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Processo n.º 674/2021 Data do acórdão: 2021-9-30
Assuntos:
– transporte de passageiros em automóveis ligeiros de aluguer
– táxi como automóvel ligeiro destinado ao transporte público
– aparelho de gravação de som e imagem instalado em táxi
– utilizar táxi para fins não relacionados com o serviço de táxi
– art.o 2.o, alínea 1), da Lei n.o 3/2019
– art.o 23.o, n.o 1, alínea 14), da Lei n.o 3/2019
– art.o 25.o, n.o 4, da Lei n.o 3/2019
– prática de crime no exercício de condução em táxi
– aplicabilidade do art.o 8.o do Decreto-Lei n.o 52/99/M
– utilização de imagens e sons captados pelo aparelho de gravação
– consentimento da pessoa titular de imagens e sons
– investigação criminal
– finalidades de segurança ou de justiça
– art.o 80.o, n.os 2 e 5, do Código Civil
– art.o 113.o, n.o 3, do Código de Processo Penal
– art.o 32º , n.os 1 e 2, da Lei n.o 3/2019
– art.o 30.o, n.o 1, do Código Penal
– art.o 191.o do Código Penal
– crimes de gravações e fotografias ilícitas
– carácter lícito da gravação
– carácter lícito de valoração pelo tribunal do conteúdo da gravação
– formação da livre convicção sobre os factos em processo penal
S U M Á R I O
1. Nos termos no art.o 2.o, alínea 1), da Lei n.o 3/2019 (Regime jurídico do transporte de passageiros em automóveis ligeiros de aluguer) (doravante abreviado como Regime Jurídico), “Táxi” é automóvel ligeiro destinado ao transporte público, que está equipado com taxímetro e outros equipamentos legalmente previstos. E um desses equipamentos é aparelho de gravação de som e imagem de marca e modelo aprovados pela Direcção dos Serviços para os Assuntos de Tráfego (DSAT), cuja instalação, manutenção, aferição, calibração e remoção só podem ser efectuadas pelas entidades autorizadas para o efeito pela DSAT (cfr. o art.o 12.o, n.o 1, alínea 3), e n.o 2, do Regime Jurídico).
2. É vedado ao condutor de táxi utilizar o táxi para fins não relacionados com o serviço de transporte de passageiros em táxi. E cabe ao Corpo de Polícia de Segurança Pública (CPSP) a fiscalização do cumprimento, inclusivamente, deste preceito legal cogente. (Cfr. o art.o 23.o, n.o 1, alínea 14), e o art.o 25.o, n.o 4, do Regime Jurídico, respectivamente).
3. A violação da alínea 14) do n.o 1 do art.o 23.o do Regime Jurídico constitui infracção administrativa punível com multa de trinta mil patacas (cfr. o n.o 4 do mesmo art.o 23.o), sem prejuízo da aplicabilidade da seguinte norma do art.o 8.o, com a epígrafe de “Concurso de infracções”, do Decreto-Lei n.o 52/99/M (Regime geral das infracções administrativas e respectivo procedimento) a casos de prática de crime no exercício de condução em táxi.
4. O tratamento e utilização, para efeitos de investigação criminal – efeitos estes integrados indubitavelmente no âmbito de exigências ou finalidades de segurança ou de justiça – de imagens e sons captados pelo aparelho de gravação instalado dentro de táxi não carecem do consentimento da própria pessoa titular de imagens e/ou sons em causa, por força precisamente do disposto no art.o 80.o, n.os 2 e 5, do Código Civil, regras jurídicas estas que prejudicam evidentemente a tese do arguido taxista recorrente segundo a qual o tribunal recorrido, para efeitos de formação da sua livre convicção sobre os factos no presente processo penal, terá valorado ilegalmente, em violação do art.o 113.o, n.o 3, do Código de Processo Penal, o conteúdo da gravação sonora do aparelho instalado dentro do táxi então por ele conduzido.
5. As normas ínsitas nos n.os 1 e 2 do art.o 32º do Regime Jurídico não têm a virtude de afastar a aplicabilidade das ditas regras dos n.os 2 e 5 do art.o 80.o do Código Civil (até porque na letra desses n.os 1 e 2 do art.o 32.o do Regime Jurídico nem tenham sido utilizadas pelo seu Legislador expressões tais como “só podem ser…” e “só tem competência…”, respectivamente).
6. As mesmas regras dos n.os 2 e 5 do art.o 80.o do Código Civil, como relevam logicamente nos termos e para os efeitos do art.o 30.o, n.o 1, do Código Penal, afastam a possibilidade de verificação de crimes de gravações e fotografias ilícitas previstos no art.o 191.o do Código Penal, em toda a situação em que algum passageiro de táxi ou até algum condutor de táxi se opuser à gravação das suas imagens e/ou sons pelo aparelho de gravação instalado dentro de táxi.
7. Do acima exposto resulta demonstrado o carácter lícito do tratamento e utilização, para efeitos de investigação criminal, do conteúdo de gravação feita pelo aparelho instalado dentro de táxi (cfr. o disposto no art.o 112.o do Código de Processo Penal), carácter lícito este que garante também o carácter lícito de valoração, pelo tribunal recorrido, do conteúdo da gravação em causa, para efeitos de formação da sua livre convicção sobre os factos constitutivos do objecto probando do subjacente processo penal.
O relator,
Chan Kuong Seng

Processo n.º 674/2021
(Autos de recurso penal)
Recorrentes:
1.o arguido A
2.o arguido B





ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Por acórdão proferido a fls. 655 a 667v do Processo Comum Colectivo n.o CR2-21-0092-PCC do 2.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base:
– ficou condenado o 1.o arguido A na pena única de dez anos de prisão, por prática, em co-autoria material, em concurso real efectivo, de:
– um crime tentado de acolhimento qualificado do art.o 15.o, n.o 2, da Lei n.o 6/2004 (praticado a respeito de um indivíduo de imigração clandestina, chamado C, em dois anos e seis meses de prisão;
– três crimes consumados de acolhimento qualificado, p. e p. pelo art.o 15.o, n.o 2, dessa Lei (praticados a respeito de três indivíduos de imigração clandestina, chamados D, E e F, respectivamente), em três anos e seis meses de prisão por cada;
– um crime consumado de auxílio qualificado do art.o 14.o, n.o 2, da mesma Lei (praticado a respeito de um indivíduo de imigração clandestina, chamado G), em seis anos de prisão;
– e um crime consumado de auxílio simples, do art.o 14.o, n.o 1, da mesma Lei (praticado a respeito de um indivíduo de imigração clandestina, chamado H), em quatro anos de prisão;
– e ficou condenado o 2.o arguido B na pena única de oito anos de prisão, por prática, em co-autoria material, em concurso real efectivo, de:
– três crimes consumados de acolhimento qualificado, p. e p. pelo art.o 15.o, n.o 2, dessa Lei (praticados a respeito dos acima referidos três indivíduos chamados D, E e F), em três anos e seis meses de prisão por cada;
– um crime consumado de auxílio qualificado do art.o 14.o, n.o 2, da mesma Lei (praticado a respeito do acima referido indivíduo chamado G), em seis anos de prisão;
– e um crime consumado de auxílio simples, do art.o 14.o, n.o 1, da mesma Lei (praticado a respeito do acima referido indivíduo chamado H), em quatro anos de prisão.
Vieram recorrer ambos os arguidos para este Tribunal de Segunda Instância (TSI).
Alegou o 1.o arguido, na sua motivação de fls. 689 a 704 dos presentes autos correspondentes, na sua essência, o seguinte:
– a propósito do crime de acolhimento qualificado tentado (em relação ao indivíduo C) por que ele vinha condenado em primeira instância, houve erro notório, por parte do Tribunal sentenciador, na apreciação da prova, como vício referido na alínea c) do n.o 2 do art.o 400.o do Código de Processo Penal (CPP), porquanto ante o facto provado 8, não se poderia dar por provado o facto provado 7, pelo que deveria ser ordenado o reenvio do processo para novo julgamento quanto a este crime;
– e ainda sobre este crime tentado, fosse como fosse, não deixaria de haver erro de qualificação jurídica dos factos, já que o que se deveria fazer seria proceder à convolação desse crime tentado para um crime consumado de acolhimento simples do art.o 15.o, n.o 1, da Lei n.o 6/2004;
– no tocante ao crime consumado de auxílio qualificado (a respeito do acima referido indivíduo chamado G) e ao crime consumado de auxílio simples (relativamente ao acima referido indivíduo chamado H) pelos quais vinha condenado ele próprio o ora recorrente, os factos provados 1, 2 e 30 eram meramente conclusivos, e, pois, sem qualquer suporte em outros factos provados concretos, pelo que deveria ele passar a ser absolvido destes dois crimes;
– e mesmo que assim não se entendesse, estes dois crimes deveriam ser convolados para a sua forma tentada;
– por fim, não deixaria de haver excesso na medida concreta das penas feita no acórdão recorrido, devendo ele passar a ser condenado em dois anos e nove meses de prisão por cada um dos três crimes consumados de acolhimento qualificado, e passar a ser condenado em cinco anos e três meses de prisão pelo seu crime consumado de auxílio qualificado, e passar a ser condenado, a final, em seis anos de prisão única.
Por outro lado, alegou o 2.o arguido, na sua motivação de fls. 713 a 724v dos presentes autos, na sua essência, o seguinte:
– houve, no caso, valoração, por parte do Tribunal recorrido, de autêntica prova proibida, consistente no teor de gravação sonora feita dentro do táxi dos presentes autos então conduzido por ele próprio, na formação da livre convicção sobre os factos que levou à condenação dele, dado que tal gravação sonora foi feita nos termos do art.o 32.o da Lei n.o 3/2019 (Regime jurídico de transporte de passageiros em automóveis ligeiros de aluguer) para eventual investigação de prática de acto de infracção administrativa, e não de prática de acto delitual penal, pelo que a decisão condenatória em impugnação estava a padecer do vício de erro notório na apreciação da prova (por violação ao disposto no art.o 113.o, n.o 3, do CPP), devendo os factos provados 10 a 12, 14, 17, 19 a 20, 22, 24 e 27 a 31 passar a ser considerados não provados, com consequente absolvição dele de todos os crimes;
– relativamente aos três crimes consumados de acolhimento qualificado por que vinha ele condenado, o dinheiro que ele então cobrou aos respectivos três passageiros constituiu preço legal de transporte por táxi previsto pela Lei n.o 3/2019, e, pois, não foi benefício patrimonial da prática de crime, por um lado, e, por outro, os factos provados 3 e 29 eram meramente conclusivos, daí que os três crimes consumados de acolhimento qualificado em questão deveriam passar a ser convolados como sendo três crimes consumados de acolhimento simples do art.o 15.o, n.o 1, da Lei 6/2004;
– no tocante ao crime consumado de auxílio qualificado (a respeito do acima referido indivíduo chamado G) e ao crime consumado de auxílio simples (relativamente ao acima referido indivíduo chamado H) por que vinha condenado em primeira instância, estes dois delitos deveriam passar a ser dois crimes de acolhimento praticados na forma tentada ou preparatória;
– fosse como fosse, esse seu crime consumado de auxílio qualificado deveria ser convolado para o crime consumado de auxílio simples;
– e fosse como fosse, ele próprio praticou os factos apenas como cúmplice;
– e mesmo que assim não se entendesse, sempre teria havido excesso na medida da pena, pelo que deveriam as penas dele ser reduzidas.
Aos recursos dos 1.o e 2.o arguidos, respondeu o Ministério Público correspondentemente a fls. 731 a 735v e a fls. 738 a 741v dos autos, no sentido de improcedência da argumentação desses dois recorrentes.
Subidos os autos, o Digníssimo Procurador defendeu a manutenção do julgado, no seu douto parecer a fls. 761 a 774v.
Feito o exame preliminar dos autos e corridos os vistos legais, cumpre decidir dos dois recursos finais em causa.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Do exame dos autos, sabe-se que o acórdão recorrido ficou proferido a fls. 655 a 667v, cujo teor (nele se incluindo a respectiva fundamentação fáctica e probatória) se dá por aqui integralmente reproduzido.
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
De antemão, cabe observar que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao ente julgador de recurso cumpre só resolver as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e ao mesmo tempo devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
Começa-se por abordar a questão de prova proibida colocada pelo 2.o arguido aquando da arguição do vício de erro notório na apreciação da prova.
Nos termos definidos no art.o 2.o, alínea 1), da Lei n.o 3/2019 (Regime jurídico do transporte de passageiros em automóveis ligeiros de aluguer) (doravante abreviado como Regime Jurídico), “Táxi” é automóvel ligeiro destinado ao transporte público, que está equipado com taxímetro e outros equipamentos legalmente previstos.
E um desses equipamentos legalmente previstos é aparelho de gravação de som e imagem de marca e modelo aprovados pela Direcção dos Serviços para os Assuntos de Tráfego (DSAT), cuja instalação, manutenção, aferição, calibração e remoção só podem ser efectuadas pelas entidades autorizadas para o efeito pela DSAT (cfr. o art.o 12.o, n.o 1, alínea 3), e n.o 2, do Regime Jurídico).
Sendo certo que constitui dever do titular da licença, atribuída pela DSAT, da exploração da actividade de transporte de passageiros em táxi assegurar a afixação, no interior e exterior do veículo, em lugar bem visível, do anúncio de modelo aprovado pela DSAT, para que aqueles que pretendam utilizar o táxi tomem conhecimento de que o táxi está equipado com aparelho de gravação de som e imagem (cfr. os art.os 3.o, n.o 1, e 10.o, n.o 1, alínea 7), do Regime Jurídico).
Segundo o art.o 23.o, n.o 1, alínea 14), do Regime Jurídico, é vedado ao condutor de táxi a prática dos actos de Utilizar o táxi para fins não relacionados com o serviço de transporte de passageiros em táxi. E cabe ao Corpo de Polícia de Segurança Pública (CPSP) a fiscalização do cumprimento, inclusivamente, deste preceito legal cogente (cfr. o art.o 25.o, n.o 4, do Regime Jurídico).
Nota-se que a violação do disposto na referida alínea 14) do n.o 1 do art.o 23.o do Regime Jurídico constitui infracção administrativa punível com multa de trinta mil patacas (cfr. o n.o 4 do mesmo art.o 23.o), sem prejuízo da aplicabilidade da seguinte norma do art.o 8.o, com a epígrafe de “Concurso de infracções”, do Decreto-Lei n.o 52/99/M (Regime geral das infracções administrativas e respectivo procedimento) a casos de prática de crime no exercício de condução em táxi (por exemplo, prática, por taxista, de acto de acolhimento de imigrante clandestino em Macau aquando da condução em táxi): Quando o mesmo facto constitua simultaneamente crime ou contravenção e infracção administrativa, o infractor é punido unicamente a título daqueles, sem prejuízo da aplicabilidade das sanções acessórias previstas para a infracção administrativa.
De todo o acima referenciado, decorre com nitidez que: ao táxi é necessário estar equipado com o aparelho de gravação de som e imagem; e ao CPSP cumpre fiscalizar o cumprimento mormente da norma cogente da alínea 14) do n.o 1 do art.o 23.o deste Regime Jurídico.
Cabe saber, pelo seguinte, se o conteúdo da gravação feita por este tipo de aparelho instalado dentro do táxi pode ser utilizado para efeitos de investigação criminal de algum acto delitual penalmente relevante.
O art.o 113.o, n.o 3, do CPP determina que ressalvados os casos previstos na lei, são nulas as provas obtidas mediante intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações sem o consentimento do respectivo titular.
E o art.o 32.o, n.os 1 e 2, do Regime Jurídico prescreve o seguinte:
<<1. Cabe à DSAT o tratamento das informações registadas pelos sistemas de navegação global por satélite e pelos aparelhos de gravação de som e imagem, a que se refere a alínea 3) do n.º 1 do artigo 12.º, as quais podem ser consultadas e acedidas imediatamente pelo seu director ou pelo pessoal por este autorizado para o efeito quando se verifiquem, por iniciativa da própria DSAT ou por denúncia recebida, indícios da existência das infracções administrativas previstas na presente lei, e sempre que se entenda necessário.
2. Para efeitos de investigação das infracções administrativas previstas na presente lei que se enquadrem no âmbito das suas competências sancionatórias, o comandante do CPSP ou o pessoal por este autorizado para o efeito, tem competência para a consulta e acesso às informações a que se refere o número anterior.>>
Enquanto o Código Civil vigente, no seu art.o 80.o, dita o seguinte:
< (Direito à imagem e à palavra)
1. O retrato ou qualquer outro sinal visualmente identificador de uma pessoa não pode ser captado, exposto, reproduzido, divulgado ou lançado no comércio sem o consentimento dela; depois da morte da pessoa retratada, a autorização compete às pessoas designadas no n.º 2 do artigo 68.º, segundo a ordem nele indicada.
2. Não é necessário o consentimento da pessoa retratada quando assim o justifiquem a sua notoriedade, o cargo que desempenhe, exigências de segurança ou de justiça, finalidades científicas, didácticas ou culturais, ou quando a imagem estiver enquadrada na de lugares públicos, ou na de factos de interesse público ou que hajam decorrido publicamente.
3. O retrato não pode, porém, ser reproduzido, exposto ou lançado no comércio, se do facto puder resultar ofensa do direito à honra, nos termos do artigo 73.°
4. As imagens de lugares públicos captadas para finalidades de segurança ou de justiça apenas podem ser utilizadas para estes fins, devendo ser destruídas logo que se tornem desnecessárias.
5. O disposto nos números anteriores é aplicável, com as necessárias adaptações, à captação, reprodução e divulgação da palavra de uma pessoa.>>
No entender do presente Tribunal de recurso, o tratamento e utilização, para efeitos de investigação criminal – efeitos estes integrados indubitavelmente no âmbito de exigências ou finalidades de segurança ou de justiça – de imagens e sons captados pelo aparelho de gravação instalado dentro de táxi não carecem do consentimento da própria pessoa titular de imagens e/ou sons em causa, por força precisamente do disposto no art.o 80.o, n.os 2 e 5, do Código Civil, regras jurídicas estas que prejudicam evidentemente a tese do 2.o arguido recorrente segundo a qual o Tribunal recorrido, para efeitos de formação da sua livre convicção sobre os factos, terá valorado ilegalmente, em violação do art.o 113.o, n.o 3, do CPP, o conteúdo da gravação sonora do aparelho instalado dentro do táxi então por ele conduzido.
As normas ínsitas nos n.os 1 e 2 do art.o 32.º do Regime Jurídico não têm a virtude de afastar a aplicabilidade das ditas regras dos n.os 2 e 5 do art.o 80.o do Código Civil (até porque na letra desses n.os 1 e 2 do art.o 32.o do Regime Jurídico nem tenham sido utilizadas pelo seu Legislador expressões tais como “só podem ser…” e “só tem competência…”, respectivamente).
De frisar que as mesmas regras dos n.os 2 e 5 do art.o 80.o do Código Civil, como relevam logicamente nos termos e para os efeitos do art.o 30.o, n.o 1, do Código Penal (CP) (em sintonia com o qual “O facto não é punível quando a sua ilicitude for excluída pela ordem jurídica considerada na sua totalidade”), afastam a possibilidade de verificação de crimes de gravações e fotografias ilícitas previstos no art.o 191.o do CP, em toda a situação em que algum passageiro de táxi ou até algum condutor de táxi se opuser à gravação das suas imagens e/ou sons pelo aparelho de gravação instalado dentro de táxi.
Do acima analisado, resulta demonstrado o carácter lícito, inclusivamente, do tratamento e utilização, para efeitos de investigação criminal, do conteúdo de gravação feita pelo aparelho de gravação instalado dentro de táxi (cfr. o disposto no art.o 112.o do CPP), carácter lícito este que garante também o carácter lícito de valoração, pelo Tribunal recorrido, do conteúdo da gravação em causa, para efeitos de formação da sua livre convicção sobre os factos constitutivos do objecto probando do processo.
Improcede, pois, o recurso final do 2.o arguido nesta parte relativa à alegada prova proibida, sem mais indagação por prejudicada ou desnecessária.
Ambos os arguidos esgrimiram à decisão condenatória recorrida o vício de erro notório na apreciação da prova.
Sempre se diz que há erro notório na apreciação da prova como vício aludido no art.o 400.o, n.o 2, alínea c), do CPP, quando for patente que a decisão probatória do tribunal violou inclusivamente as leges artis (neste sentido, e de entre muitos outros, cfr. o douto Acórdão do Venerando Tribunal de Última Instância, de 22 de Novembro de 2000, do Processo n.º 17/2000).
Na verdade, o princípio da livre apreciação da prova plasmado no art.º 114.º do CPP não significa que a entidade julgadora da prova possa fazer uma apreciação totalmente livre da prova. Pelo contrário, há que apreciar a prova sempre segundo as regras da experiência, e com observância das leges artis, ainda que (com incidência sobre o caso concreto em questão) não existam quaisquer normas legais a determinar previamente o valor das provas em consideração.
Ou seja, a livre apreciação da prova não equivale à apreciação arbitrária da prova, mas sim à apreciação prudente da prova (em todo o terreno não previamente ocupado por tais normas atinentes à prova legal) com respeito sempre das regras da experiência da vida humana e das leges artis vigentes neste campo de tarefas jurisdicionais.
E no concernente à temática da prova livre, é de relembrar os seguintes preciosos ensinamentos veiculados no MANUAL DE PROCESSO CIVIL (2.ª Edição, Revista e Actualizada, Coimbra Editora, 1985, páginas 470 a 472), de autoria de ANTUNES VARELA, J. MIGUEL BEZERRA e SAMPAIO E NORA:
– < […]
Há, todavia, algumas excepções ao princípio da livre apreciação da prova, que constituem como que justificados resíduos do sistema da prova legal.
[…]
Mas convém desde já conhecer os diferentes graus de convicção do julgador criados pelos meios de prova e precisar o seu alcance prático.
Quando qualquer meio de prova, não dotado de força probatória especial atribuída por lei, crie no espírito do julgador a convicção da existência de um facto, diz-se que foi feita prova bastante – ou que há prova suficiente – desse facto.
Se, porém, a esse meio de prova um outro sobrevier que crie no espírito do julgador a dúvida sobre a existência do facto, a prova deste facto desapareceu, como que se desfez. Nesse sentido se afirma que a prova bastante cede perante simples contraprova, ou seja, em face do elemento probatório que, sem convencer o julgador do facto oposto (da inexistência do facto), cria no seu espírito a dúvida séria sobre a existência do facto.
Assim, se a parte onerada com a prova de um facto conseguir, através de testemunhas, de peritos ou de qualquer outro meio de prova, persuadir o julgador da existência do facto, ela preencheu o ónus que sobre si recaía. Porém, se a parte contrária (ou o próprio tribunal) trouxer ao processo qualquer outro elemento probatório de sinal oposto, que deixe o juiz na dúvida sobre a existência do facto, dir-se-á que ele fez contraprova; e mais se não exigirá para destruir a prova bastante realizada pelo onerado, para neutralizá-la […]>>.
No caso dos autos, da leitura da fundamentação probatória da decisão condenatória penal ora recorrida, não se vislumbra que o Tribunal recorrido tenha violado qualquer norma jurídica sobre o valor das provas, ou violado qualquer regra da experiência da vida humana, ou violado quaisquer leges artis a observar no julgamento da matéria de facto.
Aliás, esse Tribunal já expôs congruentemente, e até com muita minúcia, as razões da formação da sua livre convicção sobre os factos constitutivos do objecto probando dos autos.
Como o resultado do julgamento de factos a que chegou o Tribunal recorrido não é patentemente desrazóavel, é de decidir da presente causa penal de acordo com toda a factualidade já dada por apurada na fundamentação fáctica do aresto recorrido.
De frisar que, ao contrário do interpretado pelo 1.o arguido recorrente na sua motivação do recurso, os factos provados 1, 2 e 30 não são meramente conclusivos, mas sim devida e concretamente conjugados com os factos provados 3, 5, 15, 16, 17, 18 e 19.
Por outro lado, também não assiste razão ao 2.o arguido quando ele preconiza que ante o facto provado 8 não se poderia dar por provado o facto provado 7.
É que:
Segundo o facto provado 7 (conjugado com o facto provado 6), em determinado dia antes de 7 de Setembro de 2020, o 1.o arguido apanhou, levou ou guiou o indivíduo de imigração clandestina em Macau chamado Cpara se deslocar ao local onde se apanhava barco para sair clandestinamente de Macau.
E em conformidade o facto provado 8, esse indivíduo, por motivo não apurado, não chegou a apanhar barco para sair de Macau, e foi interceptado em 7 de Setembro de 2020 pelo pessoal policial do CPSP na Rua de Pequim, perto do Hotel Holiday Inn.
Ora, o facto provado 8 relata as coisas ocorridas em 7 de Setembro de 2020 em relação a esse indivíduo de imigração clandestina, enquanto o facto provado 7 relata as coisas ocorridas antes desse dia 7 de Setembro de 2020.
E os três factos provados em causa (ou seja, os factos provados 6, 7 e 8) são coerentes entre si, não se detectando que o Tribunal recorrido, ao dar por provado inclusivamente o facto provado 7, tenha violado qualquer norma jurídica sobre o valor das provas, ou violado qualquer regra da experiência da vida humana, ou violado quaisquer leges artis a observar no julgamento dos factos.
E o mesmo se pode dizer indubitavelmente em relação aos factos provados 10 a 12, 14, 17, 19 a 20, 22, 24 e 27 a 31, sindicados pelo 2.o arguido na sua motivação do recurso do acórdão da Primeira Instância, sendo também certo que os factos provados 3 e 29 não são meramente conclusivos, mas sim com alicerce em outros factos provados, tais como 1, 2, 5, 9, 10, 11, 12, 14 e 27, sendo de considerar que a tese, defendida por esse 2.o arguido, de o dinheiro cobrado aos três passageiros do táxi por ele conduzido constituir o preço legal de transporte deles por táxi não é razoável nem convincente, ante toda a factualidade já dada por provada no texto do aresto recorrido, interpretada no seu conjunto.
Perante toda a factualidade já descrita como provada no acórdão recorrido, é acertada toda a qualificação jurídico-penal dos factos provados já feita pelo Tribunal recorrido, e com explicação adequada, na fundamentação jurídica da decisão penal condenatória dos dois arguidos ora recorrida, pelo que é de louvar, sem mais indagação por desnecessária, toda a decisão de qualificação jurídica aí tomada criteriosamente por esse Tribunal, decisão essa que preclude toda a posição jurídica preconizada pelos dois arguidos nas respectivas motivações do recurso do mesmo acórdão. De facto, por exemplo, a questão de alegada não intervenção dos dois arguidos no auxílio à imigração clandestina para Macau dos indivíduos chamados G e H e a questão de cumplicidade sempre defendida pelo 2.o arguido já foram respondidas, com razão, pelo Tribunal recorrido, no segundo parágrafo e no primeiro parágrafo, respectivamente, da página 20 do texto do aresto recorrido, a fl. 664v dos autos.
Cumpre ver agora a questão de alegado excesso na medida das penas, colocada simultaneamente pelos dois recorrentes.
No caso dos autos, ficou condenado o 1.o arguido na pena única de dez anos de prisão, por prática, em co-autoria material, em concurso real efectivo, de:
– um crime tentado de acolhimento qualificado do art.o 15.o, n.o 2, da Lei n.o 6/2004 (praticado a respeito do indivíduo chamado C), em dois anos e seis meses de prisão (dentro da moldura penal aplicável de um mês a cinco anos e quatro meses de prisão);
– três crimes consumados de acolhimento qualificado, p. e p. pelo art.o 15.o, n.o 2, dessa Lei (praticados a respeito dos indivíduos chamados D, E e F), em três anos e seis meses de prisão por cada (dentro da moldura penal aplicável de dois a oito anos de prisão);
– um crime consumado de auxílio qualificado do art.o 14.o, n.o 2, da mesma Lei (praticado a respeito do indivíduo chamado G), em seis anos de prisão (dentro da moldura penal aplicável de cinco a oito anos de prisão);
– e um crime consumado de auxílio simples, do art.o 14.o, n.o 1, da mesma Lei (praticado a respeito do indivíduo chamado H), em quatro anos de prisão (dentro da moldura penal aplicável de dois a oito anos de prisão).
Enquanto o 2.o arguido ficou condenado na pena única de oito anos de prisão, por prática, em co-autoria material, em concurso real efectivo, de:
– três crimes consumados de acolhimento qualificado, p. e p. pelo art.o 15.o, n.o 2, dessa Lei (praticados a respeito dos acima referidos três indivíduos D, E e F), em três anos e seis meses de prisão por cada;
– um crime consumado de auxílio qualificado do art.o 14.o, n.o 2, da mesma Lei (praticado a respeito do acima referido indivíduo G), em seis anos de prisão;
– e um crime consumado de auxílio simples, do art.o 14.o, n.o 1, da mesma Lei (praticado a respeito do acima referido indivíduo H), em quatro anos de prisão.
Pois bem, consideradas todas as circunstâncias fácticas já apuradas em primeira instância (sem qualquer erro notório na apreciação da correspondente prova) aos padrões da medida concreta da pena vertidos nos art.os 40.o, n.os 1 e 2, e 65.o, n.os 1 e 2, do CP, dentro das molduras penais aplicáveis acima referidas em causa, com ponderação das exigências da prevenção geral dos tipos legais de crimes em questão, afigura-se mais equilibrado passar a condenar:
– o 1.o arguido:
– como co-autor material de um crime tentado de acolhimento qualificado do art.o 15.o, n.o 2, da Lei n.o 6/2004 (praticado a respeito do indivíduo C), em dezoito meses de prisão;
– como co-autor material de três crimes consumados de acolhimento qualificado do art.o 15.o, n.o 2, dessa Lei (praticados a respeito dos indivíduos D, E e F), em três anos de prisão por cada;
– como co-autor material de um crime consumado de auxílio qualificado do art.o 14.o, n.o 2, da mesma Lei (praticado a respeito do indivíduo G), em cinco anos e seis meses de prisão;
– e como co-autor material de um crime consumado de auxílio simples do art.o 14.o, n.o 1, da mesma Lei (praticado a respeito do indivíduo H), em três anos de prisão;
– e, em cúmulo jurídico de todas essas seis penas de prisão parcelares novas, finalmente na nova pena única de oito anos de prisão (dentro da moldura penal da nova prisão única, de cinco anos e seis meses a dezanove anos);
– o 2.o arguido:
– como co-autor material de três crimes consumados de acolhimento qualificado do art.o 15.o, n.o 2, da Lei n.o 6/2004 (praticados a respeito dos indivíduos D, E e F), em três anos de prisão por cada;
– como co-autor material de um crime consumado de auxílio qualificado do art.o 14.o, n.o 2, da mesma Lei (praticado a respeito do indivíduo G), em cinco anos e seis meses de prisão;
– e como co-autor material de um crime consumado de auxílio simples do art.o 14.o, n.o 1, dessa Lei (praticado a respeito do indivíduo H), em três anos de prisão;
– e, em cúmulo jurídico de todas essas cinco penas de prisão parcelares novas, finalmente na nova pena única de sete anos e seis meses de prisão (dentro da moldura penal da nova prisão única, de cinco anos e seis meses a dezassete anos e seis meses).
IV – DECISÃO
Em sintonia com o exposto, acordam em julgar parcialmente providos os recursos dos 1.o e 2.o arguidos do acórdão condenatório da Primeira Instância, passando, por conseguinte, a condenar:
– o 1.o arguido A, como co-autor material de um crime tentado de acolhimento qualificado do art.o 15.o, n.o 2, da Lei n.o 6/2004 (praticado a respeito de C), em dezoito meses de prisão, de três crimes consumados de acolhimento qualificado do art.o 15.o, n.o 2, dessa Lei (praticados a respeito de D, E e F), em três anos de prisão por cada, de um crime consumado de auxílio qualificado do art.o 14.o, n.o 2, da mesma Lei (praticado a respeito de G), em cinco anos e seis meses de prisão, e de um crime consumado de auxílio simples, do art.o 14.o, n.o 1, da mesma Lei (praticado a respeito de H), em três anos de prisão, e, em cúmulo jurídico dessas seis penas parcelares, finalmente na pena única de oito anos de prisão;
– e o 2.o arguido B, como co-autor material de três crimes consumados de acolhimento qualificado do art.o 15.o, n.o 2, da Lei n.o 6/2004 (praticados a respeito de D, E e F), em três anos de prisão por cada, de um crime consumado de auxílio qualificado do art.o 14.o, n.o 2, da mesma Lei (praticado a respeito de indivíduo G), em cinco anos e seis meses de prisão, de um crime consumado de auxílio simples do art.o 14.o, n.o 1, dessa Lei (praticado a respeito de H), em três anos de prisão, e, em cúmulo jurídico dessas cinco penas de prisão parcelares, finalmente na pena única de sete anos e seis meses de prisão.
Pagará o 1.o arguido 3/4 das custas do seu recurso, e nove UC de taxa de justiça pelo decaimento parcial do recurso. E pagará o 2.o arguido 4/5 das custas do seu recurso final, e doze UC de taxa de justiça pelo decaimento parcial do recurso.
Comunique o presente acórdão à Direcção dos Serviços para os Assuntos de Tráfego e ao Corpo de Polícia de Segurança Pública.
Macau, 30 de Setembro de 2021.
__________________________
Chan Kuong Seng
(Relator)
__________________________
Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
__________________________ (Segue a declaração de voto.)
Chao Im Peng
(Segunda Juíza-Adjunta)

投票聲明
  本人認為,第一上訴人被判處的一項以未遂方式觸犯的一項第6/2004號法律第15條第2款之(加重)「收留罪」,應改判一項以既遂方式觸犯一項該法律第15條第1款普通「收留罪」。因為:根據第6/2004號法律第15條第2款之規定,收取到利益者方構成加重情節。因此,若未能證明行為人本人或第三人收取到實施「收留罪」的酬勞或報酬,應以第6/2004號法律第15條第1款普通「收留罪」論處。

Chao Im Peng


Processo n.º 674/2021 (acórdão) Pág. 5/26