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Processo n.º 57/2021
Recurso jurisdicional em matéria administrativa
Recorrente: A
Recorrido: Secretário para a Segurança
Data da conferência: 7 de Julho de 2021
Juízes: Song Man Lei (Relatora), José Maria Dias Azedo e Sam Hou Fai

Assuntos: - Suspensão de eficácia de acto administrativo
- Prejuízo de difícil reparação

SUMÁRIO
1. Os requisitos contemplados nas diversas alíneas do n.º 1 do art.º 121.º do CPAC para a suspensão de eficácia dos actos administrativos são de verificação cumulativa, bastando a não verificação de um deles para que a providência não seja decretada, salvo nas situações previstas nos n.ºs 2, 3 e 4.
2. Cabe ao requerente o ónus de alegar e provar os factos integradores do conceito de prejuízo de difícil reparação, fazendo-o por forma concreta e especificada, não sendo bastante a mera utilização de expressões vagas e genéricas.
Relatora,
Song Man Lei
ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:

1. Relatório
A, melhor identificado nos autos, requereu junto ao Tribunal de Segunda Instância e ao abrigo do disposto no art.º 120.º e seguintes do Código de Procedimento Administrativo Contencioso a suspensão da eficácia do acto contido no despacho do Senhor Secretário para a Segurança, de 18 de Janeiro de 2021, que decidiu revogar a “autorização especial de permanência – estudante” que lhe havia sido concedida.
Por acórdão proferido em 31 de Março de 2021, o Tribunal de Segunda Instância decidiu indeferir o pedido de suspensão da eficácia.
Inconformado com a decisão, vem A recorrer para este Tribunal de Última Instância, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:
I - Vem o presente recurso interposto do acórdão do Tribunal de Segunda Instância de 31 de Março de 2021 que indeferiu o pedido de suspensão de eficácia do despacho de 18 de Janeiro de 2021 do Excelentíssimo Senhor Secretário para a Segurança que revogou a “autorização especial de permanência – estudante” que havia sido concedida ao Requerente.
II - O indeferimento do pedido de suspensão da eficácia teve por fundamento a não verificação dos requisitos previstos nas alíneas a) e b) do nº 1 do artigo 121º do CPAC, considerando que a execução do acto não causa previsivelmente prejuízo de difícil reparação para o Requerente ou para os interesses que este defende no recurso, com o argumento de que “… o requerente não logrou demonstrar a impossibilidade de prosseguir os seus estudos e de se inscrever e obter o reconhecimento das disciplinas concluídas com aproveitamento numa outra instituição fora da RAEM, nomeadamente numa das centenas de instituições académicas que o interior da China oferece”.
III - O acórdão recorrido assentou em pressupostos não verdadeiros que conduziram à afirmação citada e não ponderou correctamente todos os elementos constantes dos autos.
IV - De acordo com o disposto nos artigos 434º do Código de Processo Civil e 250º nº 2 do Código Civil, os factos notórios não carecem de alegação nem de prova.
V - Ciente como estava o Requerente da total impossibilidade de provar a impossibilidade de prosseguir os seus estudos e de se inscrever e obter o reconhecimento das disciplinas concluídas com aproveitamento numa outra instituição fora da RAEM, invocou a sua qualidade de facto notório e do conhecimento geral, o que o dispensaria de mais qualquer prova.
VI - Aliás, a ser-lhe exigível a prova documental de tal facto, teria de juntar aos autos declarações de todas as Universidades do Interior da China, pois se juntasse apenas das instituições existentes na sua zona de residência, certamente a entidade requerida viria alegar que ainda existiam outras universidades no resto da China onde poderia ser possível continuar os seus estudos.
VII - Estaria assim o Requerente confrontado com uma situação de prova diabólica, ou seja de prova que na prática se sabe ser impossível de fazer;
VIII - É um facto notório, e do conhecimento geral, pelo menos de qualquer pessoa que tenha sido estudante de uma qualquer universidade, que a transferência de uma universidade para outra, em especial quando é de outro país ou região, obedece a requisitos de reconhecimento das disciplinas já concluídas e que, nunca em caso algum, é possível a transferência para conclusão de apenas algumas disciplinas do último ano.
IX - Aliás, na República Popular da China, para onde o Requerente teria de regressar para retomar os seus estudos, é de todo impossível a transferência de estudante que esteja no último ano de curso superior.
X - Mesmo que fosse possível o reconhecimento das disciplinas já concluídas, o que não é de todo verdade, sempre teria o Requerente de passar por um moroso processo de reconhecimento de equivalências que, por já estar quase no final do ano lectivo, nunca lhe permitiria concluir o seu curso este ano, obrigando-o sempre a mais um ano de estudos.
XI - Aliás, numa situação em tudo idêntica à do Requerente, o TSI não teve quaisquer dúvidas em considerar que a revogação da autorização de permanência causaria, ao aí requerente, prejuízo de difícil reparação (cfr. acórdão proferido no processo nº 565/2019).
XII - Tal como afirmado no citado acórdão, também o aqui Requerente demonstrou estar matriculado na [Universidade]. E não no 1º ano (início do curso), mas sim no último ano do seu curso, o que torna o prejuízo ainda de mais difícil reparação, pois vai coartar-lhe não só a possibilidade de concluir o ano lectivo em curso, mas ainda a possibilidade de o concluir, prejuízo este que não tendo natureza patrimonial, é impossível de reparar em caso de provimento do recurso contencioso.
XIII - E se não logrou demonstrar a impossibilidade de continuar os seus estudos no interior da China, sem perdas de equivalência a nenhuma das disciplinas já concluídas, foi porque tal prova é impossível de ser efectuada, tendo em conta a dimensão do país e o número incalculável de instituições de ensino existentes.
XIV - Impossibilidade que é um facto notório, que não carece de alegação nem de prova (cfr. artigos 434º do Código de Processo Civil e 250º nº 2 do Código Civil), como alegou o Requerente, e para cujo conhecimento bastaria apelar às regras da experiência comum.
XV - Apesar de caber ao Requerente o ónus da prova da existência de prejuízo irreparável, “… não tem de fazer uma prova cabal de que o prejuízo de difícil reparação é certo, mas apenas de que a execução do acto causa previsivelmente prejuízo. Até porque só pode utilizar prova documental (artigos 123º, nº2 e 129º), o que sempre dificultaria uma prova completa do requisito”, in Código de Processo Administrativo Contencioso, Viriato Lima e Álvaro Dantas, pág. 348;
XVI - Porém, a errada interpretação do que sejam prejuízos de difícil reparação assume ainda maior gravidade quando no acórdão recorrido se afirma que o Requerente poderá prosseguir os seus estudos em qualquer das Instituições de ensino superior do Interior da China ou no estrangeiro, assumindo-se no acórdão que “mesmo sem o reconhecimento de disciplinas já concluídas” com aproveitamento na RAEM, sem reconhecer que isto representaria um prejuízo-de- difícil reparação para o Requerente, em caso de ganho de causa no Recurso Contencioso.
XVII - No entanto, como muito bem se refere o Digno Magistrado do Ministério Público no seu douto parecer “O Requerente encontra-se na parte final do seu curso de licenciatura na [Universidade]. Como tal, a execução do acto, implicando a obrigatoriedade de o mesmo deixar a Região, vai consequenciar, com forte probabilidade, a impossibilidade de o mesmo concluir com êxito aquele curso durante o presente ano lectivo, representando, objectivamente, uma perda irrecuperável deste mesmo ano, pois que o mesmo terá de ser repetido. Mesmo que, como aventa a Entidade Requerida, o Requerente venha a conseguir, nesta altura do ano matricular-se em outra universidade, o que está longe de se poder ter como adquirido, certamente terá pela frente um longo procedimento de concessão de equivalências entre as disciplinas que já concluiu na [Universidade] e aquelas que integram o currículo do novo curso em que venha a matricular-se que certamente o irá obrigar a enfrentar, pelo menos, um outro ano lectivo. Neste contexto, parece-nos claro que a execução do acto, na medida em que, previsivelmente, terá implicações no que concerne ao seu percurso universitário, em especial a perda de, pelo menos, um ano lectivo, se traduzirá para o Requerente num prejuízo grave que, pela sua natureza essencialmente não patrimonial, não se vê como possa ser convenientemente reparado através de uma mera indemnização, antes se mostrando de reversão inviável”.
XVIII - Está pois mais que verificado o requisito previsto na alínea a) do nº 1 do artigo 121º do CPAC, ou seja que a execução do acto causa previsivelmente prejuízo de difícil reparação para o requerente.
XIX - Além da não verificação do requisito previsto na alínea a) do nº 1 do artigo 121º do CPAC, o indeferimento do pedido de suspensão da eficácia teve ainda por fundamento a existência de grave lesão do interesse público concretamente prosseguido pelo acto;
XX - Mais uma vez o acórdão recorrido errou, pois assentou em pressupostos não verdadeiros e não ponderou correctamente todos os elementos que integram os autos, considerando apenas a posição assumida na contestação pela Entidade Requerida, desconsiderando em absoluto a conduta observada pelo Requerente em actos posteriores aos factos.
XXI - É certo que o Requerente, quando interrogado, confessou os factos;
XXII - Mas é também certo que, por diversas vezes, tanto no Ministério Público (no âmbito do inquérito) como na Polícia (no âmbito do procedimento administrativo que levou ao acto recorrido) manifestou que estava sinceramente arrependido dos actos praticados, sendo seu desejo proceder à reparação dos danos e a um pedido formal de desculpas ao ofendido;
XXIII - Tanto que, depois de ter apresentado pessoalmente um pedido de desculpas ao professor ofendido, este concedeu-lhe o seu perdão e desistiu do procedimento criminal, assinando duas declarações, uma em língua chinesa e outra em língua portuguesa, que foram entregues no Ministério Público em 8 de Fevereiro de 2021, o que conduziu ao arquivamento dos autos.
XXIV - O despacho de arquivamento devia poder ter a virtualidade de influir na valoração quanto à ilicitude e ao grau de censurabilidade, pois que tem aqui cabal aplicação o princípio expresso no brocardo latino “quod nom est in actis nom est in mundo”;
XXV - Pois se não existe crime, como é que se pode fazer apelo às normas penais para se fazer graduação de ilicitude e de censurabilidade?
XXVI - Todo o comportamento do Requerente, nomeadamente a sua atitude após a prática dos factos de arrependimento e vontade de reparação, não podia deixar de ter sido valorado para a consideração da ilicitude e censurabilidade dos factos como diminutas.
XXVII - Pois este seu comportamento demonstra que rapidamente interiorizou o desvalor da sua conduta.
XXVIII - Sendo revelador de que não constitui qualquer perigo para a segurança e ordem públicas a sua permanência na RAEM até finais de Agosto para conclusão do seu curso.
XXIX - Nem tão pouco se pode afirmar que o Requerente tenha uma personalidade anti-social;
XXX - Do que se tratou foi de um acto irreflectido, em ambiente académico, possivelmente com a influência e instigação de terceiros, praticado por um jovem de pouco mais de 20 anos, que rapidamente mostrou o seu arrependimento e procurou reparar o mal feito, o que evidencia a tomada de consciência do desvalor da sua conduta;
XXXI - Aliás, também não se pode deixar de ter em linha de conta, que na própria Universidade que o mesmo frequenta, não lhe foi aplicada qualquer sanção disciplinar, o que desde logo é um indício de que não se revela a premência da grave lesão do interesse público.
XXXII - Como afirma Maria Fernanda Maçãs, in A Suspensão ..., citada por Viriato Lima e Álvaro Dantas, in Código de Processo Administrativo Contencioso, pág, 349 “não se pode argumentar que, prosseguindo o acto administrativo, pelo seu próprio conceito, um fim de interesse público, a sua não execução origine sempre dano para a concretização desse interesse público. É que no âmbito da suspensão da eficácia exige-se a verificação de lesão do interesse público e não a simples existência deste interesse que é pressuposto de toda e intervenção da Administração”;
XXXIII - Não pode servir de argumento para o indeferimento da suspensão da eficácia que haja uma grave lesão do interesse público, se no caso do Recurso Contencioso não estar decidido, com decisão transitada em julgado, antes de 31 de Agosto de 2021, o Requerente concluir o seu curso e assim o acto suspendendo perder qualquer utilidade.
XXXIV - Pois para que esta afirmação pudesse ser verdadeira era necessário que se pudesse, desde já, afirmar que o Recurso Contencioso não tinha qualquer viabilidade e, como tal, ia ser julgado improcedente.
XXXV - Por outro lado, caso o Recurso Contencioso venha a ser julgado procedente, a grave lesão do interesse público que se pretendeu evitar com a não suspensão, acaba por causar um prejuízo irreparável para o Requerente;
XXXVI - Pois, como muito bem refere o Digno Magistrado do Ministério Público, no seu douto parecer “E da natureza da actividade administrativa, de toda a actividade administrativa, a da sua estrita vinculação à prossecução do interesse público e, portanto, nesse sentido, pode dizer-se que a suspensão de um acto administrativo, por definição, afectará sempre o interesse público que tal acto prossegue. O ponto não pode ser, por isso, esse. No caso, apesar da alegação constante dos pontos 38 a 42 da contestação da Entidade Recorrida não nos parece, de acordo com um critério que apele às regras da experiência comum, que a presença do Requerente na RAEM por mais alguns meses, até ao final de Agosto do corrente ano, possa representar, em si mesma, um grave perigo para a segurança e ordem públicas de tal modo que se possa dizer que, a suspender-se a execução do acto, se produzirá uma grave lesão em tais valores que consubstanciam o interesse público prosseguido pelo acto.”
XXXVII - Atente-se que, para além das duas disciplinas atrasadas que ao Requerente faltam concluir, este último semestre é composto apenas por um estágio que o Requerente está a desenvolver numa empresa de Guangzhou, no interior de RPC. Estágio onde tem tido uma avaliação positiva, pois vem cumprindo com zelo, empenho e dedicação tanto as tarefas como os regulamentos da empresa;
XXXVIII - Apenas tem que se deslocar à RAEM para algumas entrevistas com o coordenador do estágio na [Universidade], e no final do semestre para a realização dos exames das duas disciplinas atrasadas que lhe falta concluir.
XXXIX - Donde ser por demais evidente que está verificado o requisito previsto na alínea b) do nº 1 do artigo 121º do CPAC, ou seja da não existência de grave lesão do interesse público concretamente prosseguido pelo acto.
XL - Alegou ainda o Requerente que, mesmo que se viesse a entender não estar verificado este requisito, a imediata execução do acto lhe causaria prejuízos desproporcionalmente superiores, pelo que estaria verificada a ressalva do artigo 121º nº 4 do CPAC, devendo a suspensão ser concedida.
XLI - Na ponderação destes interesses o Tribunal deve sopesar a lesão que para o interesse público adviria no caso de suspensão ser decretada se posteriormente o Recurso Contencioso vier a ser indeferido, em comparação com a lesão que para o Requerente adviria no caso da suspensão não ser decretada se posteriormente o Recurso Contencioso vier a ser deferido.
XLII - Ponderação que deve ser efectuada tendo por referência o princípio da proporcionalidade, na apreciação do qual não pode o intérprete deixar de atender ao sub-príncipio da exigibilidade ou necessidade, que contém uma preocupação de menor onerosidade para o cidadão, quando estejam em causa direitos liberdades e garantias.
XLIII - No caso concreto, estamos perante a possibilidade de uma ofensa ao direito fundamental à educação previsto no artigo 37º da Lei Básica para os residentes de Macau, aplicável também aos não residentes que aqui se encontrem, como é o caso do Recorrente, por força do disposto no artigo 43º da mesma Lei Fundamental.
XLIV - Ora, de tudo o que ficou demonstrado quer neste articulado, quer na petição inicial do Recurso Contencioso, mostra à saciedade que são bem superiores os prejuízos causados ao Requerente em comparação com o interesse público;
XLV - No acórdão recorrido, não se evidencia qualquer ponderação destes interesses, limitando-se no mesmo a afirmar-se que “dada a manifesta superioridade dos bens jurídicos que visa tutelar a revogação da autorização de permanência em relação aos interesses do requerente que eventualmente poderão vir a ser prejudicados com a imediata execução da revogação, não se opera a situação ressalvada nos termos prescritos no artº 121º/4 do CPAC”.
XLVI - O acórdão recorrido ao não especificar os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão de não verificação do artigo 121º nº 4 do CPAC, enferma ainda do vicio de falta de fundamentação, violando o disposto no artigo 562º nº 2 e 3 do CPC, o que constitui a nulidade prevista no artigo 571º nº 1, alínea b) do mesmo diploma.

Contra-alegou a entidade recorrida, entendendo que deve ser negado provimento ao recurso, mantendo-se o douto acórdão recorrido.
O Digno Magistrado do Ministério Público emitiu o douto parecer, no sentido de dar provimento ao recurso, revogando-se a decisão recorrida.

2. Factos
O Tribunal de Segunda Instância seleccionou os seguintes factos com relevância à decisão do pedido da suspensão de eficácia:
* O requerente é estudante universitário não residente, a quem foi deferida a autorização especial de permanência, para fins de estudo, com validade até ao dia de 17AGO2021;
* O requerente encontra-se a frequentar o 4º ano do curso de licenciatura em gestão de serviços, ministrado pela [Universidade];
* Com base nos seguintes factos da autoria do requerente:
… o interessado … guardou rancor pelo seu professor B por este lhe ter dado nota negativa num exame final do semestre. Em 29 de Outubro de 2020, aproveitando a ocasião em que o seu professor estava a urinar na casa de banho da universidade, o interessado atirou-lhe um copo de cola líquida para a sua cara, tendo atingido o seu copo, e depois fugiu. Posteriormente, em 17 de Novembro de 2020, ao ver o seu professor a passar pelos arredores do Edifício Administração da [Universidade], sito na [Endereço], o interessado lançou uma garrafa de cola líquida para baixo, a partir do terraço do 2.º piso, atingindo-o em diversas partes do corpo, causando-lhe dores nos olhos e no pescoço, bem como danos nas suas roupas e pertences. …
descritos na informação nº XXXX/2020/CII elaborado pelo pessoal do Comissariado de Inquéritos do Departamento Policial das Ilhas da PSP, foi desencadeado o procedimento administrativo na PSP, que culminou com a prolação do despacho datado de 18JAN2021 do Senhor Secretário para a Segurança que lhe determinou a revogação da autorização de permanência;
* Do despacho o requerente foi notificado através do ofício cuja cópia se junta aos presentes autos a fls. 8;
* Inconformado, o requerente formulou, mediante o requerimento datado de 10MAR2021, o pedido de suspensão de eficácia desse acto do Senhor Secretário para a Segurança, que lhe determinou a revogação da autorização especial de permanência na RAEM, e dele interpôs recurso contencioso de anulação mediante a petição datada da mesma data.

3. Direito
O acórdão ora recorrido decide indeferir o pedido de suspensão da eficácia apresentado pela recorrente, por considerar não verificados os requisitos referidos nas al.s a) e b) do n.º 1 do art.º 121.º do CPAC. E entende que, dada a manifesta superioridade dos bens jurídicos que visa tutelar a revogação da autorização de permanência em relação aos interesses do recorrente que eventualmente poderão vir a ser prejudicados com a imediata execução da revogação, não se opera a situação ressalvada nos termos prescritos no n.º 4 do art.º 121.º.
Na tese do recorrente, o acórdão recorrido fez uma errada interpretação e aplicação do disposto nas al.s a) e b) do n.º 1 e no n.º 4 do art.º 121.º do CPAC. E ao não especificar os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão de não verificação do art.º 121.º n.º 4 do CPAC, enferma ainda do vicio de falta de fundamentação, violando o disposto no artigo 562.º n.º 2 e 3 do CPC, o que constitui a nulidade prevista no art.º 571.º n.º 1, al. b) do CPC.
Vejamos se assiste razão ao recorrente.

Regula o art.º 121.º do CPAC a legitimidade e os requisitos para a suspensão de eficácia:
“1. A suspensão de eficácia dos actos administrativos, que pode ser pedida por quem tenha legitimidade para deles interpor recurso contencioso, é concedida pelo tribunal quando se verifiquem os seguintes requisitos:
a) A execução do acto cause previsivelmente prejuízo de difícil reparação para o requerente ou para os interesses que este defenda ou venha a defender no recurso;
b) A suspensão não determine grave lesão do interesse público concretamente prosseguido pelo acto; e
c) Do processo não resultem fortes indícios de ilegalidade do recurso.
2. Quando o acto tenha sido declarado nulo ou juridicamente inexistente, por sentença ou acórdão pendentes de recurso jurisdicional, a suspensão de eficácia depende apenas da verificação do requisito previsto na alínea a) do número anterior.
3. Não é exigível a verificação do requisito previsto na alínea a) do n.º 1 para que seja concedida a suspensão de eficácia de acto com a natureza de sanção disciplinar.
4. Ainda que o tribunal não dê como verificado o requisito previsto na alínea b) do n.º 1, a suspensão de eficácia pode ser concedida quando, preenchidos os restantes requisitos, sejam desproporcionadamente superiores os prejuízos que a imediata execução do acto cause ao requerente.
5. Verificados os requisitos previstos no n.º 1 ou na hipótese prevista no número anterior, a suspensão não é, contudo, concedida quando os contra-interessados façam prova de que dela lhes resulta prejuízo de mais difícil reparação do que o que resulta para o requerente da execução do acto.”
Como se sabe, os requisitos contemplados nas diversas alíneas do n.º 1 do art.º 121.º para a suspensão de eficácia de actos administrativos são de verificação cumulativa, bastando a não verificação de um deles para que a providência não seja decretada, salvo nas situações previstas nos n.ºs 2, 3 e 4.
Ao abrigo do n.º 4 do art.º 121.º, mesmo no caso de não ser dado como verificado o requisito da al. b) do n.º 1, que exige a não determinação de grave lesão do interesse público concretamente prosseguido pelo acto, isto não obsta à concessão de suspensão de eficácia, desde que sejam desproporcionadamente superiores os prejuízos que a imediata execução do acto cause ao requerente.

Ora, analisada a situação ora em apreciação, afigura-se-nos que, ao dar como não verificado o requisito da al. a) do n.º 1 do art.º 121.º do CPAC, o acórdão recorrido não merece censura.
O requisito indicado na al. a) refere-se ao prejuízo de difícil reparação, causado pela execução do acto administrativo.
Há que ver em que consiste o previsível prejuízo de difícil reparação, exigido na al. a) do n.º 1 do art.º 121.º do CPAC.
Tal como entende este Tribunal de Última Instância, o dano susceptível de quantificação pecuniária pode ser considerado, em certas situações, de difícil reparação para o requerente, tais como os casos “em que a avaliação dos danos e a sua reparação, não sendo de todo em todo impossíveis, podiam tornar-se muito difíceis”, os prejuízos “decorrentes de actos que determinem a cessação do exercício da indústria, comércio ou actividades profissionais livres” bem como consistentes “na privação de rendimentos geradora de uma situação de carência quase absoluta e de impossibilidade de satisfação das necessidades básicas e elementares”.1
E “a dificuldade de reparação do prejuízo deve avaliar-se através de um juízo de prognose relativo a danos prováveis, tendo em conta o dever de reconstrução da situação (hipotética) pela autoridade administrativa na sequência (em execução) de uma eventual sentença de anulação.”2
Quanto aos danos não patrimoniais, estes só relevam se atingirem um grau de intensidade ou gravidade que os torne merecedores de tutela jurídica.3
Por outro lado, as jurisprudências têm entendido que cabe ao requerente o ónus de alegar e provar os factos integradores do conceito de prejuízo de difícil reparação, fazendo-o por forma concreta e especificada, através do encadeamento lógico e verosímil de razões convincentes e objectivos, não bastando alegar a existência de prejuízos, não ficando tal ónus cumprido com a mera utilização de expressões vagas e genéricas irredutíveis a factos a apreciar objectivamente.
Voltamos ao caso concreto.
No seu requerimento de suspensão da eficácia, e para demonstrar o prejuízo de difícil reparação, invoca o recorrente a impossibilidade de prosseguir os seus estudos numa outra universidade fora de Macau, sem ter de começar de novo ou de voltar a frequentar disciplinas de anos anteriores, dado que ele se encontra já no 4.º e último ano do curso de licenciatura que está a frequentar e os programas curriculares diferirem de universidade para universidade, o que leva ao não conhecimento de disciplinas já concluídas.
Por sua vez, entende o acórdão recorrido que o recorrente não logrou demonstrar a impossibilidade de prosseguir os seus estudos e de se inscrever e obter o reconhecimento das disciplinas concluídas com aproveitamento numa outra instituição fora da RAEM, nomeadamente numa das centenas de instituições académicas que o Interior da China oferece.
No presente recurso jurisdicional, e citando o disposto nos art.ºs 434.º do CPC e 250.º n.º 2 do Código Civil, segundo os quais os factos notórios não carecem de alegação nem de prova, alega o recorrente que é um facto notório, e do conhecimento geral, pelo menos de qualquer pessoa que tenha sido estudante de uma qualquer universidade, que a transferência de uma universidade para outra, em especial quando é de outro país ou região, obedece a requisitos de reconhecimento das disciplinas já concluídas e que, nunca em caso algum, é possível a transferência para conclusão de apenas algumas disciplinas do último ano e na República Popular da China, para onde o Requerente teria de regressar para retomar os seus estudos, é de todo impossível a transferência de estudante que esteja no último ano de curso superior.
Ora, tendo em consideração os elementos fácticos constantes dos autos, já não se nos afigura relevante a discussão sobre o cumprimento de ónus de prova nem sobre a “notoriedade” da dificuldade de transferência para outra universidade, uma vez que, independentemente de tal discussão, é sempre de dizer que a questão ora em apreciação se encontra, a nosso ver, ultrapassada.
A razão é muito simples: i) aquando do cancelamento da autorização de permanência em causa, em Janeiro de 2021, o recorrente encontrava-se a frequentar o último ano do curso, “tendo concluído, com aproveitamento, a quase totalidade das disciplinas de cada um dos semestres de aulas …, apenas lhe faltando concluir duas disciplinas atrasadas e o estágio deste último semestre”, que termina em meados de Junho deste ano (cfr. artigos 23.º e 24.º do requerimento de suspensão das eficácia); e ii) conforme o calendário universitário apresentado pelo recorrente, o último semestre escolar termina em meados de Junho, com exames já feitos (fls. 18 dos autos).
Assim sendo, tendo em conta a data do presente acórdão (7 de Julho de 2021), certamente já não se coloca a questão nem a necessidade de transferência para outra universidade, por o recorrente já ter acabado o seu estágio bem como o seu curso.
Daí que é de concluir pela não verificação do requisito previsto na al. a) do n.º 1 do art.º 121.º do CPAC.
E não há necessidade de apreciar e pronunciar-se sobre o requisito da al. b) do n.º 1 do art.º 121.º, a verificação do n.º 4 do art.º 121.º do CPAC (bem como o vício de falta de fundamentação gerador da nulidade prevista no art.º 571.º n.º 1, al. b) do CPC), uma vez que, como já foi dito, os requisitos contemplados nas diversas alíneas do n.º 1 do art.º 121.º são de verificação cumulativa e basta a não verificação de um deles para que não seja decretada a suspensão de eficácia.
Improcede o recurso.

4. Decisão
Face ao exposto, nega-se provimento ao recurso.
Custas pelo recorrente, com taxa de justiça que se fixa em 3 UC.

Macau, 7 de Julho de 2021
                Juízes: Song Man Lei (Relatora)
José Maria Dias Azedo
Sam Hou Fai

O Magistrado do Ministério Público
presente na conferência: Álvaro António Mangas Abreu Dantas
1 Ac. do TUI, de 25 de Abril de 2001, Proc. n.º 6/2001.
2 José Carlos Vieira de Andrade, A Justiça Administrativa (Lições), 3.ª ed., Almedina, Coimbra, 2000, p. 176.
3 José Carlos Vieira de Andrade, A Justiça Administrativa (Lições), 3ª ed., Almedina, Coimbra, p. 176 e 177.
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