Processo nº 655/2021
(Autos de Recurso Penal)
Data: 11 de Agosto de 2021
Recorrente: A
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ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:
I. RELATÓRIO
A, com os demais sinais dos autos, ora preso no Estabelecimento Prisional de Coloane (E.P.C.),
Inconformado com a decisão que lhe negou a concessão de liberdade condicional, vem interpor recurso da mesma sustentando na motivação apresentada que estavam preenchidos todos os requisitos para a concessão da liberdade condicional tendo a decisão recorrida incorrido em erro na apreciação dos pressupostos materiais para a concessão daquela nos termos do artº 56º do Código Penal, tudo conforme consta de fls. 65 a 71.
Respondendo veio o Ilustre Magistrado do Ministério Público pugnar pelo acerto e manutenção da decisão recorrida.
Pelo Ilustre Magistrado do Ministério Público junto deste tribunal foi emitido o seguinte Douto Parecer:
«1.
A, melhor identificado nos autos, inconformado com a douta decisão do Meritíssimo Juiz do 2.º Juízo de Instrução Criminal do Tribunal Judicial de Base que lhe indeferiu o pedido de concessão de liberdade condicional, interpôs o presente recurso, pugnando, em síntese, pela revogação da douta decisão recorrida e pela sua substituição por outra que lhe conceda aquela liberdade.
2.
2.1.
Decorre do artigo 56.º do Código Penal (CP) que a concessão de liberdade condicional depende da verificação de pressupostos de natureza formal e de natureza substancial.
São pressupostos de natureza formal:
(i) O cumprimento de dois terços da pena e no mínimo 6 meses (artigo 56.º, n.º 1 do Código Penal);
(ii) O consentimento do condenado (artigo 56.º, n.º 3 do Código Penal).
São pressupostos de natureza substancial:
(i) Que, de forma fundada, seja de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes [artigo 56.º, n.º 1, alínea a) do Código Penal];
(ii) Que a libertação se revele compatível com a defesa da ordem jurídica e da paz social [artigo 56.º, n.º 1, alínea b), segunda parte, do Código Penal].
Em relação aos pressupostos de natureza substancial, pode dizer-se que aquele que vem referido na alínea a) do n.º 2 do artigo 56.º do Código Penal tem em vista a satisfação de finalidades de prevenção especial, ao passo que aquele a que alude a alínea b) do mesmo n.º 2 do artigo 56.º do mesmo diploma legal, visa a prossecução de finalidades de prevenção geral.
2.2.
No caso concreto, é incontroversa a verificação dos pressupostos de natureza formal de concessão da liberdade condicional.
Na verdade, por um lado, o Recorrente deu o seu consentimento à dita liberdade e, por outro lado, já se mostram cumpridos dois terços da pena de prisão que lhe foi aplicada.
Já no que concerne aos pressupostos substanciais da liberdade condicional, nada temos a acrescentar às bem fundamentadas e pertinentes considerações exaradas pelo nosso Ilustre Colega na douta resposta que apresentou ao recurso e às quais aderimos.
Por um lado, o comportamento do Recorrente no Estabelecimento Prisional não permite um juízo de prognose favorável quanto à sua reintegração social, pelo que não se mostra preenchido o pressuposto da alínea a) do n.º 1 do artigo 56.º do Código Penal.
Por outro lado, , face à concreta gravidade e natureza do crime praticado pelo Recorrente, ligado ao fenómeno da migração ilegal cuja repressão se impõe com particular acuidade, parece-nos de salientar que a concessão da liberdade condicional, nesta altura, colocaria em causa as exigências de prevenção geral que estiveram presentes na condenação, podendo afirmar-se, com toda a certeza, que ficariam fortemente afectadas as expectativas da comunidade na validade e na eficácia das normas penais violadas.
A defesa da ordem jurídica e da paz social é incompatível com a libertação antecipada do Recorrente, pelo que se não mostra verificado o pressuposto substancial previsto na alínea b) do n.º 2 do artigo 56.º do Código Penal.
Deste modo, estamos em crer que a decisão recorrida deve ser mantida.
3.
Face ao exposto, salvo melhor opinião, é nosso parecer:
Deve ser negado provimento ao recurso jurisdicional interposto, mantendo-se, em consequência, a douta decisão recorrida».
Foram colhidos os Vistos.
Cumpre assim apreciar e decidir.
II. FUNDAMENTAÇÃO
a) Dos factos
Da decisão sob recurso consta a seguinte factualidade:
Em 10 de Janeiro de 2020, o condenado A foi condenado no processo penal comum colectivo n.º CR3-19-0276-PCC do 3.º Juízo Criminal do TJB, a prática em co-autoria material e na forma consumada de 1 “crime de auxílio” p.p. pelo art.º 14.º, n.º 1 da Lei n.º 6/2004 na pena de 3 anos de prisão efectiva (vide fls. 4 a 8 do processo da execução da pena). A decisão transitou em julgado em 3 de Fevereiro de 2020 (vd. fls. 3 do processo de execução da pena).
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O condenado A foi detido em 30 de Junho de 2019, em 1 de Julho de 2019 foi transferido para ser preso preventivamente no EPM. A pena total terminará em 30 de Junho de 2022, e o mesmo já cumpriu o período da pena para requerer a liberdade condicional em 30 de Junho de 2021 (vide fls. 9 a 10 do processo de execução da pena).
O condenado ainda não pagou as custas processuais e outros encargos do processo, o MP não instaurou temporariamente acção de execução contra o condenado (vide fls. 28 a 29 dos autos).
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O recluso é delinquente primário e foi preso pela primeira vez.
Conforme o registo prisional do condenado, o mesmo pertence à categoria de confiança e verifica se uma violação disciplinar na duração do cumprimento da pena, pelo que a avaliação geral do comportamento do recluso durante o cumprimento da pena mantém-se na classificação de “regular”.
O condenado, com 32 anos de idade, nascido na Cantão, não é residente de Macau. O seu pai faleceu por doença há anos e a sua mãe é doméstica, ele tem ainda uma irmã mais velha. O condenado casou-se com a esposa aquando aos 22 anos e tem um filho e uma filha após ter casado. A sua esposa foi diagnosticada ser portador de tumor maligno no fim do ano passado e ela, actualmente, ainda recebe tratamento médico.
O condenado recebia educação na terra natal quando era pequeno, após ter terminado o ensino secundário-geral, começou a trabalhar. Depois de um ano, voltou a estudar no curso profissional do Ensino Secundário em Guangdong. Passaram dois anos, ele parou de estudar porque se sentiu que não podia aprender algo útil para isso. O condenado começou a trabalhar quando era 17 anos de idade, trabalhou como vendedor de supermercado, operário de reparação de automóveis, carpinteiro, operário na indústria do vestuário, motorista na área de logística e operário na área de moldagem por injecção.
Durante o período inicial de cumprimento da pena, a sua esposa e a irmã mais velha deslocam-se do Interior da China mensalmente para o visitar, a fim de lhe dar apoio e carinho. Posteriormente, devido ao impacto da pandemia, a família do condenado veio menos para o visitar, comunicaram-se através das correspondências.
Em 2020, o condenado já requereu a participação no curso de ensino primário recorrente. O recluso, em Abril de 2020, requereu formações profissionais de reparação de obras, produção de pães e bolos, limpeza de pisos e entre outros, e actualmente, está a esperar.
O condenado declarou que, em caso de ser concedido a liberdade condicional, regressará a Zhongshan para viver com os seus familiares e segundo a contratação constante no relatório e apresentada pela sua família, o condenado é contratado por uma empresa de produtos de ferragem.
Nos termos do art.º 468.º, n.º 2 do CPP, este Tribunal também ouviu as opiniões do condenado sobre esta liberdade condicional e o condenado emitiu uma declaração por carta, na qual expressou que ele cometeu crime por ter dificuldade económica familiar, neste momento, tem-se reflectido e culpado profundamente, revendo e reformando-se na prisão. Durante o cumprimento, existe um registo de violação disciplinar. Ele cometeu regra prisional devido à fraca consciência nos aspectos de leis e regras. Este tem sido participado activamente em diversas formações e palestras organizadas por este estabelecimento, tendo-lhe sido solicitado a frequência de cursos de formação profissional, para se preparar a futura vida depois de sair da prisão. Além disso, quanto à taxa de justiça, esta deve ser liquidada o mais rápido possível depois da sua saída, com o auxílio familiar, ele é contratado pela empresa de ferragem, deseja que podia obter a oportunidade de liberdade condicional, para que este possa reunir-se com os seus familiares o mais cedo possível e recomeçar uma nova vida na sociedade (vd. fls. 38 a 40 dos autos).
b) Do Direito
O artº 56º do CP regula os pressupostos e duração da liberdade condicional nos seguintes termos:
Artigo 56.º
(Pressupostos e duração)
1. O tribunal coloca o condenado a pena de prisão em liberdade condicional quando se encontrarem cumpridos dois terços da pena e no mínimo 6 meses, se:
a) For fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes; e
b) A libertação se revelar compatível com a defesa da ordem jurídica e da paz social.
2. A liberdade condicional tem duração igual ao tempo de prisão que falte cumprir, mas nunca superior a 5 anos.
3. A aplicação da liberdade condicional depende do consentimento do condenado.
Depende, assim, a concessão da liberdade condicional da verificação de pressupostos formais – a saber: cumprimento de 2/3 da pena no mínimo de 6 meses e consentimento do arguido – e materiais – a saber, os indicados nas alíneas a) e b) do nº 1 do citado preceito -.
A indicada alínea a) está relacionada com o objectivo maior da execução da pena de prisão e que consiste na “ressocialização do agente”, havendo de ser aferida em função da aquisição pelo recluso de «condições favoráveis ao prosseguimento de uma vida sem praticar crimes, ao seu ingresso na vida fiel ou conformada com o dever-ser jurídico penal, visando a prevenção da reincidência através da colaboração voluntária e activa daquele» - Cit. Figueiredo Dias em Os Novos Ramos da Política Criminal e do Direito Penal Português do Futuro, pág. 29 e 30, citado por Manuel Leal Henriques em Manual de Formação de Direito Penal de Macau, pág. 228, Ed. 2005.
A alínea b) do indicado preceito visa a defesa da sociedade no âmbito da prevenção geral positiva e negativa, isto é, seja por via do restabelecimento na comunidade da confiança da salvaguarda dos bens jurídicos, seja por via da prevenção/intimidação quanto à prática de futuros crimes.
Como se diz no Acórdão deste Tribunal de 21.11.2019, proferido no processo nº 1068/2019, «Com efeito, importa ter em conta que a liberdade condicional não é uma “medida de clemência”, constituindo uma medida que faz parte do normal desenvolver da execução da pena de prisão, manifestando-se como uma forma de individualização da pena no fito de ressocialização, pois que serve um objectivo bem definido: o de criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, durante o qual o delinquente possa, equilibradamente, recobrar o sentido de orientação social fatalmente enfraquecido por efeito da reclusão; (cfr., v.g., J. L. Morais Rocha e A. C. Sá Gomes in “Entre a Reclusão e a Liberdade – Estudos Penitenciários”, Vol. I, em concreto, “Algumas notas sobre o direito penitenciário”, IV cap., pág. 41 e segs.).
Trata-se de um incidente de execução da pena de prisão a que preside uma finalidade específica de prevenção especial positiva ou de socialização, e que assenta na formulação de um juízo de prognose favorável sobre o comportamento futuro e em liberdade, do condenado que já cumpriu parte considerável da pena; (cfr., Figueiredo Dias in, “Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime”, 1993, Aequitas, Editorial Notícias, pág. 528).
Na esteira do repetidamente decidido nesta Instância, a liberdade condicional “é de conceder caso a caso, dependendo da análise da personalidade do recluso e de um juízo de prognose fortemente indiciador de que o mesmo vai reinserir-se na sociedade e ter uma vida em sintonia com as regras de convivência normal, devendo também constituir óbviamente matéria de ponderação, a defesa da ordem jurídica e da paz social”; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 25.07.2019, Proc. n.° 759/2019, de 05.09.2019, Proc. n.° 891/2019 e de 17.10.2019, Proc. n.° 992/2019, podendo-se também sobre o tema ver o Ac. da Rel. de Coimbra de 24.01.2018, Proc. n.° 540/16).
(…)
Com efeito, na formulação do juízo de prognose sobre o comportamento futuro do condenado, o tribunal deve ponderar os traços da sua personalidade e a evolução desta durante a execução da pena, as competências por si adquiridas no período de reclusão, o comportamento prisional, o seu relacionamento com o crime cometido, as necessidades subsistentes de reinserção social, e, em especial, as perspectivas de enquadramento familiar, social e profissional e a necessidades de protecção da vítima, quando disso seja caso. A liberdade condicional deverá ser concedida quando o julgador conclua que o condenado reúne condições que, razoavelmente, fundam a expectativa de que, uma vez colocado em liberdade, assumirá uma conduta conforme às regras da comunidade. Inversamente, a liberdade condicional deverá ser negada quando o julgador conclua que o condenado não reúne tais condições, seja porque o juízo contrário se revela carecido de razoabilidade, seja porque se revela temerário; (cfr., v.g., o recente Ac. da Rel. de Coimbra de 12.06.2019, Proc. n.° 3371/10).
Como também já tivemos oportunidade de considerar, a liberdade condicional não é de conceder quando o percurso até ao momento experienciado pelo condenado não oferece ainda suficiente segurança para sustentar um “juízo positivo” acerca do seu comportamento futuro quando em meio livre; (neste sentido, cfr., v.g., o recente Ac. da Rel. de Évora de 19.02.2019, Proc. n.° 13/16).».
No que concerne aos requisitos formais para a concessão da liberdade condicional dúvidas não há, no caso em apreço, de estarem os mesmos verificados.
No parecer elaborado pelo Director dos Serviços Correccionais e na Informação prestada pela Divisão de Segurança e Vigilância do Estabelecimento Prisional foi formulada opinião no sentido de não ser concedida a liberdade condicional requerida ou de ser apreciado de forma mais rigorosa.
A decisão recorrida acompanhou aqueles pareceres.
Foi preponderante na decisão recorrida o comportamento prisional do recluso, o que leva a concluir que o cumprimento da pena até agora atingido não é suficiente para se inferir que aquele já adquiriu as competências necessárias para agir de acordo com o dever-ser jurídico penal de que se falou supra.
Concordando-se e acompanhando a decisão recorrida quanto a este aspecto igualmente entendemos não estar ainda verificado o requisito da al. a) do nº 1 do artº 56º do CP.
Por outro lado, entende-se na decisão recorrida que em face da natureza do crime praticado – auxilio à imigração ilegal -, a censura ético-jurídica exigida pela sociedade demanda pelas já explicadas razões de prevenção geral positiva e negativa, tendo em consideração o desvalor da sua conduta e os bens jurídicos em causa, que a liberdade condicional não é compatível com a ordem jurídica e paz social, pelo que, não estando preenchido também, o requisito da al. b) do nº 1 do artº 56º do CP aquela não deve ser concedida.
Destarte, acompanhando a decisão recorrida aquela que tem vindo a ser a jurisprudência deste tribunal em situações idênticas, não havendo reparo a apontar-lhe e aderindo aos fundamentos dela constantes, entendendo-se que não estão verificados os requisitos das alíneas a) e b) do nº 1 do artº 56º do CP, impõe-se decidir em conformidade.
III. DECISÃO
Nestes termos e pelos fundamentos expostos, nega-se provimento ao recurso.
Custas pelo Recorrente fixando-se a taxa de justiça em 3 UC´s.
Fixam-se os honorários ao defensor nomeado em MOP2.000,00.
Notifique.
RAEM, 11 de Agosto de 2021
Rui Carlos dos Santos P. Ribeiro
Lok Si Mei
Rong Qi
655/2021 1
PENAL (LC)