打印全文
Processo n.º 505/2021 Data do acórdão: 2021-7-29
Assuntos:
– crime de tráfico ilícito de estupefacientes
– contradição insanável da fundamentação
– art.o 400.o, n.o 2, alínea b), do Código de Processo Penal
– reenvio do processo para novo julgamento
S U M Á R I O
Existindo contradição insanável da fundamentação (como vício referido no art.o 400.o, n.o 2, alínea b), do Código de Processo Penal) na decisão condenatória do crime de tráfico ilícito de estupefacientes imputado à arguida ora recorrente, é de reenviar esta parte do objecto do processo para novo julgamento.
O relator,
Chan Kuong Seng

Processo n.º 505/2021
(Autos de recurso penal)
Recorrente (4.a arguida): A






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Por acórdão proferido a fls. 793 a 813 do Processo Comum Colectivo n.° CR2-21-0015-PCC do 2.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base, a 4.a arguida A, aí já melhor identificada, ficou condenada, pela co-autoria material, na forma consumada, de um crime de tráfico ilícito de estupefacientes, p. e p. pelo art.o 8.o, n.o 1, da Lei n.o 17/2009, de 10 de Agosto (na redacção dada pela Lei n.o 10/2016, de 28 de Dezembro), em cinco anos e três meses de prisão, e pela autoria material, na forma consumada, de um crime de consumo ilícito de estupefaciente, p. e p. pelo art.o 14.o, n.o 1, da Lei n.o 17/2009 (na redacção dada pela Lei n.o 10/2016), em seis meses de prisão, e, em cúmulo jurídico dessas duas penas, finalmente na pena única de cinco anos e seis meses de prisão.
Inconformada, veio recorrer a 4.a arguida para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), através da motivação apresentada a fls. 833 a 852 dos presentes autos correspondentes, nela imputando àquela decisão condenatória penal, a falta de fundamentação (ao arrepio do disposto nos art.os 356.o, n.o 1, e 355.o, n.o 2, do Código de Processo Penal (CPP)) e a não especificação dos fundamentos que presidiram à escolha e à medida da pena, bem como a existência dos vícios referidos nas alíneas a) e b) do art.o 400.o do CPP e a insuficiência manifesta de provas para alicerçar a convicção do Tribunal no julgamento da matéria de facto, por um lado, e, por outro, e fosse como fosse, a indevida não aplicação do instituto de cumplicidade ao crime de tráfico de estupefacientes e a indevida aplicação do instituto de suspensão da execução da pena deste crime na forma de cumplicidade, para além de haver desproporcionalidade da pena, com indevido desprezo da alínea f) do n.o 2 do art.o 66.o do Código Penal (CP).
Ao recurso, respondeu o Ministério Público a fls. 856 a 859v, no sentido de não provimento.
Subidos os autos, emitiu o Digno Procurador-Adjunto parecer a fls. 886 a 889v, pugnando, no essencial, pelo reenvio do processo para novo julgamento por verificação do vício de insuficiência para decisão da matéria de facto provada, e, no caso de assim não se entender, opinando pela aplicação da figura de cumplicidade à arguida recorrente, com nova medida da pena.
Feito o exame preliminar e corridos os vistos, cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Do exame dos autos, sabe-se que o acórdão recorrido consta de fls. 793 a 813, cujo teor se dá por aqui integralmente reproduzido.
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
De antemão, cumpre notar que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao tribunal de recurso cumpre resolver só as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e ao mesmo tempo devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
Desde já, por uma questão de lógica das coisas, é de conhecer primeiro da problemática de falta de fundamentação no acórdão recorrido, suscitada na motivação do recurso.
Pois bem, depois de lido todo o texto desse aresto, não se mostra patente o incumprimento, pelo Tribunal sentenciador seu autor, do dever de fundamentação de decisão, exigido por qualquer das normas nessa matéria citadas expressamente na motivação do recurso.
E agora do vício do art.o 400.o, n.o 2, alínea a), do CPP: não tendo a arguida ora recorrente apresentado contestação, todo o tema probando do processo sobre ela, em seu desfavor, já e só se encontra delimitado pela factualidade a ela imputada, e tendo o Tribunal recorrido já especificado, no texto do aresto ora recorrido, quais os factos provados e quais os não provados, não pode ter ocorrido o vício da alínea a) do n.o 2 dessa norma processual penal.
E no concernente ao vício referido na alínea b) do n.o 2 do art.o 400.o do CPP, imputado pela recorrente à decisão condenatória penal dela, há de facto contradição irredutível entre a matéria fáctica descrita nos factos provados n.os 26 e 36 (com base nos quais seria de entender pela cumplicidade da recorrente no crime de tráfico ilícito de estupefacientes do 3.o arguido), por um lado, e, por outro, no facto provado n.o 30 (à luz do qual teria a mesma arguida agido em co-autoria no crime de tráfico ilícito de estupefacientes).
Assim sendo, há que reenviar, nos termos do art.o 418.o, n.os 1 e 3, do CPP, o objecto do processo para novo julgamento, por um novo Tribunal Colectivo no Tribunal Judicial de Base, em tudo que seja respeitante ao crime de tráfico ilícito de estupefacientes imputado à 4.a arguida recorrente.
E sobre todo o restante suscitado na motivação do recurso, é só mister conhecer da parte relativa ao crime de consumo ilícito de estupefaciente da recorrente.
Consideradas todas as circunstâncias fácticas já apuradas em primeira instância a respeito deste crime da recorrente (sem qualquer erro notório na apreciação da correspondente prova) aos padrões da medida concreta da pena vertidos nos art.os 40.o, n.os 1 e 2, e 65.o, n.os 1 e 2, do CP, dentro da moldura penal aplicável deste delito penal, não se afigura que haja injustiça notória na pena de seis meses de prisão aplicada no acórdão recorrido à arguida recorrente, pelo que fica respeitado esse juízo de valor do Tribunal recorrido.
Entretanto, como o imputado crime de tráfico ilícito de estupefacientes da recorrente será objecto de novo julgamento, é necessário decidir da suspensão da referida pena de seis meses de prisão do crime de consumo ilícito de estupefaciente.
Pois bem, estando agora em causa apenas este crime de consumo da recorrente, mostra-se possível a suspensão da sua execução, por dezoito meses, nos termos do art.o 48.o, n.o 1, do CP (mas sem prejuízo da eventual necessidade de operação de cúmulo jurídico no novo julgamento no Tribunal Judicial de Base, consoante o resultado concreto do novo julgamento).
Em suma, procede parcialmente o recurso.
IV – DECISÃO
Dest’arte, acordam em julgar parcialmente provido o recurso, determinando, por conseguinte, o reenvio do objecto do processo para novo julgamento, apenas na parte respeitante ao crime de tráfico ilícito de estupefacientes então imputado à 4.a arguida recorrente, sendo intacta a pena de seis meses de prisão aplicada no acórdão recorrido ao seu crime de de consumo ilícito de estupefaciente, pena essa que se suspensa por dezoito meses (sem prejuízo da eventual necessidade de operação de cúmulo jurídico no novo julgamento acima ordenado, consoante o resultado concreto do novo julgamento).
Pagará a recorrente um quarto das custas do recurso, com duas UC de taxa de justiça.
Macau, 29 de Julho de 2021.
_______________________
Chan Kuong Seng
(Relator)
_______________________
Chao Im Peng
(Primeira Juíza-Adjunta)
_______________________
Choi Mou Pan
(Segundo Juiz-Adjunto)



Processo n.º 505/2021 Pág. 2/7