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Processo n.º 647/2021/A Data do acórdão: 2021-8-25
(Da suspensão de eficácia de acto administrativo)
Assuntos:
– suspensão de eficácia de acto administrativo
– art.º 120.º do CPAC
– acto positivo
– acto negativo
– lesão grave do interesse público
– pena disciplinar de demissão



S U M Á R I O
1. Por força do art.º 120.º do Código de Processo Administrativo Contencioso (CPAC), para se poder ver suspensa a eficácia de um acto administrativo, este tem que ser, desde logo e pelo menos, um acto com conteúdo positivo, ou um acto com conteúdo negativo que apresente uma vertente positiva à qual a suspensão seja circunscrita.
2. Doutrinalmente falando, o acto positivo é aquele que, grosso modo, impõe um encargo ou um ónus a um interessado (por exemplo, um acto administrativo que aplica uma sanção a um interessado), enquanto o acto negativo tem por objecto negar uma pretensão do interessado (por exemplo, um acto de indeferimento de atribuição de um subsídio requerido).
3. A decisão do Senhor Secretário para a Segurança que aplica pena disciplinar de demissão a um então guarda policial é um acto positivo.
4. A aferição do requisito exigido na alínea b) do n.° 1 do art.° 121.° do CPAC tem que ser feita caso a caso, em função do teor do comando concretamente emitido no acto administrativo cuja suspensão de eficácia se requer.

O relator substituto,
Chan Kuong Seng

Processo n.º 647/2021/A
(Do pedido de suspensão de eficácia de acto administrativo)

  Requerente: A
  Órgão Administrativo requerido: Secretário para a Segurança


ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I. RELATÓRIO
A, guarda actualmente aposentado do Corpo de Polícia de Segurança Pública (CPSP), veio pedir ao presente Tribunal de Segunda Instância (TSI), nos termos do art.o 123.o, n.o 1, alínea c), do Código de Processo de Contencioso Administrativo (CPAC), a suspensão da eficácia do Despacho n.o 051/SS/2021, de 18 de Junho de 2021, do Senhor Secretário para a Segurança, exarado no âmbito do Processo Disciplinar n.o 232/2014 do CPSP, que lhe aplicou a pena de demissão, por entender que esse arguido disciplinar tinha actuado com violação, de forma grave, reiterada e com plena consciência do prejuízo causado ao serviço, dos deveres de obediência, zelo, assiduidade e pontualidade, previstos no Estatuto dos Militarizados das Forças de Segurança de Macau, aprovado pelo Decreto-Lei n.o 66/94/M, de 30 de Dezembro.
Para tanto, alegou no seu requerimento de fls. 2 a 15 do presente processado apensado aos autos de recurso contencioso daquele acto administrativo punitivo, e na sua essência, que estando já preenchidos todos os requisitos legais para a suspensão da eficácia do mesmo acto, deveria ser decretada a suspensão da sua eficácia, até decisão a ser proferida no processo de recurso contencioso em que já tinha pedido ele a anulação do mesmo acto punitivo.
O Senhor Secretário para a Segurança como Órgão Administrativo ora requerido respondeu a fls. 72 a 74, nuclearmente no sentido de indeferimento do pedido.
Em sede de vista, o Digno Procurador-Adjunto emitiu parecer a fls. 87 a 89, pugnando pela improcedência da medida cautelar em questão.
Cabe, pois, decidir urgentemente, em conferência, do pedido vertente, nos termos ditados pelo art.º 129.º, n.º 2, parte final, do CPAC.
II. DOS ELEMENTOS PERTINENTES À DECISÃO
Para efeitos de encontro da solução ao caso concreto de que ora se ocupa, fluem do exame dos autos os seguintes dados pertinentes:
1. Ao ora Requerente A, foi proferido pelo Senhor Secretário para a Segurança o Despacho n.o 051/SS/2021 de 18 de Junho de 2021, exarado no âmbito do Processo Disciplinar n.o 232/2014 do CPSP, que aplicou a pena de demissão, por entender que esse então guarda policial tinha actuado com violação, de forma grave, reiterada e com plena consciência do prejuízo causado ao serviço, dos deveres de obediência, zelo, assiduidade e pontualidade no desempenho das funções.
2. Foi invocada por essa Entidade Administrativa a seguinte factualidade na mesma decisão punitiva como fundamentação da própria decisão:
– Entre 20 de Janeiro de 2012 e 27 de Janeiro de 2014, o arguido disciplinar A, então colocado na Divisão de Apoio e Serviços do CPSP, saiu para o exterior de Macau, sem que de tal deslocação desse conhecimento superior, num total de 148 vezes, sendo que 97 dessas saídas ocorreram em prejuízo do horário normal de trabalho. Para o efeito, o arguido procedeu à falsificação do registo de assiduidade e pontualidade, com isso pretendendo fazer crer cumprir o horário que lhe estava determinado;
– Além disso, entre 5 de Janeiro de 2012 e 11 de Dezembro de 2013, o arguido apresentou-se com atraso ao serviço, por 24 vezes;
– O arguido ficou já condenado com pena de prisão, suspensa na execução, por prática do crime de falsificação de documento e do crime de burla.
III. DO DIREITO
Juridicamente falando, e tal como já se considerou designadamente no acórdão do Primeiro de Agosto de 2003, minutado pelo ora mesmo relator para o Processo n.º 174/2003 do TSI: Por força do disposto no art.º 120.º do CPAC, para se poder ver suspensa a eficácia de um acto administrativo, este tem que ser, desde logo e pelo menos, um acto com conteúdo positivo, ou um acto com conteúdo negativo que apresente uma vertente positiva à qual a suspensão seja circunscrita.
Doutrinalmente falando, o acto positivo é aquele que, grosso modo, impõe um encargo ou um ónus a um interessado (por exemplo, um acto administrativo que aplica uma multa ou uma sanção a um interessado particular), enquanto o acto negativo tem por objecto negar uma pretensão do interessado (por exemplo, um acto de indeferimento de atribuição de um subsídio requerido por um interessado particular).
Nos presentes autos, o despacho punitivo em questão é um acto positivo, por estar, materialmente, a impor ao ora Requerente uma sanção disciplinar.
Urge, assim, saber se na situação vertente, estão reunidos, ao mesmo tempo, os requisitos exigidos nas alíneas b) e c) do n.º 1 do art.º 121.º do CPAC, dado que a verificação do da alínea a) desse n.o 1 fica dispensada, por comando do n.o 3 do mesmo artigo.
A propósito da alínea b) do n.º 1 desse artigo, para indagar se a suspensão de eficácia ora peticionada determina, ou não, grave lesão do interesse público concretamente prosseguido pelo acto administrativo referido, crê-se que a aferição deste requisito tenha que ser feita caso a caso, em função do teor do comando concretamente emitido no acto administrativo cuja suspensão de eficácia se requer.
No caso, a Entidade Administrativa ora requerida decidiu aplicar a pena de demissão, em sede do processo disciplinar então instaurado contra o ora Requerente.
Para fundamentar essa decisão punitiva, a Entidade Administrativa invocou materialmente a seguinte factualidade:
– Entre 20 de Janeiro de 2012 e 27 de Janeiro de 2014, o arguido disciplinar A, então colocado na Divisão de Apoio e Serviços do CPSP, saiu para o exterior de Macau, sem que de tal deslocação desse conhecimento superior, num total de 148 vezes, sendo que 97 dessas saídas ocorreram em prejuízo do horário normal de trabalho. Para o efeito, o arguido procedeu à falsificação do registo de assiduidade e pontualidade, com isso pretendendo fazer crer cumprir o horário que lhe estava determinado;
– Além disso, entre 5 de Janeiro de 2012 e 11 de Dezembro de 2013, o arguido apresentou-se com atraso ao serviço, por 24 vezes;
– O arguido ficou já condenado com pena de prisão, suspensa na execução, por prática do crime de falsificação de documento e do crime de burla.
Observa-se que na presente sede de cognição do pedido de suspensão de eficácia de acto administrativo, não se pode indagar do mérito dos pressupostos fácticos do próprio acto administrativo, pois esta tarefa faria parte propriamente do eventual objecto de cognição do tribunal no recurso contencioso do acto administrativo.
Da factualidade descrita na fundamentação do próprio acto administrativo punitivo em causa, sabe-se, sobretudo, que o ora Requerente, no período de 20 de Janeiro de 2012 a 27 de Janeiro de 2014, dentro do horário normal de trabalho, saiu para o exterior de Macau num total de mais de 90 vezes, tendo chegado a falsificar o registo de assiduidade e pontualidade, com isso pretendendo fazer crer cumprir o horário que lhe estava determinado, e acabou por ter ficado condenado penalmente em processo penal por prática, nomeadamente, de crime de falsificação de documento.
Pois bem, esta factualidade, atenta a sua manifesta gravidade, já basta para se considerar existente a grave lesão ao interesse público na hipótese de não execução imediata da dita decisão punitiva disciplinar, posto que a suspensão da execução dessa decisão punitiva acarreta realmente reflexos negativos sobre a autoridade e prestígio da Administração (neste sentido, cfr. DIOGO FREITAS DO AMARAL, in DIREITO ADMINISTRATIVO, Volume IV, Lisboa, 1988, página 315, últimos dois parágrafos, em referência também no douto parecer do Digno Procurador-Adjunto), reflexos negativos esses que não se neutralizam pela circunstância de o ora Requerente, à data do proferimento do despacho administrativo punitivo em causa, se encontrar aposentado do seu posto de trabalho no CPSP.
Dest’arte, naufraga o pedido de suspensão de eficácia, sem necessidade de abordagem, por estar prejudicada, sobre o demais.
IV. DECISÃO
Em harmonia com o exposto, acordam em indeferir o pedido de suspensão de eficácia.
Custas do presente processado pelo Requerente, com três UC de taxa de justiça.
Macau, 25 de Agosto de 2021.
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Chan Kuong Seng Mai Man Ieng
(Relator substituto) (Procurador-Adjunto presente na conferência)
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Ip Sio Fan
(Primeira Juíza-Adjunta substituta)
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Xu Teng
(Segundo Juiz-Adjunto substituto)
(表決聲明:申請人已沒有從事公共職務,其沒有再次利用職務損害公共利益或公共當局聲譽之可能。中止行政決定之效力,暫時維持退休金的支付,似乎並未嚴重當局權威,未構成嚴重侵害行政行為所謀求之公共利益的情況。)



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