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Processo nº 97/2021 Data: 02.07.2021
(Autos de recurso penal)

Assuntos : Crime de “branqueamento de capitais (agravado)”.
Erro notório na apreciação da prova.
In dubio pro reo.



SUMÁRIO

1. “Erro”, é toda a ignorância ou falsa representação de uma realidade.
Daí que já não seja “erro” aquele que possa traduzir-se numa “leitura possível, aceitável ou razoável da prova produzida”.

Sempre que a convicção do Tribunal recorrido se mostre ser uma convicção razoavelmente possível e explicável pelas regras da experiência comum, deve a mesma ser acolhida e respeitada pelo Tribunal de recurso.

O princípio da livre apreciação da prova, significa, basicamente, uma ausência de critérios legais que pré-determinam ou hierarquizam o valor dos diversos meios de apreciação da prova, pressupondo o apelo às “regras de experiência” que funcionam como argumentos que ajudam a explicar o caso particular com base no que é “normal” acontecer.

Com o mesmo, consagra-se um modo não estritamente vinculado na apreciação da prova, orientado no sentido da descoberta da verdade processualmente relevante pautado pela razão, pela lógica e pelos ensinamentos que se colhem da experiência comum, e limitado pelas excepções decorrentes da “prova vinculada”, (v.g., caso julgado, prova pericial, documentos autênticos e autenticados), estando sujeita aos princípios estruturantes do processo penal, entre os quais se destaca o da legalidade da prova e o do “in dubio pro reo”.

2. O “erro notório na apreciação da prova” apenas existe quando se dão como provados factos incompatíveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou, ou que se retirou de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável.

O erro existe também quando se violam as “regras sobre o valor da prova vinculada”, as “regras de experiência” ou as “legis artis”, tendo de ser um “erro ostensivo”, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores.

3. Perante uma situação de dúvida sobre a realidade dos factos constitutivos do crime imputado ao arguido, deve o Tribunal, em harmonia com o princípio “in dubio pro reo”, decidir pela sua absolvição.

Porém, o referido o princípio (“in dubio pro reo”), só actua em caso de dúvida insanável, razoável e motivável, definida esta como “um estado psicológico de incerteza dependente do inexacto conhecimento da realidade objectiva ou subjectiva”.

Daí também que, para fundamentar essa dúvida e impor a absolvição, não baste que tenha havido “versões dispares” ou mesmo “contraditórias”, sendo antes necessário que perante a prova produzida reste no espírito do julgador – e não no do recorrente – (alguma) dúvida sobre os factos que constituem o pressuposto da decisão, dúvida que, como se referiu, há-de ser “razoável” e “insanável”.

O relator,

José Maria Dias Azedo


Processo nº 97/2021
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. Por Acórdão de 17.04.2020 proferido nos Autos de Processo Comum Colectivo n.° CR5-19-0367-PCC do Tribunal Judicial de Base, decidiu-se condenar a (3ª) arguida A, (甲), com os restantes sinais dos autos, como autora material da prática em concurso real e na forma consumada de:
- 1 crime de “branqueamento de capitais (agravado)”, p. e p. pelo art. 3°, n°s 1 e 2, e art. 4°, n.° 2 da Lei n.° 2/2006, (na redacção introduzida pela Lei n.° 3/2017), na pena de 3 anos e 9 meses de prisão;
- 1 crime de “produção e tráfico de menor gravidade”, p. e p. pelo art. 11°, n.° 1, al. 1) da Lei n.° 17/2009, (na redacção introduzida pela Lei n.° 10/2016 e 4/2014), na pena de 1 ano e 9 meses de prisão;
- 1 crime de “consumo ilícito de estupefacientes”, p. e p. pelo art. 14°, n.° 1 da mesma Lei n.° 17/2009, (na redacção introduzida pela Lei n.° 10/2016 e 4/2014), na pena de 4 meses de prisão; e,
- 1 outro de “detenção indevida de utensílio ou equipamento”, p. e p. pelo art. 15° da mesma Lei n.° 17/2009, (na redacção introduzida pela Lei n.° 10/2016 e 4/2014), na pena de 4 meses de prisão;
Em cúmulo jurídico, foi a arguida condenada na pena única de 4 anos de prisão; (cfr., fls. 1098 a 1123-v que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

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Do assim decidido recorreu a arguida para o Tribunal de Segunda Instância que, por Acórdão de 13.05.2021, (Proc. n.° 565/2020), concedeu parcial provimento ao recurso, absolvendo-a do crime de “detenção indevida de utensílio ou equipamento” do art. 15° da Lei n.° 17/2009, e, mantendo, no restante, o Acórdão recorrido, fixou-lhe a pena única de 3 anos e 11 meses de prisão; (cfr., fls. 1304 a 1324).

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Ainda inconformada, vem a dita arguida recorrer para este Tribunal, imputando à decisão recorrida, na parte relativa ao crime de “branqueamento de capitais (agravado)” – e em síntese que se nos mostra adequada – o vício de “erro notório na apreciação da prova” e “violação do princípio in dubio pro reo”; (cfr., fls. 1331 a 1348).

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Em Resposta, foi o Ministério Público de opinião que o recurso não merecia provimento; (cfr., fls. 1351 a 1356).

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Remetidos os autos a esta Instância, e em sede de vista, considerou também o Exmo. Representante do Ministério Público que o recurso devia ser julgado improcedente; (cfr., fls. 1376).

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Nada obstando, passa-se a decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. O Tribunal Judicial de Base deu como “provada” a matéria de facto constante de fls. 1104-v a 1109-v que pelo Tribunal de Segunda Instância foi integralmente confirmada e que, oportunamente, se fará adequada referência.

Do direito

3. Insurge-se a (3ª) arguida A contra o decidido pelo Tribunal de Segunda Instância que, como se deixou relatado, concedeu parcial provimento ao seu anterior recurso que interpôs do Acórdão do Tribunal Judicial de Base, absolvendo-a do crime de “detenção indevida de utensílio ou equipamento” do art. 15° da Lei n.° 17/2009, e que, mantendo, no restante, o Acórdão recorrido, fixou-lhe a pena única de 3 anos e 11 meses de prisão.

É de opinião que a decisão recorrida padece do vício de “erro notório na apreciação da prova” e “violação do princípio in dubio pro reo” no que toca à parte relativa ao crime de “branqueamento de capitais (agravado)”; (notando-se ser este segmento decisório susceptível de recurso para esta Instância por força do disposto no art. 390°, n.° 1, al. g) do C.P.P.M.).

Sem mais demoras, vejamos se à recorrente assiste razão.

“Erro”, é toda a ignorância ou falsa representação de uma realidade.
Daí que já não seja “erro” aquele que possa traduzir-se numa “leitura possível, aceitável ou razoável da prova produzida”.
Sempre que a convicção do Tribunal recorrido se mostre ser uma convicção razoavelmente possível e explicável pelas regras da experiência comum, deve a mesma ser acolhida e respeitada pelo Tribunal de recurso.
O princípio da livre apreciação da prova, significa, basicamente, uma ausência de critérios legais que pré-determinam ou hierarquizam o valor dos diversos meios de apreciação da prova, pressupondo o apelo às “regras de experiência” que funcionam como argumentos que ajudam a explicar o caso particular com base no que é “normal” acontecer.
Com o mesmo, consagra-se um modo não estritamente vinculado na apreciação da prova, orientado no sentido da descoberta da verdade processualmente relevante pautado pela razão, pela lógica e pelos ensinamentos que se colhem da experiência comum, e limitado pelas excepções decorrentes da “prova vinculada”, (v.g., caso julgado, prova pericial, documentos autênticos e autenticados), estando sujeita aos princípios estruturantes do processo penal, entre os quais se destaca o da legalidade da prova e o do “in dubio pro reo”.
Enformado por estes limites, o julgador perante o qual a prova é produzida – e que se encontra em posição privilegiada para dela colher todos os elementos relevantes para a sua apreciação crítica – dispõe de ampla liberdade para eleger os meios de que se serve para formar a sua convicção, e, de acordo com ela, determina os factos que considera “provados” e “não provados”.
E, por ser assim, nada impede que dê prevalência a um determinado conjunto de provas em detrimento de outras, às quais não reconheça, nomeadamente, suporte de credibilidade.
O acto de julgar, é do Tribunal, e tal acto tem a sua essência na operação intelectual da formação da convicção.
Tal operação não é pura e simplesmente lógico-dedutiva, mas, nos próprios termos da lei, parte de dados objectivos para uma formação lógico-intuitiva.
A lei impõe princípios instrumentais e princípios estruturais para formar a convicção.
O princípio da oralidade, com os seus corolários da imediação e publicidade da audiência, é instrumental relativamente ao modo de assunção das provas, mas com estreita ligação com o dever de investigação da verdade jurídico-prática e com o da liberdade de convicção; com efeito, só a partir da oralidade e imediação pode o juiz perceber os dados não objectiváveis atinentes com a valoração da prova.
A oralidade da audiência, (que não significa que não se passem a escrito os autos, mas que os intervenientes estejam fisicamente perante o Tribunal), permite ao Tribunal aperceber-se dos “traços do depoimento”, denunciadores da isenção, imparcialidade e certeza que se revelam, (v.g.), por gestos, comoções e emoções, voz, etc…

Importa ainda ter em conta que quando a atribuição de credibilidade ou falta de credibilidade a uma fonte de prova pelo julgador se basear em opção assente na “imediação” e na “oralidade”, o tribunal de recurso só a poderá criticar se ficar demonstrado que essa opção não tem uma justificação lógica e é inadmissível face às regras da experiência comum, pois que, a censura quanto à forma de formação da convicção do Tribunal não pode consequentemente assentar de forma simplista no ataque da fase final da formação dessa convicção, isto é, na valoração da prova; tal censura terá de assentar na violação de qualquer dos passos para a formação de tal convicção, designadamente porque não existem os dados objectivos que se apontam na motivação ou porque se violaram os princípios para a aquisição desses dados objectivos ou porque não houve liberdade na formação da convicção.
Doutra forma, estar-se-ia a substituir a convicção de quem tem de julgar pela convicção dos que esperam a decisão…

Em conformidade com o que se deixou exposto, é firme e pacífico que o “erro notório na apreciação da prova” apenas existe quando se dão como provados factos incompatíveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou, ou que se retirou de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável.

O erro existe também quando se violam as “regras sobre o valor da prova vinculada”, as “regras de experiência” ou as “legis artis”, tendo de ser um “erro ostensivo”, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores.

De facto, é na audiência de julgamento que se produzem e avaliam todas as provas, (cfr. art. 336° do C.P.P.M.), e é do seu conjunto, no uso dos seus poderes de livre apreciação da prova conjugados com as regras da experiência, (cfr. art. 114° do mesmo código), que os julgadores adquirem a convicção sobre os factos objecto do processo.

Assim, sendo que o erro notório na apreciação da prova nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto do Tribunal e aquela que entende adequada o recorrente, irrelevante é, em sede de recurso, alegar-se como fundamento do dito vício, que o Tribunal devia ter dado relevância a determinado meio probatório para formar a sua convicção e assim dar como assente determinados factos, visto que, desta forma, mais não se faz do que pôr em causa a regra da “livre convicção do Tribunal”; (sobre o tema, cfr., v.g., Manuel Leal-Henriques in, “Anotação e Comentário ao C.P.P.M.”, Vol. III, pág. 217 e segs., e P. P. de Albuquerque in, “Comentário ao C.P.P.”, pág. 1076 e segs., ambos, com vasta referência da doutrina e jurisprudência).

Por sua vez, e no que ao “princípio in dubio pro reo” diz respeito, mostra-se de considerar que o mesmo se identifica com o da “presunção da inocência do arguido” e impõe que o julgador valore sempre, em favor dele, um “non liquet”.
Perante uma situação de dúvida sobre a realidade dos factos constitutivos do crime imputado ao arguido, deve o Tribunal, em harmonia com o princípio “in dubio pro reo”, decidir pela sua absolvição.

Segundo o princípio “in dubio pro reo”, “a persistência de dúvida razoável após a produção da prova tem de actuar em sentido favorável ao arguido e, por conseguinte, conduzir à consequência imposta no caso de se ter logrado a prova completa da circunstância favorável ao arguido”; (cfr., v.g., Figueiredo Dias, in “Direito Processual Penal”, pág. 215, e Cristina Libano Monteiro in, “In Dubio Pro Reo”).

Conexionando-se com a matéria de facto, este princípio actua em todas as vertentes fácticas relevantes, quer elas se refiram aos elementos típicos do facto criminalmente ilícito – tipo incriminador, nas duas facetas em que se desdobra: tipo objectivo e tipo subjectivo – quer elas digam respeito aos elementos negativos do tipo, ou causas de justificação, ou ainda a circunstâncias relevantes para a determinação da pena.

Porém, importa atentar que o referido o princípio (“in dubio pro reo”), só actua em caso de dúvida insanável, razoável e motivável, definida esta como “um estado psicológico de incerteza dependente do inexacto conhecimento da realidade objectiva ou subjectiva”; (cfr., v.g., Perris, “Dubbio, Nuovo Digesto Italiano”, apud, Giuseppe Sabatini “In Dubio Pro Reo”, Novissimo Digesto Italiano, Vol. VIII, pág. 611 a 615).

Por isso, para a sua violação exige-se a comprovação de que o juiz tenha ficado na dúvida sobre factos relevantes, e, nesse estado de dúvida, tenha decidido contra o arguido.

Daí também que, para fundamentar essa dúvida e impor a absolvição, não baste que tenha havido “versões dispares” ou mesmo “contraditórias”, sendo antes necessário que perante a prova produzida reste no espírito do julgador – e não no do recorrente – (alguma) dúvida sobre os factos que constituem o pressuposto da decisão, dúvida que, como se referiu, há-de ser “razoável” e “insanável”.

A violação do “princípio in dubio pro reo” exige, sempre, que o tribunal tenha exprimido, com um mínimo de clareza, que se encontrou num “estado de dúvida” quanto aos factos que devia dar por “provados” ou “não provados”.

Aqui chegados, feitas as considerações que se deixaram expostas, que se nos mostram correctas quanto ao sentido e alcance dos “vícios” pela ora recorrente assacados à decisão recorrida, e ponderado no seu teor – assim como no do Acórdão do Tribunal Judicial de Base – cremos que não se lhe pode reconhecer razão.

Vejamos.

Em causa está o crime de “branqueamento de capitais (agravado)”, p. e p. pelo art. 3°, n°s 1 e 2, e art. 4°, n.° 2 da Lei n.° 2/2006, na redacção introduzida pela Lei n.° 3/2017.

Nos termos do dito art. 3°:

“1. Para efeitos da presente lei, consideram-se vantagens os bens provenientes, directa ou indirectamente, da prática, incluindo sob qualquer forma de comparticipação, de facto ilícito típico punível com pena de prisão de limite máximo superior a 3 anos ou, independentemente da moldura penal aplicável, de qualquer dos seguintes factos ilícitos típicos:
1) Os previstos no n.º 2 do artigo 337.º, no artigo 338.º e nos n.os 1 e 2 do artigo 339.º do Código Penal;
2) O previsto no artigo 8.º da Lei n.º 6/97/M, de 30 de Julho (Lei da Criminalidade Organizada);
3) O previsto no n.º 2 do artigo 170.º da Lei eleitoral para a Assembleia Legislativa da Região Administrativa Especial de Macau, aprovada pela Lei n.º 3/2001 e alterada pela Lei n.º 11/2008, pela Lei n.º 12/2012 e pela Lei n.º 9/2016, e o previsto no n.º 2 do artigo 136.º da Lei n.º 3/2004 (Lei eleitoral para o Chefe do Executivo), alterada pela Lei n.º 12/2008 e pela Lei n.º 11/2012;
4) Os previstos no n.º 2 do artigo 46.º e no n.º 2 do artigo 49.º da Lei n.º 12/2000 (Lei do recenseamento eleitoral), alterada pela Lei n.º 9/2008;
5) Os previstos nos artigos 3.º e 4.º da Lei n.º 19/2009 (Prevenção e Repressão da Corrupção no Sector Privado);
6) O previsto no artigo 21.º da Lei n.º 7/2003 (Lei do Comércio Externo), alterada pela Lei n.º 3/2016;
7) O previsto no artigo 4.º da Lei n.º 10/2014 (Regime de prevenção e repressão dos actos de corrupção no comércio externo);
8) Os previstos nos artigos 212.º, 213.º, 214.º-B e 214.º-C do Regime do direito de autor e direitos conexos, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 43/99/M, de 16 de Agosto, alterado pela Lei n.º 5/2012;
9) Os previstos nos artigos 289.º a 293.º do Regime jurídico da propriedade industrial, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 97/99/M, de 13 de Dezembro.
2. Quem converter ou transferir vantagens obtidas por si ou por terceiro, ou auxiliar ou facilitar alguma dessas operações, com o fim de dissimular a sua origem ilícita ou de evitar que o autor ou participante dos crimes que lhes deram origem seja penalmente perseguido ou submetido a uma reacção penal, é punido com pena de prisão até 8 anos.
3. Na mesma pena incorre quem ocultar ou dissimular as verdadeiras natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou titularidade de vantagens.
4. A punição pelos crimes previstos nos n.os 2 e 3 tem lugar ainda que o facto ilícito típico de onde provêm as vantagens tenha sido praticado fora da Região Administrativa Especial de Macau, doravante designada por RAEM, ou ainda que se ignore o local da prática do facto ou a identidade dos seus autores.
5. A intenção requerida como elemento constitutivo dos crimes previstos nos n.os 2 e 3 pode ser provada através de circunstâncias factuais objectivas.
6. Para a demonstração e prova da origem ilícita das vantagens obtidas não é necessária a prévia condenação do autor dos crimes que lhes deram origem.
7. O facto não é punível quando o procedimento criminal relativo aos factos ilícitos típicos de onde provêm as vantagens depender de queixa e a queixa não tenha sido tempestivamente apresentada, salvo se as vantagens forem provenientes dos factos ilícitos típicos previstos nos artigos 166.º e 167.º do Código Penal.
8. A pena aplicada nos termos dos números anteriores não pode ser superior ao limite máximo da pena prevista para o facto ilícito típico de onde provêm as vantagens.
9. Para efeitos do disposto no número anterior, no caso de as vantagens serem provenientes de factos ilícitos típicos de duas ou mais espécies, levar-se-á em conta a pena cujo limite máximo seja mais elevado”.

Por sua vez, nos termos do subsequente art. 4°:

“A pena de prisão prevista no artigo anterior é de 3 a 12 anos, com os limites referidos nos n.os 8 e 9 desse artigo, se:
1) O crime de branqueamento de capitais for praticado por associação criminosa ou sociedade secreta, por quem dela faça parte ou a apoie;
2) O facto ilícito típico de onde provêm as vantagens for qualquer dos factos previstos nos artigos 6.º, 6.º-A e 7.º da Lei n.º 3/2006 (Prevenção e repressão dos crimes de terrorismo), nos artigos 7.º a 9.º, 11.º e 16.º da Lei n.º 17/2009 (Proibição da produção, do tráfico e do consumo ilícitos de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas) ou nos artigos 153.º-A e 262.º do Código Penal;
3) O agente praticar o crime de branqueamento de capitais de modo habitual”.

Atento o assim preceituado afigura-se-nos desde já de subscrever o entendimento (nomeadamente) assumido por Jorge Godinho e Vitalino Canas que afirmam que o crime de “branqueamento” não é um crime de “dano”, (mas sim um crime de “perigo”), na medida em que pode não haver lesão efectiva do bem jurídico protegido, antes havendo o perigo dessa lesão. E, acompanhando ainda os mesmos autores, cremos que correcto é o seu ponto de vista quando consideram o crime em causa um crime de “perigo abstracto”, uma vez que não se exige, caso a caso, a verificação de perigo real para o bem jurídico protegido, sendo, por outro lado, um crime de “mera actividade” e não de resultado; (cfr., v.g., respectivamente, “Do Crime de Branqueamento de Capitais”, pág. 195 e segs., e, “O Crime de Branqueamento: Regime de Prevenção e de Repressão”, pág. 20, podendo-se, também, sobre o tema ver, Jorge M. V. M. Dias Duarte in, “Branqueamento de Capitais”).

Por sua vez, e tendo em conta o teor do Parecer n.° 1/III/2006 da 2ª Comissão Permanente da Assembleia Legislativa de Macau, onde, após considerações sobre o “bem jurídico” que se pretende proteger por via da tipificação do “branqueamento de capitais”, consignou-se que “o interesse da administração da justiça na detecção e perda das vantagens de certos crimes” era acolhido pelos membros da mesma Comissão, esclarecendo-se, que se tomava tal posição, na medida em que a construção do tipo de branqueamento de capitais do art. 3° da proposta de Lei (idêntico ao que consta na Lei n.° 2/2006) foi desenhada de modo a dar resposta efectiva à “protecção do bem jurídico assim identificado”, vejamos.

In casu, provado está – em síntese – que por diversas vezes, quantias monetárias várias, provenientes da venda – “tráfico” – de estupefacientes, foram, por terceiros, (alguns identificados nos autos), depositadas numa conta que a arguida, ora recorrente, mantinha numa instituição bancária da R.A.E.M., e que tais depósitos eram efectuados de acordo com a sua vontade (deliberada) de “ocultar” e “dissimular” a sua “origem”, em parte, resultante de “vendas” pela própria arguida efectuadas à 4ª e 5ª arguida dos autos; (cfr., especialmente, os factos “provados” referenciados com os n°s 5° a 8°, 19°, 27°, 32° e 36°).

Ora, assente estando a supra referida factualidade, e apresentando-se-nos que a mesma se revela adequada ao “enquadramento jurídico-penal” efectuado e que resultou na condenação da recorrente no crime de “branqueamento de capitais (agravado)” em questão, continuemos.

Pois bem, como se viu, a recorrente “ataca a convicção do Tribunal”, imputando à sua “decisão sobre a matéria de facto” os “vícios” atrás já referidos, ou seja, o de “erro notório na apreciação da prova” e “violação do princípio de in dubio pro reo”.

Porém, como (também) já se deixou adiantado, carece de razão.

A “decisão” em questão – do Tribunal Judicial de Base e confirmada com o Acórdão do Tribunal de Segunda Instância – foi tomada após uma análise global dos “elementos de prova” constantes nos autos e da sua conjugação com a prova produzida nas várias sessões realizadas em sede de audiência de julgamento, (cfr., actas a fls. 848 a 849-v, 883 a 884-v e 1089 a 1090), sendo o resultado de uma análise e ponderação pelo Tribunal adequadamente efectuada e explicitada, onde se fez especial referência às declarações dos próprios arguidos – cinco – e das testemunhas – agentes da Polícia Judiciária que tiveram intervenção na realização de várias diligências investigatórias – assinalando-se, mesmo, em sede de fundamentação da sua convicção, que demostrado ficou que no período compreendido de 07.04.2018 a 10.04.2019, a referida conta bancária da recorrente registou cerca de “200 movimentos” de depósitos e idêntico número de levantamentos que totalizaram mais de meio milhão de Hong Kong Dólares, não apresentando a recorrente qualquer “justificação” (plausível e aceitável) para tal intensa “actividade bancária”…

E, nesta conformidade, (se da retratada matéria de facto provado estiver também que a recorrente aufere mensalmente MOP$25.000,00, tendo a cargo o seu irmão mais novo), cremos nós que evidente se apresenta que se limita a mesma a discordar do que provado ficou, não se vislumbrando qualquer “erro notório”, até porque, como se deixou exposto, o Tribunal apreciou todos os elementos de prova em conformidade com o princípio da sua “livre apreciação”, (cfr., art. 114° do C.P.P.M.), inexistindo (e não violando) qualquer regra sobre o valor de provas legais ou tabelares às quais estivesse vinculado, mostrando-se pois de concluir que decidiu de forma clara, lógica e acertada.

Por sua vez, percorrendo toda a decisão não se vislumbra na mesma nenhum “trecho” ou “excerto” de onde se possa (eventualmente) concluir que, (em momento algum), teve o Tribunal “dúvida(s)” sobre a culpabilidade da ora recorrente, e que, mesmo assim, proferiu decisão que lhe era desfavorável, condenando-a nos termos já vistos, pelo que imperativa é igualmente a afirmação da inexistência de qualquer violação ao “princípio in dubio pro reo”.

Dest’arte, não se verificando nenhum dos “vícios” pela recorrente invocados no seu recurso, vista está a solução para o mesmo.

Decisão

4. Nos termos e fundamentos que se deixam expostos, em conferência, acordam negar provimento ao recurso.

Pagará a recorrente a taxa de justiça de 10 UCs.

Registe e notifique.

Nada vindo de novo, e após trânsito, remetam-se os autos ao T.J.B. com as baixas e averbamentos necessários.

Macau, aos 02 de Julho de 2021


Juízes: José Maria Dias Azedo (Relator)
Sam Hou Fai
Song Man Lei
Proc. 97/2021 Pág. 36

Proc. 97/2021 Pág. 37