打印全文
Processo nº 652/2021
(Autos de Recurso Penal)

Data: 11 de Agosto de 2021
Recorrente: A
*
ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:

I. RELATÓRIO
  
  A, com os demais sinais dos autos, ora preso no Estabelecimento Prisional de Coloane (E.P.C.),
  Inconformado com a decisão que lhe negou a concessão de liberdade condicional, vem interpor recurso da mesma sustentando na motivação apresentada que estavam preenchidos todos os requisitos para a concessão da liberdade condicional tendo a decisão recorrida incorrido em erro na apreciação dos pressupostos materiais para a concessão daquela nos termos do artº 56º do Código Penal, tudo conforme consta de fls. 236 a 253, tendo apresentado as seguintes conclusões:
1. Em 17 de Outubro de 2016, o recorrente foi condenado pelo TJB, no Processo n.º CR4-15-0396-PCC (ora Processo n.º CR5-15-0294-PCC), pela prática de 42 crimes corrupção passiva para acto ilícito p.p. pelo art.º 337.º n.º 1 do Código Penal de Macau (em concurso aparente com o crime de abuso de poder p.p. pelo art.º 347.º do mesmo Código), na pena de 3 anos por cada; 10 crimes de violação de segredo p.p. pelo art.º 348.º n.º 1 do Código Penal de Macau, na pena de 7 meses de prisão por cada; e 12 crimes de participação económica em negócio p.p. pelo art.º 342.º n.º 1 do Código Penal de Macau, na pena de 1 ano de prisão por cada. Em cúmulo jurídico, o recluso foi condenado na pena de 7 anos e 9 meses de prisão efectiva e no pagamento solidário à ofendida, ora RAEM, no montante de MOP$15.560.500, bem como os juros legais, a título de indemnização. Com o recurso e a arguição da nulidade, o TSI condenou parcialmente procedente o recurso, anulando a decisão relativa ao dinheiro ora apreendido, no montante de MOP$230.000, e mantendo a pena de prisão condenada pelo Tribunal a quo.
2. O prazo da pena do recorrente terminará em 21 de Janeiro de 2023.
3. O recorrente iniciou o processo da liberdade condicional pela primeira vez em 2020, mas falhou apesar de ter interposto recurso. E depois iniciou o processo da liberdade condicional pela segunda vez em Abril de 2021.
4. O prazo do cumprimento da pena do recorrente satisfaz o requisito de forma previsto no art.º 56.º do Código Penal.
5. Nos dois processos da liberdade condicional supracitados, o técnico e o director do Estabelecimento Prisional ambos concordaram com o requerimento da liberdade condicional do recorrente, enquanto o MP emitiu a oposição.
6. O recorrente fez uma reflexão profunda e mudança absoluta e tinha arrependimento pelos seus crimes cometidos, e agradeceu a dedicação e compreensão dos seus familiares. Uma vez libertado, ele prometeu que não iria cometer crimes, se esfoçaria para retribuir à sociedade e cuidaria bem da sua família.
7. O recorrente é delinquente primário, o seu comportamento é bom no período do cumprimento da pena de mais de 6 anos, pertence à categoria de “confiança”, sem registo de infracção disciplinar, deu-se bem com outros reclusos, a sua avaliação global do comportamento era “bom”.
8. Mesmo que o primeiro requerimento da liberdade condicional não fosse autorizado, o recorrente ainda mantinha uma boa atitude de cumprimento da pena, cumpriu as regras e participou activamente no estudo e nas actividades.
9. Na prisão, o recorrente participou na formação profissional de “pau-tau” e de limpeza de corredor de emergência desde Maio de 2019 até Abril de 2020 e desde Março até Abril de 2021. Além disso, o recluso inscreveu-se nos cursos on-line e remotos da Universidade Chinesa de Hong Kong para formação contínua, incluindo os cursos de aconselhamento e psicoterapia, nutrição e medicina chinesa, dieta e saúde e também participou nos cursos de design de penteados, treinamento de corte de cabelo e de balconista e obteve o respectivo certificado de frequência. E participou ainda nos jogos de futebol, laughter yoga, nos cursos de língua portuguesa e de voluntários e nas actividades religiosas; no período da formação profissional, o recorrente agiu activamente e conseguiu seguir as instruções do pessoal.
10. Desde entrada na prisão, os familiares têm visitado o recorrente regularmente. Mesmo que a sua mulher tenha acompanhado os seus filhos para estudarem no Canadá nos últimos anos, o recorrente ainda mantinha contactos com a sua mulher e os filhos por meio de mensagens transmitidas pelos familiares e cartas mensais; o recorrente recebeu a perdão e os cuidados dos familiares e tinha uma boa relação com eles.
11. Uma vez libertado, o recorrente vai viver com os pais em Macau, trabalhar na loja de marisco seco dos pais para sustentar a mulher e os filhos e fazer o possível para reembolsar a indemnização do presente caso, e prometeu pagar a indemnização em prestações mensais, no montante de MOP$5.000.
12. Certamente, o recorrente viverá de modo responsável perante a sociedade, cumprirá a lei, sem cometer mais crime.
13. O Tribunal a quo proferiu despacho em 22 de Junho de 2021, negando o segundo requerimento da liberdade condicional do recorrente; não obstante deu afirmação positiva em relação à prevenção especial do recorrente, ainda é necessário considerar a prevenção geral e a defesa da sociedade e do regime jurídico, por consequência, o recorrente não satisfaz os requisitos da prevenção geral p.p. pelo art.º 56.º n.º 1 al. b) do Código Penal; e o comportamento do recorrente, especialmente a sua mudança subjectiva, é favorável à sua reinserção social, mas o que não implica que a libertação antecipada do recorrente não causará impacto negativo à paz social e ao regime jurídico, e além do seu elemento subjectivo, o mais importante é considerar os efeitos sociais negativos causados pela liberdade condicional do recorrente.
14. Salvo o devido respeito, o recorrente não concordou com isso e entende que o despacho em causa violou o disposto nos art.ºs 56.º e 40.º do Código Penal e devem conceder a liberdade condicional ao recorrente.
15. O recorrente compreendeu e aceitou que deve ser severamente punido pela lei, mas os elementos negativos, incluindo as circunstâncias criminosas graves, já foram reflectidos na determinação da medida da pena, agora chegamos ao processo da liberdade condicional, a proporção da avaliação e da ponderação desta parte deve ser reduzida.
16. O recorrente já tirou a lição profunda, tinha quase 50 anos de idade desde entrada na prisão e entrou na fase “aos cinquenta, sabia quais eram as ordens do céu”, mas ainda tinha determinação da correcção, esta atitude de arrependimento é, sem dúvida, digno de reconhecimento público, o que mostrou claramente a alerta e a eduçacão suficientes para o público e reconstituiu a confiança do público no regime jurídico.
17. Tal como a opinião do TSI, nem todos os criminosos que cometem crimes graves não podem ser libertados antecipadamente. A possibilidade da liberdade condicional no presente caso não é afastada pelo legislador.
18. De facto, o recorrente cumpriu a pena de vários anos, participou activamente nas várias actividades e cursos, mesmo que o primeiro requerimento da liberdade condicional não fosse autorizado, o recorrente ainda enfrentou activamente, sem desanimar, e corrigiu-se mais activamente, o que mostrou que a sua personalidade foi mudada completamente.
19. O recorrente depositou a indemnização desde 2017 até hoje, no montante de MOP$180.000, entretanto, quis o dinheiro ora apreendido, no montante de MOP$230.000, para compensar a indemnização. Em média, o recorrente pagou mensalmente cerca de MOP$3.000 nos anos passados a título de indemnização. Embora não valha a pena mencionar a indemnização já paga em comparação com os danos, o recorrente tem feito o possível para provar a sua determinação e arrependimento.
20. De acordo com o plano, o recorrente prometeu pagar MOP$5.000 mensalmente, e o Tribunal a quo achou que a indemnização prometida é “uma quantia muito pequena” e o Governo da RAEM ainda está muito longe de ser totalmente indemnizado. O recorrente compreendeu perfeitamente as preocupações do Tribunal a quo, mas este plano é um plano sincero e realista levantado pelo recorrente.
21. O recorrente alegou sinceramente que para além de cumprir a sanção penal e a indemnização civil, ele tem que assumir a responsabilidade de alimentos como pai e marido.
22. No despacho recorrido, deu-se a opinião negativa às primeiras vendas de activos do recorrente e ao acto do recorrente de que deixou a mulher e os filhos a emigrarem para o exterior, salvo o devido respeito, o recorrente não concordou com isso.
23. Este caso penal causou grande impacto à sua família, a emoção da mulher foi gravemente afectada, designadamente, o filho precisa de ir ao hospital regularmente para tratamento psicológico e, como o recorrente estava envolvido no caso penal, os filhos foram excluídos da frequência e os familiares têm que procurar uma saída para a educação dos filhos.
24. A entrada na prisão do recorrente, enquanto pilar económico da família, causou grande impacto à economia familiar, a mulher tem que cuidar dos dois filhos sozinha, mas não tem capacidade de suportar as prestações do preço predial, por isso, com a negociação com os familiares, o recorrente tem de vender o prédio em nome dele e dos familiares e deixou os filhos, em companhia da mulher, irem ao exterior para estudo.
25. Portanto, o recorrente fez os actos supracitados, não visa evitar a responsabilidade ou fugir, mas sim proteger os familiares e filhos do seu próprio erro cometido.
26. O recorrente não tem passaporte ou direito de residência em outro país, nunca pretendeu emigrar para o exterior, e por causa do registo criminal do presente caso, dificilmente o recorrente receberá visto de turismo e de família.
27. Por outro lado, tal como se indicou na decisão do processo penal, o recorrente e outros arguidos no mesmo caso foram acusados da prática conjunta dos crimes, ele não se encontrou na posição dominante. Embora haja benefícios, a maioria não foi adquirida pelo recorrente, pelo que o recorrente não tinha conhecimento do fluxo final. O ponto importante da concessão da liberdade condicional não incide sobre a questão de saber se o condenado tinha admitido ou não os crimes acusados ou confessado o fluxo de dinheiro na altura, mas sim a mudança da personalidade do recorrente anterior e posterior ao caso.
28. Hoje, o recorrente apenas espera que possa regressar à sociedade o mais rápido possível, cumprir a responsabilidade como pai, marido e filho, esforçar-se por fazer bem o trabalho e fazer o possível para compensar os danos causados à sua família e à sociedade.
29. Embora o recorrente esteja envolvido nos crimes relativos a funcionário público com mais atenção social, o julgamento do caso foi amplamente divulgado pelos média e a condenação das penas pesadas aos criminosos também foi bem conhecida pela sociedade, a decisão já causou alerta suficiente ao público em geral e a ordem social violada também foi reparada, daí, a libertação antecipada do recorrente não vai causar grande impacto à paz ou ordem sociais.
30. Olhando para este caso, através do julgamento, cumprimento da pena e estudo activo, a atitude do recorrente foi mudada gradualmente desde a recusa e a negação no momento inicial até ao arrependimento completo pelos erros cometidos e ao começo da vida nova. Essa mudança da personalidade não é a melhor resposta que um recluso traz à sociedade? Não é melhor reflexão das finalidades da punição? Não é um exemplo de sucesso de ressocialização do recluso pelo sistema da pena de prisão?
31. Sem dúvida, o recorrente fez todo o possível para aproveitar ao máximo cada momento do período do cumprimento da pena. Se tais esforços ainda não são dignos de reconhecimento, é difícil para nós compreendermos o verdadeiro significado do regime da liberdade condicional.
32. Ao conceder a liberdade condicional, a prevenção geral faz com que o condenado tenha uma responsabilidade social específica, o que não corresponde ao princípio da culpa, portanto, as duas considerações devem ser devidamente ponderadas e seleccionadas, a fim de reflectir verdadeiramente o significado positivo da liberdade condicional para o condenado.
33. Face ao exposto, uma vez que a personalidade do recorrente se desenvolveu na direcção positiva, a libertação antecipada do recorrente não afectará o regime jurídico e a paz social, correspondendo aos requisitos materiais da prevenção geral e da prevenção especial previstos no art.º 56.º n.º 1 do Código Penal, portanto, devem conceder a liberdade condicional ao recorrente.
  Respondendo veio o Ilustre Magistrado do Ministério Público pugnar pelo acerto e manutenção da decisão recorrida.
  
  Pelo Ilustre Magistrado do Ministério Público junto deste tribunal foi emitido o seguinte Douto Parecer:
  «1.
  A, melhor identificado nos autos, inconformado com a douta decisão do Meritíssimo Juiz do 1.º Juízo de Instrução Criminal do Tribunal Judicial de Base que lhe indeferiu o pedido de concessão de liberdade condicional, interpôs o presente recurso, pugnando, em síntese, pela revogação da douta decisão recorrida e pela sua substituição por outra que lhe conceda aquela liberdade.
  2.
  2.1.
  Decorre do artigo 56.º do Código Penal (CP) que a concessão de liberdade condicional depende da verificação de pressupostos de natureza formal e de natureza substancial.
  São pressupostos de natureza formal:
(i) O cumprimento de dois terços da pena e no mínimo 6 meses (artigo 56.º, n.º 1 do Código Penal);
(ii) O consentimento do condenado (artigo 56.º, n.º 3 do Código Penal).
  São pressupostos de natureza substancial:
(i) Que, de forma fundada, seja de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes [artigo 56.º, n.º 1, alínea a) do Código Penal];
(ii) Que a libertação se revele compatível com a defesa da ordem jurídica e da paz social [artigo 56.º, n.º 1, alínea b), segunda parte, do Código Penal].
  Em relação aos pressupostos de natureza substancial, pode dizer-se que aquele que vem referido na alínea a) do n.º 2 do artigo 56.º do Código Penal tem em vista a satisfação de finalidades de prevenção especial, ao passo que aquele a que alude a alínea b) do mesmo n.º 2 do artigo 56.º do mesmo diploma legal, visa a prossecução de finalidades de prevenção geral.
  2.2.
  No caso concreto, é incontroversa a verificação dos pressupostos de natureza formal de concessão da liberdade condicional.
  Na verdade, por um lado, a Recorrente deu o seu consentimento à dita liberdade e, por outro lado, já se mostram cumpridos dois terços da pena de prisão que lhe foi aplicada. Trata-se, aliás, do segundo pedido de liberdade condicional.
  Já no que concerne aos pressupostos substanciais da liberdade condicional, nada temos a acrescentar às bem fundamentadas e pertinentes considerações exaradas pelo nosso Ilustre Colega na douta resposta que apresentou ao recurso e às quais aderimos.
  Parece-nos de salientar que, face à concreta gravidade e natureza dos crimes por praticados pelo Recorrente, a concessão da liberdade condicional, nesta altura, colocaria em causa as exigências de prevenção geral que estiveram presentes na condenação, podendo afirmar-se, com toda a certeza, que ficariam fortemente afectadas as expectativas da comunidade na validade e na eficácia das normas penais violadas.
  A defesa da ordem jurídica e da paz social é incompatível com a libertação antecipada do Recorrente, pelo que se não mostra verificado o pressuposto substancial previsto na alínea b) do n.º 2 do artigo 56.º do Código Penal.
  Deste modo, estamos em crer que a decisão recorrida deve ser mantida.
  3.
  Face ao exposto, salvo melhor opinião, é nosso parecer:
  Deve ser negado provimento ao recurso jurisdicional interposto, mantendo-se, em consequência, a douta decisão recorrida.».
  Foram colhidos os Vistos.
  
  Cumpre assim apreciar e decidir.
  
II. FUNDAMENTAÇÃO

a) Dos factos

Da decisão sob recurso consta a seguinte factualidade:
Em 17 de Outubro de 2016, o recluso foi condenado pelo 4º Juízo Criminal do TJB, no Processo Comum Colectivo n.º CR4-15-0396-PCC (ora Processo n.º CR5-15-0294-PCC), pela prática, em co-autoria material e na forma consumada, de:
➢ 42 crimes corrupção passiva para acto ilícito p.p. pelo art.º 337.º n.º 1 do Código Penal de Macau (em concurso aparente com 42 crimes de abuso de poder p.p. pelo art.º 347.º do mesmo Código), na pena de 3 anos por cada;
➢ 10 crimes de violação de segredo p.p. pelo art.º 348.º n.º 1 do Código Penal de Macau, na pena de 7 meses de prisão por cada; e
➢ 12 crimes de participação económica em negócio p.p. pelo art.º 342.º n.º 1 do Código Penal de Macau, na pena de 1 ano de prisão por cada.
Em cúmulo jurídico dos 64 crimes supracitados, o recluso foi condenado na pena de 7 anos e 9 meses de prisão efectiva e no pagamento solidário com outros condenados no mesmo processo à RAEM, no montante de MOP$15.560.500, para substituir os bens confiscados resultante do produto do crime, e o dinheiro ora apreendido do recluso, no montante de MOP$230.000, serve-se da parte do dinheiro condenado supracitado (vide fls. 4 a 103V dos autos da execução da pena de prisão).
Inconformado, o recluso interpôs recurso. E em 16 de Março de 2017, o TSI condenou parcialmente procedente o recurso, anulando a decisão do Tribunal a quo relativa ao confisco do dinheiro ora apreendido, no montante de MOP$230.000, e mantendo a decisão remanescente do Tribunal a quo. Ainda inconformado, o recluso apresentou a arguição da nulidade, e em 6 de Abril de 2017 o TSI rejeitou o respectiva arguição (vide fls. 104 a 236V dos autos da execução da pena de prisão).
O prazo da pena terminará em 21 de Janeiro de 2023 e o recluso já cumpriu dois terços da pena necessária ao requerimento da liberdade condicional em 21 de Junho de 2020 (vide fls. 237 a 239 dos autos da execução da pena de prisão).
O recluso já pagou as custas judiciais condenadas; e quanto ao pagamento solidário à RAEM, no montante de MOP$15.560.500, o recluso já depositou uma quantia de MOP$180.000 nos autos de condenação (vide fls. 253 a 254, 255 a 256 e 259 a 262 dos autos da execução da pena de prisão, bem como fls. 185 a 186 dos presentes autos) e pagou as custas judiciais condenadas pelo TSI na decisão ora recorrida no presente processo da liberdade condicional (vide fls. 141 dos autos).
Não há outro processo pendente do recluso.
*
O recluso tinha actualmente 49 anos de idade, residente de Macau, casado, tinha um filho e uma filha.
O recluso tinha como habilitações literárias o ensino universitário.
Anteriormente o recluso trabalhava no casino e depois exercia funções na DSAT antes da entrada na prisão.
*
É a primeira vez que entrou na prisão.
De acordo com o registo prisional, o recluso pertence à categoria de confiança, a sua avaliação global no período do cumprimento da pena na prisão é “bom”, sem nenhum registo de infracção disciplinar.
*
No período do cumprimento da pena, o recluso não requereu o curso de ensino recorrente na prisão por ter concluído o curso do ensino universitário e participou na formação profissional de “pau-tau” e de limpeza de corredor de emergência desde Maio de 2019 até Abril de 2020 e desde Março até Abril de 2021. Além disso, o recluso inscreveu-se nos cursos on-line e remotos da Universidade Chinesa de Hong Kong para formação contínua, incluindo os cursos de aconselhamento e psicoterapia, nutrição e medicina chinesa, dieta e saúde e também participou nos cursos de design de penteados, treinamento de corte de cabelo e de balconista e obteve o respectivo certificado de frequência. E participou ainda nos jogos de futebol, laughter yoga, nos cursos de língua portuguesa e de voluntários e nas actividades religiosas.
Depois da entrada na prisão do recluso, os seus familiares visitaram-no regularmente todas as semanas, os filhos do recluso estudaram no Canadá desde 2018, eles e a mulher do recluso começaram a viver no Canadá desde então e entraram em contacto com o recluso por cartas.
Uma vez libertado, o recluso vai viver com os seus pais, e depois vai visitar a sua mulher e os filhos no Canadá; quanto ao emprego, o recluso vai cuidar dos negócios na loja de marisco seco dos seus pais.

b) Do Direito
  
  O artº 56º do CP regula os pressupostos e duração da liberdade condicional nos seguintes termos:
Artigo 56.º
(Pressupostos e duração)
  1. O tribunal coloca o condenado a pena de prisão em liberdade condicional quando se encontrarem cumpridos dois terços da pena e no mínimo 6 meses, se:
  a) For fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes; e
  b) A libertação se revelar compatível com a defesa da ordem jurídica e da paz social.
  2. A liberdade condicional tem duração igual ao tempo de prisão que falte cumprir, mas nunca superior a 5 anos.
  3. A aplicação da liberdade condicional depende do consentimento do condenado.
  Depende, assim, a concessão da liberdade condicional da verificação de pressupostos formais – a saber: cumprimento de 2/3 da pena no mínimo de 6 meses e consentimento do arguido – e materiais – a saber, os indicados nas alíneas a) e b) do nº 1 do citado preceito -.
  A indicada alínea a) está relacionada com o objectivo maior da execução da pena de prisão e que consiste na “ressocialização do agente”, havendo de ser aferida em função da aquisição pelo recluso de «condições favoráveis ao prosseguimento de uma vida sem praticar crimes, ao seu ingresso na vida fiel ou conformada com o dever-ser jurídico penal, visando a prevenção da reincidência através da colaboração voluntária e activa daquele» - Cit. Figueiredo Dias em Os Novos Ramos da Política Criminal e do Direito Penal Português do Futuro, pág. 29 e 30, citado por Manuel Leal Henriques em Manual de Formação de Direito Penal de Macau, pág. 228, Ed. 2005.
  A alínea b) do indicado preceito visa a defesa da sociedade no âmbito da prevenção geral positiva e negativa, isto é, seja por via do restabelecimento na comunidade da confiança da salvaguarda dos bens jurídicos, seja por via da prevenção/intimidação quanto à prática de futuros crimes.
  Como se diz no Acórdão deste Tribunal de 21.11.2019, proferido no processo nº 1068/2019, «Com efeito, importa ter em conta que a liberdade condicional não é uma “medida de clemência”, constituindo uma medida que faz parte do normal desenvolver da execução da pena de prisão, manifestando-se como uma forma de individualização da pena no fito de ressocialização, pois que serve um objectivo bem definido: o de criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, durante o qual o delinquente possa, equilibradamente, recobrar o sentido de orientação social fatalmente enfraquecido por efeito da reclusão; (cfr., v.g., J. L. Morais Rocha e A. C. Sá Gomes in “Entre a Reclusão e a Liberdade – Estudos Penitenciários”, Vol. I, em concreto, “Algumas notas sobre o direito penitenciário”, IV cap., pág. 41 e segs.).
  Trata-se de um incidente de execução da pena de prisão a que preside uma finalidade específica de prevenção especial positiva ou de socialização, e que assenta na formulação de um juízo de prognose favorável sobre o comportamento futuro e em liberdade, do condenado que já cumpriu parte considerável da pena; (cfr., Figueiredo Dias in, “Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime”, 1993, Aequitas, Editorial Notícias, pág. 528).
  Na esteira do repetidamente decidido nesta Instância, a liberdade condicional “é de conceder caso a caso, dependendo da análise da personalidade do recluso e de um juízo de prognose fortemente indiciador de que o mesmo vai reinserir-se na sociedade e ter uma vida em sintonia com as regras de convivência normal, devendo também constituir óbviamente matéria de ponderação, a defesa da ordem jurídica e da paz social”; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 25.07.2019, Proc. n.° 759/2019, de 05.09.2019, Proc. n.° 891/2019 e de 17.10.2019, Proc. n.° 992/2019, podendo-se também sobre o tema ver o Ac. da Rel. de Coimbra de 24.01.2018, Proc. n.° 540/16).
  (…)
  Com efeito, na formulação do juízo de prognose sobre o comportamento futuro do condenado, o tribunal deve ponderar os traços da sua personalidade e a evolução desta durante a execução da pena, as competências por si adquiridas no período de reclusão, o comportamento prisional, o seu relacionamento com o crime cometido, as necessidades subsistentes de reinserção social, e, em especial, as perspectivas de enquadramento familiar, social e profissional e a necessidades de protecção da vítima, quando disso seja caso. A liberdade condicional deverá ser concedida quando o julgador conclua que o condenado reúne condições que, razoavelmente, fundam a expectativa de que, uma vez colocado em liberdade, assumirá uma conduta conforme às regras da comunidade. Inversamente, a liberdade condicional deverá ser negada quando o julgador conclua que o condenado não reúne tais condições, seja porque o juízo contrário se revela carecido de razoabilidade, seja porque se revela temerário; (cfr., v.g., o recente Ac. da Rel. de Coimbra de 12.06.2019, Proc. n.° 3371/10).
  Como também já tivemos oportunidade de considerar, a liberdade condicional não é de conceder quando o percurso até ao momento experienciado pelo condenado não oferece ainda suficiente segurança para sustentar um “juízo positivo” acerca do seu comportamento futuro quando em meio livre; (neste sentido, cfr., v.g., o recente Ac. da Rel. de Évora de 19.02.2019, Proc. n.° 13/16).».
  No que concerne aos requisitos formais para a concessão da liberdade condicional dúvidas não há, no caso em apreço, de estarem os mesmos verificados.
  No parecer elaborado pelo Director dos Serviços Correccionais e na Informação prestada pela Divisão de Segurança e Vigilância do Estabelecimento Prisional foi formulada opinião no sentido de ser concedida a liberdade condicional requerida.
  Contudo a decisão recorrida não acompanhou aqueles pareceres.
  Pese embora no caso em apreço não resultem dos autos exigências de prevenção especial que justifiquem que a liberdade condicional seja negada, como aliás se reconhece nas alegações de recurso, foi preponderante na decisão recorrida a natureza – corrupção passiva para acto ilícito, violação de segredo e participação económica em negócio - e o número (64) de crimes cometidos pelo recluso.
  É certo, tal como se refere nas conclusões da motivação do recurso que as razões de prevenção geral já foram ponderadas na determinação da pena, no entanto, tal como a lei impõe na al. b) do nº 1 do artº 56º do CP ela não se esgota na determinação da pena, havendo de ser, também, apreciada em sede de concessão de liberdade condicional de forma a garantir à comunidade a salvaguarda dos bens-jurídicos violados e da paz social.
  No que a esta matéria concerne, concordamos e acompanhamos a decisão recorrida no sentido de que, em face dos crimes praticados, a censura ético-jurídica exigida pela sociedade demanda pelas já explicadas razões de prevenção geral positiva e negativa, tendo em consideração o desvalor da sua conduta e os bens jurídicos em causa, que a liberdade condicional não é compatível com a ordem jurídica e paz social, pelo que, não estando preenchido o requisito da al. b) do nº 1 do artº 56º do CP aquela não deve ser concedida.
  Destarte, acompanhando a decisão recorrida aquela que tem vindo a ser a jurisprudência deste tribunal em situações idênticas, não havendo reparo a apontar-lhe e aderindo aos fundamentos dela constantes, entendendo-se que não está verificado o requisito da alínea b) do nº 1 do artº 56º do CP, impõe-se decidir em conformidade.
  
III. DECISÃO
  Nestes termos e pelos fundamentos expostos, nega-se provimento ao recurso.
  
  Custas pelo Recorrente fixando-se a taxa de justiça em 3 UC´s.
  
  Notifique.
  
  RAEM, 11 de Agosto de 2021
  Rui Pereira Ribeiro
  Lok Si Mei
  Rong Qi



652/2021
PENAL (LC) 1