Processo nº 645/2021
(Autos de Recurso Penal)
Data: 11 de Agosto de 2021
Recorrente:
*
ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:
I. RELATÓRIO
Lau Cheong Ming, com os demais sinais dos autos, ora preso no Estabelecimento Prisional de Coloane (E.P.C.),
Inconformado com a decisão que lhe negou a concessão de liberdade condicional, vem interpor recurso da mesma sustentando na motivação apresentada que estavam preenchidos todos os requisitos para a concessão da liberdade condicional tendo a decisão recorrida incorrido em erro na apreciação dos pressupostos materiais para a concessão daquela nos termos do artº 56º do Código Penal, tudo conforme consta de fls. 124 a 140, tendo apresentado as seguintes conclusões:
1. Pelo despacho proferido em 1 de Junho de 2021 pelo Mm.º Juiz de Instrução Criminal, foi indeferido o pedido de liberdade condicional apresentado pelo recorrente. Salvo o muito e devido respeito, o presente recurso vem interposto do despacho acima referido, pelo fundamento da violação do artigo 56.º do Código Penal.
2. Nos termos do artigo acima indicado e de acordo com os acórdãos proferidos pelo Tribunal Colectivo do TSI, pode-se saber que a concessão da liberdade condicional está dependente de se se encontrar simultaneamente preenchidos os requisitos formais e substanciais (por exemplo, os acórdãos proferidos pelo Tribunal Colectivo do TSI nos autos n.ºs 1019/2010, 319/2010 e 665/2014).
3. Quanto aos requisitos formais, em 27 de Abril de 2018, o recorrente foi condenado pelo Tribunal Colectivo do 1.º Juízo Criminal do TJB nos autos n.º CR1-17-0324-PCC, pela prática de um “crime de tráfico ilícito de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas”, de um “crime de consumo ilícito de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas”, e de um “crime de detenção indevida de utensílio ou equipamento”, na pena conjunta de 5 anos e 2 meses de prisão efectiva.
4. Após a contagem do tempo, o prazo da pena em causa cumprirá em 20 de Fevereiro de 2022 e, já cumpriu em 30 de Maio de 2020 dois terços da pena. Sem dúvida que, até ao presente, o recorrente já cumpriu mais dois terços da pena, o que se encontram absolutamente preenchidos os requisitos formais da concessão da liberdade condicional previstos no art.º 56.º do Código Penal.
5. Quanto aos requisitos substanciais, o que significa que, após uma análise geral de todas as circunstâncias do condenado e tendo em consideração as necessidades de prevenção geral e especial de crime, o tribunal pode formular um juízo de prognose favorável ao condenado relativo à sua reinserção na sociedade e aos eventuais impactos resultantes da sua liberdade condicional na ordem jurídica e na paz social. Os juristas de vários países e a jurisprudência de Macau entendem que, hoje em dia, têm duas finalidades da pena: uma é a prevenção geral, e outra é a prevenção especial (vide os acórdãos proferidos pelo TSI nos autos n.ºs 1019/2010, 319/2010 e 665/2014).
6. Quanto à prevenção especial, através da alteração da personalidade do recorrente antes ou depois de ser recluso, pode-se saber que essa pena já produziu efeitos, fazendo com que ele não volte a cometer crimes após o cumprimento da pena.
7. O recorrente encontra-se preso pela primeira vez, e após a ocorrência do presente caso, não tem sido investigado, pronunciado ou condenado pela prática de crime. No decurso da audiência de julgamento do processo em que foi condenado, o recorrente confessou os actos por si praticados e tinha vontade de assumir todas as responsabilidades pela sua actuação e de ser punido pela lei, pelo que foi, muito justamente, condenado pelo Juízo.
8. Durante o cumprimento da pena de prisão, o recorrente pertence ao grupo de “confiança” e o seu comportamento é classificado em “geral”. Na prisão, o recorrente candidatou-se ao curso recorrente, incluindo os cursos de ciências naturais, de matemática, de mandarim e de informática; no tempo livre, participou nas palestras e actividades promovidas pela prisão, incluindo a palestra de vida financeira, a palestra de abuso material, a palestra de liberdade condicional, o workshop de enfrentamento antes da liberdade condicional, a palestra de vida saudável, a palestra de tuberculose, o ioga de riso, a palestra de cultura, a palestra de prevenção e controlo do tabagismo, a actividade de “pessoas bem intencionadas”, a actividade de livros de vida, etc..; e, também se inscreveu no trabalho de biblioteca e na formação profissional de pastelaria, o que se mostra que existe uma vontade em se reintegrar na sociedade.
9. Para além disso, durante o cumprimento da pena de prisão, o recorrente também prestou assistência à prisão para limpar os pisos, manifestando estar totalmente preparado para se servir sinceramente na sociedade.
10. Importa salientar que, o recorrente prestou suas declarações através da carta, na qual refere que, depois de ser rejeitado o primeiro pedido de liberdade condicional, participou em outras actividades promovidas pela prisão, o que alterou a sua filosofia dos valores. No futuro, pretende exercer funções de motorista de viatura de mercadoria do supermercado em Hong Kong e cuidar bem da sua mãe. Actualmente, o recorrente tem a convicção positiva, esperando poder regressar para casa o mais rápido possível, ter uma nova vida e cumprir a devida responsabilidade do filho.
11. Com o apoio prestado pela família e amigos do recorrente, o mesmo prometeu exercer funções de motorista em Hong Kong após a sua libertação, motivo pelo qual o recorrente não voltará a cometer crimes no futuro, bem como os instrumentos e produtos utilizados para os crimes foram apreendidos e destruídos no processo n.º CR1-17-0324-PCC, pelo que não há quaisquer instrumentos e produtos para prosseguir o acto criminoso.
12. Além disso, já passaram muitos anos sobre a data dos factos, o recorrente não tem mais meios para contactar com quem o instruiu para traficar estupefacientes.
13. No entanto, quanto ao presente pedido, o Director do E.P.M. não concorda que o recorrente preencheu todos os requisitos para a concessão da liberdade condicional e, por isso, não lhe concedeu a liberdade condicional. (vide fls. 49 dos autos)
14. Mais, o Mm.º Juiz de Instrução Criminal entende que, o condenado gritava no campo desportivo quando permanecia a céu aberto, pediu um recluso de outra cela para transportar o cup noodles e organizou todo o processo de transporte do cup noodles, pelo que foi condenado na pena disciplinar pela prática da infracção disciplinar prisional em Abril de 2021.
15. O recorrente tem de esclarecer que, por ter sido transferido para o terceiro andar e no tempo em que permanecia a céu aberto, quando o recorrente conversava com o recluso que tinha residido conjuntamente no segundo andar, esse recluso perguntou se ele se adaptava, bem como o recluso sabia que o recorrente era residente de Hong Kong, não tinha amigos em Macau, naturalmente não tinha dinheiro de bolso, pelo que preocupava com a insuficiência de alimentos do recorrente, razão pela qual perguntou se o recorrente precisava de cup noodles, mas, o recorrente respondeu naquela altura que não precisava. Posteriormente, o recorrente recebeu o cup noodles que lhe foi dado pela formação profissional (sic.), não por causa das suas instruções, mas apenas porque o recluso queria cuidar dele.
16. Há que salientar que só dum grito do recorrente não podia resultar todo o processo tortuoso, e mais, o recorrente só era o destinatário. Quando a formação profissional (sic.) lhe deu o cup noodles, não o advertiu de que conduta essa violava as regras disciplinares, bem como os reclusos na mesma cela também receberam, pelo que não sabia que era uma infracção disciplinar.
17. Imagina-se quem pretende desperdiçar a sua impressão boa por apenas três cup noodles, sendo obviamente que o recorrente considerava o que era legal, razão pela qual recebeu os respectivos objectos. Actualmente, é claro que o recorrente se arrepende profundamente e tem vontade de admitir a sanção.
18. Deste modo, não podemos concluir que o recorrente não tem alterado, de acordo com os pontos 18 a 23 acima referidos, percebe-se que a sua personalidade mudou muito. O recorrente tomou a iniciativa de participar em diversas actividades e palestras, o que demonstra a sua vontade em viver com uma atitude positiva.
19. Portanto, pode-se dizer que, após a libertação e para a sua família, o recorrente terá de conduzir a sua vida de modo socialmente responsável e sem cometer crimes.
20. Quanto à prevenção geral, é verdade que os crimes praticados pelo recorrente são crimes comuns em Macau e a sua censurabilidade é elevada, mas, dos quais não resultou grande impacto nos bens jurídicos tutelados pela lei, na ordem jurídica e na paz social.
21. Além disso, deve considerar-se que o recorrente não é o autor principal que planeava o caso e, caso quiser voltar a cometer crimes, deve regressar a Hong Kong e entrar novamente em Macau. Na situação actual de epidemia, é basicamente impossível de implementar, pelo que não pode afectar a ordem jurídica e a paz social de Macau.
22. Mais, mesmo que seja concedida ao recorrente a liberdade condicional, não fará com que os outros gerem uma pretensão de cometer crime, pela razão de que o trabalho de combate fortemente ao tráfico de estupefacientes, lançado pelo governo de Macau nos últimos anos, tem efeitos notáveis.
23. Por fim, caso o ponto de partida para consideração seja a prevenção geral, o que tem de prevenir deve ser o suspeito que presidiu de trás o presente caso e obrigou o recluso a vir a Macau para cometer os crimes, ou seja, a pessoa que forneceu efectivamente os estupefacientes e instrumentos a outrem, e não o recorrente. O recorrente enquanto “courier” em Macau é apenas um instrumento de cometer crime para eles.
24. Portanto, salvo o devido respeito, caso o dito do Mm.º Juiz de Instrução Criminal não mereça censura, isto faz com que o condenado e o público entendam erradamente que o criminoso, depois condenado pela prática do crime na pena de prisão efectiva, e quando se melhorou e regressou ao caminho certo durante o cumprimento da pena, não pode ter uma oportunidade de ser condicionalmente libertado, bem como é difícil de se reintegrar na sociedade, o que leva um impacto negativo no regime de penalidade de Macau, fazendo com que o público tenha uma imagem negativa que o regime de penalidade e as funções do estabelecimento prisional visam apenas punir os agentes do crime, e não uma imagem positiva que visam educar e ajudar os para se reinserir na sociedade.
25. Quanto aos pareceres apresentados pelo público sobre o vigente regime de liberdade condicional, no Diário da Assembleia Legislativa da RAEM, IV Legislatura, 2.ª Sessão Legislativa (2010-2011), Série II, n.º IV-17, refere-se que, “isso é demonstrado através dos vários casos que têm tido lugar após o estabelecimento da RAEM, em que os reclusos acabam sempre por ver os seus pedidos de liberdade condicional indeferidos pelo juiz, apesar de terem cumprido dois terços da pena e obtido os pareceres favoráveis relativamente à sua conduta por parte do assistente social, do director do Estabelecimento Prisional e do magistrado do Ministério Público, o que é decepcionante e reduz os efeitos dinamizadores e positivos desse regime”.
26. Mais, em várias jurisprudências e doutrinas entende-se que a função mais importante da pena não é retaliar ou manifestar a intimidação da lei. O mais importante é educar a pessoa para não voltar a cometer crimes e se reinserir na sociedade, pelo que o presente caso preenche e atinge o devido efeito da prevenção geral exigida pelos requisitos da concessão de liberdade condicional.
27. Quanto ao equilíbrio entre a prevenção especial e a prevenção geral, refere-se no acórdão proferido pelo Tribunal Colectivo do TSI no Processo de Recurso n.º 319/2010: “O tribunal não pode exigir excessivamente o efeito da prevenção geral e negligencia o efeito da prevenção especial, fazendo com que as pessoas produzam uma imagem errada de “não poder ser concedida a liberdade condicional quanto ao crime grave”. Além disso, isto também não preenche as finalidades das penas prosseguidas pelo direito penal.
28. Além disso, no sentido de que a liberdade condicional pode prejudicar as expectativas comunitárias na validade da norma violada, e não consegue fazer os membros comunitários aceitar o impacto na ordem jurídica e a influência negativa na paz social, ambos resultantes do crime cometido pelo condenado, há que ter em conta a mudança da personalidade do condenado durante a reclusão e a sua capacidade de se reinserir na sociedade. Caso contrário, mesmo que cumprisse toda a pena, o condenado não se sentiu arrependido e voltou a cometer crimes, o que também prejudica as expectativas comunitárias na validade da norma violada, produz um grande impacto na ordem jurídica e provoca uma influência negativa na paz social. Assim, só que se encontre uma mudança da personalidade e da qualidade psicológica do condenado após a sua condenação, a concessão da liberdade condicional não vai gerar problemas, em contrário, pode fazer o mesmo contactar e readaptar-se antecipadamente à sociedade.
29. Durante o período dos 4 anos e 5 meses de ser preso no estabelecimento prisional, o recorrente já se corrigiu e esteve activamente inscrito em formações, actividades e palestras e prestou assistência nos serviços gerais do estabelecimento prisional, bem como está preparado para trabalhar e retribuir à sociedade e à família. Isto é exactamente o andamento da personalidade do recorrente antes ou depois de ser recluso e a evolução do seu retorno ao caminho certo. Até ao presente, face à não concessão da liberdade condicional ao recorrente, foi aplicada a lei de forma extremamente dura e entendeu-se mal a intenção original do legislador relativa ao regime de liberdade condicional.
30. Devem ser aproveitadas as vantagens do regime de liberdade condicional – durante o período da liberdade condicional como período transitório, nos termos do disposto nos art.º 50.º, art.º 51.º, n.ºs 1 e 2 e art.º 53.º, alíneas a), b) e c) do Código Penal, aplicável por remissão do art.º 58.º do mesmo, impõe os relevantes deveres e regras de conduta ao condenado, podendo, por um lado, ajudar o condenado a reintegrar-se na sociedade e adaptar-se à nova vida após ter sido libertado; e, por outro lado, podendo aproveitar esses deveres para limitar e advertir o condenado de que não pode voltar a violar a lei após a saída da prisão, e fazer uma boa monitorização, a fim de criar as condições favoráveis ao condenado para se reintegrar verdadeiramente na sociedade.
31. Caso o recorrente esteja em Hong Kong, não é fácil de ser monitorado, mas, através da “The Society of Rehabilitation and Crime Prevention Hong Kong” (香港善導會), a sua situação também pode ser atendida e relatada.
32. Através da carta do recorrente e do relatório da liberdade condicional do EPM, verifica-se que, após a condenação, a personalidade e a qualidade psicológica do recorrente mudaram efectivamente para melhor, e tem a capacidade de se reintegrar na sociedade.
33. O recorrente foi condenado na pena de 5 anos e 2 meses de prisão, o que não é um período curto, e já cumpriu mais de 4 anos e 5 meses de prisão até ao presente. Crê-se que o recorrente já aprendeu bastantes lições e corrigiu-se. Portanto, caso seja concedida ao recorrente a oportunidade de liberdade condicional, poderá ajudá-lo a se adaptar melhor e mais rapidamente à sociedade.
34. Mais, em vários acórdãos que foi deferida a liberdade condicional, o Tribunal Colectivo do TSI já proferiu (por exemplo: o acórdão proferido pelo TSI no processo n.º 665/2104): “A liberdade condicional não é o término da pena. O seu efeito mais eficaz é criar um período de transição antes da libertação definitiva do delinquente, para que o delinquente possa adaptar-se melhor à sociedade e reintegrar completamente na sociedade onde ele viverá. Este efeito é mais favorável do que o cumprimento integral da pena que lhe foi aplicada.”
35. O regime de liberdade condicional em si consiste num regime de incentivo, estabelecido pelo legislador exclusivamente para o recluso, tendo por finalidade primordial a reintegração do recluso na sociedade e por finalidade secundária a protecção da sociedade. Portanto, o tribunal, ao conceder a liberdade condicional, deve tomar as medidas mais tolerantes partindo do ponto de vista da reintegração do recluso na sociedade.
36. Pelo exposto, o recorrente preenche totalmente os pressupostos formais e substanciais previstos no art.º 56.º do Código Penal, deve conceder-lhe a liberdade condicional. Pela razão de que o comportamento do recorrente não nos convence de que ele, uma vez em liberdade, não volte a cometer crimes, e que será afectada a manutenção da ordem jurídica e paz social caso lhe seja concedida a liberdade condiciona, o Mm.º Juiz de Instrução Criminal indeferiu o pedido da liberdade condicional do recorrente, pelo que o recorrente entende que o Mm.º Juiz de Instrução Criminal não adquiriu um equilíbrio entre as duas vertentes da prevenção e violou o art.º 56.º do Código Penal. Ora, requer-se ao Tribunal Colectivo do TSI que se digne julgar o presente recurso procedente, revogar a decisão proferida em 1 de Junho de 2021 pelo Mm.º Juiz de Instrução Criminal que negou a liberdade condicional do recorrente, e conceder-lhe a liberdade condicional.
Respondendo veio o Ilustre Magistrado do Ministério Público pugnar pelo acerto e manutenção da decisão recorrida.
Pelo Ilustre Magistrado do Ministério Público junto deste tribunal foi emitido o seguinte Douto Parecer:
«1.
Lau Cheong Ming, melhor identificado nos autos, inconformado com a douta decisão do Meritíssimo Juiz do 2.º Juízo de Instrução Criminal do Tribunal Judicial de Base que lhe indeferiu o pedido de concessão de liberdade condicional, interpôs o presente recurso, pugnando, em síntese, pela revogação da douta decisão recorrida e pela sua substituição por outra que lhe conceda aquela liberdade.
2.
2.1.
Decorre do artigo 56.º do Código Penal (CP) que a concessão de liberdade condicional depende da verificação de pressupostos de natureza formal e de natureza substancial.
São pressupostos de natureza formal:
(i) O cumprimento de dois terços da pena e no mínimo 6 meses (artigo 56.º, n.º 1 do Código Penal);
(ii) O consentimento do condenado (artigo 56.º, n.º 3 do Código Penal).
São pressupostos de natureza substancial:
(i) Que, de forma fundada, seja de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes [artigo 56.º, n.º 1, alínea a) do Código Penal];
(ii) Que a libertação se revele compatível com a defesa da ordem jurídica e da paz social [artigo 56.º, n.º 1, alínea b), segunda parte, do Código Penal].
Em relação aos pressupostos de natureza substancial, pode dizer-se que aquele que vem referido na alínea a) do n.º 2 do artigo 56.º do Código Penal tem em vista a satisfação de finalidades de prevenção especial, ao passo que aquele a que alude a alínea b) do mesmo n.º 2 do artigo 56.º do mesmo diploma legal, visa a prossecução de finalidades de prevenção geral.
2.2.
No caso concreto, é incontroversa a verificação dos pressupostos de natureza formal de concessão da liberdade condicional.
Na verdade, por um lado, o Recorrente deu o seu consentimento à dita liberdade e, por outro lado, já se mostram cumpridos dois terços da pena de prisão que lhe foi aplicada.
Já no que concerne aos pressupostos substanciais da liberdade condicional, nada temos a acrescentar às bem fundamentadas e pertinentes considerações exaradas pelo nosso Ilustre Colega na douta resposta que apresentou ao recurso e às quais aderimos.
Por um lado, o comportamento do Recorrente no Estabelecimento Prisional não permite um juízo de prognose favorável quanto à sua reintegração social, pelo que não se mostra preenchido o pressuposto da alínea a) do n.º 1 do artigo 56.º do Código Penal.
Por outro lado, parece-nos de salientar que, face à concreta gravidade dos crimes por si praticados, a concessão da liberdade condicional, nesta altura, colocaria em causa as exigências de prevenção geral que estiveram presentes na condenação, podendo dizer-se que ficariam fortemente afectadas as expectativas da comunidade na validade e na eficácia das normas penais violadas.
Com efeito, o condenado encontra-se a cumprir pena em razão de ter cometido um crime de tráfico de produtos estupefacientes que, como se sabe, é daqueles que são mais severamente reprimidos pelo nosso ordenamento jurídico-penal, expressão do desvalor que a consciência social dominante associa à prática de tal tipo de ilícito.
A defesa da ordem jurídica e da paz social é incompatível com a libertação antecipada do Recorrente, pelo que se não mostra verificado o pressuposto substancial previsto na alínea b) do n.º 2 do artigo 56.º do Código Penal.
Deste modo, estamos em crer que a decisão recorrida deve ser mantida.
3.
Face ao exposto, salvo melhor opinião, é nosso parecer:
Deve ser negado provimento ao recurso jurisdicional interposto, mantendo-se, em consequência, a douta decisão recorrida.».
Foram colhidos os Vistos.
Cumpre assim apreciar e decidir.
II. FUNDAMENTAÇÃO
a) Dos factos
Da decisão sob recurso consta a seguinte factualidade:
Em 27 de Abril de 2018, o condenado, Lau Cheong Ming, foi condenado pelo Tribunal Colectivo do 1.º Juízo Criminal nos autos n.º CR1-17-0324-PCC, pela prática de um “crime de tráfico ilícito de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas”, p. e p. pelo art.º 8.º, n.º 1 da Lei n.º 17/2009, na pena de 5 anos de prisão efectiva; e, pela prática de um “crime de consumo ilícito de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas”, p. e p. pelo art.º 14.º da mesma Lei, e pela prática de um “crime de detenção indevida de utensílio ou equipamento”, p. e p. pelo art.º 15.º da mesma Lei, na pena de 2 meses de prisão por cada crime. Em cúmulo jurídico destas três penas parcelares, foi condenado na pena conjunta de 5 anos e 2 meses de prisão (vide fls. 4 a 11v. dos autos de execução da pena de prisão). O acórdão transitou em julgado em 17 de Maio de 2018 (vide fls. 3 dos autos de execução da pena de prisão).
*
O condenado, Lau Cheong Ming, foi detido em 20 de Dezembro de 2016 e foi conduzido para o E.P.M. em 22 de Dezembro do mesmo ano para a prisão preventiva. O prazo da pena de prisão cumprirá em 20 de Fevereiro de 2022 e, já cumpriu em 30 de Maio de 2020 o tempo necessário para a concessão da liberdade condicional (vide fls. 12v. dos autos de execução da pena de prisão).
O condenado já pagou as custas e os outros encargos a que foi condenado nos autos (vide fls. 20 a 21 dos autos de execução da pena de prisão).
Não há qualquer outro processo pendente (vide fls. 67 a 70 dos autos).
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O condenado é delinquente primário, encontra-se preso pela primeira vez e, tinha aproximadamente 33 anos de idade no momento em que cometeu os crimes.
O condenado tem actualmente 39 anos de idade, é residente de Hong Kong, o seu pai faleceu de doença e tem mãe viva, sendo o único filho e tendo um bom relacionamento com a família.
O condenado possui como habilitações académicas o ensino secundário-geral, trabalhou como aprendiz na cozinha de restaurante, de seguida, dedicou-se ao trabalho de transporte e, mais tarde, exerceu funções de bate-fichas em Macau. Ele começou a consumir ketamina desde 2010.
A mãe do condenado está internada num lar de idosos e, remete-lhe regularmente pacotes para fornecer o apoio material e mental.
Após ter sido conduzido ao E.P.M. no dia 22 de Dezembro de 2016, o condenado já cumpriu, até à presente data, cerca de 4 anos e 5 meses de prisão e, tem ainda para cumprir o remanescente de 9 meses de prisão.
Segundo o seu registo prisional, o condenado pertence ao grupo de “confiança”, o seu comportamento é classificado em “geral” e, foi punido pela infracção disciplinar em Abril de 2021.
O condenado candidatou-se ao curso recorrente, incluindo os cursos de ciências naturais, de matemática, de mandarim e de informática; e candidatou-se, em Outubro de 2019, ao trabalho de distribuição “Pau-Tau”, e em 2021, ao trabalho de biblioteca e à formação profissional de pastelaria, ora encontrando-se na fase de espera. No tempo livre, participou nas palestras e actividades promovidas pela prisão, como a palestra de vida financeira, a palestra de abuso material, a palestra de liberdade condicional, o workshop de enfrentamento antes da liberdade condicional, a palestra de vida saudável, a palestra de tuberculose, o ioga de riso, a palestra de cultura, a palestra de prevenção e controlo do tabagismo, a actividade de “pessoas bem intencionadas”, a actividade de livros de vida, etc..
O condenado, uma vez em liberdade, regressará a Hong Kong, para reunir com a família e procurar um emprego o mais rápido possível.
Nos termos do disposto no art.º 468.º, n.º 2 º do Código de Processo Penal, este Juízo ouviu o parecer apresentado pelo condenado sobre o presente pedido da concessão de liberdade condicional. O condenado prestou suas declarações através de uma carta (vide fls. 72 a 73 dos autos), na qual refere que, depois de ser rejeitado o último pedido de liberdade condicional, participou no curso de educação visual promovido pela prisão, foi reconhecido pelo instrutor e outrem, o que alterou a sua filosofia dos valores. No futuro, pretende exercer funções de motorista de viatura de mercadoria do supermercado em Hong Kong, ter uma nova vida e cuidar bem da sua mãe.
Além disso, este Juízo também ouviu as declarações prestadas pessoalmente pelo condenado (vide fls. 83 e v. dos autos), nas quais refere que nunca recebeu qualquer benefício para limpar os pisos, tem vindo a se inscrever em cursos e formações profissionais promovidos pela prisão, uma vez em liberdade condicional, levará a sua mãe para viver juntamente e, já arranjou um emprego como motorista de viatura de mercadorias que lhe foi apresentado por “The Society of XX Hong Kong” (香港XX會). Ele consumiu estupefacientes em 2005 e posteriormente deixou de toxicodependência. Por causa de uma dívida de jogo, praticou os crimes em causa e voltou a consumir estupefacientes. No futuro, vai pensar bem antes de agir.
b) Do Direito
O artº 56º do CP regula os pressupostos e duração da liberdade condicional nos seguintes termos:
Artigo 56.º
(Pressupostos e duração)
1. O tribunal coloca o condenado a pena de prisão em liberdade condicional quando se encontrarem cumpridos dois terços da pena e no mínimo 6 meses, se:
a) For fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes; e
b) A libertação se revelar compatível com a defesa da ordem jurídica e da paz social.
2. A liberdade condicional tem duração igual ao tempo de prisão que falte cumprir, mas nunca superior a 5 anos.
3. A aplicação da liberdade condicional depende do consentimento do condenado.
Depende, assim, a concessão da liberdade condicional da verificação de pressupostos formais – a saber: cumprimento de 2/3 da pena no mínimo de 6 meses e consentimento do arguido – e materiais – a saber, os indicados nas alíneas a) e b) do nº 1 do citado preceito -.
A indicada alínea a) está relacionada com o objectivo maior da execução da pena de prisão e que consiste na “ressocialização do agente”, havendo de ser aferida em função da aquisição pelo recluso de «condições favoráveis ao prosseguimento de uma vida sem praticar crimes, ao seu ingresso na vida fiel ou conformada com o dever-ser jurídico penal, visando a prevenção da reincidência através da colaboração voluntária e activa daquele» - Cit. Figueiredo Dias em Os Novos Ramos da Política Criminal e do Direito Penal Português do Futuro, pág. 29 e 30, citado por Manuel Leal Henriques em Manual de Formação de Direito Penal de Macau, pág. 228, Ed. 2005.
A alínea b) do indicado preceito visa a defesa da sociedade no âmbito da prevenção geral positiva e negativa, isto é, seja por via do restabelecimento na comunidade da confiança da salvaguarda dos bens jurídicos, seja por via da prevenção/intimidação quanto à prática de futuros crimes.
Como se diz no Acórdão deste Tribunal de 21.11.2019, proferido no processo nº 1068/2019, «Com efeito, importa ter em conta que a liberdade condicional não é uma “medida de clemência”, constituindo uma medida que faz parte do normal desenvolver da execução da pena de prisão, manifestando-se como uma forma de individualização da pena no fito de ressocialização, pois que serve um objectivo bem definido: o de criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, durante o qual o delinquente possa, equilibradamente, recobrar o sentido de orientação social fatalmente enfraquecido por efeito da reclusão; (cfr., v.g., J. L. Morais Rocha e A. C. Sá Gomes in “Entre a Reclusão e a Liberdade – Estudos Penitenciários”, Vol. I, em concreto, “Algumas notas sobre o direito penitenciário”, IV cap., pág. 41 e segs.).
Trata-se de um incidente de execução da pena de prisão a que preside uma finalidade específica de prevenção especial positiva ou de socialização, e que assenta na formulação de um juízo de prognose favorável sobre o comportamento futuro e em liberdade, do condenado que já cumpriu parte considerável da pena; (cfr., Figueiredo Dias in, “Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime”, 1993, Aequitas, Editorial Notícias, pág. 528).
Na esteira do repetidamente decidido nesta Instância, a liberdade condicional “é de conceder caso a caso, dependendo da análise da personalidade do recluso e de um juízo de prognose fortemente indiciador de que o mesmo vai reinserir-se na sociedade e ter uma vida em sintonia com as regras de convivência normal, devendo também constituir óbviamente matéria de ponderação, a defesa da ordem jurídica e da paz social”; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 25.07.2019, Proc. n.º 759/2019, de 05.09.2019, Proc. n.° 891/2019 e de 17.10.2019, Proc. n.° 992/2019, podendo-se também sobre o tema ver o Ac. da Rel. de Coimbra de 24.01.2018, Proc. n.° 540/16).
(…)
Com efeito, na formulação do juízo de prognose sobre o comportamento futuro do condenado, o tribunal deve ponderar os traços da sua personalidade e a evolução desta durante a execução da pena, as competências por si adquiridas no período de reclusão, o comportamento prisional, o seu relacionamento com o crime cometido, as necessidades subsistentes de reinserção social, e, em especial, as perspectivas de enquadramento familiar, social e profissional e a necessidades de protecção da vítima, quando disso seja caso. A liberdade condicional deverá ser concedida quando o julgador conclua que o condenado reúne condições que, razoavelmente, fundam a expectativa de que, uma vez colocado em liberdade, assumirá uma conduta conforme às regras da comunidade. Inversamente, a liberdade condicional deverá ser negada quando o julgador conclua que o condenado não reúne tais condições, seja porque o juízo contrário se revela carecido de razoabilidade, seja porque se revela temerário; (cfr., v.g., o recente Ac. da Rel. de Coimbra de 12.06.2019, Proc. n.º 3371/10).
Como também já tivemos oportunidade de considerar, a liberdade condicional não é de conceder quando o percurso até ao momento experienciado pelo condenado não oferece ainda suficiente segurança para sustentar um “juízo positivo” acerca do seu comportamento futuro quando em meio livre; (neste sentido, cfr., v.g., o recente Ac. da Rel. de Évora de 19.02.2019, Proc. n.° 13/16).».
No que concerne aos requisitos formais para a concessão da liberdade condicional dúvidas não há, no caso em apreço, de estarem os mesmos verificados.
No parecer elaborado pelo Director dos Serviços Correccionais e na Informação prestada pela Divisão de Segurança e Vigilância do Estabelecimento Prisional foi formulada opinião no sentido de não ser concedida a liberdade condicional requerida, ou de a mesma ser submetida a uma apreciação mais profunda e rigorosa.
No que concerne ao requisito da alínea a) do nº 1 do artº 56º do CP – prevenção especial - entende a decisão recorrida que no caso em apreço o mesmo ainda não se encontra satisfeito, pese embora o Recluso tenha participado em determinadas acções com vista a melhorar as suas competências, não deixou de cometer infracções disciplinares.
Por outro lado, em nosso entendimento, dada a inexistência de família próxima do Recluso para além da sua mãe que está a viver num asilo e com problemas de saúde, a ausência de qualquer indicação quanto a onde e eventualmente com quem – em termos concretos e não referências vagas e imprecisas a familiares - irá o recluso viver e uma ausência de colocação profissional objectiva que no caso se limita apenas à intenção do recluso de arranjar um emprego em determinada área, tudo conjugado com a história de vida do recluso a qual, quiçá por falta de referências e suporte permitiu e facilitou que aquele incorresse na criminalidade, não resultam dos autos elementos que nos permitam em termos concretos fazer uma prognose no sentido de que o Recluso irá uma vez em liberdade conduzir a sua vida de modo socialmente responsável e sem cometer crimes.
Relativamente ao requisito da al. b) do nº 1 do artº 56º do CP, atendendo à natureza dos crimes praticados – tráfico e consumo de estupefacientes e substâncias psicotrópicas -, entende-se na decisão recorrida que a censura ético-jurídica exigida pela sociedade e os perigos que dos mesmos decorrem, demandam que a liberdade condicional não seja concedida.
É certo, que as razões de prevenção geral já foram ponderadas na determinação da pena, no entanto, tal como a lei impõe na al. b) do nº 1 do artº 56º do CP ela não se esgota na determinação da pena, havendo de ser, também, apreciada em sede de concessão de liberdade condicional de forma a garantir à comunidade a salvaguarda dos bens-jurídicos violados e da paz social.
No que a esta matéria concerne, concordamos e acompanhamos a decisão recorrida no sentido de que, em face dos crimes praticados, a censura ético-jurídica exigida pela sociedade demanda pelas já explicadas razões de prevenção geral positiva e negativa, tendo em consideração o desvalor da sua conduta e os bens jurídicos em causa, que a liberdade condicional não é compatível com a ordem jurídica e paz social, pelo que, não estando preenchido o requisito da al. b) do nº 1 do artº 56º do CP aquela não deve ser concedida.
Destarte, acompanhando a decisão recorrida aquela que tem vindo a ser a jurisprudência deste tribunal em situações idênticas, não havendo reparo a apontar-lhe e aderindo aos fundamentos dela constantes, entendendo-se que não estão verificados os requisitos das alíneas a) e b) do nº 1 do artº 56º do CP, impõe-se decidir em conformidade.
III. DECISÃO
Nestes termos e pelos fundamentos expostos, nega-se provimento ao recurso.
Custas pelo Recorrente fixando-se a taxa de justiça em 3 UC´s.
Fixam-se os honorários à defensora nomeada em MOP2.000,00.
Notifique.
RAEM, 11 de Agosto de 2021
Rui Carlos dos Santos P. Ribeiro
Lok Si Mei
Rong Qi
645/2021 1
PENAL (LC)