--- Decisão Sumária nos termos do art.º 407º, n.º 6 do C.P.P.M. (Lei n.º 9/2013). ----------------------------------
--- Data: 31/07/2021 ------------------------------------------------------------------------------------------------------------
--- Relator: Juiz Chan Kuong Seng ------------------------------------------------------------------------------------------
Processo n.º 567/2021
(Autos de recurso penal)
Recorrente (arguido): A
DECISÃO SUMÁRIA NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA
1. Por sentença proferida a fls. 235 a 242v do Processo Comum Singular n.° CR4-21-0026-PCS do 4.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base, o arguido A, aí já melhor identificado, ficou condenado pela prática, em finais de Setembro de 2019, em autoria material, na forma consumada, de um crime de receptação (de um telemóvel de modelo “Iphone X”), p. e p. pelo art.o 227.o, n.o 2, do Código Penal (CP), na pena de dois meses e quinze dias de prisão, suspensa na execução por dois anos, sob condição de prestar, dentro de dez dias, oito mil patacas de contribuição a favor da Região Administrativa Especial de Macau.
Inconformado com essa decisão condenatória penal, veio o arguido recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), alegando (no seu essencial) e rogando o seguinte na sua motivação apresentada a fls. 249 a 254 dos presentes autos correspondentes:
– tal decisão condenatória padece do erro notório na apreciação da prova como vício referido na alínea c) do n.o 2 do art.o 400.o do Código de Processo Penal (CPP), com simultânea contradição ou incompatibilidade entre os factos provados, e com violação do princípio de in dubio pro reo;
– outrossim, não se pode dar por preenchido o tipo-de-ilícito em questão, quer na sua vertente objectiva, quer na subjectiva falando (tendo o próprio agido apenas com negliência, e não com dolo, e como tal não sendo punível a sua conduta);
– razões por que deve ele ser absolvido do dito crime.
Ao recurso, respondeu o Ministério Público a fls. 256 a 259 dos autos, no sentido de improcedência da argumentação recursória.
Subidos os autos, emitiu, em sede de vista, a Digna Procuradora-Adjunta parecer a fls. 269 a 270v, pugnando pela manutenção do julgado.
Cumpre decidir sumariamente do recurso, nos termos permitidos pelo art.o 407.o, n.o 6, alínea b), do CPP.
2. Do exame dos autos, sabe-se que a sentença ora recorrida se encontrou proferida a fls. 235 a 242v, cujo teor (que inclui a respectiva fundamentação fáctica e probatória) se dá por aqui inteiramente reproduzido.
3. De antemão, cumpre notar que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao ente julgador do recurso cumpre resolver só as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e ao mesmo tempo devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
Nesses parâmetros, conhecendo:
O arguido começou por defender que a decisão condenatória penal recorrida padece do erro notório na apreciação da prova como vício referido na alínea c) do n.o 2 do art.o 400.o do CPP, com simultânea contradição ou incompatibilidade entre os factos provados, e com violação do princípio de in dubio pro reo.
Desde já, não se mostra patente qualquer contradição ou incompatibilidade entre os factos descritos como provados no texto da sentença recorrida. Ao invés, todos os factos provados, lidos na sua globalidade, estão em congruência lógica normal.
E agora do vício de erro notório na apreciação da prova:
Sempre se diz que há erro notório na apreciação da prova como vício aludido nesse preceito processual penal quando for patente que a decisão probatória do tribunal violou inclusivamente as leges artis (neste sentido, e de entre muitos outros, cfr. o douto Acórdão do Venerando Tribunal de Última Instância, de 22 de Novembro de 2000, do Processo n.º 17/2000).
Na verdade, o princípio da livre apreciação da prova plasmado no art.º 114.º do CPP não significa que a entidade julgadora da prova possa fazer uma apreciação totalmente livre da prova. Pelo contrário, há que apreciar a prova sempre segundo as regras da experiência, e com observância das leges artis, ainda que (com incidência sobre o caso concreto em questão) não existam quaisquer normas legais a determinar previamente o valor das provas em consideração.
Ou seja, a livre apreciação da prova não equivale à apreciação arbitrária da prova, mas sim à apreciação prudente da prova (em todo o terreno não previamente ocupado por tais normas atinentes à prova legal) com respeito sempre das regras da experiência da vida humana e das leges artis vigentes neste campo de tarefas jurisdicionais.
E no concernente à temática da prova livre, é de relembrar os seguintes preciosos ensinamentos veiculados no MANUAL DE PROCESSO CIVIL (2.ª Edição, Revista e Actualizada, Coimbra Editora, 1985, páginas 470 a 472), de autoria de ANTUNES VARELA, J. MIGUEL BEZERRA e SAMPAIO E NORA:
– <
[…]
Há, todavia, algumas excepções ao princípio da livre apreciação da prova, que constituem como que justificados resíduos do sistema da prova legal.
[…]
Mas convém desde já conhecer os diferentes graus de convicção do julgador criados pelos meios de prova e precisar o seu alcance prático.
Quando qualquer meio de prova, não dotado de força probatória especial atribuída por lei, crie no espírito do julgador a convicção da existência de um facto, diz-se que foi feita prova bastante – ou que há prova suficiente – desse facto.
Se, porém, a esse meio de prova um outro sobrevier que crie no espírito do julgador a dúvida sobre a existência do facto, a prova deste facto desapareceu, como que se desfez. Nesse sentido se afirma que a prova bastante cede perante simples contraprova, ou seja, em face do elemento probatório que, sem convencer o julgador do facto oposto (da inexistência do facto), cria no seu espírito a dúvida séria sobre a existência do facto.
Assim, se a parte onerada com a prova de um facto conseguir, através de testemunhas, de peritos ou de qualquer outro meio de prova, persuadir o julgador da existência do facto, ela preencheu o ónus que sobre si recaía. Porém, se a parte contrária (ou o próprio tribunal) trouxer ao processo qualquer outro elemento probatório de sinal oposto, que deixe o juiz na dúvida sobre a existência do facto, dir-se-á que ele fez contraprova; e mais se não exigirá para destruir a prova bastante realizada pelo onerado, para neutralizá-la […]>>.
O art.º 400.º, n.º 2, corpo, do CPP manda atender também aos “elementos constantes dos autos” para efeitos de verificação do vício de erro notório na apreciação da prova.
Portanto, todos os elementos probatórios examinados em sede própria pelo Ente Julgador ora recorrido também têm que ser examinados na presente sede recursória, para se poder aquilatar da ocorrência ou não desse vício de julgamento de factos.
No caso dos autos, vistos todos os elementos probatórios já referidos na fundamentação probatória da decisão condenatória recorrida, não se vislumbra que o resultado de julgamento da matéria de facto feito pelo Tribunal a quo tenha sido obtido com violação de quaisquer regras da experiência da vida humana, ou quaisquer normas jurídicas sobre o valor legal da prova, ou quaisquer leges artis vigentes no campo de julgamento de factos, havendo, pois, que naufragar o pedido de absolvição do crime de receptação (de um telemóvel de modelo “Iphone X”) por que vinha o recorrente condenado em primeira instância, tendo-se o recorrente limitado a tentar fazer impor o seu ponto de vista sobre a factualidade provada na sentença, ao arrepio, assim, do princípio da livre apreciação da prova plasmado no art.º 114.º do CPP.
O resultado do julgamento de factos feito pelo mesmo Tribunal não é manifestamente desrazoável ou ilógico, pelo que não pode ter havido violação do princípio de in dubio pro reo.
Aliás, o raciocínio da tese preconizada na motivação do recurso fica algo prejudicado pelo próprio tipo legal de crime em causa, descrito no n.o 2 (e não no n.o 1) do art.o 227.o do CP nos termos seguintes: “Quem, sem previamente se ter assegurado da sua legítima proveniência, adquirir ou receber, a qualquer título, coisa que, pela sua qualidade, pela condição de quem lhe oferece ou pelo montante do preço proposto, faz razoavelmente suspeitar provir de facto ilícito típico contra o património, é punido com pena de prisão até 6 meses ou com pena de multa até 120 dias”.
Daí que, em face da factualidade provada, já fica preenchido o tipo objectivo e o tipo subjectivo do crime de recepção desse n.o 2 do art.o 227.o do CP, o que preclude todo o demais alegado na motivação do recurso.
Há, pois, que rejeitar o recurso, sem mais indagação por desnecessária ou prejudicada, devido ao espírito do n.º 2 do art.º 410.º do CPP.
4. Dest’arte, decide-se em rejeitar o recurso.
Custas do recurso pelo arguido, com três UC de taxa de justiça e quatro UC de sanção pecuniária (pela rejeição do recurso), e duas mil patacas de honorários a favor da sua Ex.ma Defensora Oficiosa.
Macau, 31 de Julho de 2021.
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Chan Kuong Seng
(Relator)
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