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Processo nº 654/2021
(Autos de Recurso Penal)

Data: 11 de Agosto de 2021
Recorrente: A
*
ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:

I. RELATÓRIO
  
  A, com os demais sinais dos autos, ora preso no Estabelecimento Prisional de Coloane (E.P.C.),
  Inconformado com a decisão que lhe negou a concessão de liberdade condicional, vem interpor recurso da mesma sustentando na motivação apresentada que estavam preenchidos todos os requisitos para a concessão da liberdade condicional tendo a decisão recorrida incorrido em erro na apreciação dos pressupostos materiais para a concessão daquela nos termos do artº 56º do Código Penal, tudo conforme consta de fls. 281 a 302, tendo apresentado as seguintes conclusões:
I. O recorrente apresentou o requerimento de liberdade condicional dentro do prazo legal, no entanto, no dia 15 de Junho de 2021, o Juiz do Juízo de Instrução Criminal indeferiu o requerimento por entender que não se verificou o requisito de substância na al. b) do n.º 1 do art.º 56.º do CPM.
II. Inconformado com o referido despacho, vem o recorrente interpor o presente recurso para o Tribunal de Segunda Instância.
III. Até ao presente, o recorrente já cumpriu 6 anos e 10 meses de prisão, ou seja dois terços da pena em que foi condenado (vide as fls. 47 dos autos). O tempo de cumprimento da pena do recorrente já atingiu o limite necessário à concessão da liberdade condicional previsto pelo art.º 56.º do CPM, verificando-se o requisito de forma.
IV. Após observação e avaliação do recorrente, o técnico da prisão reconheceu que durante o cumprimento da pena, o recorrente manteve bom comportamento e foi classificado no grupo de confiança, dando-lhe a avaliação do comportamento de “bom”, e propondo a concessão de liberdade condicional (vide as fls. 9-15 dos autos).
V. Também foi indicado no parecer emitido pelo EPM que, considerando que é a primeira vez que o recorrente cumpre pena de prisão, que ele tem melhorado o seu comportamento na prisão, e que está em causa o terceiro requerimento de liberdade condicional apresentado por ele, o director substituto do EPM concorda com a concessão de liberdade condicional (vide as fls. 208 dos autos).
VI. Em 16 de Abril de 2021, o técnico do Departamento de Reinserção Social elaborou relatório (vide as fls. 210 a 216 dos autos) para o terceiro requerimento de liberdade condicional do recorrente (ou seja o presente processo), e fez uma avaliação concreta do recorrente, entendendo que através de instruções e estudos na prisão, o recorrente aprendeu a estimar os membros da família, participou frequentemente em seminários diversos, tais como de prevenção do jogo e de desintoxicação, e sabia controlar os seus actos, esperando que o recorrente continuasse a aperfeiçoar o seu comportamento.
VII. Sobretudo na parte de conclusão a fls. 216, indicou-se que o recorrente estimou a união familiar, não se arriscou a sustentar a vida, manteve comportamento estável na prisão durante o cumprimento da pena por 6 anos, e apesar de ter cometido uma infracção, fez introspecção e envergonhou-se, e não ficou desanimado depois de serem indeferidos os dois requerimentos de liberdade condicional. Por fim, afirmou-se que o recorrente tinha consciência firme sobre o cumprimento da lei, comportou-se de modo positivo, estava preparado para se reintegrar na sociedade, obteve apoio da família, e era pouco possível o cometimento do novo crime, propondo-se a concessão de liberdade condicional.
VIII. O recorrente arrepende-se muito dos crimes praticados e da única infracção cometida na prisão, admite os seus erros, tem a determinação de corrigir-se para o bem, e irá trabalhar com esforço no futuro, e retribuir a família e a sociedade (vide as fls. 217 a 218 e 257 a 258 dos autos).
IX. Quanto à família do recorrente, é composta por 6 membros, incluindo os pais, uma irmã mais velha e dois irmãos mais velhos. O recorrente tem o melhor relacionamento com a irmã mais velha.
X. Os pais do recorrente visitaram-no em pessoa em Abril de 2018, e depois, pediram aos parentes e amigos em Zhuhai o favor de visitar periodicamente o recorrente, dando-lhe apoio e encorajamento na vida. Actualmente, devido à epidemia, os familiares não podem visitar o recorrente na prisão, mas mantêm contacto periódico com ele por telefone, de modo a saber as condições recentes reciprocamente.
XI. Agora, os pais do recorrente são idosos e a esposa assume os encargos da família, pelo que a família precisa muito de suporte e assistência do recorrente.
XII. Devido ao cumprimento da pena, o recorrente não conseguiu acompanhar o filho, o que, sem dúvida, afecta o crescimento físico e mental do filho. Ademais, a esposa assume ao longo dos anos as responsabilidades de cuidar dos mais velhos e de educar o filho.
XIII. A partir de Julho de 2019, o recorrente começou a requerer a participação na formação pr7ofissional de imprensa, e agora está aguardando o resultado.
XIV. Relativamente ao arranjo do emprego após a libertação, o recorrente, com o consentimento da irmã mais velha, intenta trabalhar como consultor de curso na empresa de tecnologia da irmã na Província de Jilin, daí que, embora esteja cumprindo a pena de prisão, o recorrente procura activamente trabalho para arranjar adequadamente a vida depois da libertação.
XV. Nos últimos dois anos, registou-se mudança significativa na esfera psicológica do recorrente, que por sua vez, perante “as situações desfavoráveis” (o indeferimento dos primeiros dois requerimentos de liberdade condicional e a única infracção), não manifestou uma atitude não cooperativa, e através de introspecção e estudo na prisão, aprendeu a enfrentar a adversidade, controlou as suas emoções, e procurou activamente soluções, em vez de recorrer a drogas ou meios ilegais.
XVI. Daí que, agora o recorrente tem uma boa personalidade, planeando ter uma vida normal após a libertação e agir de modo responsável perante a sociedade.
XVII. Na verdade, no despacho recorrido, o Juiz do Juízo de Instrução Criminal também concordou com a verificação do requisito de forma da concessão de liberdade condicional e do requisito de substância da prevenção criminal especial.
XVIII. Por isso, a única questão a resolver no presente recurso é saber se o recorrente preenche o requisito da prevenção criminal geral.
XIX. No despacho recorrido, o Juízo relevou o crime de roubo praticado pelo recorrente, indicou que o crime de roubo é crime grave em Macau, e concluiu que “é cada vez mais reclamada a punição severa de certos crimes graves, tais como os crimes organizados, violentos e de drogas”; e que “o crime de roubo praticado pelo recorrente trouxe impacto à imagem de Macau como uma cidade de turismo segura, sendo relativamente elevadas as exigências de prevenção geral”; e no fim, afirmou que para o público em geral, é dificilmente aceitável a libertação antecipada dum recluso que praticou crimes por várias vezes, pelo que “a libertação do condenado diminuirá a força intimidadora da lei, e abalará a confiança depositada pela sociedade na função punitiva da lei”, e em consequência, entendeu, sem excepção, que não devia admitir o terceiro pedido de reinserção social apresentado pelo recorrente.
XX. Porém, no que diz respeito aos crimes imputáveis ao recorrente, a “gravidade dos crimes” já foi suficientemente discutida na sentença condenatória, e o recorrente foi gravemente censurado. No aspecto da análise da concessão de liberdade condicional, parece que não faz qualquer sentido considerar de novo os danos causados pelos crimes, a gravidade destes, e as influências negativas trazidas à paz social.
XXI. Foi incansavelmente mencionada a gravidade dos crimes imputados, mas obviamente, tal elemento não se encontra previsto na al. a) do n.º 1 do art.º 56.º do CPM, nem foi elencado pelo legislador como requisito para a concessão da liberdade condicional.
XXII. Doutra forma, aos reclusos que cometeram crimes graves ou crimes frequentemente praticados na sociedade, não será possível a concessão de liberdade condicional, e ao mesmo tempo, eles não precisam receber activamente educação na prisão, corrigir o seu conceito sobre valores errado, ser encaminhado a observar a lei, emendar-se e arrepender-se sinceramente, até aprender a respeitar os outros reclusos e os bens alheios.
XXIII. Porque tudo isso é em vão, não podendo aqueles reclusos ser reconhecidos pela sociedade e obter o “benefício” – oportunidade valiosa de libertação antecipada.
XXIV. Não se pode fixar um critério demasiado rigoroso e irrealista para a concessão da liberdade condicional, e criar nas pessoas uma impressão errada de “não pode ser concedida liberdade condicional àquele que pratique um crime grave”. Isso não está em conformidade com as finalidades da punição perseguidas pelo direito criminal.
XXV. Como é sabido, a liberdade condicional não é o termo da pena.
XXVI. De facto, o público deve aceitar e dar suporte positivo àqueles que já se emendaram sinceramente, ter expectativa deles, e aceitar a sua reintegração na sociedade. No caso sub judice, está em causa um recluso que já cumpriu a pena por mais de 6 anos e meio, que já se emendou e renovou, não se verificando qualquer razão para rejeitar a sua reintegração na sociedade.
XXVII. Até ao presente (Julho de 2021), o recorrente já cumpriu a pena por mais de 6 anos, e em alguns meses, cumprirá a pena global em que foi condenado (que expirará no dia 24 de Outubro de 2021).
XXVIII. As circunstâncias acima referidas (o recorrente participou activamente nas actividades de reeducação na prisão, registou-se mudança significativa na personalidade, na atitude, no comportamento e na consciência sobre o cumprimento da lei do recorrente, ele arrependeu-se sinceramente, tem o plano da reinserção social, está cheio de esperança para o futuro, e só quer esforçar-se para cuidar da família no resto da vida) já mostram suficientemente que foi neutralizado o mal dos actos do recorrente, que por sua vez, já foi devida e legalmente punido pelos seus erros e actos. A pena cumprida pelo recorrente é suficiente para advertir o público no sentido de não violar a lei, bem como restabelecer a confiança do público na ordem jurídica violada.
XXIX. Atendendo aos elementos favoráveis ao recorrente, revelados após a prática dos crimes e durante o cumprimento da pena, tais como a evolução da personalidade e do conceito sobre valores, a responsabilidade perante a sociedade e a família, e o grau de adaptação e reintegração antecipada na sociedade, não se vislumbra que o deferimento do requerimento de liberdade condicional viole as exigências de prevenção geral.
XXX. Entende o recorrente que satisfaz as condições legais para a concessão da liberdade condicional, o despacho proferido pelo Juiz do Juízo de Instrução Criminal, que indeferiu o seu requerimento de liberdade condicional, viola os art.ºs 56.º e 40.º do CPM, e deve ser concedida a liberdade condicional ao recorrente.
  
  Respondendo veio o Ilustre Magistrado do Ministério Público pugnar pelo acerto e manutenção da decisão recorrida.
  
  Pelo Ilustre Magistrado do Ministério Público junto deste tribunal foi emitido o seguinte Douto Parecer:
  «1.
  A, melhor identificado nos autos, inconformado com a douta decisão do Meritíssimo Juiz do 2.º Juízo de Instrução Criminal do Tribunal Judicial de Base que lhe indeferiu o pedido de concessão de liberdade condicional, interpôs o presente recurso, pugnando, em síntese, pela revogação da douta decisão recorrida e pela sua substituição por outra que lhe conceda aquela liberdade.
  2.
  2.1.
  Decorre do artigo 56.º do Código Penal (CP) que a concessão de liberdade condicional depende da verificação de pressupostos de natureza formal e de natureza substancial.
  São pressupostos de natureza formal:
(i) O cumprimento de dois terços da pena e no mínimo 6 meses (artigo 56.º, n.º 1 do Código Penal);
(ii) O consentimento do condenado (artigo 56.º, n.º 3 do Código Penal).
  São pressupostos de natureza substancial:
(i) Que, de forma fundada, seja de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes [artigo 56.º, n.º 1, alínea a) do Código Penal];
(ii) Que a libertação se revele compatível com a defesa da ordem jurídica e da paz social [artigo 56.º, n.º 1, alínea b), segunda parte, do Código Penal].
  Em relação aos pressupostos de natureza substancial, pode dizer-se que aquele que vem referido na alínea a) do n.º 2 do artigo 56.º do Código Penal tem em vista a satisfação de finalidades de prevenção especial, ao passo que aquele a que alude a alínea b) do mesmo n.º 2 do artigo 56.º do mesmo diploma legal, visa a prossecução de finalidades de prevenção geral.
  2.2.
  No caso concreto, é incontroversa a verificação dos pressupostos de natureza formal de concessão da liberdade condicional.
  Na verdade, por um lado, a Recorrente deu o seu consentimento à dita liberdade e, por outro lado, já se mostram cumpridos dois terços da pena de prisão que lhe foi aplicada.
  No que respeita aos pressupostos substanciais da liberdade condicional, considerou a douta decisão recorrida, no seguimento de idêntica posição da nossa Ilustre Colega, que apenas se mostra preenchido o da alínea a) do n.º 1 do artigo 56.º do Código Penal.
  Salvo o muito respeito que tal entendimento nos merece, não o podemos acompanhar.
  Como se sabe, aquilo que, em sede de verificação dos pressupostos da libertação antecipada do condenado, importa aferir é se tal libertação antecipada é ou não incompatível com a defesa da ordem jurídica e da paz social.
  Ora, considerando que o Recorrente já cumpriu quase 7 anos de prisão, parece-nos que a sua libertação antecipada não colocará em causa as exigências de prevenção geral que estiveram presentes na respectiva condenação nem hipotecará as expectativas comunitárias na validade das normas penais violadas. Pelo contrário. A aplicação da pena e sua execução quase integral mostram bem que os crimes praticados em Macau são punidos na medida que em cada caso se considera justa e adequada e que as penas aplicadas são também executadas na medida necessária à plena satisfação dos fins que lhe estão subjacentes.
  Por outro lado, parece-nos que a ponderação sobre a ilicitude e ao seu reflexo na concreta medida da pena deve ser feita, essencialmente, no momento da aplicação da pena e não aquando da apreciação do pedido de liberdade condicional.
  Daí que se nos afigure, com todo o respeito o dizemos, que a douta decisão recorrida andou mal ao considerar que não estar preenchido o pressuposto da concessão da liberdade condicional previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 56.º do Código Penal, a partir da ilicitude dos factos praticados pelo Recorrente.
  Assim, a libertação antecipada, aconselhada pelas razões de prevenção especial que antes referimos, é inteiramente compatível com a defesa da ordem jurídica e da paz social a que se refere a alínea b) do n.º 2 do artigo 56.º do Código Penal.
  3.
  Pelo exposto, somos de parecer de que deve ser dado provimento ao recurso jurisdicional interposto pelo condenado, revogando-se a douta decisão recorrida e substituindo-a por outra que lhe conceda a liberdade condicional.».
  
  Foram colhidos os Vistos.
  
  Cumpre assim apreciar e decidir.
  
II. FUNDAMENTAÇÃO

a) Dos factos

Da decisão sob recurso consta a seguinte factualidade:
A (高冲辰) foi condenado e cumpriu as penas nos termos seguintes:
- Em 30 de Maio de 2014, no âmbito do Processo Comum Colectivo n.º CR3-14-0096-PCS do 3º Juízo Criminal, foi condenado pela prática dum “crime de uso de documentos falsos” p. p. pelo art.º 18.º. n.º 3 da Lei n.º 6/2004, na pena de 7 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 2 anos. Posteriormente, o condenado cometeu crimes de novo, pelo que foi revogada a suspensão da execução da pena, e o condenado precisou cumprir a pena de 7 meses de prisão (vide as fls. 39 a 43v do processo de execução de pena). O despacho de revogação da suspensão da execução da pena transitou-se em julgado no dia 15 de Fevereiro de 2016 (vide as fls. 38 do processo de execução de pena).
- Em 9 de Outubro de 2015, no âmbito do Processo Comum Colectivo n.º CR2-15-0054-PCC do 2º Juízo Criminal, foi condenado pela prática de dois “crimes de roubo”, respectivamente, nas penas de 4 anos e 6 meses e de 4 anos de prisão; pela prática dum “crime de consumo de drogas”, na pena de 3 meses de prisão, e pela prática dum “crime de detenção indevida de utensílios e equipamento”, com circunstâncias agravantes previstas no art.º 22.º da Lei n.º 6/2004, na pena de 2 meses de prisão. Em cúmulo jurídico, foi condenado na pena de 6 anos e 6 meses de prisão efectiva (vide as fls. 4 a 31v do processo de execução de pena). A respectiva decisão transitou-se em julgado no dia 29 de Outubro de 2015 (vide as fls. 3 do processo de execução de pena).
- Em cúmulo das penas aplicadas nos dois processos acima referidos, foi condenado numa pena total de 7 anos e 1 mês de prisão.
*
No âmbito do Processo n.º CR3-14-0096-PCS, o condenado A foi detido por um dia, ou seja em 5 de Dezembro de 2013, e no âmbito do Processo n.º CR2-15-0054-PCC, foi detido por um dia, ou seja em 25 de Setembro de 2014, e no dia seguinte, foi encaminhado para o Estabelecimento Prisional de Coloane. A pena de prisão do condenado expirará no dia 24 de Outubro de 2021, e ele já cumpriu a pena necessária à concessão da liberdade condicional no dia 13 de Junho de 2019 (vide as fls. 47 do processo de execução de pena).
O condenado ainda não pagou as custas dos processos condenatórios (vide as fls. 239 dos autos).
Não há outros processos pendentes (vide as fls. 240 a 251 dos autos).
*
O condenado não é delinquente primário, mas é a primeira vez que cumpre a pena de prisão, e tinha 41 anos na altura em que praticou os actos criminosos.
Agora o condenado tem 4 anos de idade (sic.), e a sua família original tem 6 membros, incluindo os pais, uma irmã mais velha e dois irmãos mais velhos. O condenado tem o melhor relacionamento com a irmã mais velha, e agora, todos os irmãos são casados e têm família. O condenado casou-se com a esposa quando tinha 35 anos, e tem um filho de 8 anos de idade, mantendo bom relacionamento com eles.
O condenado tem como habilitações literárias o ensino secundário, abandonou o estudo aos 17 anos, trabalhou como distribuidor de jornais, e depois como condutor. Desde que tinha 26 anos até à entrada na prisão, o condenado explorou uma sapataria junto com a esposa.
O condenado tem história de consumo de drogas por muitos anos, e alegou que desde 1997, começou a consumir metanfetamina sob influência dos amigos, e parou de consumir uns meses depois. Posteriormente, voltou a consumir drogas no ano de 2012 por ter perdido dinheiro e ficado descontente.
O condenado foi encaminhado para o EPM em 26 de Setembro de 2014 e cumpriu a pena de 6 anos e 9 meses, restando-lhe 4 meses de prisão.
Segundo o registo prisional do condenado, ele foi classificado no grupo de confiança, a avaliação global do seu comportamento na prisão é de “bom”, mas foi punido em Janeiro de 2019 pela prática de infracção.
Os pais do condenado visitaram-no em Abril de 2018, e depois, por causa da distância longa, pediram aos parentes e amigos em Zhuhai o favor de visitar periodicamente o condenado, dando-lhe apoio na vida e trocando notícias.
O condenado não frequentou os cursos de ensino recorrente, participou na formação profissional de lavandaria no período entre 7 de Março e 22 de Outubro de 2018, mas depois foi impedido de participar nessa formação por ter cometido infracção. A partir de Julho de 2019, o condenado começou a requerer a participação na formação de imprensa, e agora está aguardando o resultado.
Uma vez libertado condicionalmente, o condenado intenta trabalhar como consultor de curso na empresa de tecnologia da sua irmã mais velha na Província de Jilin, alegando que a família tem uma boa situação económica, a esposa é o pilar económico, e pretende voltar para a Província de Jilin e viver junto com os pais.
Este Juízo também ouviu o condenado sobre a concessão da liberdade condicional conforme o art.º 468.º, n.º 2 do CPP. O condenado prestou declaração através da carta (vide as fls. 257 a 258 dos autos), alegando que arrependeu-se muito dos crimes praticados, pediu desculpas à família e à sociedade, não conseguiu pagar as custas processuais devido à dificuldade económica familiar, que os membros familiares não o podiam visitar em virtude da epidemia, mas mantiveram contacto com ele por telefone, e que iria pagar as custas processuais uma vez libertado, bem como observar a lei e cuidar da família.

b) Do Direito
  
  O artº 56º do CP regula os pressupostos e duração da liberdade condicional nos seguintes termos:
Artigo 56.º
(Pressupostos e duração)
  1. O tribunal coloca o condenado a pena de prisão em liberdade condicional quando se encontrarem cumpridos dois terços da pena e no mínimo 6 meses, se:
  a) For fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes; e
  b) A libertação se revelar compatível com a defesa da ordem jurídica e da paz social.
  2. A liberdade condicional tem duração igual ao tempo de prisão que falte cumprir, mas nunca superior a 5 anos.
  3. A aplicação da liberdade condicional depende do consentimento do condenado.
  Depende, assim, a concessão da liberdade condicional da verificação de pressupostos formais – a saber: cumprimento de 2/3 da pena no mínimo de 6 meses e consentimento do arguido – e materiais – a saber, os indicados nas alíneas a) e b) do nº 1 do citado preceito -.
  A indicada alínea a) está relacionada com o objectivo maior da execução da pena de prisão e que consiste na “ressocialização do agente”, havendo de ser aferida em função da aquisição pelo recluso de «condições favoráveis ao prosseguimento de uma vida sem praticar crimes, ao seu ingresso na vida fiel ou conformada com o dever-ser jurídico penal, visando a prevenção da reincidência através da colaboração voluntária e activa daquele» - Cit. Figueiredo Dias em Os Novos Ramos da Política Criminal e do Direito Penal Português do Futuro, pág. 29 e 30, citado por Manuel Leal Henriques em Manual de Formação de Direito Penal de Macau, pág. 228, Ed. 2005.
  A alínea b) do indicado preceito visa a defesa da sociedade no âmbito da prevenção geral positiva e negativa, isto é, seja por via do restabelecimento na comunidade da confiança da salvaguarda dos bens jurídicos, seja por via da prevenção/intimidação quanto à prática de futuros crimes.
  Como se diz no Acórdão deste Tribunal de 21.11.2019, proferido no processo nº 1068/2019, «Com efeito, importa ter em conta que a liberdade condicional não é uma “medida de clemência”, constituindo uma medida que faz parte do normal desenvolver da execução da pena de prisão, manifestando-se como uma forma de individualização da pena no fito de ressocialização, pois que serve um objectivo bem definido: o de criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, durante o qual o delinquente possa, equilibradamente, recobrar o sentido de orientação social fatalmente enfraquecido por efeito da reclusão; (cfr., v.g., J. L. Morais Rocha e A. C. Sá Gomes in “Entre a Reclusão e a Liberdade – Estudos Penitenciários”, Vol. I, em concreto, “Algumas notas sobre o direito penitenciário”, IV cap., pág. 41 e segs.).
  Trata-se de um incidente de execução da pena de prisão a que preside uma finalidade específica de prevenção especial positiva ou de socialização, e que assenta na formulação de um juízo de prognose favorável sobre o comportamento futuro e em liberdade, do condenado que já cumpriu parte considerável da pena; (cfr., Figueiredo Dias in, “Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime”, 1993, Aequitas, Editorial Notícias, pág. 528).
  Na esteira do repetidamente decidido nesta Instância, a liberdade condicional “é de conceder caso a caso, dependendo da análise da personalidade do recluso e de um juízo de prognose fortemente indiciador de que o mesmo vai reinserir-se na sociedade e ter uma vida em sintonia com as regras de convivência normal, devendo também constituir óbviamente matéria de ponderação, a defesa da ordem jurídica e da paz social”; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 25.07.2019, Proc. n.° 759/2019, de 05.09.2019, Proc. n.° 891/2019 e de 17.10.2019, Proc. n.° 992/2019, podendo-se também sobre o tema ver o Ac. da Rel. de Coimbra de 24.01.2018, Proc. n.° 540/16).
  (…)
  Com efeito, na formulação do juízo de prognose sobre o comportamento futuro do condenado, o tribunal deve ponderar os traços da sua personalidade e a evolução desta durante a execução da pena, as competências por si adquiridas no período de reclusão, o comportamento prisional, o seu relacionamento com o crime cometido, as necessidades subsistentes de reinserção social, e, em especial, as perspectivas de enquadramento familiar, social e profissional e a necessidades de protecção da vítima, quando disso seja caso. A liberdade condicional deverá ser concedida quando o julgador conclua que o condenado reúne condições que, razoavelmente, fundam a expectativa de que, uma vez colocado em liberdade, assumirá uma conduta conforme às regras da comunidade. Inversamente, a liberdade condicional deverá ser negada quando o julgador conclua que o condenado não reúne tais condições, seja porque o juízo contrário se revela carecido de razoabilidade, seja porque se revela temerário; (cfr., v.g., o recente Ac. da Rel. de Coimbra de 12.06.2019, Proc. n.° 3371/10).
  Como também já tivemos oportunidade de considerar, a liberdade condicional não é de conceder quando o percurso até ao momento experienciado pelo condenado não oferece ainda suficiente segurança para sustentar um “juízo positivo” acerca do seu comportamento futuro quando em meio livre; (neste sentido, cfr., v.g., o recente Ac. da Rel. de Évora de 19.02.2019, Proc. n.° 13/16).».
  No que concerne aos requisitos formais para a concessão da liberdade condicional dúvidas não há, no caso em apreço, de estarem os mesmos verificados.
  No parecer elaborado pelo Director dos Serviços Correccionais e na Informação prestada pela Divisão de Segurança e Vigilância do Estabelecimento Prisional foi formulada opinião no sentido de ser concedida a liberdade condicional requerida.
  Contudo a decisão recorrida não acompanhou aqueles pareceres.
  No que concerne ao requisito da alínea a) do nº 1 do artº 56º do CP entende a decisão recorrida que no caso em apreço o mesmo se encontra satisfeito.
  Relativamente ao requisito da al. b) do nº 1 do artº 56º do CP, atendendo à natureza de alguns dos crimes praticados – roubo - e forma como foram perpetrados, bem como, o facto de ter sido em co-autoria de forma reiterada e premeditada, entende-se na decisão recorrida que a censura ético-jurídica exigida pela sociedade demanda que a liberdade condicional não seja concedida.
  É certo, como já se referiu noutras decisões que de acordo com a al. b) do nº 1 do artº 56º do CP há que apurar se em face da situação concreta a concessão de liberdade condicional não põe em causa a salvaguarda dos bens-jurídicos violados e da paz social.
  Contudo a natureza do crime e a forma como foi praticado por si só também não pode ser um óbice que de uma forma quase objectiva impeça ou limite aquela.
  No caso em apreço conforme resulta dos pareceres elaborados pelo Director dos Serviços Correccionais e na Informação prestada pela Divisão de Segurança e Vigilância do Estabelecimento Prisional o recluso tem vindo a apresentar uma evolução no seu comportamento adquirindo as competências para conduzir a sua vida de forma responsável e sem cometer crimes, a tal ponto que é reconhecido sem dúvidas a verificação do pressuposto da al. a) do nº 1 do artº 56º do CP.
  Não nos podemos alhear de que a liberdade condicional visa também permitir a ressocialização do recluso permitindo a transição entre a prisão e a liberdade de uma forma gradual, situação esta que é de maior relevância quanto maior tiver sido o tempo de prisão cumprido.
  Por fim a liberdade condicional será também sem dúvida um elemento positivo e construtivo quando encarado como um voto de confiança a quem tenha diligenciado por adquirir as competências para se inserir socialmente.
  Ora, no caso em apreço o cumprimento da pena esgota-se em 24.10.2021, sendo este o terceiro pedido de liberdade condicional formulado pelo recluso.
  Considerando a pena em que foi condenado e o que dela falta para ser integralmente cumprida entendemos que entre as exigências de prevenção geral e o estímulo à ressocialização do recluso há que valorizar esta última, sendo certo que aquelas já foram alcançadas aquando da condenação do Recluso.
  
  Destarte, acompanhamos a posição do Ilustre Magistrado do Ministério Público junto deste tribunal no sentido de entender estar também verificado o requisito da al. b) do nº 1 do artº 56º do CP, pelo que, se impõe decidir em conformidade.
  
III. DECISÃO
  
  Nestes termos e pelos fundamentos expostos, concede-se provimento ao recurso e em consequência concede-se a liberdade condicional a A.
  Passe e entregue mandados de libertação imediata do recluso.
  
  Sem custas.
  
  Fixam-se os honorários ao defensor nomeado em MOP2.000,00 a adiantar pelo Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância.
  
  Notifique.
  
  RAEM, 11 de Agosto de 2021
  
  Rui Carlos dos Santos P. Ribeiro
  Lok Si Mei
  Rong Qi


654/2021
PENAL (LC) 1