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Processo n.º 442/2020
(Autos de recurso contencioso)

Data: 9/Setembro/2021

Recorrente:
- A

Entidade recorrida:
- Secretário para a Segurança

Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:

I) RELATÓRIO
A, com sinais nos autos, notificado do despacho do Exm.º Secretário para a Segurança, que lhe aplicou a medida de interdição de entrada na RAEM por 4 anos, dele não se conformando, interpôs o presente recurso contencioso de anulação de acto, formulando na petição de recurso as seguintes conclusões:
     “a. 司法上訴人就保安司司長於2020年4月3日作出的“決定維持對司法上訴人作出禁止入境4年的批示”的決定行為,針對保安司司長,根據《行政訴訟法典》第21條提起司法上訴。
     b. 司法上訴人認為存在多項可撤銷的瑕疵,故保安司司長於2020年4月3日的“決定維持對司法上訴人作出禁止入境4年的批示”的決定行為為非有效。
     c. 被針對的行為存在事實前提之錯誤,保安司司長於批示中認為司法上訴人涉嫌觸犯“在許可地方內不法經營賭博罪”及“在許可地方內不法進行賭博罪”的行為,繼而認為應對其採取禁止入境措施。
     d. 事實上,司法上訴人與A為認識多年的朋友,不時會一同在澳門賭場進行賭博,而賭博過程中互相交換及拿取籌碼亦時有發生,而在2019年3月4日兩人一同賭博,期間曾互用籌碼,司法上訴人亦曾因A協助投注而同意後者拿取其籌碼,但並無作出任何違法行為。
     e. 透過卷宗內所有資料,就能發現行政當局在事實認定方面存有錯誤,本案中針對司法上訴人所作出之指控及採取有關措施之證據僅為司法警察局所發出之一份公函,但公函內所載內容根本未得到證實,檢察院至今並無針對司法上訴人提出任何刑事控訴。可見,司法上訴人曾作出犯罪行為之認定,存在事實前提之錯誤,即屬於違背法律的瑕疵。
     f. 被針對的行為違反調查原則,本案中只有一份19583/S/2019公函,甚至連公函內提及的錄像記錄或司法上訴人以及其他同案嫌犯之筆錄資料都未載入卷宗以作調查,因此本案並不具有充分的證據資料。司法上訴人曾在書面聽證及必要訴願中作出解釋,並要求作出更多的調查措施,但也不獲得批准。保安司司長拒絕進行其他所申請的措施的做法是不妥當的。
     g. 被針對的行為同樣違反無罪推定原則,檢察院並未就“在許可地方內不法經營賭博罪”及“在許可地方內不法進行賭博罪”針對司法上訴人提出控訴,以至法院亦沒有就相關事實針對任何人作出審判或定罪,保安司司長卻在此情況下便認定司法上訴人曾在澳門實施犯罪並對其採取禁止入境的措施。這無疑是與《澳門基本法》第29條,在法院判罪之前均假定無罪的目的背道而馳。
     h. 司法上訴人認為被針對的行為違反第6/2004號法律第11條第1款第3項及第12條第2款第2項之規定,該規定須結合同一法律第11條第1款第3項,即需證實有關人士對公共安全或公共秩序構成實質及確定危險。
     i. 誠然,被上訴之批示及卷宗資料都沒有解釋或指出任何依據如何認定司法上訴人對公共秩序或公共安全構成危險,卷宗根本沒有任何實質證據顯示司法上訴人曾作出司法警察局所指控的行為,亦沒有任何依據認定其對本澳公共安全及公共秩序造成任何危險,基於此,本案並不符合上述法律規定可禁止入境的法律前提。
     j. 另外,被訴實體在否決司法上訴人針對廢止逗留許可決定提出之必要訴願中,亦只是懷疑司法上訴人曾作出第8/96/M號法律第8條“處最高六個月徒刑或罰金”的“在許可地方進行不法賭博罪”的行為,而非同一法律第7條規定之“不法經營賭博的行為”。
     k. 最後,從司法上訴人一向的良好行為表現、本案所涉嫌之犯罪行為及相關法律規定考慮,其嚴重性、危險性或可譴責性不足以採取長達4年的禁止入境期限。
     l. 基於此,被上訴之批示維持對司法上訴人作出禁止進入澳門措施的期間訂為4年,明顯不成比例,違反第6/2004號法律第12條第4款的規定並違反適度原則。
     m. 因此,是次禁止入境的決定存有違反適用之原則或法律規定的瑕疵,根據《行政程序法典》第124條,保安司司長的批示為可撤銷。
     綜上所述,請求尊敬的 法官閣下裁定本司法上訴理由成立,並撤銷被訴實體於2020年4月3日作出維持對司法上訴人作出禁止入境4年的決定。”
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Regularmente citada, apresentou a entidade recorrida contestação, pugnando pela improcedência do recurso.
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Notificadas as partes para, querendo, apresentarem alegações facultativas, apenas o recorrente fez uso desta faculdade, tendo formulado as seguintes conclusões:
     “1.司法上訴人就保安司司長作出的批示“就司去上訴人因被禁止入境提起之必要訴願維持對其作出禁止入境4年”,針對澳門保安司司長,提起本司法上訴。
     2. 司法上訴人認為被針對的行政行為存在多項可撤銷的瑕疵。
     3. 無論是根據卷宗內的文件還是附件1的判決證明書,已經能夠證實的是司法上訴人並沒有在本澳觸犯犯罪行為。即使司法上訴人曾被指控觸犯“在許可地方內不法進行賭博”,但該案件已於2020年11月10日由初級法院刑事法庭作出了開釋司法上訴人的宣判,且該判決現已轉為確定。
     4. 另一方面,檢察院從未起訴司法上訴人觸犯“在許可地方內不法經營賭博”。(見司法上訴人於2020年8月13日向中級法院附入的檢察院控訴書)
     5. 正如中級法院於第607/2019判決所作之見解,禁止入境屬具處罰性質的行為,因此相應的舉證責任由被訴實體承擔。被訴實體僅以司法警察局所發出之一份編號19583/S/2019公函,就斷定當事人實施了違法事實,是過於武斷的。
     6. 顯而易見,被上訴批示維持的禁止入境決定是基於“有充分客觀說明利害關係人觸犯有關犯罪行為”是存在事實認定的瑕疵。
     7. 再進一步,在不能得出司法上訴人在澳門特別行政區實施犯罪之任何證據,故司法上訴人繼續前往澳門並不會對公共安全或公共秩序構成危險。因此,被訴行為同樣違反了第6/2004號法律第11條第1款第3項之要件,故被訴行為存在適用法律錯誤的瑕疵。
     8. 即使尊敬的法官閣下不同意上述見解,被訴行為同樣違反《行政程序法典》第86條之規定的調查原則,違反無罪推定原則,及適度原則之規定,根據反《行政程序法典》第21條第1款及《行政程序法典》第124條之規定,被訴行為應予撤銷。
     9. 這是因為本案中有關之證據僅為司法警察局所發出之一份編號19583/S/2019公函,而作為被訴實體維持禁止入境的依據報告書中指出的一份編號20678/S/2019公函也沒有附入行政卷宗。可見,本案並沒有作出任何實質的調查措施以支持司法上訴人曾作出犯罪行為的事實。基於此,被訴實體明顯違反《行政程序法典》第86條第1款之規定的調查原則。
     10. 最後,即使司法上訴人曾經被指控“在許可地方進行不法賭博”(如前述,已被判無罪),其刑幅也僅是“處最高六個月徒刑或罰金”。且司法上訴人來澳期間一直遵守法律行為良好,卷宗資料顯示司法上訴人沒有在澳紀錄有犯罪前科。被上訴之批示維持對司法上訴人作出禁止進入澳門措施的期間訂為4年,明顯不成比例,違反第6/2004號法律第12條第4款的規定及適度原則。
     11. 綜上,無論是因被訴行為存在事實認定錯誤,違反第6/2004號法律第11條第1款第3項及第12條第2款第2項之規定,還是違反《行政程序法典》第86條之規定的調查原則,違反無罪推定原則,及適度原則之規定,根據反《行政程序法典》第21條第1款及《行政程序法典》第124條之規定,被訴行為均應予撤銷。
     請求 尊敬的法官閣下一如既往作出公正裁決!”
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Foi emitido pelo Digno Procurador-Adjunto do Ministério Público o seguinte douto parecer:
“Na petição e alegações, o recorrente solicitou a anulação do despacho em escrutínio, invocando o erro nos pressupostos de facto, a ofensa do princípio de investigação previsto no art. 86º do CPA, a violação do princípio da presunção de inocência, das disposições nas alíneas 3) do n.º 1 do art. 11º e 2) do n.º 2 do art. 12º da Lei n.º 6/2004, e ainda do preceito no n.º 4 do art. 12º desta Lei e do princípio da proporcionalidade.
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1. Da arguição do erro nos pressupostos de facto
No despacho in quaestio, o Exmo. Sr. Secretário para a Segurança negou provimento ao recurso hierárquico, declarando inequivocamente a concordância com a Informação apresentada pelo Comandante do CPSP e que “內容在此予以完全轉錄” (quanto ao texto dessa Informação, cfr. fls. 18 a 23 dos autos).
Nos termos do disposto no n.º 1 do art. 115º do CPA, tal despacho absorve os fundamentos de facto e de direito da referida Informação na sua íntegra. Daí resulta, sem sombra de dúvida, que a decisão de aplicação da interdição de entrada por período de 4 anos ao recorrente se suportou nos factos participados pela P.J. através dos ofícios n.º 19583/S/2019 e n.º 20678/S/2019, respectivamente de 27/06/2019 e 08/07/2019.
O n.º 12 da dita Informação revela concludentemente que os factos participados pela P.J. e as investigações efectuadas pela mesma levaram o Exmo. Senhor Comandante do CPSP a colher “fortes indícios da prática dos crimes de exploração e prática ilícitas de jogo em local autorizado, conforme artºs 7.º e 8.º da Lei n.º 8/96/M, por parte do recorrente e de um outro indivíduo de nome B.” (sublinha nossa)
Repare-se que fundamentando a decisão de absolvição emanada no Processo n.º CR4-20-0255-PCS (cfr. fls. 87 a 92 dos autos) o MMº Juiz explicou clara e propositadamente que “根據卷宗的錄影光碟內容,確實可以證實到兩名嫌犯曾作出了控訴書第4至第10條之行為。可是,雖然有關行為能反映出兩名嫌犯有實施對賭的跡象,但是,僅憑有關影像,在兩名嫌犯均保持沉默的情況下,未能必然地反映出兩名嫌犯在實施對賭行為。到底兩名嫌犯作出相關行為的目的為何,是否存在對賭協議,在本案中並沒有足夠的證據予以證實。在證據不足的情況下,只能視兩名嫌犯存在賭博協議一事不獲證實。”
O que legitima que no caso sub judice se tenha presente a brilhante jurisprudência que proclama (cfr. Acórdão do TSI no Processo n.º 452/2017): O facto de a absolvição jurídico-penal se dever à circunstância de que os factos essenciais da acusação ficaram não provados por força do princípio de in dúbio pro reo, isso não significa que, de todo em todo, o Recorrente não teve envolvimento nos factos, e por outro lado, o juízo valorativo utilizado em processo penal é diferente do seguido em processo administrativo, neste, a Entidade Recorrida também não chegou a afirmar peremptoriamente que o Recorrente cometeu, sem margem para dúvidas, os factos imputados, mas sim, foi formado um juízo com base nos fortes indícios de que o Recorrente envolveu, conjuntamente com outras pessoas, nos factos integradores de burla informática, o que periga a ordem pública de Macau.
Importa também relembrar a brilhante inculca de que “II. A constatação da existência de fortes indícios de o recorrente ter praticado crime insere-se nos poderes discricionários da Administração, não sindicável pelos tribunais, salvo havendo erro grosseiro e manifesto. III. Não se torna necessário que os factos demonstrem inequivocamente o cometimento de um crime definitivamente julgado, bastando a existência dos referidos indícios para que a norma do art. 4º, n.º 2, al. 3), da Lei n.º 4/2003 se possa aplicar, “ex vi” art. 12.º, n.º 3, da Lei n.º 6/2004.” (cfr. Acórdão do TSI no Processo n.º 94/2015)
Em esteira, afigura-se-nos que avaliada a montante, a supra referida decisão de absolvição não pode acarretar o erro nos pressupostos de facto e, designadamente, o erro grosseiro ao despacho em causa que comporta o exercício de poderes discricionários quanto ao juízo de que o recorrente constitui perigo para a segurança e ordem públicas da RAEM.
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2. Da arguição da violação do princípio do inquisitório
Ora, a doutrina e jurisprudência vêm incansavelmente asseverando que o procedimento administrativo se rege e orienta pelo princípio do inquisitório que é contraste do princípio do dispositivo. A jurisprudência da RAEM acolhe, a título do direito comparado e bem, a brilhante doutrina que ensina (vide. Acórdão do TSI no Processo n.º 193/2000):
4. A falta de diligências reputadas necessárias para a constituição da base fáctica da decisão afectará esta, não só se tais diligências forem obrigtórias (acarretando, assim, violação do princípio da legalidade), mas também se a materilidade dos factos não estiver comprovada, ou faltarem, nessa base, factos relevantes alegados pelo interessado, por insuficiência de prova que a Administração poderia e deveria ter colhido (o que gera erro nos pressupostos de facto).
5. Ou seja, as omissões, inexactidões ou insuficiências na instrução estão na origem de um déficit de instrução, que redunda em erro invalidante da decisão, derivado não só da omissão ou preterição das diligências legais, mas também de não se tomar na devida conta, na instrução, interesses que tenham sido introduzidos pelo interessado, ou factos que fossem necessários para a decisão do procedimento.
Por sua vez, o douto TUI afirma (cfr. Acórdão no Processo n.º 22/2020): 7. Nos termos dos art.ºs 59.º e 86.º n.º 1 do CPA, a Administração deve proceder às diligências que considere convenientes para a instrução e decidir coisa diferente ou mais amplo do que a pedida, quando o interesse público assim o exigir, bem como procurar averiguar todos os factos cujo conhecimento seja conveniente para a justa e rápida decisão do procedimento, podendo, para o efeito, recorrer a todos os meios de prova admitidos em direito. 8. Ambas as normas falam na “conveniência” das diligências ou do conhecimento dos factos. 9. A “conveniência” assim falada não deve ser interpretada numa visão restritiva, mas sim com uma extensão indiscriminada, englobando não apenas a justa decisão, mas também a decisão legal.
Nos termos do disposto no art. 59º e no n.º 1 do art. 86º do CPA, de acordo com o princípio da eficiência (art. 12.º do CPA), e em esteiras das iluminativas doutrina e jurisprudência supra aludidas, podemos inferir sossegadamente que o dever de averiguação se circunscreve a factos cujo conhecimento seja conveniente para a justa e rápida decisão do procedimento, destinando-se a apurar a verdade dos factos pertinentes.
Nesta linha de vista, afigura-se-nos que não se descortina in casu a violação do princípio do inquisitório, na medida em que estão apurados já todos os factos cujo conhecimento seja conveniente e pertinentes para a justa e rápida decisão sobre questões surgidas no procedimento.
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3. Da arrogada violação do princípio da presunção de inocência
Frise-se que o MMº Juiz titular do Processo n.º CR4-20-0255-PCS estribou a sua decisão de absolvição no princípio in dubio pro reo. Bem, a absolvição do arguido no processo penal, ao abrigo do princípio in dúbio pro reo por insuficiência das provas para demonstrar, sem margem para dúvidas e com certeza, que ele cometeu os crimes imputados, não implica necessariamente a inexistência de “fortes indícios” da sua intervenção nesses crimes, pressuposto da aplicação da interdição de entrada (cfr. aresto do TUI no Processo n.º 36/2019). Pois, o facto de a absolvição jurídico-penal se dever à circunstância de que os factos essenciais da acusação ficaram não provados por força do princípio de in dúbio pro reo, isso não significa que, de todo em todo, o Recorrente não teve envolvimento nos factos, e por outro lado, o juízo valorativo utilizado em processo penal é diferente do seguido em processo administrativo, neste a Entidade Recorrida não chegou a afirmar peremptoriamente que o Recorrente cometeu, sem margem para dúvidas, os factos imputados, mas sim, foi formado um juízo com base nos fortes indícios de que o Recorrente envolveu, conjuntamente com outras pessoas, nos factos integradores de burla informática, o que periga a ordem pública de Macau (cfr. aresto do TSI no Processo n.º 452/2017).
Convém relembrar que se os “fortes indícios” forem reportados à preparação para a prática de crimes, bem como àquelas outras situações em que o conceito está vocacionado para a convicção de um prejuízo para a ordem e segurança públicas, onde o juízo de prognose é, naturalmente, “ex ante” a respeito da possibilidade de actuação futura antijurídica por parte do administrado, a Administração detém alguma margem de liberdade e apreciação na respectiva factualidade.» (cfr. Acórdão do TSI no Processo n.º 484/2017)
Importa também ter presente brilhante inculca de que “II. A constatação da existência de fortes indícios de o recorrente ter praticado crime insere-se nos poderes discricionários da Administração, não sindicável pelos tribunais, salvo havendo erro grosseiro e manifesto. III. Não se torna necessário que os factos demonstrem inequivocamente o cometimento de um crime definitivamente julgado, bastando a existência dos referidos indícios para que a norma do art. 4.º, n.º 2, al. 3), da Lei n.º 4/2003 se possa aplicar, “ex vi” art. 12.º, n.º 3, da Lei n.º 6/2004.” (cfr. Acórdão do TSI no Processo n.º 94/2015)
Para além disso, convém ainda que assinalar a jurisprudência mais autorizada, segundo a qual “1. No caso de haver fortes indícios quanto à prática ou à preparação para a prática de crimes, a Administração pode decretar a interdição de entrada com fundamento na existência de perigo efectivo para a segurança ou ordem públicas da RAEM - art.º 12.º n.ºs 2 e 3 da Lei n.º 6/2004 e art.º 4.º n.º 2, al. 3) da Lei n.º 4/2003. 2. Com a previsão, como pressuposto da interdição de entrada, de existência de “fortes indícios” da prática do crime, não se pode falar na aplicação dos princípios da presunção de inocência e do in dubio pro reo, já que a exigência legal, tão só, de fortes indícios se opõe logicamente à ideia de comprovação de prática do facto ilícito. 3. Não se aplica, na matéria de interdição de entrada em virtude de existirem fortes indícios da prática do crime, os princípios da presunção de inocência e do in dubio pro reo.” (vide Acórdão do TUI no Processo n.º 28/2014)
Tudo isto encoraja-nos a concluir que o despacho in quaestio não colide com o princípio da presunção de inocência.
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4. Da invocação da violação de lei e do princípio da proporcionalidade
A fim de abonar o pedido de anulação, o recorrente assacou ainda a violação das disposições nas alíneas 3) do n.º 1 do art. 11º e 2) do n.º 2 do art. 12º da Lei n.º 6/2004, e ainda do preceito no n.º 4 do art. 12º desta Lei e do princípio da proporcionalidade.
Importa também ter presente brilhante inculca de que “II. A constatação da existência de fortes indícios de o recorrente ter praticado crime insere-se nos poderes discricionários da Administração, não sindicável pelos tribunais, salvo havendo erro grosseiro e manifesto. III. Não se torna necessário que os factos demonstrem inequivocamente o cometimento de um crime definitivamente julgado, bastando a existência dos referidos indícios para que a norma do art. 4º, n.º 2, al. 3), da Lei n.º 4/2003 se possa aplicar, “ex vi” art. 12.º, n.º 3, da Lei n.º 6/2004.” (cfr. Acórdão do TSI no Processo n.º 94/2015)
Sem necessidade de citação dos arestos, o que é incontroverso é que a jurisprudência sedimentada pelos Venerandos TUI e TSI e consolidada no ordenamento jurídico de Macau ensina sempre que o n.º 2 do art. 4.º da Lei n.º 4/2003 bem como o n.º 2 do art. 12.º da Lei n.º 6/2004 conferem real poder discricionário à Administração, cujo exercício é judicialmente insindicável, salvo se padeçam de erro manifesto ou total desrazoabilidade.
Ora bem, o Alto TUI asseverou incansavelmente que «Ao Tribunal não compete dizer se o período de interdição de entrada fixado ao recorrente foi ou não proporcional à gravidade, perigosidade ou censurabilidade dos actos que a determinam, se tal período foi o que o Tribunal teria aplicado se a lei lhe cometesse tal atribuição. Essa é uma avaliação que cabe exclusivamente à Administração; e o papel do Tribunal é o de concluir se houve erro manifesto ou total desrazoabilidade no exercício de poderes discricionários, por violação do princípio da proporcionalidade ou outro.» (cfr. a título meramente exemplificativo, Acórdãos nos Processos n.º 13/2012 e n.º 112/2014)
Na mesma linha de consideração e atendendo aos factos dados por provados na sobredita sentença de absolvição, inclinamos a colher que o despacho em questão não infringe nenhuma das disposições invocadas pelo recorrente, nem o princípio da proporcionalidade.
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Por todo o expendido acima, propendemos pela improcedência do presente recurso contencioso.”
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Corridos os vistos, cumpre decidir.
O Tribunal é o competente.
O processo é o próprio.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas, estão devidamente representadas e têm interesse processual.
Não existem nulidades nem excepções que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
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II) FUNDAMENTAÇÃO
Resulta provada dos elementos constantes dos autos a seguinte matéria de facto com pertinência para a decisão do recurso:
Por despacho do 2.º Comandante da PSP, de 25.9.2019, foi aplicada ao recorrente a medida de interdição de entrada na RAEM pelo período de 4 anos. (fls. 26)
Inconformado, interpôs o recorrente recurso hierárquico para o Exm.º Secretário para a Segurança. (fls. 31 a 38)
Foi elaborado em 21.1.2020 pelo Comandante da PSP a seguinte informação: (fls. 18 a 23)
“1. O recorrente, visitante da RAE de Hong Kong, titular do HKIC n.º … de nome A, vem interpor recurso hierárquico do despacho através do qual lhe foi aplicada a medida de interdição de 4 (quatro) anos, invocando principalmente o seguinte:
2. Não concorda com o conteúdo do despacho, pois não praticou o referido crime ou qualquer outro, pelo que não constitui perigo para segurança da RAEM; que, a medida foi aplicada só com base no ofício da Polícia Judiciária, não existem provas directas e concretas de que o recorrente tenha praticado o referido crime; também, o processo ainda se encontra em fase de investigação e até agora não há qualquer acusação deduzida pelo MP, e aliás no inquérito o recorrente remeteu-se ao silêncio e não respondeu a qualquer das perguntas do MP, e não confirmou as declarações assinadas na Polícia Judiciária;
3. Que, além das declarações na Polícia Judiciária, não há mais qualquer audiência do recorrente, pelo que não é correcto afirmar-se que o recorrente admitiu os factos; e sugere que o órgão recorrido diligencie no sentido de trazer à RAEM, o tal B, para que este ajude na investigação, e se arquive o caso;
4. Que, já na audiência teve oportunidade de explicar o caso, apenas se tratou de uma troca de fichas entre os dois amigos, um levar as fichas do outro para tirar a sorte do outro, e que isso é uma coisa normal nos casinos e, aliás, o outro indivíduo de apelido CHAN, confirmou, mas o órgão recorrido não seguiu o que o recorrente e o outro disseram; o órgão recorrido não fez mais qualquer investigação, apenas se baseou no ofício de Polícia Judiciária; que, também, só existem duas imagens das apostas, e isso é muito pouco para se concluir da prática do ilícito, nem o ofício da PJ, é suficiente para demonstrar qualquer indício de crime e, por seu lado, o órgão recorrido não procurou junto do MP, qualquer informação acerca do processo, pelo que não há razão para a medida de interdição;
5. Que, para se constituir o tipo deste crime, tem de haver o recebimento das fichas, mas é óbvio que isso não aconteceu, a pessoa tem de mostrar intenção, mas não se consegue preencher os tipos dos art.ºs 7º e 8º da Lei n.º 8/96/M, pelo que não praticou qualquer acto criminoso, foi tudo legal, não praticou os crimes dos art.ºs 7º e 8º da referida lei; e invoca uma decisão judicial do TSI, para dizer que só um ofício da Polícia Judiciária não é suficiente para se considerar a prática dos factos; e volta a repetir que não foi efectuada qualquer investigação complementar, pelo que existe violação ao art.º 86º do CPA, e, assim, erro nos pressupostos de facto; e que também, deve ser atendido o princípio da presunção da inocência, art.º 29º da LB, pois até agora não existe qualquer decisão judicial;
6. Também, para a invocação da alínea 3), do n.º 1 do art.º 11º da Lei n.º 6/2004, é necessário que o acto crie perigo para a ordem e segurança, e esse perigo tem de ser confirmado, mas o recorrente não constitui perigo pelo que a sua situação não se enquadra nesta lei; vem a Macau apenas para jogar, e sempre cumpre as leis;
7. E o acto recorrido viola igualmente o princípio da proporcionalidade, pois o recorrente não tem antecedentes criminais, nem nunca teve qualquer problema relacionado com a permanência; que, quanto ao art.º 7º, o recorrente não desenvolve essa actividade, e quanto ao art.º 8º, mesmo que tivesse praticado esse crime, seria punido com uma pena de multa, mas nunca com prisão efectiva, pelo que quatro anos de interdição é uma medida excessiva;
8. Pedindo, pelos fundamentos acima invocados, que o acto recorrido seja revogado, ou então que seja reduzido o período de interdição;
9. E também, que nos termos do art.º 76º, n.º 4, seja pedido ao MP, os autos de inquirição do recorrente e do outro arguido, como também, a remessa do video respeitante ao processo de inquérito onde é arguido o recorrente.
10. Desde já se deve referir, que não irão ser efectuadas as diligências acima requeridas, porque não são de carácter oficioso, e pertencem aos fundamentos de prova do recorrente e, por isso, compete ao mesmo requerê-las directamente às entidades que possuem tais documentos;
11. Por outro lado, para a decisão de aplicação da presente medida de interdição, a corporação suportou-se nos factos participados pela Polícia Judiciária através dos ofícios n.ºs 19583 e 20678/S/2019, respectivamente de 27 de Junho (a fls. 14) e de 8 de Julho de 2019 (processo de B),
12. documentos onde se refere que na sequência de uma queixa no GIF, e de investigações efectuadas pela Polícia Judiciária, permitiu a esta polícia colher fortes indícios da prática dos crimes de exploração e prática ilícitas de jogo em local autorizado, conforme art.ºs 7º e 8º da Lei n.º 8/96/M, por parte do recorrente e de um outro indivíduo de nome B;
13. Pois, no passado dia 4 de Março de 2019, na área PIT 820, na mesa n.º 22, de jogo de bacarat, do Casino X, veio-se claramente a constatar (conforme frisam os ofícios), com o auxílio das imagens das câmaras de vigilância, o recorrente e um outro indivíduo o jogarem debaixo da mesa (tou tôi tai tói min), isto é, seguindo o resultado da mesa mas apostando e cobrando entre si;
14. E verificou-se o recorrente, que ganhara a aposta, a recolher as fichas que os dois tinham colocado na mesa à sua frente, de 100 mil Hong Kong dólares, e mais as outras fichas que tinham apostado, e depois a ir-se embora;
15. Perante estes factos e as provas claras recolhidas pela Polícia Judiciária, e descritas nos referidos ofícios, por razões de ordem e segurança públicas decidiu-se de imediato revogar a autorização de permanência que tinha sido concedida ao recorrente (a fls. 16),
16. como também prosseguir o procedimento para aplicação da presente medida de interdição de entrada pelos mesmos motivos, depois da decisão sobre recurso exarada pelo Exmo. Secretário para a Segurança, por despacho de 16 de Agosto de 2019 (a fls. 47 e 48),
17. invocando-se a conjugação com o art.º 12º, n.ºs 2, alínea 2), e 4 da Lei n.º 6/2004, por um período julgado adequado e proporcional ao grau de responsabilidade do recorrente nos factos, e aos fins da mesma;
18. Quanto a alguns dos argumentos invocados pelo recorrente, considera-se que não procedem, designadamente a conversa sem interesse e irrelevante da troca da sorte entre um e o outro; ou de que não foi efectuada qualquer investigação, quando conforme a Polícia Judiciária afirma, as imagens são claras e evidentes quanto à prática ilícita de jogo em local autorizado;
19. Ou também, da pretensa interpretação do art.º 11º, n.º 1, alínea 3), da Lei n.º 6/2004, de que é necessária uma confirmação judicial, quando esse assunto (revogação da autorização de permanência), já foi decidido pelo Exmo. Secretário para a Segurança, e notificado ao recorrente (a fls. 51);
20. Pelo exposto, considera-se que o despacho através do qual foi aplicada a medida de interdição ao recorrente, não sofre de qualquer vício que possa levar à sua anulabilidade não devendo por isso ser concedido provimento ao presente recurso.
21. Por fim, por receio da continuidade da prática de actos semelhantes, como também pela falta de qualquer ligação do recorrente com a RAEM, não deve ser concedida a suspensão da execução do acto recorrido, porque tal causaria grave prejuízo ao interesse público.
22. À superior consideração de V. Exa.”

A 15.4.2020, o Exm.º Secretário para a Segurança deu o seguinte despacho: (fls. 17 dos autos)
“批示
事項: 必要訴願
利害關係人: A

利害關係人針對治安警察局長禁止其入境的決定提起本訴願。
同意治安警察局局長2020年1月21日報告書所作分析,內容在此予以完全轉載。
根據《行政程序法典》第161條1款規定,決定訴願理由不成立,維持對其所作出的禁止入境決定。”
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Vejamos agora os vícios invocados pelo recorrente.

Do alegado erro nos pressupostos de facto
Alega o recorrente que não praticou os factos a ele imputados e descritos no despacho recorrido, daí entende que a sua conduta não constitui perigo para segurança da RAEM.
Segundo o despacho recorrido, conclui-se que o recorrente e um outro indivíduo se encontravam a jogar debaixo da mesa de jogo de bacarat, do Casino X, ou seja, seguindo o resultado da mesa mas apostando e cobrando entre si.
Entende o recorrente que, de acordo com a sentença proferida no âmbito do processo penal, foi o mesmo absolvido do crime a que vinha acusado, previsto e punível pelo n.º 1 do artigo 8.º da Lei n.º 8/96/M.
É bom de ver que o recurso contencioso é de mera legalidade e tem por estrita finalidade a anulação dos actos recorridos (artigo 20.° do CPAC). Em princípio, a legalidade dos actos administrativos afere-se à luz do quadro fáctico e normativo vigentes à data da respectiva prática (tempus regit actum).
E sendo a decisão de absolvição do recorrente da prática do crime imputado no âmbito do processo penal posterior à prática do acto administrativo impugnado, não pode a tal decisão servir para integrar o parâmetro de aferição da legalidade do acto.
Em boa verdade, basta haver fortes indícios de que o recorrente praticou os factos imputados nos autos.
Como observa o Digno Magistrado do Ministério Público, e bem, a entidade recorrida não afirmou perentoriamente que o recorrente cometeu, sem margens para dúvidas, os factos imputados, antes formou um juízo com base em fortes indícios de que o mesmo praticou, juntamente com outros indivíduos, factos que integram a burla informática.
Conforme se decidiu no recente Acórdão do TUI, no âmbito do Processo n.º 206/2020:
“Destarte, a exigência de uma decisão penal condenatória não é requisito fundamental para que se possa concluir no sentido de estar verificado o “perigo para a segurança e ordem públicas”, desde que, o juízo da administração assente em factos, que não tendo sido contrariados, permitam concluir que a conduta do sujeito em causa constitui um perigo para a segurança ou ordem públicas, por exemplo se esses factos forem enquadráveis em situações que sejam susceptíveis de vir a preencher algum tipo legal de crime, como é o caso dos autos.”
Atentas as diligências probatórias efectuadas durante o procedimento administrativo, nomeadamente o relatório elaborado pela Polícia Judiciária, constatou-se que o recorrente tinha confessado os factos imputados, pelo que dúvidas de maior não restam de que existem fortes indícios da prática pelo recorrente dos factos descritos no acto recorrido.
Improcede, assim, o vício alegado.
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Da alegada insuficiência de instrução
Alega o recorrente que as diligências instrutórias realizadas no procedimento administrativo não foram suficientes.
Dispõe o n.º 1 do artigo 86º do CPA que “o órgão competente deve procurar averiguar todos os factos cujo conhecimento seja conveniente para a justa e rápida decisão do procedimento, podendo, para o efeito, recorrer a todos os meios de prova admitidos em direito”.
Como observam Lino Ribeiro e José Cândido de Pinho, “o método, a ordenação das diligências, a forma e o «timing» da sua realização são livres, o instrutor conduzirá o procedimento, dirigindo-o segundo o seu melhor critério, segundo a escolha que achar mais conveniente…, o que interessa é que todos os passos procedimentais instrutórios seguidos sejam adequados à averiguação dos factos e pressupostos materiais cujo conhecimento importe relevantemente à decisão do procedimento concreto”1.
Em boa verdade, não se verifica que as diligências efectuadas pela entidade competente com vista a apurar a prática pelo recorrente dos factos envolvidos são insuficientes.
Antes pelo contrário, se os elementos instrutórios constantes do procedimento permitam chegar à conclusão de que o recorrente cometeu os factos, por que razão teria a entidade competente que efectuar outras diligências.
Decidiu-se no Acórdão do Venerando TUI, no âmbito do Processo n.º 22/2020:
“Os art.ºs 85.º a 90.º do CPA regulam a matéria respeitante à instrução do procedimento administrativo, enquanto no art.º 59.º se consagra o princípio do inquisitório. Nos termos do art.º 59.º do CPA, a Administração pode proceder às diligências que considere convenientes para a instrução e decidir coisa diferente ou mais amplo do que a pedida, quando o interesse público assim o exigir. E ao abrigo do art.º 86.º n.º 1 do CPA, o órgão competente para a decisão deve procurar averiguar todos os factos cujo conhecimento seja conveniente para a justa e rápida decisão do procedimento, podendo, para o efeito, recorrer a todos os meios de prova admitidos em direito. Ambas as normas falam na “conveniência” das diligências ou do conhecimento dos factos. É de dizer que só têm interesse as diligências que a Administração considere “convenientes” e os factos “cujo conhecimento seja conveniente para a justa e rápida decisão do procedimento”, sobre os quais a Administração tem o dever de tomar e averiguar. A “conveniência” do conhecimento de factos não deve ser interpretada numa visão restritiva, mas sim com uma extensão indiscriminada, englobando não apenas a justa decisão, mas também a decisão legal. O órgão tem que averiguar todos os factos pertinentes (convenientes) à decisão do fundo que o procedimento impõe.”
Isto posto, como bem observa o Digno Magistrado do Ministério Público, na medida em que estão apurados já todos os factos cujo conhecimento seja conveniente e pertinente para a justa e rápida decisão sobre questões surgidas no procedimento, inexiste a alegada violação do dever de instrução ou falta de realização de diligência instrutória em procedimento administrativo.
Improcede, portanto, o recurso nesta parte.
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Da suposta violação do princípio da presunção de inocência
Alega o recorrente que o acto recorrido está ferido de ilegalidade por violação do princípio da presunção de inocência, chamando ainda a atenção deste TSI para o facto de, na pendência do recurso contencioso, ter sido proferida sentença judicial em processo-crime que absolveu o recorrente da prática dos factos acusados.
Vejamos.
Embora seja a presunção de inocência princípio fundamental em processo penal e que está previsto na Lei Básica, mas a verdade é que não estamos aqui em causa a apreciação da responsabilidade penal do recorrente.
No fundo, não precisamos saber se deve ser aplicada ao recorrente alguma pena ou medida de segurança, enquanto reacção pública ao crime, caso em que terá sempre que ter em linha de conta o referido princípio fundamental, mas sim estamos no âmbito do exercício da actividade administrativa, em que a Administração terá o dever e o cuidado de tomar decisões destinadas a satisfazer interesses públicos, nomeadamente, aplicando medidas de natureza meramente preventivas.
Por que a questão da recusa de entrada na RAEM de não-residentes está ligada a assuntos inseridos no âmbito da actividade administrativa, não se deve falar aqui de violação do princípio da presunção de inocência.
No mesmo sentido, veja-se o Acórdão de 25.11.2010 deste TSI, no Processo n.º 759/2007, onde se refere que “a recusa da entrada na RAEM, sendo uma medida policial com a finalidade de assegurar a paz e a tranquilidade social desta comunidade, não confronta com o princípio da presunção da inocência”.
O mesmo entendimento foi perfilhado pelo Acórdão do Venerando TUI, de 19.11.2014, proferido no âmbito do Processo n.º 28/2014:
“1. No caso de haver fortes indícios quanto à prática ou à preparação para a prática de crimes, a Administração pode decretar a interdição de entrada com fundamento na existência de perigo efectivo para a segurança ou ordem públicas da RAEM - art.º n.s 2 e 3 da Lei n.º 6/2004 e art.º 4.º n.º 2, al. 3) da Lei n.º 4/2003.
2. Com a previsão, como pressuposto da interdição de entrada, de existência de “fortes indícios” da prática do crime, não se pode falar na aplicação dos princípios da presunção de inocência e do in dubio pro reo, já que a exigência legal, tão só, de fortes indícios se opõe logicamente à ideia de comprovação de prática do facto ilícito.
3. Não se aplica, na matéria de interdição de entrada em virtude de existirem fortes indícios da prática do crime, os princípios da presunção de inocência e do in dubio pro reo.”
Isto posto, improcede o vício invocado.
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Da pretensa violação do disposto nos artigos 11.º, n.º 1, alínea 3) e 12.º, n.º 2, alínea 2) da Lei n.º 6/2004
Defende o recorrente que a sua conduta nunca pode ser configurada como um perigo para a segurança e ordem públicas da RAEM.
Consagra-se no artigo 12.º, n.º 2, alínea 2) da Lei n.º 6/2004 que “Pode igualmente ser decretada a interdição de entrada às pessoas a quem seja revogada a autorização de permanência nos termos do n.º 1 do artigo anterior.”
Por sua vez, preceitua-se no artigo 11.º, n.º 1, alínea 3) do mesmo diploma legal que “A autorização de permanência na RAEM pode ser revogada, sem prejuízo da responsabilidade criminal e das demais sanções previstas na lei, por despacho do Chefe do Executivo, quando a pessoa não residente constitua perigo para a segurança ou ordem públicas, nomeadamente pela prática de crimes, ou sua preparação, na RAEM.” – realçado nosso
No tocante à questão de saber se existe o chamado “perigo efectivo para a segurança e ordem públicas da RAEM”, o Venerando TUI já teve oportunidade de se pronunciar, no seu Acórdão de 3.5.2000, no Processo n.º 9/2000, nos seguintes termos: “o que está em causa é um juízo de avaliação da sua actividade futura, é a emissão de juízos de valor que contêm elementos subjectivos, muitos deles integrados numa prognose. Esta…é um raciocínio através do qual se avalia a capacidade para uma actividade futura, se imagina a evolução futura de um processo social ou se sopesa a perigosidade de uma situação futura.”
Estatuindo-se ainda naquele douto aresto que “a intenção da lei é a de conceder uma margem de livre apreciação à Administração, cujo mérito não deve ser sindicado pelo tribunais”.
De facto, não obstante estarmos em causa conceitos indeterminados, mas por conter uma grande indeterminação, a intenção do legislador é conferir uma margem de livre apreciação à Administração, ou seja, são-lhe conferidos poderes de interpretar aqueles conceitos não densificados com recurso a um juízo de prognose, face às especificidades de cada caso concreto, cuja disciplina escapa à fiscalização judicial.
Mas isto não significa que as decisões da Administração tornam-se sempre imunes a qualquer controle judicial, mas a sindicância só aparece em caso de erro grosseiro e manifesto.
Decidiu o TUI, no seu Acórdão de 27.4.2000, no Processo n.º 6/2000, que “quando o acto resultado do exercício do poder discricionário ou da margem de livre decisão está manifestamente contrário aos princípios jurídicos fundamentais a que as actividades administrativas devem respeito, o tribunal pode anular o acto por este fundamento no uso da competência da fiscalização da legalidade. Fica, assim, garantidos adequadamente os direitos e interesses legais prejudicados através do meio jurisdicional sem detrimento do pleno exercício dos poderes discricionários pela Administração”.
Segundo o estatuído no artigo 12.º da Lei n.º 6/2004, é conferido à Administração o poder de recusar a entrada de não-residente na RAEM na medida em que se verifica a existência de fortes indícios de aquele ter praticado algum facto ilícito, cuja sua permanência em Macau pode constituir um perigo para a segurança ou ordem públicas da RAEM.
De acordo com a matéria carreada aos autos, verifica-se que há fortes indícios de que o recorrente e um outro indivíduo colocaram apostas, entre si, junto da mesa de jogo de bacarat do Casino X.
Isto posto, ponderando que a sua estadia na RAEM pode causar perigo efectivo para a segurança e ordem públicas da RAEM, e não se descortinando que a actuação da Administração está viciada de qualquer erro grosseiro e manifesto, improcede o vício invocado.
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Da alegada violação do princípio da proporcionalidade
Defende o recorrente que a medida de interdição de entrada na RAEM por 4 anos que lhe foi aplicada é excessiva, tendo violado o princípio da proporcionalidade previsto no artigo 5.º do n.º 2 do Código do Procedimento Administrativo.
Dispõe o artigo 5.º, n.º 2 do CPA que “As decisões da Administração que colidam com direitos subjectivos ou interesses legalmente protegidos dos particulares só podem afectar essas posições em termos adequados e proporcionais aos objectivos a realizar” – sublinhado nosso.
Em relação à determinação do período da interdição encontra-se na discricionariedade da Administração.
A propósito da questão da intervenção dos tribunais na fiscalização da Administração em virtude da eventual violação do princípio da proporcionalidade, foi já objecto de várias decisões deste TSI e do TUI, designadamente nos doutos Acórdãos deste último nos Processos n.º 9/2000, 21/2004, 14/2005, transcrevendo-se, a seguir, parte de um desses arestos (Processo n.º 9/2000):
“Não se têm suscitado dúvidas tanto na doutrina como na jurisprudência, que os tribunais podem fiscalizar o respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça e da imparcialidade. A dúvida está em saber em que medida deverão os tribunais intervir nesta matéria.
David Duarte, referindo-se à proporcionalidade em sentido estrito, “que engloba a técnica do erro manifesto de apreciação, técnica jurisdicional francesa que compreende, em termos avaliativos, para além do erro na qualificação dos factos, a utilização de um critério decisório proporcional que se revela numa decisão desequilibrada entre o contexto e a finalidade. O erro manifesto de apreciação, na vertente de controlo da adequação da decisão aos factos…é, como meio de controlo do conteúdo da decisão, um dos degraus mais elevados da intervenção do juiz na discricionariedade administrativa. E, por isso, só é utilizável na medida da evidência comum da desproporção”.
Nas mesmas águas navega Maria da Glória F. P. Dias Garcia, defendendo que “em face da fluidez dos princípios (da proporcionalidade, da igualdade, da justiça), só são justiciáveis as decisões que, de um modo intolerável, os violem.”
De facto, prevê-se na alínea d) do n.º 1 do artigo 21.º do Código de Processo Administrativo Contencioso que “o erro manifesto ou a total desrazoabilidade no exercício de poderes discrionários” constitui um dos fundamentos de recurso contencioso.
Segundo o Acórdão deste TSI, de 19 de Maio de 2011, no Processo n.º 363/2009: “A desrazoabilidade a que alude o artigo 21.º, 1, d) do CPAC, aliás, adjectivada de total, deve ser entendida de forma a deixar um espaço livre à Administração, salvaguardados os limites próprios do poder discricionário, nomeadamente os limites internos decorrentes dos princípios da imparcialidade, igualdade, justiça, proporcionalidade ou outros vertidos no Código do Procedimento Administrativo, assim se pondo cobro a eventuais abusos.”
Também um outro Acórdão deste TSI, de 7.12.2011, no Processo n.º 647/2010, segue o mesmo entendimento: “total desrazoabilidade no exercício dos poderes discricionários pode comportar-se o sentido de uma absurda e desmesurada aplicação do poder discricionário administrativo perante um determinado caso real e concreto. E a decisão desrazoável é aquela cujos efeitos se não acomodam ao dever de proteger o interesse público em causa, aquela que vai para além do que é sensato e lógico tendo em atenção o fim a prosseguir, um acto absurdo ou por vezes irracional”.
Vejamos se o acto recorrido violou o princípio da proporcionalidade ao aplicar uma medida de interdição de entrada na RAEM por um período de 4 anos.
A nosso ver, embora a interdição de entrada do recorrente na RAEM possa causar-lhe algum prejuízo, não é menos verdade que a entidade recorrida pretende, com o acto recorrido, prosseguir interesse público, pois a decisão foi tomada em termos de estratégia de prevenção e repressão da criminalidade cometida em casinos na RAEM e de manutenção da boa ordem e estabilidade deste ramo de actividade.
Isto posto, não se vendo que a medida adoptada seja manifestamente desproporcional ao fim visado, improcede, o recurso nesta parte.
Por tudo quanto deixou exposto, há-de julgar improcedente o recurso contencioso.
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III) DECISÃO
Face ao exposto, acordam em julgar improcedente o recurso contencioso, mantendo o acto administrativo impugnado.
Custas pelo recorrente, com 8 U.C. de taxa de justiça.
Registe e notifique.
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RAEM, 9 de Setembro de 2021
Tong Hio Fong
Rui Pereira Ribeiro
Lai Kin Hong
Mai Man Ieng
1 Lino José Baptista Rodrigues Ribeiro e José Cândido de Pinho, Código do Procedimento Administrativo de Macau, Anotado e Comentado, Fundação Macau e SAFP, página 463
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Recurso Contencioso 442/2020 Página 55