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Processo nº 641/2021
(Autos de Recurso Penal)

Data: 11 de Agosto de 2021
Recorrente: A
*
ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:

I. RELATÓRIO
  
  A, com os demais sinais dos autos, ora preso no Estabelecimento Prisional de Coloane (E.P.C.),
  Inconformado com a decisão que lhe negou a concessão de liberdade condicional, vem interpor recurso da mesma sustentando na motivação apresentada que estavam preenchidos todos os requisitos para a concessão da liberdade condicional tendo a decisão recorrida incorrido em erro na apreciação dos pressupostos materiais para a concessão daquela nos termos do artº 56º do Código Penal, tudo conforme consta de fls. 57 a 61, tendo apresentado as seguintes conclusões e pedidos:
I. FUNDAMENTO DE FACTO
1. Em 11/01/2019, o recluso foi julgado pelo Tribunal do 3º Juízo Criminal do TJB, no processo comum colectivo nº CR3-17-0355-PCC, por ter cometido um crime de “Exigência ou aceitação de documentos”, o qual foi condenado na pena de 2 anos e 6 meses de prisão, suspensa a sua execução pelo período de 3 anos, ao mesmo tempo, foi-lhe aplicado a pena acessória de proibição de entrada nos casinos pelo período de 3 anos, este processo foi transitado em julgado no dia 31/01/2019; a respectiva suspensão foi revogada no dia 12/09/2019 e o despacho de revogação foi transitada em julgado no dia 08/10/2019.
2. Além disso, em 27/06/2019, o recluso foi julgado pelo Tribunal do 3º Juízo Criminal do TJB, no processo comum colectivo nº CR3-19-039-PSM, por ter cometido um crime de “Reentrada” e um crime de “Acolhimento”, o qual foi condenado na pena 6 meses de prisão efectiva, este processo foi transitado em julgado no dia 22/07/2019.
3. Conjugando os supracitados dois pontos, o recorrente tem de cumprir no total 3 anos de prisão efectiva.
4. A sua pena terminará em 25/06/2022.
5. Feito a contagem do período supracitado, até 25/06/2021, o tempo de prisão cumprido pelo recorrente preenche o requisito formal de pedido de liberdade condicional previsto no artº 56º do do CPM.
6. Dentro do prazo legal, o recorrente apresentou o pedido de liberdade condicional.
7. Segundo a observação e avaliação feitas pelo EPM, confirmam que o recorrente teve bom comportamento durante a prisão, nunca constatou qualquer infracção disciplinar no estabelecimento e ele pertence a pessoa de confiança.
8. O subdirector do EPM atendendo aos antecedentes do recorrente, é da opinião de rejeitar o seu pedido de liberdade condicional (fls. 7 dos autos).
9. O MP atendendo aos crimes de natureza diferente cometidos pelo recorrente e durante a suspensão da pena tornou a cometer crimes, manifestou oposição do seu pedido de liberdade condicional. (vide fls. 32 dos autos).
10. No dia 25/06/2021, o Juiz do JIC, entendeu que o recorrente ainda não preenche as condições para concessão da liberdade condicional previstas no artº 56º, nº 1, al. a) e b) do CPM, designadamente com fundamento da necessidade de satisfazer os requisitos da prevenção geral e especial do crime, rejeitou o pedido do recorrente. (vide fls. 36 a 37 dos autos).
11. O recorrente foi criado numa família camponesa com 7 agregados, a família é composta pela mãe, três manas, um irmão e uma irmã, ele é o 5º filho, a situação económica familiar é difícil, ele tem a cargo a esposa e dois filhos.
12. O recorrente tem como habilitações literárias o 1º ano do ensino secundário elementar, durante a prisão é frequente pedir emprestado livros para ler, entre os quais livros de história que lhe desperta mais interesse.
13. O recorrente sempre teve o desejo de participar nos cursos de formação profissional e de ensino corrente, só que quando o recorrente foi internado no estabelecimento deu-se o surto da pandemia, e maior parte das actividades, incluindo cursos de formação profissional e de ensino corrente foram suspensos.
14. O recorrente requereu desde Março de 2020 a participação nos cursos de formação profissional de padeiro, reparação de água e electricidade e tipografia, presentemente está a aguardar a vaga.
15. Se bem que neste momento o recorrente ainda não pôde participar no ensino corrente, mas ele tem motivação para se aperfeiçoar.
16. Durante os dois anos de prisão, o recorrente apercebeu-se da importância de ser cumpridor das leis, ele está decidido no futuro retomar uma vida séria, ser socialmente responsável, arranjar um emprego legítimo para retribuir à sociedade.
17. O recorrente desejaria através da sua atitude positiva de encarrar os erros por si cometidos, disposto a corrigir-se, assumir a sua culpa, servir de exemplo aos filhos.
18. O recorrente participou activamente nas actividades religiosas organizadas pelo estabelecimento, bem como criou a sua fé no cristianismo, ele está arrependido.
19. O recorrente é cumpridor das regras do estabelecimento e obediente.
20. A família do recorrente vem regularmente visitá-lo, mas com o surto da pandemia, o recorrente preocupando-se com a saúde da família, pois contra a vontade, pediu para a família para não lhe visitar, ou reduzir as visitas.
21. A família do recorrente tem muitas saudades suas, bem como com esperança de ele poder sair mais cedo da prisão.
22. O recorrente sofre de diabete já há 8 anos, presentemente necessita de tratamento medicamentosa.
23. O recorrente convive em harmonia com os outros reclusos.
24. O recorrente desde 2007, sempre explorou uma fábrica de aço blindado para pontes, depois da detenção, a sua esposa passou a tomar conta da fábrica, assumir os assuntos da casa e é o único rendimento da família.
25. Dado que meus dois filhos ainda são menores, a minha esposa tem de simultaneamente trabalhar e sustentar as duas crianças, caso ainda de ter que preocupar com os meus assuntos, será demasiado para ela.
26. Além disso, o recorrente durante a prisão perdeu o tempo precioso para acompanhar os seus filhos, por isso sente profundo arrependimento.
27. O recorrente desejaria de sair mais cedo da prisão para poder cuidar das crianças.
28. O recorrente pensa depois de liberto condiconalmente regressar a Gangxi, Nanjiang, China para viver com a esposa e dois filhos, bem como retomar o negócio da fábrica.
29. O recorrente deseja depois da prisão continuar a participar nas actividades cristãs.
30. Pelo exposto, o recorrente está arrependido do mal causado, ele tem planos de vida após libertação, ele sabe a importância de ter que levar uma vida de modo socialmente responsável.
II. FUNDAMENTOS DE DIREITO:
31. Após análise do despacho proferido pelo Mmº Juiz do JIC, salvo o devido respeito pela decisão do Mmº Juiz do JIC, o recorrente entende que o despacho violou o disposto no artº 56º e 40º do CPM, os fundamentos não são suficientes para rejeitar o pedido do recorrente.
32. A situação do recorrente merece autorização do pedido de liberdade condicional.
33. Para concessão da liberdade condicional é preciso preencher as condições previstas no artº nº 56º do CPP:
1) requisito formal: da liberdade condicional consiste em o condenado já ter cumprido dois terços da pena, no mínimo de 6 meses;
2) requisito material: satisfazer as necessidades da da prevenção geral e especial do crime, uma vez libertado o condenado.
34. Tal como refere nas fls. 32, 35 e 36 dos autos, o recorrente preenche o requisito formal da concessão da liberdade condicional.
35. Porém foi rejeitado o seu pedido de liberdade condicional, a questão foi por causa do requisito material quanto ao aspecto da prevenção geral e especial do crime.
36. Face ao aspecto da prevenção especial, de facto o recorrente cometeu crime por isso foi revogada a suspensão da pena, porém esta foi a primeira vez que o recorrente foi detido na prisão, depois da detenção, ele tomou conhecimento do erro cometido, adoptou assumir activamente a sua culpa.
37. Daí se vê que o recorrente já apreendeu a lição, ele corrigiu-se, tomou noção de ter que ser cumpridor das leis, a sua consciência no cumprimento da lei aumentou, e está decidido no futuro levar uma vida socialmente responsável.
38. Com a modificação da sua personalidade, vimos que o recorrente uma vez em liberdade irá levar uma vida de modo socialmente responsável, sem risco de cometer crimes.
39. Assim sendo, deve reconhecer que o recorrente preenche o disposto no artº 56º, nº 1, al. a) do CPP.
40. Quanto ao aspecto da prevenção geral, o recorrente tem sido activo em pedir livros emprestados para ler e participar nas actividades religiosas, a fim de encontrar novo interesse, objectivo e crença, ele já confessou os seu pecados e decidido em retomar uma nova vida, a fim de ensinar os seus filhos a ter coragem em encarrar a sua culpa, vimos que o recorrente teve uma mudança positiva.
41. Posto isso, podemos reconhecer que o recorrente preenche o disposto no artº 56º, nº 1, al b) do CPM.
42. Não obstante em termos de prevenção geral, os crimes cometidos pelo recorrente são frequentes acontecer em Macau, sendo necessário punir severamente para intimidar a prática de crimes, contudo devemos considerar de forma equilibrada face à modificação positiva do recorrente.
43. É do conhecimento geral que a liberdade condicional não é o fim da pena. O seu maior efeito é conceder ao criminoso um período de transição antes de atingir a liberdade definitiva para que este possa adaptar da melhor forma a sociedade até inserir completamente nessa sociedade que irá retomar uma nova vida, este efeito é, muitas vezes, mais favorável ao recluso do que cumprir totalmente a pena.
44. Com esta experiência de prisão o recorrente tomou conhecimento o que é a Lei, ao mesmo tempo, o recorrente já recebeu uma profunda e inesquecível lição, a sua mente e comportamento modificaram positivamente, ele criou uma visão de valores positiva.
45. De facto, a sociedade deve aceitar uma pessoa que sinceramente se corrigiu e como um ente da sociedade deve apoiar e encorajar positivamente.
46. Pelo exposto, o recorrente considera que ele próprio possui os pressupostos de ser liberto antecipadamente, nestes termos o despacho de rejeição do pedido de liberdade condicional do recorrente proferido pelo Mmº Juiz do JIC violou o disposto do artº 56º e 40º do CPM.
CONCLUSÃO:
O Recorrente considera que ele próprio possui os pressupostos de ser liberto antecipadamente, nestes termos o despacho de rejeição do pedido de liberdade condicional do recorrente proferido pelo Mmº Juiz do JIC violou o disposto do artº 58º e 40º do CPM.
Nos termos expostos, requeira aos Mmºs Juízes que façam justiça, decretando:
1. Aceitação do recurso e procedente a fundamentação;
2. Anulação do despacho de rejeição do pedido de liberdade condicional do recorrente proferido pelo Mmº Juiz em 25/06/2021;
3. Reconhecimento de que o recorrente preenche o violou os pressupostos previstos no artº 56º do CPM.

  Respondendo veio o Ilustre Magistrado do Ministério Público pugnar pelo acerto e manutenção da decisão recorrida.
  
  Pelo Ilustre Magistrado do Ministério Público junto deste tribunal foi emitido o seguinte Douto Parecer:
  «1.
  A, melhor identificado nos autos, inconformado com a douta decisão do Meritíssimo Juiz do 2.º Juízo de Instrução Criminal do Tribunal Judicial de Base que lhe indeferiu o pedido de concessão de liberdade condicional, interpôs o presente recurso, pugnando, em síntese, pela revogação da douta decisão recorrida e pela sua substituição por outra que lhe conceda aquela liberdade.
  2.
  2.1.
  Decorre do artigo 56.º do Código Penal (CP) que a concessão de liberdade condicional depende da verificação de pressupostos de natureza formal e de natureza substancial.
  São pressupostos de natureza formal:
(i) O cumprimento de dois terços da pena e no mínimo 6 meses (artigo 56.º, n.º 1 do Código Penal);
(ii) O consentimento do condenado (artigo 56.º, n.º 3 do Código Penal).
  São pressupostos de natureza substancial:
(i) Que, de forma fundada, seja de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes [artigo 56.º, n.º 1, alínea a) do Código Penal];
(ii) Que a libertação se revele compatível com a defesa da ordem jurídica e da paz social [artigo 56.º, n.º 1, alínea b), segunda parte, do Código Penal].
  Em relação aos pressupostos de natureza substancial, pode dizer-se que aquele que vem referido na alínea a) do n.º 2 do artigo 56.º do Código Penal tem em vista a satisfação de finalidades de prevenção especial, ao passo que aquele a que alude a alínea b) do mesmo n.º 2 do artigo 56.º do mesmo diploma legal, visa a prossecução de finalidades de prevenção geral.
  2.2.
  No caso concreto, é incontroversa a verificação dos pressupostos de natureza formal de concessão da liberdade condicional.
  Na verdade, por um lado, a Recorrente deu o seu consentimento à dita liberdade e, por outro lado, já se mostram cumpridos dois terços da pena de prisão que lhe foi aplicada.
  Já no que concerne aos pressupostos substanciais da liberdade condicional, nada temos a acrescentar às bem fundamentadas e pertinentes considerações exaradas pelo nosso Ilustre Colega na douta resposta que apresentou ao recurso e às quais aderimos.
  Parece-nos de salientar que, face à concreta gravidade dos crimes por si praticados, a concessão da liberdade condicional, nesta altura, colocaria em causa as exigências de prevenção geral que estiveram presentes na condenação, podendo dizer-se que ficariam fortemente afectadas as expectativas da comunidade na validade e na eficácia das normas penais violadas.
  A defesa da ordem jurídica e da paz social, pode dizer-se com segurança, é incompatível com a libertação, nesta altura, do Recorrente, pelo que se não mostram verificados os pressupostos substanciais previstos nas alíneas a) e b) do n.º 2 do artigo 56.º do Código Penal.
  Deste modo, estamos em crer que a decisão recorrida deve ser mantida.
  3.
  Face ao exposto, salvo melhor opinião, é nosso parecer:
  Deve ser negado provimento ao recurso jurisdicional interposto, mantendo-se, em consequência, a douta decisão recorrida.».
  
  Foram colhidos os Vistos.
  
  Cumpre assim apreciar e decidir.
  
II. FUNDAMENTAÇÃO

a) Dos factos

Da decisão sob recurso consta a seguinte factualidade:
- O condenado, por ter cometido um crime de “exigência ou aceitação de documentos” p.p.p. artigo 14º, conjugado com artigo 13º da Lei no. 8/96/M – “Jogo Ilícito” e no. 1 do artigo 219º do Código Penal, e, em 11 de Janeiro de 2019, foi condenado pelo processo no. CR3-17-0355-PCC numa pena de 2 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 3 anos, entretanto, foi condenado à pena acessória de proibição de entrada nos casinos por 3 anos, aliás, a sentença transitou em julgado em 31 de Janeiro de 2019; a suspensão da execução de pena foi anulada em 12 de Setembro de 2019, que necessitou de cumprir a pena de 2 anos de 6 meses da prisão efectiva, o despacho de anulação da suspensão de pena transitou em julgado em 08 de outubro de 2019 (vide fls. 26 a 28v. do processo de execução de pena);
- O condenado, por ter cometido um crime de “reentrada ilegal” e de “acolhimento”, foi condenado em 27 de Junho de 2019 pelo processo no. CR3-19-0039-PSM numa pena de 6 meses da prisão efectiva, alias, a sentença transitou em julgado em 22 de Julho de 2019 (vide fls. 3 a 8 do processo de execução de pena);
- Em cúmulo das penas dos supracitados processos nos. CR3-17-0355-PCC e CR3-19-0039-PSM, precisava de cumprir um total de pena de 3 anos da prisão efectiva (vide fls. 44 do processo de execução de pena).
O condenado A, no processo no. CR3-17-0355-PCC, ficou detido por um dia em 14 de Dezembro de 2015, aliás, no processo no. CR5-19-0018-PSM, ficou detido em 26 de Junho de 2019 e no dia seguinte, encaminhado para o Estabelecimento Prisional de Macau. O prazo de pena terminará em 25 de Junho de 2022 e cumpriu, em 25 de Junho de 2021, o tempo de pena necessária para lhe conceder a liberdade condicional (vide fls. 44 do processo de execução de pena).
O condenado ainda não pagou as custas processuais e outros encargos (vide fls. 56 do processo de execução de pena).
Não há outros processos pendententes (vide fls. 58 a 62, 64 do processo de execução de pena).
*
O condenado não é primário, mas, tratando-se de cumprimento de pena pela primeira vez, praticou o último acto criminoso quando tinha 46 anos de idade.
O condenado tem cerca de 48 anos de idade, nascido em Jiangxi, cresceu numa família camponesa, cuja família original tem 7 membros nomeadamente mãe, San Che (三姐), um irmão mais velho e uma irmã mais nova, o condenado é o quinto filho da família, encontrando-se em má situação económica. Casou-se com a sua esposa aos 36 anos, desta relação nasceram dois filhos, mantendo uma boa relação com a esposa e os filhos.
Depois que o condenado concluiu o primeiro ano do ensino secundário, começou, aos 18 anos, a trabalhar na agricultura doméstica, depois foi para a cidade trabalhar como segurança no sector de comércio. Desde 2007 até ao presente, explorava uma fábrica de membrana de aço, auferindo um salário de cerca de 40.000 Renminbis por mês.
A esposa e o irmão mais velho dele visitaram o condenado depois de o mesmo ser preso, os familiares esperavam que pudesse ser libertado com a maior brevidade.
O condenado foi encaminhado em 26 de Junho de 2019 para o Estabelecimento Prisional de Macau até ao presente, passaram cerca de 2 anos, tendo restado cerca de 1 ano do prazo de pena.
De acordo com o registo do condenado na prisão, este tem uma característica de ser confiante, a avaliação ao condenado dada pela prisão sobre a conduta do condenado durante o período de cumprimento da pena era “Bom”, não se registou punição devido a qualquer infracção.
O condenado não participou no curso de ensino recorrente e, em Março de 2020, requereu inscrever-se nos cursos de formação profissional e encontrou-se a aguardar na lista de espera, nomeadamente cursos de fabrico de pães e bolos, electricista e canalizador, impressão.
Caso o condenado seja libertado, irá regressar à Cidade Nanchang de Jiangxi para residir com a esposa e os filhos e, continuar a explorar a emrpesa de estrutura de aço, cuja gestão é actualmente auxiliada pela esposa, encontrando-se numa boa situação económica.
Este tribunal, também nos termos do no. 2 do artigo 468º do Código de Processo Penal, ouviu opiniões proferidas pelo condenado sobre a presente matéria de liberdade condicional, o condenado prestou declarações através de carta (vide fls. 30 dos autos), manifestando que estava sempre arrependido depois de ser preso e prometeu ser cumpridor da lei e responsável.

b) Do Direito
  
  O artº 56º do CP regula os pressupostos e duração da liberdade condicional nos seguintes termos:
Artigo 56.º
(Pressupostos e duração)
  1. O tribunal coloca o condenado a pena de prisão em liberdade condicional quando se encontrarem cumpridos dois terços da pena e no mínimo 6 meses, se:
  a) For fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes; e
  b) A libertação se revelar compatível com a defesa da ordem jurídica e da paz social.
  2. A liberdade condicional tem duração igual ao tempo de prisão que falte cumprir, mas nunca superior a 5 anos.
  3. A aplicação da liberdade condicional depende do consentimento do condenado.
  Depende, assim, a concessão da liberdade condicional da verificação de pressupostos formais – a saber: cumprimento de 2/3 da pena no mínimo de 6 meses e consentimento do arguido – e materiais – a saber, os indicados nas alíneas a) e b) do nº 1 do citado preceito -.
  A indicada alínea a) está relacionada com o objectivo maior da execução da pena de prisão e que consiste na “ressocialização do agente”, havendo de ser aferida em função da aquisição pelo recluso de «condições favoráveis ao prosseguimento de uma vida sem praticar crimes, ao seu ingresso na vida fiel ou conformada com o dever-ser jurídico penal, visando a prevenção da reincidência através da colaboração voluntária e activa daquele» - Cit. Figueiredo Dias em Os Novos Ramos da Política Criminal e do Direito Penal Português do Futuro, pág. 29 e 30, citado por Manuel Leal Henriques em Manual de Formação de Direito Penal de Macau, pág. 228, Ed. 2005.
  A alínea b) do indicado preceito visa a defesa da sociedade no âmbito da prevenção geral positiva e negativa, isto é, seja por via do restabelecimento na comunidade da confiança da salvaguarda dos bens jurídicos, seja por via da prevenção/intimidação quanto à prática de futuros crimes.
  Como se diz no Acórdão deste Tribunal de 21.11.2019, proferido no processo nº 1068/2019, «Com efeito, importa ter em conta que a liberdade condicional não é uma “medida de clemência”, constituindo uma medida que faz parte do normal desenvolver da execução da pena de prisão, manifestando-se como uma forma de individualização da pena no fito de ressocialização, pois que serve um objectivo bem definido: o de criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, durante o qual o delinquente possa, equilibradamente, recobrar o sentido de orientação social fatalmente enfraquecido por efeito da reclusão; (cfr., v.g., J. L. Morais Rocha e A. C. Sá Gomes in “Entre a Reclusão e a Liberdade – Estudos Penitenciários”, Vol. I, em concreto, “Algumas notas sobre o direito penitenciário”, IV cap., pág. 41 e segs.).
  Trata-se de um incidente de execução da pena de prisão a que preside uma finalidade específica de prevenção especial positiva ou de socialização, e que assenta na formulação de um juízo de prognose favorável sobre o comportamento futuro e em liberdade, do condenado que já cumpriu parte considerável da pena; (cfr., Figueiredo Dias in, “Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime”, 1993, Aequitas, Editorial Notícias, pág. 528).
  Na esteira do repetidamente decidido nesta Instância, a liberdade condicional “é de conceder caso a caso, dependendo da análise da personalidade do recluso e de um juízo de prognose fortemente indiciador de que o mesmo vai reinserir-se na sociedade e ter uma vida em sintonia com as regras de convivência normal, devendo também constituir óbviamente matéria de ponderação, a defesa da ordem jurídica e da paz social”; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 25.07.2019, Proc. n.° 759/2019, de 05.09.2019, Proc. n.° 891/2019 e de 17.10.2019, Proc. n.° 992/2019, podendo-se também sobre o tema ver o Ac. da Rel. de Coimbra de 24.01.2018, Proc. n.° 540/16).
  (…)
  Com efeito, na formulação do juízo de prognose sobre o comportamento futuro do condenado, o tribunal deve ponderar os traços da sua personalidade e a evolução desta durante a execução da pena, as competências por si adquiridas no período de reclusão, o comportamento prisional, o seu relacionamento com o crime cometido, as necessidades subsistentes de reinserção social, e, em especial, as perspectivas de enquadramento familiar, social e profissional e a necessidades de protecção da vítima, quando disso seja caso. A liberdade condicional deverá ser concedida quando o julgador conclua que o condenado reúne condições que, razoavelmente, fundam a expectativa de que, uma vez colocado em liberdade, assumirá uma conduta conforme às regras da comunidade. Inversamente, a liberdade condicional deverá ser negada quando o julgador conclua que o condenado não reúne tais condições, seja porque o juízo contrário se revela carecido de razoabilidade, seja porque se revela temerário; (cfr., v.g., o recente Ac. da Rel. de Coimbra de 12.06.2019, Proc. n.° 3371/10).
  Como também já tivemos oportunidade de considerar, a liberdade condicional não é de conceder quando o percurso até ao momento experienciado pelo condenado não oferece ainda suficiente segurança para sustentar um “juízo positivo” acerca do seu comportamento futuro quando em meio livre; (neste sentido, cfr., v.g., o recente Ac. da Rel. de Évora de 19.02.2019, Proc. n.° 13/16).».
  No que concerne aos requisitos formais para a concessão da liberdade condicional dúvidas não há, no caso em apreço, de estarem os mesmos verificados.
  No parecer elaborado pelo Director dos Serviços Correccionais foi sugerido que a liberdade condicional não fosse concedida porque o recluso não é primário e na Informação prestada pela Divisão de Segurança e Vigilância do Estabelecimento Prisional foi formulada opinião no sentido de ser concedida a liberdade condicional requerida porquanto o recluso tem tido bom comportamento prisional, e demonstra ter adquirido as competências necessárias para pautar o seu comportamento futuro de acordo com a lei, associado à circunstância de uma vez em liberdade ter apoio familiar e emprego estável.
  Da factualidade apurada resulta que o Recluso foi inicialmente condenado numa pena de prisão cuja execução foi suspensa, suspensão essa que veio a ser revogada por ter incorrido na prática de outros crimes, o que em termos de personalidade denota a incapacidade do Recluso em adequar a sua conduta de acordo com o direito.
  Dos elementos existentes nos autos resulta apenas o bom comportamento prisional e que a situação familiar e económica do Recluso em liberdade aparenta ser boa, contudo, essa situação já era igualmente boa antes da prática dos actos que levaram o Recluso a ser condenado não se tendo mostrado bastante para o afastar da criminalidade associada ao jogo.
  No que concerne ao bom comportamento prisional o mesmo não é por si só bastante para justificar a concessão da liberdade condicional desassociado dos demais elementos existentes, uma vez que, não é inócuo que é comumente sabido que dele depende a concessão daquela e não é de maior dificuldade mantê-lo em regime prisional.
  No entanto quando ao agora Recluso lhe foi dada a oportunidade de se redimir e afastar da criminalidade suspendendo-se a execução da primeira pena em que foi condenado, este em liberdade reincidiu na prática de crimes conexos com os primeiros que motivaram a sua condenação, pelo que, acompanhamos a decisão recorrida no sentido de que não há ainda indícios de que o cumprimento da pena até agora atingido seja suficiente para se concluir que aquele já adquiriu as competências necessárias para agir de acordo com o dever-ser jurídico penal de que se falou supra.
  Concordando-se e acompanhando a decisão recorrida quanto a este aspecto igualmente entendemos não estar ainda verificado o requisito da al. a) do nº 1 do artº 56º do CP.
  
  Por outro lado, entende-se na decisão recorrida que em face da natureza dos crimes praticados – conexos com a actividade de jogos de fortuna e azar a qual tem relevo social e económico em Macau - e da reicindência, a censura ético-jurídica exigida pela sociedade demanda pelas já explicadas razões de prevenção geral positiva e negativa, tendo em consideração o desvalor da sua conduta e os bens jurídicos em causa, que a liberdade condicional não é compatível com a ordem jurídica e paz social, pelo que, não estando preenchido também, o requisito da al. b) do nº 1 do artº 56º do CP aquela não deve ser concedida.
  
  Destarte, acompanhando a decisão recorrida aquela que tem vindo a ser a jurisprudência deste tribunal em situações idênticas, não havendo reparo a apontar-lhe e aderindo aos fundamentos dela constantes, entendendo-se que não estão verificados os requisitos das alíneas a) e b) do nº 1 do artº 56º do CP, impõe-se decidir em conformidade.
  
III. DECISÃO
  Nestes termos e pelos fundamentos expostos, nega-se provimento ao recurso.
  
  Custas pelo Recorrente fixando-se a taxa de justiça em 3 UC´s.
  
  Fixam-se os honorários ao defensor nomeado em MOP2.000,00.
  
  Notifique.
  
  RAEM, 11 de Agosto de 2021
  Rui Pereira Ribeiro
  Lok Si Mei
  Rong Qi


641/2021 1
PENAL (LC)