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Processo nº 648/2021
(Autos de Recurso Penal)

Data: 11 de Agosto de 2021
Recorrente: A
*
ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:

I. RELATÓRIO
  
  A, com os demais sinais dos autos, ora preso no Estabelecimento Prisional de Coloane (E.P.C.),
  Inconformado com a decisão que lhe negou a concessão de liberdade condicional, vem interpor recurso da mesma sustentando na motivação apresentada que estavam preenchidos todos os requisitos para a concessão da liberdade condicional tendo a decisão recorrida incorrido em erro na apreciação dos pressupostos materiais para a concessão daquela nos termos do artº 56º do Código Penal, tudo conforme consta de fls. 72 a 77, tendo apresentado as seguintes conclusões:
1. De acordo com os dados dos autos, em 23 de Maio de 2017, o recorrente foi condenado, no âmbito do processo n.º CR2-17-0118-PCC, pela prática de 5 crimes de auxílio p. e p. pelo artigo 14.º, n.º 2 da Lei n.º 6/2004, cada um na pena de 5 anos e 6 meses. Em cúmulo jurídico, foi condenado na pena única de 6 anos e 6 meses de prisão efectiva. A respectiva decisão condenatória transitou em julgado em 12 de Junho de 2017.
2. A supramencionada pena aplicada será integralmente cumprida em 13 de Agosto de 2023; em 13 de Junho de 2021, foram atingidos dois terços da mesma. 
3. O recorrente concorda com a liberdade condicional. 
4. Conforme demonstrado nos autos, o recorrente é delinquente primário, entrou na prisão pela primeira vez, e não tem outro processo pendente. Ele é classificado no grupo de confiança. 
5. O mesmo frequentou em 2018 o curso do ensino primário ministrado na prisão. Também se candidatou diversas vezes aos cursos de formação profissional em artesanato, pastelaria, limpeza e cozinha, etc. Algumas dessas candidaturas foram negadas por parte da prisão por preocupações das lesões que tinha sofrido na cabeça, outras ainda estão pendentes. 
6. A nível familiar, o recorrente é o filho mais velho da família, tem os pais ainda vivos, um irmão novo e uma irmã mais nova, e tem com a namorada dois filhos que residem juntamente com os avós. Após a entrada na prisão, frequentemente pediu contacto com os familiares, tendo mantido com eles um bom relacionamento. 
7. O recorrente sofreu acidente de viação, de que resultaram lesões de cabeça. Falta um grande pedaço de osso na parte superior direita da sua testa, sendo uma parte do seu cérebro coberto só pelo couro cabeludo. As lesões e  cicatrizes visíveis tornam mais difícil a procura de emprego. 
8. Actualmente o sustento de toda a família (incluindo os dois filhos menores do recorrente) depende integralmente dos rendimentos que o pai do recorrente aufere como operário de estaleiro. Pelo que a ajuda do recorrente é muito necessário para aliviar a pressão e carga do pai em termos de alimentar a família. 
9. O recorrente está preparado para a reinserção social. Uma vez colocado em liberdade, voltará para o interior da China para viver com a família. Também promete procurar trabalho o quanto antes possível para poder pagar os encargos processuais ainda em dívida e sustentar a família. Os membros da família expressaram o seu apoio ao recorrente e disseram já estarem a tentar arranjar-lhe um emprego. 
10. Além disso, o despacho recorrido também reconhece a atitude positiva e activa do recorrente em relação às formações profissionais.
11. No entanto, quanto à prevenção especial, o mesmo despacho errou quando invocou, como uma das razões para negar a liberdade condicional ao recorrente, que “na carta onde o recluso se pronuncia sobre a liberdade condicional, ele diz que praticou o facto criminoso em causa por ter sido enganado por conterrâneo e por causa da sua própria avidez. Compulsados os autos onde o mesmo foi condenado, constata-se que ele admitiu no julgamento que, a fim de obter benefício para si, ele conduziu barco a hora tardia da noite para transportar 5 passageiros clandestinos; no entanto, alegou não saber que o destino era Macau, e pensava que iam apenas a algum lugar em Zhuhai… O tribunal de julgamento não acreditou nessas declarações contraditórias entre si e pouco fiáveis. Daí resulta que o recluso agiu com elevadíssimo grau de dolo, e a sua justificação de ter sido “enganado por conterrâneo” não basta para aliviar e atenuar a sua culpa. Perante essa atitude do recluso quanto ao seu próprio acto delituoso, este Tribunal não pode considerar que ele está totalmente arrependido do que fez. Pelo que a nossa conclusão é que ainda precisamos de tempo para o observar mais.” 
12. Em primeiro lugar, o recorrente afirmou ter sido motivado pela ganância e ter sido “enganado por conterrâneo” para melhor explicar donde proveio a sua vontade criminosa, mas não para diluir a sua responsabilidade. Ele admitiu os seus erros, só que confessou as causas do crime de forma mais detalhada. 
13. Por outro lado, na concessão da liberdade condicional, os direitos exercidos e as declarações prestadas pelo recorrente no julgamento não devem constituir factores desfavoráveis; e o motivo do crime, a sua gravidade e ilicitude são factores já ponderados na condenação e quantificação da pena, pelo que não devem ser levados em conta de novo na consideração da liberdade condicional. 
14. No recurso relativo à liberdade condicional, devemos prestar mais atenção à evolução da personalidade do recluso durante a execução da pena de prisão e avaliar o eventual benefício trazido pela continuação do cumprimento da pena. Da mesma forma, a nossa consideração não se pode concentrar só nas factualidade e circunstâncias criminosas pelas quais o recluso entrou na prisão, sob pena de pôr em causa e retirar todo o sentido do regime do recurso na concessão de liberdade condicional.
15. Consta do relatório a fls. 13 dos autos de liberdade condicional que o recorrente admite os seus erros e confessa que ele, seduzido pelo dinheiro, concordou conduzir um barco para ajudar outras pessoas a atravessarem clandestinamente a fronteira de Macau com o interior da China; está arrependido do que fez, e espera que lhe seja concedida a liberdade condicional para que possa voltar para casa a tomar conta da sua família. 
16. Conforme a carta de fls. 45 a 46, onde o condenado se pronuncia sobre a liberdade condicional, devido às dificuldades económicas da sua família e ao seu mau desempenho académico, abandonou a escola primária para que o irmão e a irmã pudessem ter a oportunidade de educação. O acidente de viação ocorrida antes da sua entrada na prisão trouxe grande carga e dívida à sua família, pelo que se sente muito culpado. Também se sente envergonhado pelo facto de não conseguir tomar contar da mãe e avô que sofrem doenças permanentes. 
17. A introspecção e auto-censura manifestadas no seu pedido de liberdade condicional devem-se à educação prisional que recebeu e à evolução positiva da sua personalidade durante os 4 anos na prisão, e constituem uma resposta mais efectiva ao fim educativo da pena de prisão. 
18. Na verdade, o recorrente está profundamente arrependido do que fez, e promete recomeçar de novo e  conduzir a vida sem cometer crimes. Além disso, frequentemente faz auto-reflexão e se motiva a si próprio. Pode ver-se a evolução da sua personalidade através da sua introspecção expressada na referida carta.  
19. Concluindo, a pena de prisão desempenhou um papel positivo para com o recorrente, que, tendo cumprido mais de 4 anos de prisão, já foi devidamente punido. Ele já está profundamente arrependido, o que pode ser provado pelo facto de ele candidatar-se activamente às formações profissionais. Também existe uma evolução gradual da sua personalidade. Ele já está suficientemente preparado para a ressocialização, e uma vez libertado pode conduzir a vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes.  
20. Portanto, estão obviamente reunidas as exigências de prevenção especial. 
21. No tangente à prevenção geral, o despacho recorrido nega a concessão da liberdade condicional ao recorrente justificando a sua decisão do seguinte modo: “O recluso praticou 5 crimes de auxílio. De acordo com os factos provados, o recluso, com o propósito de obter para si vantagem ilegal, dolosamente praticou o acto ilícito de ajudar os cinco indivíduos do interior da China a entrarem clandestinamente em Macau, bem sabendo que estes últimos não eram portadores de documento de identificação   elegível para legalmente entrar e permanecer em Macau…O recluso ao cometer a referida conduta criminosa ignorou a legislação sobre a entrada e saída da RAEM. Ele actuou com dolo bastante intenso e com ilicitude muito elevado, pelo que deve ser muito censurado … Convém salientar que a entrada ilegal tem perturbado a sociedade de Macau há muito tempo, e tem causado muitos impactos negativos na segurança e estabilidade social, especialmente no contexto  da pandemia de Covid-19, ameaçando a segurança social e as conquistas duramente alcançadas no combate contra a pandemia, pelo que é urgente reforçar a prevenção desse tipo de crimes.” A nosso ver, tal decisão de recusar a liberdade condicional carece de fundamentos e viola o disposto no artigo 56.º do CP e os princípios do regime de liberdade condicional. 
22. O recorrente é delinquente primário e não tem antecedente  criminal. O facto delituoso por ele praticado é de caracter acidental. 
23. Na concessão de liberdade condicional, cada caso concreto deve ser considerado de modo individual e independente. Ou seja, é incorrecto avaliar o crime acidental na prospectiva dum problema social universal e genérico, e fazer elevar deste modo as exigências de prevenção geral para negar ao recluso a liberdade condicional. Isso não só é pouco convincente como ainda desrazoável. 
24. Além disso, o facto criminoso pelo qual o recorrente foi condenado não foi praticado em tempos de pandemia, pelo que a concessão de liberdade condicional não deve ser apreciada no contexto actual da sociedade. 
25. Ademais, é errado apreciar a possibilidade do recorrente ser colocado em liberdade condicional com base no tipo de crime por ele praticado, sob pena de dar inadvertidamente uma impressão falsa de que aos agentes de certos tipos de crime nunca pode ser concedida a liberdade condicional.
26. De facto, o artigo 56.º, n.º 1, alínea b) do CP não bate com a porta da liberdade condicional a qualquer tipo de crime. 
27. Ademais, como se refere no acórdão do TSI, processo n.º 147/2017, “Em princípio, se for bastante elevada a ilicitude do facto delituoso, e muito forte a reacção social ao mesmo, e ainda não tiver sido dissipado o impacto negativo  que o facto causou na tranquilidade social, a liberdade antecipada irá abalar a confiança comunitária na validade  das normas jurídicas em termos de punir os crimes…No entanto, há de existir um critério objectivo para apurar se esse impacto negativo ainda existe ou não, não se podendo, antes, concluir pela persistência desse impacto simplesmente porque a ilicitude e a gravidade do facto são altas, pois isso equivale a dizer que “os impactos causados por crimes graves nunca podem ser eliminados” … Um dia, os impactos negativos irão extinguir-se, quer totalmente quer relativamente, independentemente da intensidade da ilicitude do facto cometido. É apenas uma questão de tempo. Negar isso equivale a dizer que “os agentes de crimes graves não são elegíveis para a liberdade condicional” e a negar as finalidades da punição perseguidas pelo Direito Penal.”
28. Além disso, como se refere nos acórdãos do TSI, processos n.ºs 61/2012 e 108/2012, “a liberdade condicional não é o fim da pena. A função mais efectiva desse regime é facultar aos condenados um período transitório antes da liberdade completa para que estes possam melhor adaptar-se à sociedade, que possam reintegrar-se nela tanto quanto possível. Isso é normalmente mais vantajoso do que o cumprimento integral da pena.”
29. Daí que, o instituto de liberdade condicional visa permitir aos reclusos uma melhor readaptação social, dando assim a oportunidade de reinserção antecipada na sociedade  a todos os condenados que se tenham corrigido após o cumprimento da pena. Por conseguinte, o recorrente não deve ser privado dessa oportunidade por causa do problema social a que o facto criminoso por ele cometido eventualmente conduz. 
30. Tendo em conta o comportamento prisional do recorrente, a evolução positiva da sua personalidade e as preparações activas que fez para o futuro fora da prisão, constata-se que ele já está sinceramente arrependido. Deste modo, a sua libertação antecipada não vai perturbar a paz social, nem afectar as expectativas comunitárias na validade da norma violada. 
31. Tendo o recorrente cumprido mais de 4 anos da pena de prisão, só lhe resta um pouco mais de 2 anos. Acreditamos que o público também considera que o tempo de prisão cumprido já é suficiente para punir o mesmo e fazer com que ele aprenda a sua lição.  
32. Razão pela qual, encontram-se preenchidas as exigências de prevenção geral, positiva e negativa, a que se refere o artigo 56.º, n.º 1, alínea b) do CP.
33. Face ao exposto, por se mostrarem reunidos todos os requisitos formais e materiais da concessão da liberdade condicional consagrados no artigo 56.º do CP, o pedido de liberdade condicional do recorrente deve ser deferido! 
  
  Respondendo veio o Ilustre Magistrado do Ministério Público pugnar pelo acerto e manutenção da decisão recorrida.
  
  Pelo Ilustre Magistrado do Ministério Público junto deste tribunal foi emitido o seguinte Douto Parecer:
  «1.
  A, melhor identificado nos autos, inconformado com a douta decisão do Meritíssimo Juiz do 1.º Juízo de Instrução Criminal do Tribunal Judicial de Base que lhe indeferiu o pedido de concessão de liberdade condicional, interpôs o presente recurso, pugnando, em síntese, pela revogação da douta decisão recorrida e pela sua substituição por outra que lhe conceda aquela liberdade.
  2.
  2.1.
  Decorre do artigo 56.º do Código Penal (CP) que a concessão de liberdade condicional depende da verificação de pressupostos de natureza formal e de natureza substancial.
  São pressupostos de natureza formal:
(i) O cumprimento de dois terços da pena e no mínimo 6 meses (artigo 56.º, n.º 1 do Código Penal);
(ii) O consentimento do condenado (artigo 56.º, n.º 3 do Código Penal).
  São pressupostos de natureza substancial:
(i) Que, de forma fundada, seja de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes [artigo 56.º, n.º 1, alínea a) do Código Penal];
(ii) Que a libertação se revele compatível com a defesa da ordem jurídica e da paz social [artigo 56.º, n.º 1, alínea b), segunda parte, do Código Penal].
  Em relação aos pressupostos de natureza substancial, pode dizer-se que aquele que vem referido na alínea a) do n.º 2 do artigo 56.º do Código Penal tem em vista a satisfação de finalidades de prevenção especial, ao passo que aquele a que alude a alínea b) do mesmo n.º 2 do artigo 56.º do mesmo diploma legal, visa a prossecução de finalidades de prevenção geral.
  2.2.
  No caso concreto, é incontroversa a verificação dos pressupostos de natureza formal de concessão da liberdade condicional.
  Na verdade, por um lado, o Recorrente deu o seu consentimento à dita liberdade e, por outro lado, já se mostram cumpridos dois terços da pena de prisão que lhe foi aplicada.
  Já no que concerne aos pressupostos substanciais da liberdade condicional, nada temos a acrescentar às bem fundamentadas e pertinentes considerações exaradas pelo nosso Ilustre Colega na douta resposta que apresentou ao recurso e às quais aderimos.
  Por um lado, o comportamento do Recorrente no Estabelecimento Prisional não permite um juízo de prognose favorável quanto à sua reintegração social, pelo que não se mostra preenchido o pressuposto da alínea a) do n.º 1 do artigo 56.º do Código Penal.
  Por outro lado, face à concreta gravidade e natureza do crime praticado pelo Recorrente, ligado ao fenómeno da migração ilegal cuja repressão se impõe com particular acuidade, parece-nos de salientar que a concessão da liberdade condicional, nesta altura, colocaria em causa as exigências de prevenção geral que estiveram presentes na condenação, podendo afirmar-se, com toda a certeza, que ficariam fortemente afectadas as expectativas da comunidade na validade e na eficácia das normas penais violadas.
  A defesa da ordem jurídica e da paz social é incompatível com a libertação antecipada do Recorrente, pelo que se não mostra verificado o pressuposto substancial previsto na alínea b) do n.º 2 do artigo 56.º do Código Penal.
  Deste modo, estamos em crer que a decisão recorrida deve ser mantida.
  3.
  Face ao exposto, salvo melhor opinião, é nosso parecer:
  Deve ser negado provimento ao recurso jurisdicional interposto, mantendo-se, em consequência, a douta decisão recorrida.».
  
  Foram colhidos os Vistos.
  
  Cumpre assim apreciar e decidir.
  
II. FUNDAMENTAÇÃO

a) Dos factos

Da decisão sob recurso consta a seguinte factualidade:
Em 23 de Maio de 2017, o recluso foi condenado, no âmbito do processo n.º CR2-17-0118-PCC do 2º Juízo Penal do TJB, pela prática de 5 crimes de auxílio p. e p. pelo artigo 14.º, n.º 2 da Lei n.º 6/2004, cada um na pena de 5 anos e 6 meses. Em cúmulo jurídico, foi condenado na pena única de 6 anos e 6 meses de prisão efectiva (vide fls. 4 a 8v dos autos da execução da pena de prisão).
A supramencionada pena aplicada será integralmente cumprida em 13 de Agosto de 2023; em 13 de Junho de 2021, foram atingidos os dois terços da pena necessários para o pedido de liberdade condicional (vide fls. 9 a 10 dos autos da execução da pena de prisão). 
O recluso ainda não pagou os encargos processuais do acima referido processo em que foi condenado (vide fls. 20 dos autos). 
  Não tem outro processo pendente. 

 O recluso tem actualmente 27 anos de idade, é residente do interior da China, solteiro, filho mais velho da família, com um irmão mais novo e uma irmã mais  nova, tem dois filhos com a namorada. 
O mesmo desistiu da escola após ter completado o ensino primário. 
Anteriormente trabalhou como distribuir de folhetos, empregado de hotel e operário de estaleiro. 

Esta foi a primeira vez que ele entrou na prisão. 
De acordo com o seu registo prisional, ele encontra-se classificado no grupo de confiança, e a avaliação global do seu comportamento prisional é “mau”. Cometeu as seguintes infracções:
➢ Em 15 de Novembro de 2018, foi-lhe aplicada a medida de isolamento em cela ordinária de 5 dias com privação do direito de permanência a céu aberto  de 2 dias, por infracção, datada de 14 de Setembro de 2018, de “prática ou fomento de jogos e outras actividades similares proibidos por lei ou pelo regulamento interno, ou a que o recluso não esteja autorizado”;
➢ Em 12 de Maio de 2020, foi-lhe aplicada a medida de internamento em cela disciplinar com privação do direito de permanência a céu aberto de 3 dias, por “atitude nociva relativamente aos companheiros” e “linguagem injuriosa”, cometidas em 15 de Abril de 2020; 
➢ Em 9 de Dezembro de 2020, foi-lhe aplicada a medida de internamento em cela disciplinar com privação do direito de permanência a céu aberto de 15 dias, por “posse ou tráfico de dinheiro ou de objectos não consentidos”, “inobservância das ordens ou instruções dadas ou injustificado atraso no seu cumprimento” e “contratos não autorizados pelo director com outros reclusos, funcionários ou pessoas estranhas ao estabelecimento”, infracções cometidas em 30 de Outubro de 2020; 
➢ Além disso, em 22 de Abril de 2021, foi-lhe aplicada a medida de internamento em cela disciplinar com privação do direito de permanência a céu aberto de 15 dias, por infracções de “posse ou tráfico de dinheiro ou de objectos não consentidos” e “contratos não autorizados pelo director com outros reclusos, funcionários ou pessoas estranhas ao estabelecimento”, ambas cometidas em 11 de Fevereiro de 2021. O recluso foi notificado da respectiva medida sancionatória em 23 de Abril de 2021 (sexta-feira), e dela recorreu em 26 do mesmo mês (segunda-feira). Autuado o processo de recurso e ouvidas as declarações  do recluso, este último declarou pretender desistir do recurso (vide os autos do seu recurso da medida disciplinar que se encontram em anexo). 
O recluso frequentou em 2018 o curso do ensino primário ministrado na prisão, também se candidatou diversas vezes aos cursos de formação profissional em artesanato, pastelaria, limpeza e cozinha, etc. Algumas dessas candidaturas foram negadas pela prisão por preocupações das lesões que tinha sofrido na cabeça, outras ainda estão pendentes. 
Durante o cumprimento da pena, mantém contactos com o primo que se encontra na Província de Guangdong e com os outros membros familiares através de efectuar chamadas telefónicas autorizadas pela prisão. 
Se lhe for concedida a liberdade condicional, voltará para o interior da China, onde procurará um emprego o mais rápido possível. 

b) Do Direito
  
  O artº 56º do CP regula os pressupostos e duração da liberdade condicional nos seguintes termos:
Artigo 56.º
(Pressupostos e duração)
  1. O tribunal coloca o condenado a pena de prisão em liberdade condicional quando se encontrarem cumpridos dois terços da pena e no mínimo 6 meses, se:
  a) For fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes; e
  b) A libertação se revelar compatível com a defesa da ordem jurídica e da paz social.
  2. A liberdade condicional tem duração igual ao tempo de prisão que falte cumprir, mas nunca superior a 5 anos.
  3. A aplicação da liberdade condicional depende do consentimento do condenado.
  Depende, assim, a concessão da liberdade condicional da verificação de pressupostos formais – a saber: cumprimento de 2/3 da pena no mínimo de 6 meses e consentimento do arguido – e materiais – a saber, os indicados nas alíneas a) e b) do nº 1 do citado preceito -.
  A indicada alínea a) está relacionada com o objectivo maior da execução da pena de prisão e que consiste na “ressocialização do agente”, havendo de ser aferida em função da aquisição pelo recluso de «condições favoráveis ao prosseguimento de uma vida sem praticar crimes, ao seu ingresso na vida fiel ou conformada com o dever-ser jurídico penal, visando a prevenção da reincidência através da colaboração voluntária e activa daquele» - Cit. Figueiredo Dias em Os Novos Ramos da Política Criminal e do Direito Penal Português do Futuro, pág. 29 e 30, citado por Manuel Leal Henriques em Manual de Formação de Direito Penal de Macau, pág. 228, Ed. 2005.
  A alínea b) do indicado preceito visa a defesa da sociedade no âmbito da prevenção geral positiva e negativa, isto é, seja por via do restabelecimento na comunidade da confiança da salvaguarda dos bens jurídicos, seja por via da prevenção/intimidação quanto à prática de futuros crimes.
  Como se diz no Acórdão deste Tribunal de 21.11.2019, proferido no processo nº 1068/2019, «Com efeito, importa ter em conta que a liberdade condicional não é uma “medida de clemência”, constituindo uma medida que faz parte do normal desenvolver da execução da pena de prisão, manifestando-se como uma forma de individualização da pena no fito de ressocialização, pois que serve um objectivo bem definido: o de criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, durante o qual o delinquente possa, equilibradamente, recobrar o sentido de orientação social fatalmente enfraquecido por efeito da reclusão; (cfr., v.g., J. L. Morais Rocha e A. C. Sá Gomes in “Entre a Reclusão e a Liberdade – Estudos Penitenciários”, Vol. I, em concreto, “Algumas notas sobre o direito penitenciário”, IV cap., pág. 41 e segs.).
  Trata-se de um incidente de execução da pena de prisão a que preside uma finalidade específica de prevenção especial positiva ou de socialização, e que assenta na formulação de um juízo de prognose favorável sobre o comportamento futuro e em liberdade, do condenado que já cumpriu parte considerável da pena; (cfr., Figueiredo Dias in, “Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime”, 1993, Aequitas, Editorial Notícias, pág. 528).
  Na esteira do repetidamente decidido nesta Instância, a liberdade condicional “é de conceder caso a caso, dependendo da análise da personalidade do recluso e de um juízo de prognose fortemente indiciador de que o mesmo vai reinserir-se na sociedade e ter uma vida em sintonia com as regras de convivência normal, devendo também constituir óbviamente matéria de ponderação, a defesa da ordem jurídica e da paz social”; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 25.07.2019, Proc. n.° 759/2019, de 05.09.2019, Proc. n.° 891/2019 e de 17.10.2019, Proc. n.° 992/2019, podendo-se também sobre o tema ver o Ac. da Rel. de Coimbra de 24.01.2018, Proc. n.° 540/16).
  (…)
  Com efeito, na formulação do juízo de prognose sobre o comportamento futuro do condenado, o tribunal deve ponderar os traços da sua personalidade e a evolução desta durante a execução da pena, as competências por si adquiridas no período de reclusão, o comportamento prisional, o seu relacionamento com o crime cometido, as necessidades subsistentes de reinserção social, e, em especial, as perspectivas de enquadramento familiar, social e profissional e a necessidades de protecção da vítima, quando disso seja caso. A liberdade condicional deverá ser concedida quando o julgador conclua que o condenado reúne condições que, razoavelmente, fundam a expectativa de que, uma vez colocado em liberdade, assumirá uma conduta conforme às regras da comunidade. Inversamente, a liberdade condicional deverá ser negada quando o julgador conclua que o condenado não reúne tais condições, seja porque o juízo contrário se revela carecido de razoabilidade, seja porque se revela temerário; (cfr., v.g., o recente Ac. da Rel. de Coimbra de 12.06.2019, Proc. n.° 3371/10).
  Como também já tivemos oportunidade de considerar, a liberdade condicional não é de conceder quando o percurso até ao momento experienciado pelo condenado não oferece ainda suficiente segurança para sustentar um “juízo positivo” acerca do seu comportamento futuro quando em meio livre; (neste sentido, cfr., v.g., o recente Ac. da Rel. de Évora de 19.02.2019, Proc. n.° 13/16).».
  No que concerne aos requisitos formais para a concessão da liberdade condicional dúvidas não há, no caso em apreço, de estarem os mesmos verificados.
  No parecer elaborado pelo Director dos Serviços Correccionais e na informação prestada pela Divisão de Segurança e Vigilância do Estabelecimento Prisional foi formulada opinião no sentido de não ser concedida a liberdade condicional requerida.
  No que concerne ao requisito da alínea a) do nº 1 do artº 56º do CP – prevenção especial – o que resulta da factualidade apurada é que o Recluso tem classificação prisional má, tem registos de várias infracções disciplinares.
  No que concerne a saídas profissionais para o Recluso o que resulta dos autos é que não há um projecto concreto nesse sentido, imperando a incerteza e sendo reduzidas as competências para o efeito.
  Assim sendo, acompanhamos a decisão recorrida no que concerne à não verificação deste requisito.
  
  Relativamente ao requisito da al. b) do nº 1 do artº 56º do CP, atendendo à natureza dos crimes praticados – auxílio à imigração ilegal -, entende-se na decisão recorrida que a censura ético-jurídica exigida pela sociedade e os perigos que do mesmo decorrem, demandam que a liberdade condicional não seja concedida.
  É certo, que as razões de prevenção geral já foram ponderadas na determinação da pena, no entanto, tal como a lei impõe na al. b) do nº 1 do artº 56º do CP ela não se esgota na determinação da pena, havendo de ser, também, apreciada em sede de concessão de liberdade condicional de forma a garantir à comunidade a salvaguarda dos bens-jurídicos violados e da paz social.
  No que a esta matéria concerne, concordamos e acompanhamos a decisão recorrida no sentido de que, em face dos crimes praticados, a censura ético-jurídica exigida pela sociedade demanda pelas já explicadas razões de prevenção geral positiva e negativa, tendo em consideração o desvalor da sua conduta e os bens jurídicos em causa, que a liberdade condicional não é compatível com a ordem jurídica e paz social, pelo que, não estando, também, preenchido o requisito da al. b) do nº 1 do artº 56º do CP aquela não deve ser concedida.
  
  Destarte, acompanhando a decisão recorrida aquela que tem vindo a ser a jurisprudência deste tribunal em situações idênticas, não havendo reparo a apontar-lhe e aderindo aos fundamentos dela constantes, entendendo-se que não estão verificados os requisitos das alíneas a) e b) do nº 1 do artº 56º do CP, impõe-se decidir em conformidade.
  
III. DECISÃO
  
  Nestes termos e pelos fundamentos expostos, nega-se provimento ao recurso.
  Custas pelo Recorrente fixando-se a taxa de justiça em 3 UC´s.
  
  Fixam-se os honorários à defensora nomeada em MOP2.000,00.
  Notifique.
  
  RAEM, 11 de Agosto de 2021
  
  Rui Carlos dos Santos P. Ribeiro
  Lok Si Mei
  Rong Qi

648/2021 18
PENAL (LC)