa protecção de dados pessoais não pode impedir o acesso àquilo que o público tem o direito de saber, ou seja, quem é o proprietário de um determinado motociclo e onde este reside;
XIX. Os advogados são pessoas ao serviço da Justiça e do Direito, e, por conseguinte, a quem está vedado, no exercício da sua profissão, servir-se do mandato para prosseguir objectivos que não sejam meramente profissionais, devendo pugnar pela boa aplicação das leis e pela rápida administração da justiça, não podendo usar de meios ou expedientes ilegais, nem promover diligências inúteis;
XX. Sob pena de responsabilidade criminal e deontológica-disciplinar, aos advogados está vedada a invocação da qualidade de mandatários de uma das partes num processo judicial e a alegação que de a certidão requerida à Administração se destina à instrução desse processo, quando tal seja falso;
XXI. O interesse que os advogados possam ter numa certidão basta-se com a invocação do processo a que mesma se destina e com a indicação da parte que o advogado ali representa, não se lhe afigurando que tal interesse tenha que ser comprovado documentalmente, nem que seja necessária uma exposição dos motivos ou a ligação entre a informação solicitada e o processo judicial identificado, nem tão pouco alegada a necessidade no seu acesso para a boa instrução do processo;
XXII. Uma exposição, detalhada e comprovada, do interesse poderá - e deverá - ser requerida a qualquer cidadão que queira aceder à informação; mas não a advogados. De outra forma não existirá qualquer diferença entre uns e outros e o artigo 15.0 do Estatuto do Advogado não passará de letra morta;
XXIII. Os advogados não são "qualquer interessado", mas alguém com um interesse específico, sujeito a regras próprias de segredo profissional, responsáveis pela sua conduta - daí estarem sujeitos a norma especial (o artigo 15.º do Estatuto do Advogado) face à norma geral (do artigo 67.º do CPA);
XXIV. A Administração tem por obrigação colaborar e promover a boa, eficiente e célere administração da Justiça, auxiliando os Tribunais e os Advogados nessa missão, o que pode ser prosseguido obedecendo aos pedidos directos ordenados pelo Tribunal, ou dando provimento aos pedidos "indirectos" formulados pelos advogados quando exercem o mandato judicial, para que estes a apresentem então ao Tribunal;
XXV. A Administração deve aliviar e não sobrecarregar os Tribunais com pretensões que podem e deveriam ser tratadas extrajudicialmente, directamente junto de quem, detém a informação, sob pena de burocratizar a função judicial, promover o protelamento e, por vezes, a ineficiência das decisões judiciais.
   Termos em que deve ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão recorrida, mais se determinando a passagem de certidão nos termos requeridos pelo Autor-Recorrente, com o que se fará JUSTIÇA.

O Director dos Serviços para os Assuntos de Tráfego, demandado da acção, ora recorrido, respondeu pugnando pela improcedência do recurso – vide as fls. 110 a 115 dos presentes autos.

Subidos os autos a esta segunda instância e devidamente tramitados, o Ministério Público emitiu oportunamente em sede de vista o seguinte parecer, pugnando pelo provimento do recurso:
  Nas alegações do recurso em apreço, o recorrente pediu a revogação da sentença em crise, pela qual o MM.º Juiz a quo julgou improcedente a acção para prestação de informação, consulta e passagem de certidão re-gistada no TA sob o n.º455/21-PICPPC, com três fundamentos.
*
  Ressalvado o merecido respeito pela opinião diferente, sufragamos a posição do MM.º Juiz a quo, no sentido de que são nominativos, para efeitos contemplados no n.º2 do art.67.º do CPA, todos os documentos que contenham dados pessoais e, no vertente caso, devem ser qualificadas como dados pessoais as informações pretendidas pelo A. e ora recorrente.
  Pois bem, entendemos ser criteriosa e sensata a jurisprudência que inculca (vide. Acórdão do TSI no Processo n.º444/2017): 1. Para o efeito da interpretação e aplicação do disposto no artº67º do Código do Procedimento Administrativo, entendem-se por documentos nominativos quaisquer suportes de informação que contenham dados pessoais, definidos no artº4º/1-1) da Lei nº 8/2005; 2. Na matéria do exercício por um terceiro do direito de acesso aos documentos nomi-nativos, o disposto no artº15º/1 do Estatuto do Advogado não tem a virtualidade de derrogar o disposto no artº67º/2 do Código do Procedimento Administrativo.
*
  Nos termos do disposto nas alís. 2) e 3) do art.17º do Regulamento Administrativo n.º3/2008, a Divisão de Veículos da DSAT é competente para proceder à atribuição de matrículas aos veículos motorizados, emi-tindo os respectivos documentos de identificação e dísticos comprovativos do pagamento do imposto de circulação, e para proceder ao registo de motociclos e ciclomotores (sublinhas nossas). O que revela, sem dúvida, que o legislador distingue os veículos motorizados dos motociclos e ciclomo-tores, e incumbe o registo destes à Divisão de Veículos da DSAT.
  Nestes termos e ao abrigo do princípio da especificação da compe-tência, podemos extrair que na actual ordem jurídica, a Conservatória dos Registos Comercial e de Bens Móveis é incompetente para o registo dos motociclos e ciclomotores, cabendo-lhe apenas os registos comercial, dos automóveis, das embarcações e das aeronaves na RAEM.
  Com todo o respeito pelo melhor entendimento em sentido contrá-rio, afigura-se-nos incorrecto ou, pelo menos, duvidosa a opinião de que é meramente interno da Administração o efeito do registo consagrado na alínea 3) do art.17º do Regulamento Administrativo n.º3/2008. Na nossa modesta opinião, este registo desempenha igualmente a função de tutelar a segurança da relação social e a certeza do comércio jurídico, embora nenhuma disposição legal ou regulamentar determine a publicidade.
  Para além disso, a nossa análise dos documentos de fls.41 a 46 dos autos aconselha-nos a inferir que o autor da dita acção e ora recorrente demonstrou o interesse directo e pessoal prescrito no preceito no n.º2 do art.67.º do CPA, dado que ele comprovou ter sido mandatário forense do Fundo de Garantia Automóvel e Marítimo posto no Réu no Processo n.ºCV3-21-0003-CAS. Na nossa óptica, não se exige in casu que o mesmo constatasse que o proprietário do motociclo identificado na petição destes autos fosse parte no supramencionado Processo.
***
  Por todo o expendido acima, propendemos pelo provimento do pre-sente recurso.

Foram colhidos os vistos, cumpre conhecer.

II

Antes de mais, é de salientar a doutrina do saudoso PROFESSOR JOSÉ ALBERTO DOS REIS de que “quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão” (in CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL ANOTADO, Volume V – Artigos 658.º a 720.º (Reimpressão), Coimbra Editora, 1984, pág. 143).

Conforme resulta do disposto nos artºs 563º/2, 567º e 589º/3 do CPC, ex vi dos artºs 1º e 149º do CPAC, são as conclusões do recurso que delimitam o seu objecto, salvas as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras e as que sejam de conhecimento oficioso.

Em face das conclusões tecidas na petição do recurso, as questões que constituem o objecto da nossa apreciação consistem em saber:

* se, ao abrigo do disposto no artº 15º/1 do Estatuto do Avogado, a mera invocação da qualidade de advogado inscrito na Associação dos Advogados de Macau constitui fundamento de per si suficiente para ter acesso aos documentos ditos nominativos a que se refere o artº 67º/2 do CPA; e

* se o registo de motociclo ou ciclomotor a que a DSAT se encontra obrigado a proceder ao abrigo do artº 17º/-3) do Regulamento Administrativo n.º 3/2008 é apenas para o efeito administrativo interno, não sendo possível se tornar de acesso público nem se destinando a dar publicidade da situação jurídica dos motociclos e ciclomotores a circular em Macau.

Conforme se vê na Douta decisão ora recorrida, ambas as questões já foram devida e correctamente tratadas na sentença ora recorrida, onde foi demonstrada, com raciocínio inteligível e razões sensatas e convincentes, a improcedência do pedido do demandante, não se nos afigura outra solução melhor do que a de louvar aqui a decisão recorrida e, nos termos autorizados pelo artº 631º/5 do CPC, ex vi do artº 149º do CPAC, remeter para os Doutos fundamentos invocados na decisão recorrida, julgando improcedente o recurso do demandante e confirmando a decisão recorrida.


Aliás a solução dada à primeira questão na sentença recorrida é justamente a doutrina defendida no nosso Acórdão do TSI de 09MAIO2013, tirado no processo nº 214/2013.


Em conclusão:

1. Para o efeito da interpretação e aplicação do disposto no artº 67º do Código do Procedimento Administrativo, entendem-se por documentos nominativos quaisquer suportes de informação que contenham dados pessoais, definidos no artº 4º/1-1) da Lei nº 8/2005.

2. Na matéria do exercício por um terceiro do direito de acesso aos documentos nominativos, o disposto no artº 15º/1 do Estatuto do Advogado não tem a virtude de derrogar o disposto no artº 67º/2 do Código do Procedimento Administrativo.

3. O registo de motociclo ou ciclomotor a que a DSAT se encontra obrigado a proceder ao abrigo do artº 17º/-3) do Regulamento Administrativo n.º 3/2008 é apenas para o efeito administrativo interno do mesmo órgão administrativo, não se destinando a dar publicidade da situação jurídica dos motociclos e ciclomotores a circular em Macau.


Sem mais delongas, resta decidir.

III

Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em conferência em negar provimento ao presente recurso jurisdicional, mantendo na íntegra a sentença ora recorrida.

Custas pelo recorrente em ambas as instâncias.

Registe e notifique.

RAEM, 27JUL2021

Lai Kin Hong
Fong Man Chong
Ho Wai Neng
*
Mai Man Ieng

Proc. 615/2021-1