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Processo n.º 497/2021
(Autos de recurso laboral)

Data: 9/Setembro/2021

Recorrente:
- A, S.A. (ré)

Recorrida:
- B (autor)

Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:

I) RELATÓRIO
B, com sinais nos autos (doravante designado por “autor” ou “recorrido”) intentou junto do Tribunal Judicial de Base da RAEM acção declarativa de processo comum do trabalho, pedindo a condenação da A (doravante designada por “ré” ou “recorrente”) no pagamento do montante de MOP$246.505,00, acrescido de juros legais até efectivo e integral pagamento.
Foi julgada, no despacho saneador, improcedente a excepção peremptória invocada pela ré.
Inconformada, recorreu a ré jurisdicionalmente para este TSI, formulando as seguintes conclusões alegatórias:
     “I. Vem o presente recurso interposto do douto Despacho proferido a fls. 269 a 276 dos autos.
     II. A 1ª Ré, ora Recorrente, não se conforma com o aludido Despacho, por entender que o mesmo incorre em erro na aplicação de Direito, pugnando pela revogação do mesmo por banda desse Venerando Tribunal de Segunda Instância da RAEM.
     III. Em 05/11/2020, o Autor, ora Recorrido, intentou contra a aqui Recorrente e a C a presente acção de processo comum do trabalho, peticionando a condenação da 1ª Ré A no pagamento de uma indemnização global de MOP$246.505,00, e da 2ª Ré C no valor global de MOP$653.639,00, a título de créditos laborais emergentes das relações laborais do Autor com as Rés, alegando para tanto, entre outros factos, que o Autor prestou serviço à Ré A, ora Recorrente de 13/03/2000 a 21/07/2003, e prestou serviço à 2ª Ré C desde 22/07/2003 até ao presente.
     IV. Em sede de contestação, a Ré aduziu uma defesa por excepção, arguindo a prescrição dos créditos laborais reclamados pelo Autor emergentes da relação laboral com a 1ª Ré A, nos termos do disposto nos artigos 311, n.º 1, alínea c) e 315º, n.º 1, ambos do Código Civil.
     V. O Meritíssimo Juiz, por douto Despacho de fls. 269 a 276 dos autos, o Despacho ora recorrido, não concordou com o teor da contestação da ora Recorrente e decidiu julgar improcedente a excepção peremptória da prescrição.
     VI. Verificou-se uma efectiva cessação – termo – do contrato de trabalho, isto é, a relação laboral entre Autor e 1ª Ré iniciou-se a 13/03/2000 e terminou a 21/07/2003, o que conduz à prescrição dos créditos laborais emergentes da relação laboral subjacente a esse contrato de trabalho, nos termos do disposto no artigo 27º, n.º 3 do CPT, e artigos 302º, 311º, n.º 1, alínea c) e 315º, n.º 1 todos do CC.
     VII. A 1ª e a 2ª Rés, são pessoas jurídicas distintas, como são distintas as relações laborais estabelecidas entre aquelas e o Autor, ora Recorrido.
     VIII. O Autor formula pedidos distintos contra cada uma das Rés, exercendo direitos autónomos e independentes.
     IX. O Autor não manteve com a 2ª Ré a relação de trabalho que tinha com a 1ª Ré, ora Recorrente, isto é, não trabalhava sob a égide de uma só relação de trabalho.
     X. Consta expressamente do Despacho n.º 01949/SEF/2003, proferido pelo Exmo. Senhor Secretário para a Economia e Finanças: “Cancelo, nos termos do n.º 10 do mesmo Despacho, as autorizações anteriormente concedidas ao CASINO LISBOA – A para a contratação de 280 (duzentos e oitenta) trabalhadores não residentes, bem como os respectivos contratos de prestação de serviços”.
     XI. XI. Por força do Despacho n.º 01949/SEF/2003 foi autorizada a transferência das autorizações anteriormente concedidas à 1ª Ré A, ora Recorrente, para a contratação dos 280 trabalhadores não residentes, como ainda foram as mesmas canceladas, impondo-se a celebração, por banda da nova entidade patronal, qual seja a 2ª Ré C, de novos contratos de prestação de serviços, ex novo, nomeadamente o Contrato de Prestação de Serviço n.º 2/2003.
     XII. No presente caso verificou-se o efectivo termo da relação laboral entre Autor e 1ª Ré A.
     XIII. A decisão constante do douto Despacho proferido a 269 a 276 dos autos, isto é, a decisão de julgar improcedente a excepção peremptória da prescrição invocada pela ora Recorrente, deverá ser revogada, por violação do disposto nos artigos 311, n.º 1, alínea c) e 315º, n.º 1, ambos do CC, declarando-se em conformidade prescritos os créditos reclamados pelo Autor desde o início da relação laboral com a 1ª Ré até 19 de Novembro de 2004, data esta que foi contada a partir da data da notificação da 1ª Ré para a tentativa de conciliação (19/11/2019).
     Nestes termos e nos mais de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deverá o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se o douto Despacho proferido a fls. 269 a 276 dos autos, nos termos e à luz dos fundamentos supra aduzidos, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA!”
*
Ao recurso respondeu o recorrido tendo formulado as seguintes conclusões alegatórias:
     “1. Insurge-se a Recorrente quanto ao conteúdo do douto Despacho Saneador, por entender que o mesmo viola o disposto nos arts. 311º, n.º 1, al. c) e art. 315º, n.º 1 do Código Civil, sem qualquer razão.
     2. Com efeito, contrariamente ao que alega a Recorrente, não se verificou uma “efectiva cessação” do contrato de trabalho entre o Autor e a 1ª Ré em 21 de Julho de 2003, nem tal resulta de as Rés serem “pessoas jurídicas distintas”.
     3. Com efeito, desde 2000 até ao presente o Recorrido (leia-se, o Autor) manteve de forma contínua e ininterrupta a relação de trabalho com as Rés.
     4. O que se justificou por força do Despacho n.º 01949/SEF/2003, do Exmo. Senhor Secretário para a Economia e Finanças da RAEM, de 21 de Julho de 2003, nos termos do qual foi autorizada a “transferência das autorizações para a contratação” de 280 trabalhadores não residentes (onde se encontra incluído o Autor) da 1ª Ré (A) para a 2ª Ré (C), de forma a que os mesmos “pudessem passar a exercer funções na C”, “permanecendo no seu posto de trabalho”. (cfr. Doc. 3 junto com a Petição Inicial)
     5. De onde, conforme já anteriormente decidido pelo douto TSI “(…) o Despacho n.º 01949/SEF/2003 está, no fundo, a autorizar a substituição da A pela C nas relações de trabalho para com os 280 trabalhadores”. (cfr. Proc. n.º 886/2018-19, para cuja fundamentação melhor se remete)
     6. Com muito interesse, do Ac. deste Tribunal de Recurso, tirado do Proc. n.º 1280/2019-A, pode ler-se, com especial pertinência para a questão em análise sabido tratar-se da mesma Recorrente, que: “(…) só nos limitamos a dizer que, em vez de cessação da relação de trabalho entre o Autor e a XXXX, o que aconteceu é no fundo apenas a modificação subjectiva, consistente na substituição de um sujeito antecessor (a XXXX) por um outro sucessor (a YYY) numa mesma relação de trabalho que permanece. Na verdade, não tendo a modificação subjectiva ocorrida em 21 JUL 2003 feito cessar a relação laboral, o Autor não deve ficar impedido de beneficiar da causa de suspensão por 2 anos a que se alude o art.º 311º/1-c) do CC, à luz do qual a prescrição não se completa …… entre as partes de quaisquer outros tipos de relações laborais, relativamente aos créditos destas emergentes, antes de 2 anos corridos sobre o termo do contrato de trabalho. (…) Tendo em conta a tal particularidade, cremos que a razão de ser da causa de suspensão de prescrição prevista no art.º 311º/1-c) do CC continua a estar presente no caso em apreço mesmo depois da sucessão da posição contratual da XXXX pela YYY.”
     7. De onde, uma vez que por força do Despacho n.º 01949/SEF/2003 do Senhor Secretário para a Economia e Finanças da RAEM a 2ª Ré (C) “herdou” os trabalhadores não residentes da ora Recorrente, sucedendo nos seus direitos e respectivos deveres e, bem assim, sabido que a relação de trabalho em causa ainda hoje se mantem em vigor, pelo que em caso algum se verifica um qualquer vício no douto Despacho recorrido, razão pelo qual deve o mesmo manter-se na integra, o que desde já e para devidos e legais efeitos se alega e requer.
     8. Por último, em caso algum se deixe de atender ao teor do Doc. 2 junto pelo Autor com a PI, nos termos do qual a 2ª Ré (C) declara, para os devidos efeitos, que o Autor se encontra ao seu serviço desde 13/03/2000, o que apenas reforça que a mesma aceitou “suceder”, enquanto entidade empregadora, na posição da 1ª Ré (A), razão pela qual se pode concluir tratar-se de uma mesma relação jurídica e, como tal, sem que se devem ter por prescritos os créditos laborais reclamados pelo ora Recorrido.
     Termos em que devem as presentes Alegações de Resposta serem aceites e admitidas e, em consequência, seja julgado improcedente o Recurso interposto pela Recorrente.”
*
Realizado o julgamento, foi a ré condenada a pagar ao autor a quantia de MOP$232.587,34, acrescida de juros legais de acordo com o Acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 69/2010.
Inconformado, interpôs a ré recurso jurisdicional para este TSI, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
     “1. Nos presentes autos, a ora Recorrente recorreu do despacho saneador de fls. 269 a 276, por não se conformar com a decisão ali proferida de julgar improcedente a alegada excepção de prescrição dos créditos laborais contra si reclamados pelo Autor, ora Recorrente, por entender que a relação laboral entre a Recorrente e o Autor cessou há mais de 15 anos, pois o Autor, ora Recorrido, esteve ao serviço da A (1ª Ré/ora Recorrente) entre 13/03/2020 a 21/07/2003, sendo que só em 05/11/2020 veio o Autor reclamar os seus créditos, portanto há mais de 15 anos, salvo o devido respeito, entende a Recorrente que todos os créditos em que foi condenada a pagar ao Autor/Recorrido encontram-se prescritos.
     2. Vem o presente recurso interposto da sentença proferida pelo douto Tribunal Judicial de Base que julgou a acção parcialmente procedente e condenou a 1ª Ré A, ora Recorrente, no pagamento de uma indemnização no valor global MOP$232.587,34, acrescida de juros moratórios à taxa legal a contar do trânsito em julgado da sentença.
     3. A ora Recorrente vem impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto, nomeadamente quanto à matéria inserta na base instrutória, nomeadamente referente ao artigo 4º, porquanto da prova produzida em sede de julgamento nunca poderia o quesito levado à base instrutória ter sido provado, salvo devido respeito por opinião contrária, incorrectamente julgada pelo douto Tribunal a quo.
     4. Também no plano do Direito aplicável ao caso concreto, a sentença proferida a final nunca poderia ter decidido como decidiu em violação e incorrecta aplicação das normas jurídicas que lhe servem de fundamento, estando em crer que a decisão assim proferida pelo douto Tribunal de Primeira Instância padece do vicio de erro de julgamento.
     5. Entendeu o Digno Tribunal a quo manter o quesito 4º da base instrutória poderia ter sido dado como provado, porquanto dos autos não resultam prova de tais factos.
     6. A Recorrente alegou desconhecer a sobredita factualidade mas acrescentou que tal resultava da falta de documentos que não possuía por não estar obrigada a conservar documentos respeitantes ao Autor e à vida da Sociedade pela facto da sua relação laboral ter terminado há mais de 17 anos (21/07/2003), não estando a Recorrente, legalmente obrigada a conservar os documentos referentes ao Autor, não se vislumbra norma substantiva ou adjectiva que obrigasse a considerar como provada a sobredita matéria vertida no artigo 4º com as demais consequências legais.
     7. Entende a Recorrente que também a matéria vertida no questionário foi, salvo devido respeito, incorrectamente julgada pelo Tribunal a quo, pois da prova produzida em sede de julgamento, a resposta ao quesito teria necessariamente de ser diferente, pelo que estamos perante um claro erro de julgamento.
     8. A verdade é que é entendimento da Recorrente que tal erro de julgamento se verifica na situação dos autos, e que o vício apontado à decisão recorrida resulta dos próprios elementos constantes dos autos, por si só ou com recurso às regras da experiência comum.
     9. Nos presentes autos foram ouvidas apenas duas testemunhas sobre esta matéria, as quais depuseram sobre as factos em discussão não apenas nos presentes autos mas também nos demais processos que foram julgados no mesmo dia, sendo esses depoimentos feitos sempre no plural, sem concretizar a situação do ora Recorrido, ou seja, foram depoimentos genéricos sem terem conseguido concretizar se em relação ao Autor as coisas se passavam como se haviam passando em relação às referidas testemunhas, pois tais depoimentos mais pareciam depoimentos de parte, não podendo deixar de se estranhar que as testemunhas consigam com certeza dizer as datas de início e termo e os locais de trabalho, salários, horários, turnos, dos Autores cujos julgamentos tiveram lugar no dia 13 de Abril de 2021, além destas mesmas testemunhas serem as mesmas para diversos outros julgamentos.
     10. Para a prova da factualidade alegada pelo Autor deu o douto Tribunal a quo ainda relevância aos documentos juntos aos autos, dos quais nada resulta quanto aos turnos, às presenças e ausências do Recorrido, e às compensações que alegadamente não recebeu, tendo por base unicamente nos depoimentos das testemunhas, nunca poderia o Tribunal a quo ter dado por provado que o Autor não recebeu os subsídios a que alega ter direito, ou que nunca faltou sem conhecimento e autorização da Ré, ou que aquele nunca gozou dias de descanso semanal, ou se trabalhou em feriados obrigatórios ou se, prestou trabalho extraordinário, isto quanto passaram já mais de 17 anos sobre o termo da relação laboral, tanto mais que o próprio Autor ora afirma que não teve nenhum descanso ora afirma que gozou de dias de férias anuais por cada ano civil e de dias de dispensa ao trabalho não remunerados (cfr. artigo 20º da petição inicial) reconhecendo que faltou ainda que justificadamente e que teve dispensas ao serviço, pois no seu articulado o autor afirma que gozou de períodos de ausência ao trabalho, vindo agora as testemunhas dizer que o mesmo trabalhou continuamente.
     11. Não se pode aceitar o alegado pelo Autor relativamente às ausências e trabalho efectivo para a 1ª Ré (A) referente aos artigos 20º e 21º da petição inicial, porquanto da listagem de movimentos de entradas e saídas dos Postos Fronteiriços anexa como documento 9 junto ao petitório resulta que as informações fornecidas foram baseadas no Titulo de identificação de Trabalhador não-residente n.º XXX e nos Passaportes do Nepal números XXX, XXX e XXX, informação que foi fornecida pelo Autor aos Serviços de Migração, mas não poderá comprovar que o mesmo não se tivesse ausentado da RAEM com base em qualquer outro documento, mas ainda que se entenda que o Autor apenas se ausentou da RAEM nos períodos descritos no documento 9 supra referido, não significa que os restantes dias tenham sido de trabalho efectivo.
     12. Se o Autor alega ter faltado ao serviço por gozo de férias anuais e por dispensas de trabalho não remuneradas, pergunta-se então quantos foram esses dias de faltas e quando ocorreram essas faltas? Não se sabe se durante o tempo que prestou trabalho para a Ré o Autor deu, ou não deu, qualquer falta ao serviço.
     13. Entende a Recorrente com todo o respeito devido, que é necessário apurar os dias concretos de trabalho e os dias de ausência ao trabalho do Autor para se poder determinar as diferentes compensações, pois do registo de entradas e saídas do Autor da RAEM não resulta que o mesmo tenha trabalhado efectivamente 1129 dias para a Ré, complementando somente pelos depoimentos das únicas testemunhas ouvidas em julgamento, pois tais depoimentos são genéricos, sem que tivessem as testemunhas conseguido concretizar se em relação ao Autor as coisas se passavam como se haviam passando em relação a si mesmas.
     14. Após reapreciação da prova efectuada em juízo por parte desse Venerando Tribunal da Segunda Instância deverá ser proferido douto Acórdão que julgue procedente o invocado vício de erro de julgamento ao dar por provados todos os quesitos da douta Base Instrutória, os quais serão de dar por não provados, relativamente à ora Recorrente e consequentemente ser a Recorrente absolvida dos pedidos por total ausência de prova.
     Nestes termos e nos demais de direito que V. Exas. doutamente suprirão, deve ser dado provimento ao presente Recurso e, em conformidade, deverá a Recorrente ser absolvida dos pedidos por total ausência de prova.
     Termos em que farão V. Exas. a costumada JUSTIÇA!”
*
Ao recurso respondeu o recorrido formulando as seguintes conclusões alegatórias:
     “1. Vem a Recorrente impugnar a decisão proferida quanto à matéria inserta na base instrutória, v.g., artigo 4º, porquanto da prova produzida em sede de julgamento nunca poderia o referido quesito ter sido julgado provado.
     2. Sem qualquer razão, está o ora Recorrido em crer.
     3. Nos termos do n.º 1 do art.º 599º do CPC, ex vi art. 1º do CPT, quando impugne a decisão de facto, cabe ao Recorrente especificar, sob pena de rejeição do recurso: a) Quais os concretos pontos da matéria de facto que considera incorrectamente julgados; e b) Quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo nele realizado, que impunham, sobre esses pontos da matéria de facto, decisão diversa da recorrida.
     4. Mais adianta, o n.º 2 do mesmo preceito legal que “Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação da prova tenham sido gravados, incumbe ainda ao recorrente, sob pena de rejeição do recurso, indicar as passagens da gravação em que se funda”.
     5. Ora, salvo o devido respeito, no presente Recurso, a Recorrente limita-se a alegar, de forma genérica, que os referidos quesitos deveriam ter sido julgados não provados.
     6. De onde, a Recorrente incumpriu o dever que sobre si recaía de dar cumprimento ao ónus da impugnação específica supra referido, razão pela qual o Recurso apresentado pela Ré ser rejeitado, o que desde já e para os devidos e legais efeitos se invoca e requer.
     7. Trata-se, de resto, da posição que tem vindo a ser tomada pelo Tribunal de Recurso em Processos similares ao presente. Veja-se, entre outros, o Ac. do TSI – Proc. n.º 635/2011, de 16 de Fevereiro de 2012.
     Sem prescindir,
     8. Para além de não ter dado cumprimento ao ónus supra referido, está o Recorrido em crer que a Recorrente se limita a apresentar uma simples discordância relativamente à interpretação dos factos e à aplicação do Direito por parte do douto Tribunal Judicial de Base, mas sem que apresente um único argumento ou motivo convincente da razão para a sua discordância!
     9. Ou melhor, insurge-se a Recorrente do facto de (apenas) duas testemunhas – apresentadas pelo Autor – terem sido ouvidas e, em concreto, de as mesmas terem respondido “com certeza” das datas de início e termo da relação laboral, dos locais de trabalho, dos salários, dos horários e dos turnos dos Autores.
     10. Estranho seria o inverso: arrisca-se a afirmar o Recorrido; isto é, que as testemunhas arroladas pelo Autor – que foram igualmente ex funcionários da Recorrente – nada soubessem a respeito da matéria em apreciação.
     11. Depois, conforme a Recorrente bem sabe – ou pelo menos é espectável que o saiba – nenhum trabalhador não residente se pode ausentar da RAEM sem ser pelos postos fronteiriços e sem que apresente Passaporte válido… sendo, aliás, este o único documento legal aceite para o efeito.
     12. Acresce que,
     13. Estranha-se que apenas em sede de Recurso e em plena contradição com o teor da matéria de facto provada, venha a Recorrente questionar ao Autor terá dado ou não qualquer outra falta ao serviço ou se terá comparecido aos turnos, etc.
     14. É que, também a este concreto respeito, já por diversas vezes o Tribunal de Segunda Instância deixou sublinhado que: “(…) não se aceita que a empregadora possa ignorar quanto pagava aos seus trabalhadores e como organizava os turnos, nem se valida a desculpa relativa a uma obrigação que tinha de guardar os documentos apenas por um período de 3 anos, o que não invalida o facto de dever saber quais as responsabilidades assumidas junto dos seus trabalhadores” (cfr. entre outros, o Ac do TSI Proc. n.º 716/2017).
     15. Pelo exposto, deve ser rejeitado e/ou improceder o Recurso apresentado pela Recorrente, o que desde já e para os devidos efeitos se invoca e requer.
     Termos em que devem as presentes Alegações de Resposta serem aceites e admitidas e, em consequência, seja julgado improcedente o Recurso interposto pela Recorrente.”
***
II) FUNDAMENTAÇÃO
A sentença recorrida deu por assente a seguinte factualidade:
O Autor foi recrutado pela Sociedade D – Serviço de Apoio e Gestão Empresarial Cia, Lda. para exercer funções de “guarda de segurança” para a A, ao abrigo do Contrato de Prestação de Serviços n.º 2/99, aprovado pelo Despacho n.º 01621/IMO/SACE/99. (A)
Entre 13/03/2000 a 21/07/2003, o Autor esteve ao serviço da Ré (A), prestando funções de “guarda de segurança”, enquanto trabalhador não residente. (B)
Por força do Despacho n.º 01949/IMO/SEF/2003, do Senhor Secretário para a Economia e Finanças da RAEM, de 17/07/2003, foi autorizada a transferência das autorizações concedidas para a contratação do Autor (e dos demais 280 trabalhadores não residentes) por parte da A para a Ré (C), com efeitos a partir de 22/07/2003. (C)
Desde 22/07/2003 até ao presente o Autor presta trabalho para a Ré. (D)
Entre 13/03/2000 e 31/07/2010 o Autor exerceu as suas funções para a Ré (C), do Contrato de Prestação de Serviços n.2/99. (E)
Entre 01/08/2010 a 31/07/2011, o Autor exerceu a sua actividade profissional para a Ré (C) ao abrigo do Despacho n.º 06279/IMO/GRH/2010. (F)
Entre 01/08/2011 a 31/07/2012, o Autor exerceu a sua actividade profissional para a Ré (C) ao abrigo do Despacho n.º 06743/IMO/GRH/2011. (G)
Entre 01/08/2012 a 31/07/2013, o Autor exerceu a sua actividade profissional para a Ré (C) ao abrigo do Despacho n.º 11206/IMO/GRH/2012. (H)
Entre 18/07/2013 a 20/07/2014, o Autor exerceu a sua actividade profissional para a Ré (C) ao abrigo do Despacho n.º 14932/IMO/GRH/2013. (I)
Entre 21/07/2014 a 20/07/2015, o Autor exerceu a sua actividade profissional para a Ré (C) ao abrigo do Despacho n.º 16331/IMO/GRH/2014. (J)
Entre 21/07/2015 a 20/07/2016, o Autor exerceu a sua actividade profissional para a Ré (C) ao abrigo do Despacho n.º 21493/IMO/GRH/2015. (K)
Entre 21/07/2016 a 20/07/2017, o Autor exerceu a sua actividade profissional para a Ré (C) ao abrigo do Despacho n.º 20355/IMO/GRH/2016. (L)
Entre 21/07/2017 a 20/07/2018, o Autor exerceu a sua actividade profissional para a Ré (C) ao abrigo do Despacho n.º 15014/IMO/DSAL/2017. (M)
Entre 13/03/2000 a 21/07/2003 a Ré (A) pagou ao Autor a quantia de HK$7.500,00, a título de salário de base mensal. (N)
Entre 22/07/2003 a 31/07/2010 a Ré (C) pagou ao Autor a quantia de HK$7.500,00, a título de salário de base mensal. (O)
Entre 01/08/2010 a 20/07/2015 a Ré (C) pagou ao Autor a quantia de MOP$7.500,00, a título de salário de base mensal. (P)
Entre 21/07/2019 a 31/12/2019, a Ré pagou ao Autor a quantia de MOP$11.326,00, a título de salário de base mensal. (Q)
O Autor sempre respeitou os períodos e horários de trabalho fixados pelas Rés. (1.º)
As Rés sempre fixaram o local e o horário de trabalho do Autor, de acordo com as suas exclusivas e concretas necessidades. (2.°)
O Autor sempre prestou a sua actividade sob as ordens e instruções das Rés. (3.°)
Entre 13/03/2000 a 31/12/2019, o Autor gozou de dias de férias anuais e de dias de dispensa ao trabalho por cada ano civil, nomeadamente: (4.°)
Data de
saídada RAEM
Data entrada na RAEM
Dias de férias e/ou de ausência
2000
2000
24
10-05-01
02-06-01
24
23-03-02
16-04-02
25
2003
2003
24
06-05-04
29-05-04
24
2005
2005
24
20-04-06
13-05-06
24
06-02-07
01-03-07
24
05-02-08
27-02-08
23
07-08-08
21-08-08
15
2009
2009
24
04-03-10
27-03-10
24
2011
2011
21
10-03-12
31-03-12
22
09-03-13
30-03-13
22
08-03-14
29-03-14
22
10-01-15
31-01-15
22
11-02-16
05-03-16
24
09-03-17
30-03-17
22
10-03-18
31-03-18
22
09-03-19
30-03-19
22
Entre 21/07/2015 a 20/07/2018, a Ré pagou ao Autor a quantia de MOP$10.126,00, a título de salário de base mensal. (5.°)
Entre 21/07/2018 a 31/03/2019, a Ré pagou ao Autor a quantia de MOP$10.726,00, a título de salário de base mensal.
Entre 01/04/2019 a 20/07/2019, a Ré pagou ao Autor a quantia de MOP$11.326,00, a título de salário de base mensal. (6.°)
Resulta do ponto 3.1. do Contrato de Prestação de Serviços 2/99 ao abrigo do qual o Autor foi autorizado a prestar trabalho para a Ré, ser devido ao Autor (e aos demais trabalhadores não residentes com ele contratados) a quantia de “(…) $20.00 patacas diárias por pessoa de subsídio de alimentação”. (7.°)
Entre 13/03/2000 e 21/07/2003, a Ré (A) nunca pagou ao Autor qualquer quantia a título de subsídio de alimentação. (8.°)
Entre 22/07/2003 e 31/12/2006, a Ré (C) nunca pagou ao Autor qualquer quantia a título de subsídio de alimentação. (9.°)
Resulta do ponto 3.4. do Contrato de Prestação de Serviços n.º 2/99 ao abrigo do qual o Autor foi autorizado a prestar trabalho para as Rés até 31/07/2010, ser devido ao Autor (e aos demais trabalhadores não residentes com ele contratados) “(…) um subsídio mensal de efectividade igual ao salário de 4 dias, sempre que no mês anterior não tenha dado qualquer falta ao serviço”. (10.°)
Entre 13/03/2000 a 21/07/2003, a Ré (A) nunca pagou ao Autor qualquer quantia a título de subsídio de efectividade. (11.°)
Entre 22/07/2003 a 31/07/2010, a Ré (C) nunca pagou ao Autor qualquer quantia a título de subsídio de efectividade. (12.°)
Entre 13/03/2000 a 31/12/2002, a 1.º Ré (A) nunca fixou ao Autor, em cada período de sete dias, um período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas, sem prejuízo da correspondente retribuição. (13.°)
Entre 13/03/2000 a 31/12/2002, a 1.ª Ré (A) nunca conferiu ao Autor um qualquer outro dia de descanso compensatório, em consequência do trabalho prestado em dia de descanso semanal. (14.°)
Entre 13/03/2000 e 21/07/2003 - descontados os períodos em que o Autor esteve ausente de Macau - o Autor prestou a sua actividade de segurança para a Ré (A) durante 19 dias de feriado obrigatório, correspondente aos seguintes (Cfr. Doc. 9, junto anteriormente). (15.°)
FERIADOS
ANOS

2000
2001
2002
2003
1 DE JANEIRO
0
1
1
1
3 DIAS DE ANO
0
3
3
3
NOVO CHINÊS




1 DE MAIO
1
1
1
1
1 DE OUTUBRO
1
1
1
0
Entre 13/03/2000 e 21/07/2003, a Ré (A) nunca pagou ao Autor um qualquer acréscimo salarial pelo trabalho prestado pelo Autor nos referidos dias de feriado obrigatórios. (16.º)
Entre 22/07/2003 e 31/12/2008 - descontados os períodos em que o Autor esteve ausente de Macau - o Autor prestou a sua actividade de segurança para a Ré (C) durante 24 dias de feriado obrigatório, correspondente aos seguintes (Cfr. Doc. 9, junto anteriormente). (17.°)
FERIADOS
ANOS

2003
    2004
    2005
2006
2007
   2008
1 DE JANEIRO
0
1
1
1
1
1
3 DIAS DE ANO
0
3
3
3
0
0
NOVO CHINÊS






1 DE MAIO
0
1
1
0
1
1
1 DE OUTUBRO
1
1
1
1
1
1
Entre 22/07/2003 e 31/12/2008, a Ré (C) nunca pagou ao Autor um qualquer acréscimo salarial pelo trabalho prestado pelo Autor nos referidos dias de feriado obrigatórios. (18.°)
Aquando da contratação do Autor no Nepal, foi garantido ao Autor (e aos demais trabalhadores não residentes de origem Nepalesa) alojamento gratuito em Macau. (19.°)
Para os presentes efeitos entre 13/03/2000 a 31/07/2010, as Rés procederam a uma dedução no valor de HK$750,00 sobre o salário mensal do Autor, a título de “comparticipação nos custos de alojamento”. (20.º)
A referida dedução no salário do Autor era operada de forma automática e independentemente de o trabalhador (leia-se, do Autor) residir ou não na habitação que lhe era providenciada pela Ré e/ou pela agência de emprego. (21.º)
Desde o início da relação de trabalho, por ordem das Rés, o Autor está obrigado a comparecer no seu local de trabalho, devidamente uniformizado, com, pelo menos, 30 minutos de antecedência relativamente ao início de cada turno. (22.°)
Durante o referido período de tempo, tem lugar um briefing (leia-se, uma reunião) entre o Team Leader (leia-se, Chefe de turno) e os “guardas de segurança”, na qual são inspeccionados os uniformes de cada um dos guardas e distribuído o trabalho para o referido turno, mediante a indicação do seu concreto posto dentro do Casino. (23.°)
As Rés nunca pagaram ao Autor qualquer quantia pelo período de 30 minutos que antecedia o início de cada turno. (24.°)
Desde 01/01/2009 até 31/12/2019 - descontados os períodos em que o Autor esteve ausente de Macau, e o dia de dispensa ao oitavo dia, após a prestação de sete dias de trabalho consecutivo - o Autor compareceu no início de cada turno com a antecedência de, pelo menos, 30 minutos relativamente ao início de cada turno, permanecendo às ordens e às instruções dos seus superiores hierárquicos. (25.°)
A Ré (C) nunca pagou ao Autor qualquer quantia pelo período de 30 minutos que antecedia o início de cada turno. (26.°)
A Ré (C) nunca conferiu ao Autor o gozo de um descanso adicional remunerado, proporcional ao período de trabalho prestado. (27.°)
Desde 22/07/2003 ao presente, o Autor prestou a sua actividade de segurança para a Ré (C) num regime de turnos rotativos de sete dias de trabalho consecutivos. (28.°)
A que se segue um período de vinte e quatro horas de não trabalho, em regra, no oitavo dia, que antecedia a mudança de turno. (29.°)
Entre 22/07/2003 a 31/12/2008 – descontados os períodos em que o Autor esteve ausente de Macau – a Ré (C) não fixou ao Autor em cada período de sete dias, um período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas. (30.°)
Entre 22/07/2003 e 31/12/2008 a Ré (C) nunca pagou ao Autor qualquer acréscimo salarial pelo trabalho prestado em cada um dos sétimos dias, após a prestação de seis dias de trabalho consecutivo. (31.°)
Entre 22/07/2003 e 31/12/2008 – descontados os períodos em que o Autor esteve ausente de Macau – a Ré (C) fixou ao Autor um dia de descanso compensatório, de 8 em 8 dias, em sequência do trabalho prestado em dia de descanso semanal. (32.°)
Entre 01/01/2009 a 31/12/2019 – descontados os períodos em que o Autor esteve ausente de Macau – a Ré (C) não fixou ao Autor um período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas em cada semana (leia-se, em cada período de sete dias). (33.°)
Entre 01/01/2009 a 31/12/2019 – descontados os períodos em que o Autor esteve ausente de Macau – a Ré (C) nunca solicitou ao Autor autorização para que o período de descanso não tivesse uma frequência semanal. (34.°)
Entre 01/01/2009 a 31/12/2019 a Ré (C) nunca pagou ao Autor uma qualquer quantia pelo trabalho prestado ao sétimo dia, após a prestação de seis dias consecutivos de trabalho. (35.°)
Entre 01/01/2009 a 31/12/2019 – descontados os períodos em que o Autor esteve ausente de Macau – a Ré (C) fixou ao Autor um dia de descanso compensatório, de 8 em 8 dias, em sequência do trabalho prestado em dia de descanso semanal. (36.°)
*
Corridos os vistos, cumpre decidir.
Da prescrição de créditos emergentes da relação laboral
Invoca a ré na contestação que todos os créditos laborais contra ela reclamados pelo autor se encontram prescritos.
Na fase de saneamento, por decisão do tribunal a quo, foi julgada improcedente a excepção peremptória invocada.
No tocante a esta questão, este TSI já se pronunciou em vários arestos, no sentido da sua improcedência.
Por razões de economia processual, cita-se o Acórdão deste TSI, proferido no âmbito do Processo n.º 177/2021, com o qual concordamos e que se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, nos termos que se seguem:
“Quid Juris?
Ora, em vários arestos este TSI já se pronunciou sobre esta questão da prescrição dos créditos laborais reclamados pelos ex-trabalhadores da A, apesar de ela não se figurar como questão principal do recurso, citando-se, aqui, como exemplo, as considerações por nós tecidas no acórdão do processo nº 330/2020, de 11/06/2020:
“A questão levantada nesta parte do recurso consiste em saber se o facto de transferência dos 280 trabalhadores (dos quais fazia parte o ora Autor) da A para a C, tem ou não efeito de cessação da relação laboral que o Autor tinha para com a A.
A Recorrente entende que sim, enquanto o Autor defende o contrário.
Diga-se desse já que não se verificou uma “efectiva cessação” do contrato de trabalho entre o Autor e a 1.ª Ré em 21 de Julho de 2003.
É que, não obstante a 1.ª e a 2.a Rés serem “pessoas jurídicas distintas” o Autor manteve de forma contínua e ininterrupta uma mesma relação laboral com as Rés entre 01/09/2002 a 20/07/2018 (Cfr. neste sentido e para data do início da relação de trabalho, a Declaração emitida pela 2.ª Ré (C) e junta sob o Doc. 2 da PI).
E tal foi assim - conforme as Recorrentes bem o referem - por força do Despacho n.º 01949/SEF/2003, do Exmo. Senhor Secretário para a Economia e Finanças da RAEM, de 21 de Julho de 2003, nos termos do qual foi autorizada a “transferência das autorizações para a contratação” de 280 trabalhadores não residentes (onde se encontra incluído o Autor) da 1.ª Ré (A) para a 2.ª Ré (C), de forma a que os mesmos “pudessem passar a exercer funções na C”, “permanecendo no seu posto de trabalho”. (Cfr. Doc. 3 junto com a Petição Inicial).
Depois, sempre se recorda, que uma das “condições” para que tivesse sido adjudicada a concessão de exploração de jogos de fortuna ou azar à 2.ª Ré (C) residiu no facto de esta se ter comprometido em “manter ao seu serviço” todos os trabalhadores da 1.ª Ré (A), tal qual se verificou.
Realcem-se 2 aspectos relevantes neste ponto:
a) - A transferência dos trabalhadores foi valorada e autorizada na sequência do pedido formulado pelas 2 Rés, e tal autorização estava sujeita a determinadas condições, nunca tal transferência foi “forçada” pelo Governo;
b) – Às Rés compete invocar e provar que, a partir da data da transferência dos trabalhadores, houve cessão da relação laboral que o Autor mantinha com a A, mas nada isto foi feito.
Pelo exposto, como a relação de trabalho apenas terminou no passado dia 20/07/2018 e que as Rés foram notificadas para a tentativa de conciliação em 29/04/2019, em caso algum se verifica a alegada prescrição dos créditos laborais reclamados pelo Autor, sabido que a mesma (prescrição) se não completa antes de corridos 2 anos sobre o termo da mesma relação laboral, o que in casu ainda se não verificou.”
Mutatis mutandis, o raciocínio expendido vale igualmente para a situação destes autos em análise.
*
Nas decisões mais recentes, relativamente à mesma questão (prescrição dos créditos laborais), ou seja, a eventual aplicação do artigo 311º do CCM aos créditos laborais reclamados pelos trabalhadores da A e C, este TSI tem sido também chamado a pronunciar-se, tendo consignado o seguinte entendimento dominante:
“(…)
Considerando a mens legislatoris da causa de suspensão da prescrição prevista no artº 311º/1-c) do CC que é prevenir o não exercício tempestivo do direito por parte de um trabalhador subordinado, por causa da chamada inibição psicológica do exercício do direito, decorrente da situação de subordinação jurídica em que se encontra e do receio de suscitar conflito com a entidade patronal que poderá colocar, inclusivamente, em risco o seu emprego.
E tendo em conta o facto notório, ou pelo menos o facto de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das funções, de que, não obstante juridicamente distinta da YYY, a XXXX é uma sociedade vulgarmente denominada sociedade-mãe da YYY por ser sócio dominante desta.
Se, em vez de cessação definitiva da relação de trabalho entre o trabalhador e a XXXX, o que aconteceu é no fundo apenas a modificação subjectiva, consistente na substituição da XXXX (antecessor) pela YYY (sucessor) numa mesma relação laboral com o trabalhador, este não deve ficar impedido de beneficiar da causa de suspensão por 2 anos, a que se alude o artº 311º/1-c) do CC, a contar apenas a partir da cessação da relação laboral com a YYY, para reclamar os créditos laborais devidos pela XXXX, uma vez que, mesmo após a sucessão da YYY na posição contratual da XXXX, esta não deixa de ser a entidade a quem o trabalhador se encontra “de facto subordinado”. (sumário do proc. nº 1280/2019, de 05/03/2020)
Estas considerações continuam a ser válidas para o caso em análise, não encontramos razões bastantes para alterar a posição, o que determina necessariamente procedente o recurso, revogando-se o despacho recorrido e mandando-se a baixa dos autos ao Tribunal recorrido para reformular o despacho saneador em conformidade e prosseguir a acção até final, se não existir outra causa que a tal obste.”

A nosso ver, não vemos razão para alterar o entendimento exposto no trecho transcrito, pelo que, quanto a esta parte, improcede o recurso.
*
Da impugnação da matéria de facto provada
Alega a ré que, partindo da prova produzida em audiência, mormente o depoimento das duas testemunhas, nunca poderia o tribunal a quo dar como provado o quesito 4º da base instrutória.
Vigora, no processo civil, o princípio da livre apreciação da prova, previsto no artigo 558.º do Código de Processo Civil, nos termos do qual o tribunal aprecia livremente as provas e fixa a matéria de facto em sintonia com a convicção que formou acerca de cada facto controvertido, salvo se a lei exigir, para a existência ou prova do facto jurídico, qualquer formalidade especial, se for caso disso esta não pode ser dispensada.
E a parte que não está conformada com a decisão da matéria de facto pode, em sede de recurso, impugná-la, “incumbindo-lhe a indicação precisa, clara e determinada dos concretos pontos de facto em que diverge da apreciação do tribunal, devendo fundamentar a sua divergência com expressa referência às provas produzidas…”1.
É o que resulta do disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 599.º do Código de Processo Civil:
“1. Quando impugne a decisão de facto, cabe ao recorrente especificar, sob pena de rejeição do recurso:
a) Quais os concretos pontos da matéria de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo nele realizado, que impunham, sobre esses pontos da matéria de facto, decisão diversa da recorrida.
2. No caso previsto na alínea b) do número anterior, quando os meios de probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação da prova tenham sido gravados, incumbe ainda ao recorrente, sob pena de rejeição do recurso, indicar as passagens da gravação em que se funda.”
No caso vertente, a recorrente pretende pôr em causa a resposta dada pela primeira instância ao quesito 4º da base instrutória, alegando que os depoimentos prestados por aquelas testemunhas são genéricos, sem que elas tivessem conseguido concretizar se em relação ao autor as coisas se passavam como se haviam passando em relação a si mesmas.
Ora bem, não há margem para dúvidas que a decisão proferida pelo Colectivo de primeira instância sobre aquele facto controvertido fundamentou-se com base em depoimentos testemunhais.
Por não existir qualquer disposição legal que exija para a prova de determinados factos certo meio de prova, ou que atribua força probatória plena a algum meio de prova, é admissível qualquer meio de prova e cuja valoração encontra-se submetida à livre apreciação do juiz.
Sendo assim, tencionando a ré ora recorrente impugnar a decisão da matéria de facto, e havendo gravação da prova, ela terá que especificar, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, mas também os concretos meios probatórios constantes do processo ou de registo nele realizado, e indicar as passagens da gravação em que se funda o erro imputado.
Conforme referiu Lopes de Rego, “a garantia do duplo grau de jurisdição em sede matéria de facto nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência - visando apenas a detecção e correcção de pontuais, concretos e seguramente excepcionais erros de julgamento, incidindo sobre pontos determinados da matéria de facto, que o recorrente sempre terá o ónus de apontar claramente e fundamentar na sua minuta de recurso. Não poderá, deste modo, em nenhuma circunstância, admitir-se como sendo lícito ao recorrente que este se limitasse a atacar, de forma genérica e global, a decisão de facto, pedindo pura e simplesmente a reapreciação de toda a prova produzida em 1ª instância manifestando genérica discordância com o decidido.”2
No presente caso, a recorrente não logrou indicar as passagens da gravação que, eventualmente, impunham decisão diversa da recorrida.
Em boa verdade, a razão de ser dessa exigência é permitir ao Tribunal de recurso identificar qual a parte concreta do depoimento que o tribunal a quo teria julgado ou valorado incorrectamente.
Considerando que a recorrente não logrou indicar as passagens da gravação que permitam infirmar a decisão sobre a matéria de facto provada, tal implica, a nosso ver, a rejeição do pedido da reapreciação da prova, por inobservância do disposto no artigo 599.º, n.º 1, alínea b) e n.º 2 do Código de Processo Civil.
Improcede, pois, esta parte do recurso.
***
III) DECISÃO
Face ao exposto, acordam em negar provimento aos recursos, interlocutório e final, interpostos pela ré A, assim confirmando a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.
Registe e notifique.
***
RAEM, 9 de Setembro de 2021
Tong Hio Fong
Rui Carlos dos Santos P. Ribeiro
Lai Kin Hong
1 José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, Código de Processo Civil Anotado, Volume 3º, Coimbra Editora, página 53
2 Carlos Francisco de Oliveira Lopes do Rego, Comentários ao Código de Processo Civil, Volume I, 2004, 2ª edição, Almedina, página 584
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Recurso Laboral 497/2021 Página 31