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Processo nº 649/2021
(Autos de Recurso Penal)

Data: 11 de Agosto de 2021
Recorrente: A
*
ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:

I. RELATÓRIO
  
  A, com os demais sinais dos autos, ora preso no Estabelecimento Prisional de Coloane (E.P.C.),
  Inconformado com a decisão que lhe negou a concessão de liberdade condicional, vem interpor recurso da mesma sustentando na motivação apresentada que estavam preenchidos todos os requisitos para a concessão da liberdade condicional tendo a decisão recorrida incorrido em erro na apreciação dos pressupostos materiais para a concessão daquela nos termos do artº 56º do Código Penal, tudo conforme consta de fls. 291 a 301, tendo apresentado as seguintes conclusões:
a) Vem o presente recurso interposto da decisão supra referida que, mais uma vez, negou a liberdade condicional ao arguido recluso, A (A), o que equivale a dizer que, em termos práticos, este terá de cumprir a pena de 7 anos e 6 meses de prisão que lhe foi aplicada em cúmulo jurídico nos processos CR5-15-0294-PCC e CR3-19-0296-PCC.
b) Basicamente, entendeu a decisão recorrida que: “... a intensidade e circunstâncias do crime é alta e muito séria; a conduta do requerente teve impacto negativo nos interesses jurídicos e tranquilidade social, violando o princípio da concorrência legal, prejudicando regime da concessão do serviços público de parques automóveis, e prejudicando a justiça social e a credibilidade e a imagem das entidades públicas ...” (tradução nossa)
E, mais à frente:
“Considerando a realidade social de Macau, a libertação antecipada (do requerente) terá impacto bastante negativo, impedindo a expectativa pública sobre a eficácia das normas violadas; não estando, por isso, preenchido o requisito material (da liberdade condicional), previsto no art.º 56º nº 1 b) do Cód. Penal.” (tradução nossa).
c) Em relação à última decisão sobre a liberdade condicional do ora recorrente, diremos nós, houve uma manifesta melhoria do recorrente, já que a anterior decisão assentou em questões de prevenção especial – “o recluso ainda não tem capacidade e vontade de viver honestamente e, por isso, o Tribunal não tem confiança de que ele vai viver em comunidade com responsabilidade e nunca mais cometer mais crimes” (tradução nossa) - ; e questões de prevenção geral – “a gravidade dos crimes é alta e elevado o respectivo dolo; a ilicitude e as circunstâncias são muito sérias; o que causou influência negativa na sociedade de Macau; pelo que a sociedade não irá aceitar a libertação antecipada do recluso.” (tradução nossa).
Agora, o que está em causa, é só esta última vertente da prevenção.
d) Por outras palavras, no último ano, o ora recorrente interiorizou a gravidade dos seus actos; mostrou arrependimento; e o sistema penitenciário - a opinião abalizada de quem lida diariamente com o recluso - por isso, deu opinião favorável à sua liberdade condicional.
e) Contudo, na óptica do M.P. - que a decisão recorrida recebe como boa - mantém-se intocável a questão da prevenção geral porque, alegadamente, a sociedade de Macau não iria aceitar a libertação antecipada do recorrente que seria, assim, incompatível com a “defesa da ordem jurídica e da paz social.”
f) Assim com o “chavão” normativo sem, com o devido respeito, a respectiva fundamentação, se encerra um capítulo da vida de um recluso de 53 anos de idade (i); que nunca antes havia cometido crime algum (ii); que sempre teve boa conduta no estabelecimento prisional, nunca tendo violado as respectivas regras (iii); que, aqui, concluíu o ensino secundário (iv); que participou nas actividades do estabelecimento (v); que tem estabilidade familiar e trabalho à sua espeira no exterior (vi); e que, consequentemente, o técnico de reinserção social (com quem o recluso lida quase diariamente) entendeu que tem condições para que lhe seja concedida a respectiva libertação antecipada.
g) Com o devido respeito, a decisão recorrida menosprezou o juízo de prognose favorável que os serviços prisionais fizeram sobre a libertação do recluso, no que concerne à sua efectiva resocialização.
h) E enfatizou uma eventual “inaceitação comunitária” desta libertação, porque, como refere, a conduta criminosa do recluso é grave, bem como, o dolo e a respectiva ilicitude dos crimes cometidos pelo recluso.
i) Ora, com o devido respeito, esta prevenção, em termos gerais, já foi devidamente ponderada na determinação da medida da pena aplicada ao arguido, ora recorrente.
O bem jurídico protegido pelas normas violadas pelo recorrente, e a sua importância social, já foram acautelados pelo Tribunal, mediante uma exigência de proporcionalidade entre a gravidade da pena e a gravidade dos factos cometidos e juridicamente apreciados.
j) O Tribunal naquela determinação, já ponderou a “ordem jurídica e a paz social” (a prevenção geral), pelo que a alegada gravidade dos factos cometidos pelo recorrente não pode, agora, para efeitos de concessão da liberdade condicional, ser novamente analisada, sob pena de aquela gravidade exceder os limites da prevenção e, consequemente, a culpa do arguido no cometimento do crime em causa.
k) A prevenção geral na determinação da pena mede-se pela necessidade de evitar que outros membros da sociedade cometam futuramente as mesmas lesões jurídicas, estabilizando-se as expectativas do direito por parte da comunidade.
Por outro lado,
l) O recorrente, como já teve oportunidade de referir, entende que a questão evidenciada pela sentença recorrida – “a defesa da ordem jurídica e da paz social” - é, sempre com o devido respeito, uma “falsa questão”, que a jurisprudência da R.A.E.M. tem vindo a enfatizar, talvez numa óptica estrictamente punitiva, mas que não decorre da lei.
m) Isto é, não só, como se disse, “a defesa da ordem jurídica e da paz social” já foi devidamente ponderada na determinação da pena, em função da prevenção geral; como também já foi resolvida quando, exactamente para tutela do ordenamento jurídico, se impõe, no art.º 56º, nº 1 do Cód. Penal, que os reclusos só podem gozar deste benefício (da liberdade condicional) quando se mostrem cumpridos “dois terços da pena”.
n) E estes dois terços já foram há muito ultrapassados.
O Tribunal “a quo” passa por cima deste requisito e refere então, por simples palavras, para fundamentar a sua decisão: o crime é grave, logo, o recluso não poderá gozar da liberdade condicional, porque a comunidade o não suportaria.
A decisão em apreço é, no entender do recorrente, algo abstracta e contrária ao espírito da lei que regula a liberdade condicional e, como tal, é ilegal.
o) Na verdade a “ordem jurídica” não é uma expressão ôca; é um conjunto de comandos jurídicos, abstractos e gerais.
p) E a “paz social” é tanto maior, quanto maior for o cumprimento desses comandos jurídicos.
E esse cumprimento impõe-se não só aos cidadãos, mas também a quem os aplica, no caso, os Tribunais.
q) Ora, se as normas que comandam a liberdade condicional referem que, ao fim de dois terços do cumprimento de pena, o recluso pode solicitar a liberdade condicional, então, isso significa que, em circunstâncias normais - como é o caso - a comunidade tem de “suportar” a reinserção social do recluso.
r) O recluso, ora, recorrente, como se disse, teve bom comportamento no interior do estabelecimento prisional; tem família que o receberá; e terá uma ocupação profissional; tanto basta, por isso, que lhe seja concedida a almejada liberdade condicional porque, tudo indica, está resocializado.
s) O mesmo se não diria, e não é esse o caso, se aquilo que imediatamente acima se disse não fosse verdade; e, além disso, o crime por que o recluso foi condenado fosse um daqueles que “choca” a comunidade, e que, por isso, seria incompatível “com a ordem jurídica e a paz social”.
t) O recorrente é uma pessoa que, já na segunda fase da vida, “descarrilou”, mas que interiorizou a gravidade dos crimes que cometeu. Daí o parecer favorável do técnico de reinserção social do E.P.M..
u) Tudo indica, até pela pena única que lhe foi aplicada, que esta visou já recuperar o indivíduo para a sociedade, em termos proporcionais e humanitários.
Se assim não fosse, mas foi, o cúmulo efectuado teria sido muito mais severo.
v) Finalmente - nunca é demais chamar a atenção de V. Exa. para o facto - o recorrente tem cumprido escrupulosamente as obrigações patrimoniais que lhe foram impostas.
O que, com o devido respeito, evidencia o seu arrependimento e a vontade de reparar os efeitos patrimoniais do seu crime.
  
  Respondendo veio o Ilustre Magistrado do Ministério Público pugnar pelo acerto e manutenção da decisão recorrida.
  
  Pelo Ilustre Magistrado do Ministério Público junto deste tribunal foi emitido o seguinte Douto Parecer:
  «1.
  A, melhor identificado nos autos, inconformado com a douta decisão do Meritíssimo Juiz do l.º Juízo de Instrução Criminal do Tribunal Judicial de Base que lhe indeferiu o pedido de concessão de liberdade condicional, interpôs o presente recurso, pugnando, em síntese, pela revogação da douta decisão recorrida e pela sua substituição por outra que lhe conceda aquela liberdade.
  2.
  2.1.
  Decorre do artigo 56.º do Código Penal (CP) que a concessão de liberdade condicional depende da verificação de pressupostos de natureza formal e de natureza substancial.
  São pressupostos de natureza formal:
(i) O cumprimento de dois terços da pena e no mínimo 6 meses (artigo 56.º, n.º 1 do Código Penal);
(ii) o consentimento do condenado. (artigo 56.º, n.º 3 do Código Penal).
  São pressupostos de natureza substancial:
(i) Que, de forma fundada, seja de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes [artigo 56.º, n.º 1, alínea a) do Código Penal];
(ii) Que a libertação se revele compatível com a defesa da ordem jurídica e da paz social [artigo 56.º, n.º 1, alínea b), segunda parte, do Código Penal].
  Em relação aos pressupostos de natureza substancial, pode dizer-se que aquele que vem referido na alínea a) do n.º 2 do artigo 56.º do Código Penal tem em vista a satisfação de finalidades de prevenção especial, ao passo que aquele a que alude a alínea b) do mesmo n.º 2 do artigo 56.º do mesmo diploma legal, visa a prossecução de finalidades de prevenção geral.
  2.2.
  No caso concreto, é incontroversa a verificação dos pressupostos de natureza formal de concessão da liberdade condicional.
  Na verdade, por um lado, o Recorrente deu o seu consentimento à dita liberdade e, por outro lado, já se mostram cumpridos dois terços da pena de prisão que lhe foi aplicada. Trata-se, aliás, do segundo pedido de liberdade condicional.
  Já no que concerne aos pressupostos substanciais da liberdade condicional, nada temos a acrescentar às bem fundamentadas e pertinentes considerações exaradas pelo nosso Ilustre Colega na douta resposta que apresentou ao recurso e às quais aderimos.
  Parece-nos de salientar que, face à concreta gravidade e natureza dos crimes por praticados pelo Recorrente, a concessão da liberdade condicional, nesta altura, colocaria em causa as exigências de prevenção geral que estiveram presentes na condenação, podendo afirmar-se, com toda a certeza, que ficariam fortemente afectadas as expectativas da comunidade na validade e na eficácia das normas penais violadas.
  A defesa da ordem jurídica e da paz social é incompatível com a libertação antecipada do Recorrente, pelo que se não mostra verificado o pressuposto substancial previsto na alínea b) do n.º 2 do artigo 56.º do Código Penal.
  Deste modo, estamos em crer que a decisão recorrida deve ser mantida.
  3.
  Face ao exposto, salvo melhor opinião, é nosso parecer:
  Deve ser negado provimento ao recurso jurisdicional interposto, mantendo-se, em consequência, a douta decisão recorrida.».
  
  Foram colhidos os Vistos.
  
  Cumpre assim apreciar e decidir.
  
II. FUNDAMENTAÇÃO

a) Dos factos
  
  Da decisão sob recurso consta a seguinte factualidade:
Em 17/10/2016, o recluso foi julgado pelo Tribunal do 4º Juízo Criminal do TJB, no processo comum colectivo nº CR4-15-0396-PCC (presentemente proc. nº CR5-15-0294-PCC), por ter cometido, em co-autoria material e na forma consumada:
➢ 12 crimes de “Participação económica em negócio” p.p.p. artº 342º, nº 1 do CPM, na pena de 1 ano de prisão por cada crime;
➢ 28 crimes de “Corrupção activa” p.p.p. artº 339º do CPM, na pena de 1 ano e 3 meses por cada crime.
Em cúmulo dos 40 crimes, o recluso foi condenado na pena única de 6 anos e 3 meses de prisão efectiva, bem como em responsabilidade solidária com outros arguidos do processo pagar à RAEM, o montante de MOP$5,000,000 para substituir os objectos relacionados com os crimes confiscados no processo (vide fls. 4 a 103 do PEP).
Inconformado com a decisão, o recluso interpôs recurso, tendo o TSI proferido acórdão em 16/03/2017, negou provimento ao recurso, mantendo a decisão recorrida (vide fls. 104 a 234 do PEP).
Em 04/12/2020, o recluso foi julgado pelo Tribunal do 3º Juízo Criminal do TJB, no processo comum colectivo nº CR3-19-0296-PCC, por ter cometido:
➢ Em autoria material e na forma consumada de 10 crimes de “Falsificação documento” p.p.p. artº 244º, nº 1, al. b) em conjugação com o artº 29º, nº 2 do CPM, na pena de 9 meses de prisão por cada crime;
➢ Em autoria material e na forma consumada de 10 crimes de “Burla” p.p.p. artº 211º do CPM, na pena de 9 meses de prisão por cada crime;
➢ Em autoria material e na forma consumada de 3 crimes de “Abuso de poder” p.p.p. artº 347º do CPM, na pena de 8 meses de prisão por cada crime;
➢ Em autoria material e na forma consumada de 1 crime de “Abuso de poder” p.p.p. artº 347º do CPM, na pena de 8 meses de prisão;
Em cúmulo dos 24 crimes, o recluso foi condenado na pena única de 3 anos e 6 meses de prisão efectiva, esta condenação foi feito cúmulo com o proc. nº CR4-15-0396-PCC (presentemente proc. nº CR5-15-0294-PCC), no total de 64 crimes dos dois processos respectivamente, foi condenado na pena única de 7 anos e 6 meses de prisão efectiva, por outro lado, o recluso tem de pagar à DSAT indemnização pelos danos patrimoniais acrescido de juros à taxa legal (vide fls. 263 a 359 do PEP).
O recluso terminará a pena em 21/10/2022, em 21/04/2020 completou os dois terços da pena para requerer a liberdade condicional (vide fls. 360 a 362 do PEP).
O recluso já pagou as custas e encargos dos dois processos e a indemnização condenada no processo CR3-19-0296-PCC; quanto ao montante de MOP$5,000,000 de responsabilidade solidária a pagar à RAEM, até à presente data só depositou no processo MOP$70,000 (vide fls. 252 a 253 do PEP, fls. 50 a 54, 73 a 75, 211 a 212v e 267 a 270 deste processo).
O recluso não tem outros processos pendentes.
*
O recluso tem presentemente 53 anos de idade, é residente de Macau, casado, tem dois filhos.
O recluso tem como habilitações literárias o ensino primário.
O recluso no passado foi aprendiz de fábrica de rádios e operário de reparação de caixa registradora computadorizada, posteriormente explorou sozinho negócio de compra de sucata de máquinas electrónicas e computadores até ser detido.
*
Esta é a primeira vez que o recluso foi detido em prisão.
Segundo os registos do estabelecimento, o recluso pertence a pessoa de confiança, nunca constatou qualquer infracção disciplinar no estabelecimento, durante a prisão teve a classificação de “bom”.
Durante a prisão, o recluso inscreveu-se no curso secundário do ensino corrente até à presente data, por outro lado em Julho de 2019, ele requereu a participação nos cursos de formação profissional de padeiro e tipografia, presentemente está a aguardar a sua vaga. Por outro lado, o recluso chegou a participar nas aulas de cultura, ioga, canção, teatro e curso de formação para actividades de festas da primavera.
Depois da prisão, os dois filhos do recluso têm ido regularmente ao estabelecimento para visitar o pai, encorajando-o e dando-lhe apoio.
Caso o recluso for liberto antecipadamente, ele irá viver com a família; em termos de trabalho, ele conforme a organização do seu filho irá exercer o cargo de gerente geral de uma companhia de tecnologia de computador.
Nos termos do artº 468º, nº 2 do CPP, o Tribunal ouviu a opinião do recluso sobre o pedido de concessão de liberdade condicional, o qual através de carta declarou (vide fls. 251 a 252 dos autos) que depois da rejeição do seu pedido de liberdade condicional no ano passado, ele continuou a reflectir profundamente, pois irá lembrar para sempre os ensinamentos do Tribunal, ele está muito arrependido de ter cometido os crimes por causa da sua ambição, promete nunca mais irá cometer crimes, bem como depois de liberto irá continuar a pagar por prestações o montante prometido à RAEM, desejaria que o Tribunal lhe concedesse oportunidade para se libertar antecipadamente, a fim de poder unir-se mais cedo com a família e retomar uma nova vida.

b) Do Direito

  O artº 56º do CP regula os pressupostos e duração da liberdade condicional nos seguintes termos:
Artigo 56.º
(Pressupostos e duração)
  1. O tribunal coloca o condenado a pena de prisão em liberdade condicional quando se encontrarem cumpridos dois terços da pena e no mínimo 6 meses, se:
  a) For fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes; e
  b) A libertação se revelar compatível com a defesa da ordem jurídica e da paz social.
  2. A liberdade condicional tem duração igual ao tempo de prisão que falte cumprir, mas nunca superior a 5 anos.
  3. A aplicação da liberdade condicional depende do consentimento do condenado.
  Depende, assim, a concessão da liberdade condicional da verificação de pressupostos formais – a saber: cumprimento de 2/3 da pena no mínimo de 6 meses e consentimento do arguido – e materiais – a saber, os indicados nas alíneas a) e b) do nº 1 do citado preceito -.
  A indicada alínea a) está relacionada com o objectivo maior da execução da pena de prisão e que consiste na “ressocialização do agente”, havendo de ser aferida em função da aquisição pelo recluso de «condições favoráveis ao prosseguimento de uma vida sem praticar crimes, ao seu ingresso na vida fiel ou conformada com o dever-ser jurídico penal, visando a prevenção da reincidência através da colaboração voluntária e activa daquele» - Cit. Figueiredo Dias em Os Novos Ramos da Política Criminal e do Direito Penal Português do Futuro, pág. 29 e 30, citado por Manuel Leal Henriques em Manual de Formação de Direito Penal de Macau, pág. 228, Ed. 2005.
  A alínea b) do indicado preceito visa a defesa da sociedade no âmbito da prevenção geral positiva e negativa, isto é, seja por via do restabelecimento na comunidade da confiança da salvaguarda dos bens jurídicos, seja por via da prevenção/intimidação quanto à prática de futuros crimes.
  Como se diz no Acórdão deste Tribunal de 21.11.2019, proferido no processo nº 1068/2019, «Com efeito, importa ter em conta que a liberdade condicional não é uma “medida de clemência”, constituindo uma medida que faz parte do normal desenvolver da execução da pena de prisão, manifestando-se como uma forma de individualização da pena no fito de ressocialização, pois que serve um objectivo bem definido: o de criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, durante o qual o delinquente possa, equilibradamente, recobrar o sentido de orientação social fatalmente enfraquecido por efeito da reclusão; (cfr., v.g., J. L. Morais Rocha e A. C. Sá Gomes in “Entre a Reclusão e a Liberdade – Estudos Penitenciários”, Vol. I, em concreto, “Algumas notas sobre o direito penitenciário”, IV cap., pág. 41 e segs.).
  Trata-se de um incidente de execução da pena de prisão a que preside uma finalidade específica de prevenção especial positiva ou de socialização, e que assenta na formulação de um juízo de prognose favorável sobre o comportamento futuro e em liberdade, do condenado que já cumpriu parte considerável da pena; (cfr., Figueiredo Dias in, “Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime”, 1993, Aequitas, Editorial Notícias, pág. 528).
  Na esteira do repetidamente decidido nesta Instância, a liberdade condicional “é de conceder caso a caso, dependendo da análise da personalidade do recluso e de um juízo de prognose fortemente indiciador de que o mesmo vai reinserir-se na sociedade e ter uma vida em sintonia com as regras de convivência normal, devendo também constituir óbviamente matéria de ponderação, a defesa da ordem jurídica e da paz social”; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 25.07.2019, Proc. n.° 759/2019, de 05.09.2019, Proc. n.° 891/2019 e de 17.10.2019, Proc. n.° 992/2019, podendo-se também sobre o tema ver o Ac. da Rel. de Coimbra de 24.01.2018, Proc. n.° 540/16).
  (…)
  Com efeito, na formulação do juízo de prognose sobre o comportamento futuro do condenado, o tribunal deve ponderar os traços da sua personalidade e a evolução desta durante a execução da pena, as competências por si adquiridas no período de reclusão, o comportamento prisional, o seu relacionamento com o crime cometido, as necessidades subsistentes de reinserção social, e, em especial, as perspectivas de enquadramento familiar, social e profissional e a necessidades de protecção da vítima, quando disso seja caso. A liberdade condicional deverá ser concedida quando o julgador conclua que o condenado reúne condições que, razoavelmente, fundam a expectativa de que, uma vez colocado em liberdade, assumirá uma conduta conforme às regras da comunidade. Inversamente, a liberdade condicional deverá ser negada quando o julgador conclua que o condenado não reúne tais condições, seja porque o juízo contrário se revela carecido de razoabilidade, seja porque se revela temerário; (cfr., v.g., o recente Ac. da Rel. de Coimbra de 12.06.2019, Proc. n.° 3371/10).
  Como também já tivemos oportunidade de considerar, a liberdade condicional não é de conceder quando o percurso até ao momento experienciado pelo condenado não oferece ainda suficiente segurança para sustentar um “juízo positivo” acerca do seu comportamento futuro quando em meio livre; (neste sentido, cfr., v.g., o recente Ac. da Rel. de Évora de 19.02.2019, Proc. n.° 13/16).».
  No que concerne aos requisitos formais para a concessão da liberdade condicional dúvidas não há, no caso em apreço, de estarem os mesmos verificados.
  No parecer elaborado pelo Director dos Serviços Correccionais e na Informação prestada pela Divisão de Segurança e Vigilância do Estabelecimento Prisional foi formulada opinião no sentido de ser concedida a liberdade condicional requerida, uma vez que o Recluso tem manifestado ter adquirido consciência dos seus actos e interiorizado a necessidade de adequar o seu comportamento de acordo com a lei.
  Contudo a decisão recorrida não acompanhou aqueles pareceres.
  Pese embora no caso em apreço não resultem dos autos exigências de prevenção especial que justifiquem que a liberdade condicional seja negada, como aliás se reconhece nas alegações de recurso, foi preponderante na decisão recorrida a natureza – participação económica em negócio, corrupção activa, falsificação de documento, burla e abuso de poder - e o número (64) de crimes cometidos pelo Recluso.
  É certo, tal como se refere nas conclusões da motivação do recurso que as razões de prevenção geral já foram ponderadas aquando da condenação do agora Recluso e na determinação da pena, no entanto, tal como a lei impõe na al. b) do nº 1 do artº 56º do CP ela não se esgota na determinação da pena, havendo de ser, também, apreciada em sede de concessão de liberdade condicional de forma a garantir à comunidade a salvaguarda dos bens-jurídicos violados e da paz social.
  No que a esta matéria concerne, concordamos e acompanhamos a decisão recorrida no sentido de que, em face dos crimes praticados, a censura ético-jurídica exigida pela sociedade demanda pelas já explicadas razões de prevenção geral positiva e negativa, tendo em consideração o desvalor da sua conduta e os bens jurídicos em causa, que a liberdade condicional não é compatível com a ordem jurídica e paz social, pelo que, não estando preenchido o requisito da al. b) do nº 1 do artº 56º do CP aquela não deve ser concedida.
  Destarte, acompanhando a decisão recorrida aquela que tem vindo a ser a jurisprudência deste tribunal em situações idênticas, não havendo reparo a apontar-lhe e aderindo aos fundamentos dela constantes, entendendo-se que não está verificado o requisito da alínea b) do nº 1 do artº 56º do CP, impõe-se decidir em conformidade.
  
III. DECISÃO
  
  Nestes termos e pelos fundamentos expostos, nega-se provimento ao recurso.
  
  Custas pelo Recorrente fixando-se a taxa de justiça em 3 UC´s.
  
  Notifique.
  RAEM, 11 de Agosto de 2021

(Relator)
Rui Carlos dos Santos Pereira Ribeiro

(Primeira Juíza-Adjunta)
Lok Si Mei

(Segundo Juiz-Adjunto)
Rong Qi

649/2021 1
PENAL (LC)