Processo nº 659/2021
(Autos de Recurso Penal)
Data: 11 de Agosto de 2021
Recorrente: A
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ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:
I. RELATÓRIO
A, com os demais sinais dos autos, ora preso no Estabelecimento Prisional de Coloane (E.P.C.),
Inconformado com a decisão que lhe negou a concessão de liberdade condicional, vem interpor recurso da mesma sustentando na motivação apresentada que estavam preenchidos todos os requisitos para a concessão da liberdade condicional tendo a decisão recorrida incorrido em erro na apreciação dos pressupostos materiais para a concessão daquela nos termos do artº 56º do Código Penal, tudo conforme consta de fls. 112 a 122, tendo apresentado as seguintes conclusões:
33º
O recorrente foi condenado no processo mencionado na pena de 6 anos e 5 meses de prisão, cujo termo ocorrerá a 21/08/2023. O recorrente já cumpriu a pena necessária para a concessão de liberdade condicional em 01/07/2021.
34º
O recorrente A cumpre pena pela primeira vez. Este é o primeiro pedido de liberdade condicional dele.
35º
Segundo o seu registo prisional, o recorrente é classificado no grupo de confiança, não tem qualquer registo de infracção das regras prisionais. O seu comportamento global na cadeia é avaliado como “bom”.
36º
Dos dados constantes dos autos resultou saber que o recorrente participou nas actividades prisionais, acção formativa profissional de limpeza de andares, tendo ainda frequentado o curso de ensino recorrente de nível secundário geral e participado nas actividades religiosas (Christian New Life Fellowship (in Macau)), competições realizadas na prisão, laughter yoga, curso relativo ao cartão de segurança ocupacional na construção civil (vd. relatório de liberdade condicional).
37º
Durante o cumprimento da sua pena, a sua família visitou-o periodicamente, dando-lhe apoio e encorajamento. Uma vez libertado vai morar com a família e, posteriormente, irá procurar outra residência para ele, sua mulher e filho. Quanto ao trabalho, irá trabalhar como auxiliar numa clínica, trabalho este foi-lhe arranjado pela família. Após a sua saída da prisão, a sua família já lhe arranjou um trabalho no Café XXX. (sic) Verifica-se que o recorrente pode ter rendimento estável depois da sua libertação.
38º
Após quatro anos na prisão, o recorrente deixou o vício em drogas. Segundo os dados constantes dos autos, o seu pai B, mãe C, mulher D e irmão mais novo E já manifestaram que vão dar apoio na reintegração do recorrente na sociedade e na reunião da família. Acresce que, o recorrente espera que possa cuidar da mãe que sofre a doença da glândula mamária.
39º
Pelos factos invocados, o recorrente preenche os requisitos subjectivos e objectivos para a liberdade condicional, previstos no artº 56º do CP, aprovado pelo DL nº 58/95/M, de 13 de Novembro. Da factualidade indicada resultou que o comportamento do recorrente mostra que foram atingidas as finalidades da punição, pelo que deve ser concedida a liberdade condicional pretendida.
40º
O despacho em causa enferma dos vícios previstos no nº 2 do artº 400º do CPP, aprovado pelo nº 48/96/M, de 2 de Setembro, incluindo: a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.
41º
No entanto, o despacho recorrido na parte favorável ao recorrente foi confirmado.
42º
Portanto, nos termos do artº 393º, nº 1 do CPP, aprovado pelo DL nº 48/96/M, de 2 de Setembro, revoga-se o despacho recorrido na parte desfavorável ao recorrente.
Respondendo veio o Ilustre Magistrado do Ministério Público pugnar pelo acerto e manutenção da decisão recorrida.
Pelo Ilustre Magistrado do Ministério Público junto deste tribunal foi emitido o seguinte Douto Parecer:
«1.
A, melhor identificado nos autos, inconformado com a douta decisão do Meritíssimo Juiz do 1.º Juízo de Instrução Criminal do Tribunal Judicial de Base que lhe indeferiu o pedido de concessão de liberdade condicional, interpôs o presente recurso, pugnando, em síntese, pela revogação da douta decisão recorrida e pela sua substituição por outra que lhe conceda aquela liberdade.
2.
2.1.
Decorre do artigo 56.º do Código Penal (CP) que a concessão de liberdade condicional depende da verificação de pressupostos de natureza formal e de natureza substancial.
São pressupostos de natureza formal:
(i) O cumprimento de dois terços da pena e no mínimo 6 meses (artigo 56.º, n.º 1 do Código Penal);
(ii) O consentimento do condenado (artigo 56.º, n.º 3 do Código Penal).
São pressupostos de natureza substancial:
(i) Que, de forma fundada, seja de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes [artigo 56.º, n.º 1, alínea a) do Código Penal];
(ii) Que a libertação se revele compatível com a defesa da ordem jurídica e da paz social [artigo 56.º, n.º 1, alínea b), segunda parte, do Código Penal].
Em relação aos pressupostos de natureza substancial, pode dizer-se que aquele que vem referido na alínea a) do n.º 2 do artigo 56.º do Código Penal tem em vista a satisfação de finalidades de prevenção especial, ao passo que aquele a que alude a alínea b) do mesmo n.º 2 do artigo 56.º do mesmo diploma legal, visa a prossecução de finalidades de prevenção geral.
2.2.
No caso concreto, é incontroversa a verificação dos pressupostos de natureza formal de concessão da liberdade condicional.
Na verdade, por um lado, o Recorrente deu o seu consentimento à dita liberdade e, por outro lado, já se mostram cumpridos dois terços da pena de prisão que lhe foi aplicada.
No que respeita aos pressupostos substanciais da liberdade condicional, considerou a douta decisão recorrida, no seguimento de idêntica posição do nosso Ilustre Colega, que não se mostram preenchidos os requisitos das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 56.º do Código Penal.
Salvo o muito respeito que tal entendimento nos merece, não o podemos acompanhar.
(i)
Do ponto de vista da prevenção especial parece-nos que, face ao que resulta do relatório constante de fls. 9 a 15 dos presentes autos, foi atingido o objectivo da ressocialização do Recorrente, tudo apontando no sentido de que o mesmo, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes. Seja porque a sua conduta na prisão é indiciadora de um sincero arrependimento, seja porque o apoio da família e a perspectiva de vir a obter um emprego favorecem a desejada reintegração na comunidade.
Aliás, em nosso modesto parecer, a propensão criminosa do Recorrente estava associada exclusivamente à sua toxicodependência e esta mostra-se, nesta altura, ultrapassada. Também por isso se justifica plenamente um juízo de prognose favorável relativamente ao seu comportamento uma vez libertado.
(ii)
Por outro lado, quanto à prevenção geral, aquilo que, em sede de verificação dos pressupostos da libertação antecipada do condenado, importa aferir é se tal libertação antecipada é ou não incompatível com a defesa da ordem jurídica e da paz social.
Ora, considerando que o tipo de crimes cometidos pelo Recorrente, todos eles associados ao consumo de estupefacientes ou de substâncias psicotrópicas, parece-nos que a sua libertação antecipada não colocará em causa as exigências de prevenção geral que estiveram presentes na respectiva condenação nem hipotecará as expectativas comunitárias na validade das normas penais violadas. Pelo contrário. A aplicação da pena e sua execução quase integral mostram bem que os crimes praticados em Macau são punidos na medida que em cada caso se considera justa e adequada e que as penas aplicadas são também executadas na medida necessária à plena satisfação dos fins que lhe estão subjacentes.
O Recorrente foi um consumidor de droga; não foi um traficante de droga. E isto, que faz toda a diferença, não pode, a nosso modesto ver, deixar de ser ponderado quando em causa esta a aferição da compatibilidade da libertação antecipada com as exigências de prevenção geral.
Daí que se nos afigure, com todo o respeito o dizemos, que a douta decisão recorrida andou mal ao considerar que não estão preenchidos os pressupostos da concessão da liberdade condicional previstos nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 56.º do Código Penal.
A libertação antecipada, aconselhada pelas razões de prevenção especial que antes referimos, é inteiramente compatível com a defesa da ordem jurídica e da paz social a que se refere a alínea b) do n.º 2 do artigo 56.º do Código Penal.
3.
Pelo exposto, somos de parecer de que deve ser dado provimento ao recurso jurisdicional interposto pelo condenado, revogando-se a douta decisão recorrida e substituindo-a por outra que lhe conceda a liberdade condicional.».
Foram colhidos os Vistos.
Cumpre assim apreciar e decidir.
II. FUNDAMENTAÇÃO
a) Dos factos
Da decisão sob recurso consta a seguinte factualidade:
O condenado neste processo A foi condenado da seguinte forma:
➢ Em 26/01/2016, no processo penal comum nº CR4-15-0611-PCS do Tribunal Singular do 4º Juízo Criminal, o condenado foi condenado pela prática de um “crime de consumo ilícito de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas”, p.p. pelo artº 14º da Lei nº 17/2009, na pena de 2 meses de prisão; pela prática de dois “crimes de condução sob influência de estupefacientes ou substâncias psicotrópicas”, p.p. pelo artº 90º, nº 2 da LTR, na pena de 4 meses, cada, além disso, foi-lhe aplicada a pena acessória de inibição de condução, pelo período de 1 ano e 3 meses por cada um dos dois crimes praticados. Em cúmulo jurídico, foi aplicada ao condenado a pena única de 7 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de três anos, acompanhada de regime de prova, com sujeição ao acompanhamento na área de assistência social e à obrigação de se submeter a tratamento de desintoxicação durante o período de suspensão da pena, acrescida da pena acessória de inibição de condução pelo período de 2 anos e 6 meses (vd. fls. 24 a 25 do processo de execução da pena de prisão). A sentença transitou em julgado em 22/02/2016 (vd. fls. 45 do processo de execução da pena de prisão).
➢ Em 13/02/2016, no processo penal comum nº CR4-16-0437-PCS do Tribunal Singular do 4º Juízo Criminal, o condenado foi condenado pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um “crime de consumo ilícito de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas”, p.p. pelo artº 14º da Lei nº 17/2009, na pena de 2 meses de prisão; pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um “crime de detenção indevida de utensílio ou equipamento”, p.p. pelo artº 15º da Lei nº 17/2009, na pena de 2 meses de prisão, e pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um “crime de condução sob influência de estupefacientes ou substâncias psicotrópicas”, p.p. pelo artº 90º, nº 2 da LTR, na pena de 6 meses de prisão, com pena acessória de inibição de condução pelo período de 1 ano e 9 meses. Em cúmulo jurídico, foi aplicada ao condenado a pena única de 8 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 3 anos, acompanhada de regime de prova, com sujeição ao acompanhamento na área de assistência social e ao exame úrico ou tratamento de desintoxicação durante o período de suspensão, além disso, ficou o mesmo sujeito ao pagamento, no prazo de três meses após o trânsito em julgado da sentença, duma contribuição no valor de MOP8.000 à RAEM. Operando o cúmulo jurídico das penas aplicadas neste processo e no CR4-15-0611-PCS (no total seis penas), foi-lhe aplicada a pena única de 1 ano e 2 meses de prisão, acrescida da pena de inibição de condução pelo período de 3 anos e 9 meses (contado desde a execução da pena acessória aplicada no processo CR4-15-0611-PCS, o que não impede a execução da pena aplicada na sequência do cúmulo jurídico das penas no processo CR3-15-0137-PCS e neste processo). A execução da pena de prisão foi suspendida pelo período de 3 anos, com a condição de o condenado se sujeitar a regime de prova, acompanhamento na área de assistência social e exame úrico ou tratamento de desintoxicação durante o período de suspensão, além disso, ficou o mesmo sujeito ao pagamento, no prazo de três meses após o trânsito em julgado da sentença, duma contribuição no valor de MOP8.000 à RAEM. (vd. fls. 43 a 49v do processo de execução da pena de prisão). A sentença transitou em julgado em 06/03/2017 (vd. fls. 42 do processo de execução da pena de prisão).
➢ Em 18/05/2018, no processo penal comum nº CR1-17-0407-PCC do Tribunal Colectivo do 1º Juízo Criminal, o condenado foi condenado pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um “crime de consumo ilícito de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas”, p.p. pelo artº 14º, nºs 1 e 2 da Lei nº 17/2009, alterada pela Lei nº 10/2016, conjugado com o artº 8º, nº 1 da mesma lei, na pena de 5 anos e 3 meses de prisão efectiva (vd. fls. 4 a 9 do processo de execução da pena de prisão). Inconformado, do acórdão recorreu o condenado para o Tribunal de Segunda Instância. Por acórdão proferido em 30/07/2018, o Tribunal de Segunda Instância julgou improcedente o recurso (vd. fls. 10 a 12 do processo de execução da pena de prisão). O acórdão transitou em julgado em 27/08/2018 (vd. fls. 3 do processo de execução da pena de prisão).
➢ Em 22/10/2018, no processo penal comum nº CR4-16-0437-PCS do Tribunal Singular do 4º Juízo Criminal, o Tribunal decidiu, nos termos do artº 54º, nº 1, al. b) do CP, revogar a suspensão da pena do condenado, isso significa que o mesmo deve cumprir a pena de 1 ano e 2 meses de prisão (vd. fls. 50 a 51v do processo de execução da pena de prisão). A decisão transitou em julgado em 19/11/2018 (vd. fls. 42 do processo de execução da pena de prisão).
Nos termos expostos, o condenado deve cumprir a pena de 6 anos e 5 meses de prisão efectiva.
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No processo CR4-16-0437-PCS, o condenado A foi detido por um dia em 25/09/2015; no processo CR1-17-0407-PCC, foi detido por dois dias em 22 a 23/03/2017 e, em 23 /03/2017, foi conduzido ao Estabelecimento Prisional de Macau em Coloane. O termo da sua pena ocorrerá a 21/08/2023 e o condenado já cumpriu a pena necessária para a concessão de liberdade condicional em 01/07/2021 (fls. 56 a 57 do processo de execução da pena de prisão).
O condenado ainda não pagou as custas judiciais e outros encargos do processo condenatório (fls. 63 a 64 do processo de execução da pena de prisão).
Não tem outro processo pendente contra si (vd. fls. 69 a 86 dos autos).
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O condenado não é primário, cumpre pena pela primeira vez.
Segundo o seu registo prisional, o condenado é classificado no grupo de confiança, não tem qualquer registo de infracção das regras prisionais. O seu comportamento global na cadeia é avaliado como “bom”.
O condenado, que tem actualmente 25 anos, nasceu em Macau e é residente de Macau. O condenado é filho único dos seus pais, vivia com os avôs maternos desde a sua infância. Os seus pais divorciaram-se e casaram-se em segunda núpcias, ambos têm filhos do segundo casamento. Portanto, o condenado tem dois meios-irmãos. Enquanto namorava com a namorada, esta ficou gravida sem querer, o que resultou no casamento dos dois. Actualmente, o casal tem um filho de 8 anos.
O condenado alegou abandonar o estudo antes de concluir o 9º ano de escolaridade por a então namorada ficar gravida. Depois de deixar de estudar o mesmo começou a trabalhar, tendo trabalhado como gerente de bar, promotor de jogo e produtor de cinema.
Durante o cumprimento da sua pena, a sua família visitou-o periodicamente, especialmente os pais dele.
O condenado frequentou o curso de ensino recorrente de nível secundário-geral desde Setembro de 2020, mas deixou de frequentá-lo por querer concentrar-se na acção formativa profissional, tendo participado na acção formativa de limpeza de andares no período de Julho de 2018 a Janeiro de 2021 e desde Março de 2021.
Segundo o condenado, ele vai procurar o abrigo junto do seu pai depois da sua libertação. O pai tem uma casa própria com espaço que dá para a família toda do condenado. A sua família já lhe arranjou um trabalho num restaurante.
O condenado foi ouvido sobre a liberdade condicional, nos termos do artº 468º, nº 2, do CPP, o qual fez uma declaração através de carta, em que alegou que, durante o cumprimento da pena, participa activamente nas diversas actividades prisionais e reconhece, através dessas actividades, as suas deficiências e os malefícios provocados por estupefacientes, tendo interiorizado o desvalor dos seus actos. Com o apoio e encorajamento prestado pela sua família durante o cumprimento da pena, o condenado determina deixar os vícios. Uma vez reintegrado na sociedade, pretende tirar alguns cursos de formação para se preparar bem, de modo a contribuir para a sociedade e família. Referiu ainda que se for concedida a liberdade condicional, irá cumprir todas as obrigações. O condenado pede ao Sr. Juiz que lhe conceda a liberdade condicional (fls. 53 a 58, 65 a 67v dos autos)
b) Do Direito
O artº 56º do CP regula os pressupostos e duração da liberdade condicional nos seguintes termos:
Artigo 56.º
(Pressupostos e duração)
1. O tribunal coloca o condenado a pena de prisão em liberdade condicional quando se encontrarem cumpridos dois terços da pena e no mínimo 6 meses, se:
a) For fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes; e
b) A libertação se revelar compatível com a defesa da ordem jurídica e da paz social.
2. A liberdade condicional tem duração igual ao tempo de prisão que falte cumprir, mas nunca superior a 5 anos.
3. A aplicação da liberdade condicional depende do consentimento do condenado.
Depende, assim, a concessão da liberdade condicional da verificação de pressupostos formais – a saber: cumprimento de 2/3 da pena no mínimo de 6 meses e consentimento do arguido – e materiais – a saber, os indicados nas alíneas a) e b) do nº 1 do citado preceito -.
A indicada alínea a) está relacionada com o objectivo maior da execução da pena de prisão e que consiste na “ressocialização do agente”, havendo de ser aferida em função da aquisição pelo recluso de «condições favoráveis ao prosseguimento de uma vida sem praticar crimes, ao seu ingresso na vida fiel ou conformada com o dever-ser jurídico penal, visando a prevenção da reincidência através da colaboração voluntária e activa daquele» - Cit. Figueiredo Dias em Os Novos Ramos da Política Criminal e do Direito Penal Português do Futuro, pág. 29 e 30, citado por Manuel Leal Henriques em Manual de Formação de Direito Penal de Macau, pág. 228, Ed. 2005.
A alínea b) do indicado preceito visa a defesa da sociedade no âmbito da prevenção geral positiva e negativa, isto é, seja por via do restabelecimento na comunidade da confiança da salvaguarda dos bens jurídicos, seja por via da prevenção/intimidação quanto à prática de futuros crimes.
Como se diz no Acórdão deste Tribunal de 21.11.2019, proferido no processo nº 1068/2019, «Com efeito, importa ter em conta que a liberdade condicional não é uma “medida de clemência”, constituindo uma medida que faz parte do normal desenvolver da execução da pena de prisão, manifestando-se como uma forma de individualização da pena no fito de ressocialização, pois que serve um objectivo bem definido: o de criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, durante o qual o delinquente possa, equilibradamente, recobrar o sentido de orientação social fatalmente enfraquecido por efeito da reclusão; (cfr., v.g., J. L. Morais Rocha e A. C. Sá Gomes in “Entre a Reclusão e a Liberdade – Estudos Penitenciários”, Vol. I, em concreto, “Algumas notas sobre o direito penitenciário”, IV cap., pág. 41 e segs.).
Trata-se de um incidente de execução da pena de prisão a que preside uma finalidade específica de prevenção especial positiva ou de socialização, e que assenta na formulação de um juízo de prognose favorável sobre o comportamento futuro e em liberdade, do condenado que já cumpriu parte considerável da pena; (cfr., Figueiredo Dias in, “Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime”, 1993, Aequitas, Editorial Notícias, pág. 528).
Na esteira do repetidamente decidido nesta Instância, a liberdade condicional “é de conceder caso a caso, dependendo da análise da personalidade do recluso e de um juízo de prognose fortemente indiciador de que o mesmo vai reinserir-se na sociedade e ter uma vida em sintonia com as regras de convivência normal, devendo também constituir óbviamente matéria de ponderação, a defesa da ordem jurídica e da paz social”; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 25.07.2019, Proc. n.° 759/2019, de 05.09.2019, Proc. n.° 891/2019 e de 17.10.2019, Proc. n.° 992/2019, podendo-se também sobre o tema ver o Ac. da Rel. de Coimbra de 24.01.2018, Proc. n.° 540/16).
(…)
Com efeito, na formulação do juízo de prognose sobre o comportamento futuro do condenado, o tribunal deve ponderar os traços da sua personalidade e a evolução desta durante a execução da pena, as competências por si adquiridas no período de reclusão, o comportamento prisional, o seu relacionamento com o crime cometido, as necessidades subsistentes de reinserção social, e, em especial, as perspectivas de enquadramento familiar, social e profissional e a necessidades de protecção da vítima, quando disso seja caso. A liberdade condicional deverá ser concedida quando o julgador conclua que o condenado reúne condições que, razoavelmente, fundam a expectativa de que, uma vez colocado em liberdade, assumirá uma conduta conforme às regras da comunidade. Inversamente, a liberdade condicional deverá ser negada quando o julgador conclua que o condenado não reúne tais condições, seja porque o juízo contrário se revela carecido de razoabilidade, seja porque se revela temerário; (cfr., v.g., o recente Ac. da Rel. de Coimbra de 12.06.2019, Proc. n.° 3371/10).
Como também já tivemos oportunidade de considerar, a liberdade condicional não é de conceder quando o percurso até ao momento experienciado pelo condenado não oferece ainda suficiente segurança para sustentar um “juízo positivo” acerca do seu comportamento futuro quando em meio livre; (neste sentido, cfr., v.g., o recente Ac. da Rel. de Évora de 19.02.2019, Proc. n.° 13/16).».
No que concerne aos requisitos formais para a concessão da liberdade condicional dúvidas não há, no caso em apreço, de estarem os mesmos verificados.
No parecer elaborado pelo Director dos Serviços Correccionais foi formulada opinião no sentido de não ser concedida a liberdade condicional e na Informação prestada pela Divisão de Segurança e Vigilância do Estabelecimento Prisional foi formulada opinião no sentido daquela ser concedida.
Na decisão recorrida foi entendido que não estavam verificados os requisitos materiais para a concessão da liberdade condicional.
Entende o Ilustre Magistrado do Ministério Público junto deste tribunal estarem preenchidos os requisitos para ser concedida a liberdade condicional.
Vejamos então.
Foi preponderante na decisão recorrida as várias condenações de que o Recluso já havia sido alvo por consumo ilícito e tráfico de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas, detenção indevida de utensílio ou equipamento e condução sob a influência de estupefacientes, em penas de prisão cuja execução foi suspensa, as quais, contudo, não se mostraram suficientes para que o recluso conformasse a sua personalidade e comportamento de acordo com a lei, pelo que, pese embora o bom comportamento prisional, se entendeu que o cumprimento da pena até agora atingido não é suficiente para se concluir que aquele já adquiriu as competências necessárias para agir de acordo com o dever-ser jurídico penal de que se falou supra.
Considerando a natureza dos crimes em causa, bem como, que por força das circunstancias da vida o recluso antes de iniciar o cumprimento efectivo da prisão, e sendo já alvo de várias condenações em penas de prisão não teve vontade própria para se afastar da prática deste género de crimes nem usufruiu de apoio de terceiros, eventualmente familiar, para se afastar do consumo de estupefacientes, situação que, não resulta com evidência dos autos que se tenha alterado substancialmente, acompanhamos o parecer do Director do estabelecimento prisional e a decisão recorrida no entendimento de não ser ainda seguro de que, sem prejuízo do Recluso em ambiente prisional se ter afastado da toxicodependência, que haja também moldado a sua personalidade de modo socialmente responsável.
Pelo que, se entende que se continua a justificar o seu acompanhamento não estando ainda preenchido o requisito de prevenção especial previsto na al. a) do nº 1 do artº 56º do CP.
No que concerne ao requisito de prevenção geral, embora se entenda a razão de ser da argumentação da decisão recorrida, no caso em apreço não a acompanhamos integralmente, uma vez que a mesma será válida se estiverem em causa crimes de tráfico de estupefacientes, mas não crimes de consumo como é o caso dos autos. Alcançado o requisito da prevenção especial no caso sub judice a valorização a dar à prevenção geral haverá de ser inferior à enunciada havendo que privilegiar a reinserção social do recluso.
Contudo, neste momento, e neste caso, considerando as condenações anteriores em penas suspensas que foram inócuas para motivar a alteração de comportamento do então arguido, a concessão da liberdade condicional mostra-se um prémio fácil para quem antes reiteradamente e a despeito das oportunidades que lhe foram dadas não conformou o seu comportamento de acordo com a lei.
Pelo que, apenas por essa razão e nesta fase entendemos não estar ainda – o que significa que no futuro não possa vir a estar – cumprido o requisito de prevenção geral previsto na al. b) do nº 1 do artº 56º do CP não se revelando a libertação compatível com a defesa da ordem jurídica e a paz social.
Destarte, entendendo-se que não estão verificados os requisitos das alíneas a) e b) do nº 1 do artº 56º do CP, impõe-se decidir em conformidade.
III. DECISÃO
Nestes termos e pelos fundamentos expostos, nega-se provimento ao recurso.
Custas pelo Recorrente fixando-se a taxa de justiça em 3 UC´s.
Notifique.
RAEM, 11 de Agosto de 2021
(Relator)
Rui Carlos dos Santos Pereira Ribeiro
(Primeira Juíza-Adjunta)
Lok Si Mei
(Segundo Juiz-Adjunto)
Rong Qi
Vencido por não poder acompanhar os fundamentos do acórdão antecedente:
Tratando-se aqui de um tóxico dependente habitual pelo abuso de estupefacientes, o recluso que possa ser, em certa medida, inabilitado nos termos do direito civil, por falta da capacidade jurídica plena, pela mesma lógica, não deveria ser colocado no mesmo patamar de exigência de comportamentos que os plenamente capazes, mesmo no direito penal. Se assim é, na situação vertente, seriam mais atenuadas, ou deixariam de ser intensas as necessidades de prevenção geral e especial para o efeito da concessão da liberdade condicional.
Nestes termos, inclino-me a aderir a posição plasmada no douto parecer do Magistrado do Ministério Público, no sentido de que deva ser concedida a liberdade condicional requerida por se encontrarem preenchidos os requisitos respeitantes à prevenção geral e especial, estabelecidos no artigo 56.º do Código Penal.
659/2021
PENAL (LC) 1