Processo n.º 20/2021
(Autos de recurso contencioso)
Relator: Fong Man Chong
Data : 9 de Setembro de 2021
Assuntos:
- Revogação da autorização de permanência
SUMÁRIO:
I – Ao revogar a autorização de permanência do Recorrente nos termos das disposições conjugadas da alínea 3) do n.º 1 do artigo 11.° da Lei n.º 6/2004 e do n.º 1 do artigo 15.° do Regulamento Administrativo n.º 8/2010, está a Entidade Recorrida a exercer um poder discricionário, só é sujeito ao controlo judicial em caso de erro manifesto ou de total desrazoabilidade do exercício desses poderes, o que não se verificou no caso presente, pois a decisão foi norteada pelos limites inerentes ao interesse público.
II - Das infracções imputadas ao Recorrente, 3 respeitam a excesso de velocidade, cometidas entre 04/01/2018 e 22/11/2019, sendo que essa conduta foi objecto do processo contravencional n.º CR2-20-0033-PCT, que correu termos no Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base, e a última infracção por excesso de velocidade, para além do pagamento de uma multa no valor de mil patacas, valeu ainda ao ora Recorrente a condenação numa pena acessória de inibição de condução por um período de 2 meses, nos termos das disposições conjugadas do artigo 31.° e do n.º 4 do artigo 98.° da Lei do Trânsito Rodoviário, a violação de normas da Lei do Trânsito Rodoviário, em particular o excesso de velocidade, põe em causa a segurança dos outros utentes das vias públicas, pelo que a conduta do Recorrente constituiu um perigo para a segurança nas vias públicas de Macau, razão pela qual foi revogada a sua autorização de permanência na RAEM, o que não merece censura.
O Relator,
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Fong Man Chong
Processo n.º 20/2021
(Autos de recurso contencioso)
Data : 9/Setembro/2021
Recorrente : A (A)
Entidade Recorrida : Secretário para a Segurança
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ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:
I – RELATÓRIO
A (A), Recorrente, devidamente identificada nos autos, discordando do despacho do Secretário para a Segurança, datado de 17/12/2020, que procedeu à revogação da autorização de permanência anteriormente concedida ao ora Recorrente (enquanto trabalhador não residente), veio, em 05/01/2021, interpor o presente recurso contencioso para este TSI, com os fundamentos constantes de fls. 2 a 16, tendo formulado as seguintes conclusões:
1. 本司法上訴所針對的標的為保安司司長於2020年12月17日所作出之批示,該批示內容為“確認廢止逗留的許可行為”的決定。
2. 上訴人認為被上訴實體的批示存在欠缺說明理由,錯誤適用法律,違反適度原則及違反一事不二罰原則而應被宣告撤銷。
3. 被上訴實體按照治安警察局,居留及逗留事務廳-外地僱員分處第400247/STNRDARP/2020P號報告書上所載之意見,於2020年12月17日作出批示,確認廢止逗留的許可行為;
4. 從被上訴實體的批示內容可見,只是重申治安警察局報告編號:400247/STNRDARP/2020P之內容,指上訴人曾觸犯澳門《道路交通法》、《道路交通規章》及《公共泊車服務規章》之相關規定而被禁止駕駛2個月及判罰金,根據第8/2010號行政法規第15條第1款,結合第6/2004號法律第11條第1款3項的規定,認為其對本澳公共道路安全及公共秩序構成危險,繼而根據《行政程序法典》第161條第1款的規定,決定確認廢止逗留之許可行為。
5. 上訴人除對批示內容給予應有的尊重外,實不認同,被上訴批示中只是重述上訴人有53次已全數自願繳付相關罰金之輕微違反行為,認定其對本澳公共道路使用安全及公共秩序構成危險,然而,當中並沒有明確指出或說明上訴人今後會再次不遵守法律或上訴人如何對本澳公共道路使用安全及公共秩序構成危險。
6. 換句話說,被上訴批示中並沒有指出任何事實或依據證明上訴人今後會再次不遵守法律,亦沒有指出任何事實情況在將來會對本澳公共道路使用安全及公共秩序構成危險。
7. 因此,對於被上訴實體的說明理由依據,正如《行政程序法典》第115條第2款規定,採納含糊、矛盾或不充份之依據,而未能具體解釋作出該行為之理由,等同於無說明理由。
8. 明顯地,被上訴實體的決定中,其說明理由依據部份是存在不充份或沒有實質之事實依據支持其作出有關決定的原因。
9. 因此,被上訴批示違反了澳門《行政程序法典》第114條第1款c)項及第115條之規定;應根據澳門《行政程序法典》第124條之規定應撤銷上述被上訴批示。
10. 此外,上訴人在中國內地考獲駕駛執照,國內居民駕駛的模式和習慣皆有別於本澳,對澳門《道路交通法》、《道路交通規章》及《公共泊車服務規章》之相關規定認識不深,在疏忽情況下違反交通規則,上訴人已自願繳付相關罰金,故上訴人是一個誠實和勇於承擔責任之人。同時
11. 上訴人亦自我反省、檢討,知道自己對澳門《道路交通法》及《公共泊車服務規章》之相關規定認識不足,已於2020年4月8日(即接獲擬廢止逗留之通知書前)已主動向交通事務局報考澳門駕駛執照,從而加深對澳門《道路交通法》認識,現已成功考取澳門駕駛執照;
12. 充分反映上訴人已有改過的決心,日後將嚴格遵守澳門《道路交通法》及《公共泊車服務規章》之相關規定,同時承諾日後不再重犯。
13. 上訴人過去所違反的交通規則,全因其對澳門交通法律認識不深而違反,而上訴人已自願繳付相關罰金,已承擔其作出違反交通規則行為之責任和付出了代價。
14. 在上訴人已承擔處罰的行為後,治安警察局再建議廢止上訴人以僱員身份逗留的許可,明顯對上訴人作出雙重處罰,這樣違反“一事不二罰原則”;
15. 治安警察局根據第8/2010號行政法規第15條第1款,結合第6/2004號法律第11條第1款3項的規定,建議廢止上訴人以僱員身份的逗留許可。
16. 上訴人自2013年至2020年超過七年之期間內,曾有53次作出輕微違反行為,然而輕微違反的時效期間為兩年,被上訴實體卻以七年去計算其作出輕微違反行為的次數;
17. 另外,在該期間內所作出的違例行為的處罰,上訴人已全數自願繳付相關罰金。此外
18. 上訴人在2013年至2020年之近八年內,其外地僱員身份認別證已獲治安警察局多次續期,因此,該局亦認為上訴人不存在第6/2004號法律第11條第1款3項相關規定的情況;
19. 同時上訴人在2013年至2020年之近八年內,並沒有在澳門特別行政區實施犯罪或預備實施犯罪。
20. 因此,被上訴實體作出確認廢止上訴人以僱員身份逗留許可的決定所依據的事實,存在獲證明之事實上之事宜不足以支持作出該決定的瑕疵,只要有關瑕疵係單純出自案卷所載的資料,或出自該等資料結合一般經驗法則者。
21. 終審法院於2009年7月15日,在第18/2009號刑事上訴案判決中認定:“被認定的事實不足以支持裁判就是在案件標的範圍內查明事實時存在漏洞,以致在作為決定依據的被認定事實存在不足或不完整。”
22. 同時,決定抵觸了最基本原則“一事不二罰原則”,在上述行政程序與輕微違反同屬的行政法範疇內,上訴人因同一事實而承受違反“一事不兩罰”原則的不利效果。即因同一事實既要被科處罰款,又要被廢止以僱員身份逗留的許可而失去工作。
23. 所規定的一事不二罰/一事不再理原則之是“任何人不能因其已經被確定審判之同一事實,再受到審判,或者因同樣的罪行而受到雙重懲罰。”。
24. 依照“澳門特別行政區基本法”第四十條的規定而適用於澳門特別行政區的“公民權利和政治權利國際公約”在其第十四條第七款關於保障免於雙重懲罰的權利中規定:“任何人不得根據每個國家的法律和刑事程序,以他已經被判無罪或者已經被判決定罪的罪行再次受到審判或懲罰”。
25. 很明顯,上述原則是說,任何人不能因同一事實被兩次處罰。任由上訴人承受上述違反“一事不兩罰”原則的不利效果。將嚴重侵害在法律制度內“一事不兩罰”原則所追求與保護的公共利益及聲請人的私人利益。
26. 行政當局在作出廢止以僱員身份逗留許可的行政行為時,所要追求的是澳門特別行政區內部公共安全、拒絕上訴人以僱員身份逗留的許可;
27. 同時,亦應衡量行政程序法典第3條至第5條之合法性原則、保護居民權益原則、平等及適度原則及其他法律的基本原則(一事不兩罰原則)及考慮一些需要給予人道關懷的情況,只有在平衡了這兩方面的利益之後作出的決定才是最為公平合理的。
28. 若單純因為上訴人在2013年至2020年之近八年期間內,作出53次已全數自願繳付相關罰金之輕微違反行為,便作出廢止上訴人以僱員身份逗留許可的決定,使得上訴人必然在這疫情環境下即時喪失在澳門工作的機會,導致其扶養的父母、妻兒的家庭失去經濟支柱,破壞了他的家庭。
29. 同時,上訴人已於2020年4月8日已向交通事務局報考澳門駕駛執照,從而加深對澳門《道路交通法》認識,避免日後重犯,故廢止上訴人以僱員身份逗留的許可是一個不合理、不適當和不適度的決定。
30. 故此,被上訴實體依據治安警察局報告(編號:400247/STNRDARP/2020P),在審批的過程中未有考慮卷宗所有事實,對上訴人而言,明顯屬於適用法律之事實前提錯誤(在通用第8/2010號行政法規第15條第1款,結合第6/2004號法律第11條第1款3項的相關規定)。
31. 由於適用法律之事實前提錯誤導致違反法律之瑕疵,按照《行政程序法典》第124條之規定,被上訴實體之決定應予以撤銷。
32. 另外在本案中,按經證明的事實不能推定為已符合對本澳公共道路使用安全及公共秩序構成危險的要件。
33. 而指稱對本澳公共道路使用安全及公共秩序構成危險,這是一空泛的概念,行政當局亦不能明確界定、清晰指出統一的標準;
34. 立法者雖然賦予行政當局相當大的自由決定空間,但在其行使自由決定空間所作的決定時,絕不能違反行政法的基本原則,當中包括《行政程序法典》第5條規定的適度原則。
35. 適度原則是指,當行政當局的決定和私人受法律保護的權益有衝突時,對於要達到的目的來說,所損害的權益應是適當及適度的。
36. 也就是說,要求對由具體行為所追求及犧牲的物質、利益或價值進行考慮和比較。
37. 在本案中,上訴人除了在八年間有53次交通違例行為外,並沒有在澳門特別行政區實施犯罪或預備實施犯罪;亦沒有資料顯示上訴人涉及任何交通事故,有導致或被導致任何人或物損害。在沒有其他反映上訴人負面情況下,不能以此事實就認為存在對本澳公共道路使用安全及公共秩序構成危險。
38. 上訴人已於2020年4月8日主動向交通事務局報考澳門駕駛執照,加深對澳門《道路交通法》認識,現已成功考取澳門駕駛執照,同時亦為避免再違反澳門《道路交通法》的任何規定,現已不再駕駛任何車輛而轉為改乘交通工具代步,亦充分反映聲請人已有改過的決心。
39. 這樣,以對本澳公共道路使用安全及公共秩序構成危險為理由,廢止一名已承擔違反交通規則行為責任和已付出代價的外地僱員在澳逗留許可,明顯違反了適度原則中受損利益與追求目的之間所需的平衡,以及方法與目的之間的適當關係。
40. 根據已證明之上述事實,儘管上訴人有53次交通違例行為,但其情況不至於如被上訴實體批示所述,對本澳公共道路使用安全及公共秩序構成危險。
41. 上訴人的行為並沒有違反第6/2004號法律背後的精神,在這些情況下,廢止上訴人以僱員身份逗留許可,其權利明顯受到不適當的限制。
42. 當《行政程序法典》第5條規定的適度原則,或“一事不二罰原則”被明顯違背時,導致違反法律的瑕疵,依據《行政訴訟法典》第21條1款d)項規定及《行政程序法典》第124條的規定,有關的行政行為應被撤銷。
43. 綜上所述,被上訴實體的批示存在欠缺說明理由,錯誤適用法律(違反第8/2010號行政法規第15條第1款,結合第6/2004號法律第11條第1款3項的相關規定),違反《行政程序法典》第5條規定的適度原則及違反“一事不二罰原則”,而根據《行政程序法典》第124條的規定,被上訴行為為可撤銷行為;
44. 因此、根據《行政程序法典》第125條第2款規定,請求撤銷被上訴行為。
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Citada a Entidade Recorrida, o Senhor Secretário para a Segurança veio contestar o recurso com os fundamentos constantes de fls. 65 a 76, tendo formulado as seguintes conclusões:
I. O acto recorrido - a revogação da autorização de permanência do ora Recorrente como trabalhador não residente - praticado pela Entidade Recorrida em 17 de Dezembro de 2020 não está inquinado do vício de falta de fundamentação;
II. A Entidade Recorrida considerou que a conduta do Recorrente, consubstanciada na violação de normas do Trânsito Rodoviário, em especial as relativas ao excesso de velocidade, representava um perigo para a segurança rodoviária, e bem assim para ordem públicas da RAEM;
III. Na apreciação efectuada pela Entidade Recorrida foram considerados todos os factos que tinham de o ser, e não se verificou nenhum erro;
IV. A Entidade Recorrida não fez nenhuma errada apreciação dos factos;
V. Como também não fez errada aplicação da lei, ao considerar que a autorização de permanência do ora Recorrente devia ser revogada, nos termos das disposições conjugadas da alínea 3) do n.º 1 do artigo 11.° da Lei n.º 6/2004 e do n.º 1 do artigo 15.° do Regulamento Administrativo n.º 8/2010;
VI. Ao revogar a autorização de permanência do ora Recorrente a Entidade Recorrida actuou dentro dos limites da lei e tendo em vista o interesse público e ponderou não o interesse pessoal do Requerente, mas sim o interesse da RAEM e esta ponderação, que é discricionária, só é sujeita ao controlo judicial em caso de erro manifesto ou de total desrazoabilidade do exercício dos seus poderes, o que não se verificou no caso presente, pois a decisão foi norteada pelos limites inerentes ao interesse público;
VII. A Entidade Recorrida, ao considerar que os interesses públicos em causa - a prevenção e a garantia da segurança rodoviária e da ordem públicas da RAEM - deviam prevalecer sobre os interesses pessoais do Recorrente em permanecer na Região, não violou nem o princípio da legalidade, nem o princípio da proporcionalidade;
VIII. O despacho proferido pela Entidade Recorrida, a quem cabe decidir, teve em vista prosseguir e defender os interesses públicos subjacentes à segurança e ordem públicas da Região;
IX. É à própria Administração que, caso a caso, compete avaliar se existe perigo para a segurança e ordem públicas, pois estamos perante um conceito que encerra um largo espectro de avaliação, que é própria da entidade (RAEM), a favor de quem ele foi criado;
X. O acto recorrido não violou o princípio non bis in idem, pois verifica-se uma total independência dos procedimentos que tiveram origem nos mesmos factos;
XI. Em conclusão, o acto ora recorrido não enferma de qualquer vício, e a decisão nele contida está fundamentada, é adequada, necessária e equilibrada, tendo vista os fins que se propõe alcançar que são de interesse público.
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O Digno. Magistrado do Ministério Público junto do TSI emitiu o douto parecer de fls. 128 a 131, pugnando pelo improvimento do recurso.
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Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre analisar e decidir.
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II – PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
Este Tribunal é o competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são dotadas de legitimidade “ad causam”.
Não há excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
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III – FACTOS
São os seguintes elementos, extraídos do processo principal e do processo administrativo com interesse para a decisão da causa:
- Na sequência da instauração do procedimento administrativo com vista a eventual revogação da autorização de permanência concedida ao ora Recorrente enquanto trabalhador não residente e realizadas as diligências pertinentes, pela Entidade Recorrida foi proferido o seguinte despacho que contém os factos relevantes para a prolação da decisão ora recorrida:
DESPACHO
Assunto: Recurso hierárquico necessário - Revogação de autorização de permanência de trabalhador não residente
Recorrente: A
Processo: P876576
1. Avaliado o teor da Informação do Senhor Comandante do Corpo de Polícia de Segurança Pública, de 2 de Dezembro de \2020 (doravante Informação CPSP), da petição de recurso hierárquico, que aqui se dão por reproduzidos, e compulsado o respectivo processo instrutor, verifico que o Recorrente não apresenta razões de molde a fazer ponderar a revogação da decisão impugnada.
2. O próprio Recorrente confessa na sua petição de recurso que cometeu 53 infracções em matéria rodoviária, que descreve detalhadamente, que pagou as correspondentes multas, e alega, em suma, que se trata de ilícitos menores, que em causa não estão actos criminais e que nunca teve nenhum acidente de trânsito, argumentando ainda que porque tirou a carta de condução no Interior da China não conhece bem as leis de Macau, acrescentando que para evitar ter acidentes deixou de conduzir e passou a recorrer aos transportes públicos.
3. Argumenta o Recorrente que o acto impugnado se encontra ferido dos vícios de «insuficiência para a decisão da matéria de facto provada», de violação do princípio non bis in idem, que é desrazoável e desproporcional.
4. É por demais sabido que a imposição de limites à velocidade de circulação nas vias públicas é uma exigência assente em razões de segurança do trânsito rodoviário e que a Lei n.º 3/2007 (Lei do Trânsito Rodoviário) alterou a natureza da maior parte das infracções rodoviárias, convertendo-as em infracções administrativas, mas manteve como contravenções as condutas mais graves à segurança rodoviária, entre elas o excesso de velocidade, pois pretendeu-se punir severamente os actos que põem em perigo a segurança do trânsito.
5. Tal como resulta do acto impugnado, o Recorrente tem violado repetidamente a Lei do Trânsito Rodoviário, e bem assim o Regulamento do Serviço Público de Parques de Estacionamento (aprovado pelo Regulamento Administrativo n.º 35/2003).
6. Ora, dessas infracções, 3 respeitam a excesso de velocidade, cometidas entre 04.01.2018 e 22.11.2019, sendo que essa conduta foi objecto do processo contravencional n.º CR2-20-0033-PCT, que correu termos no Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base, e a última infracção por excesso de velocidade, para além do pagamento de uma multa no valor de mil patacas, valeu ainda ao ora Recorrente a condenação numa pena acessória de inibição de condução por um período de 2 meses, nos termos das disposições conjugadas do artigo 31.° e do n.º 4 do artigo 98.° da Lei do Trânsito Rodoviário.
7. A violação de normas da Lei do Trânsito Rodoviário, em particular o excesso de velocidade, põe em causa, sem sombra de dúvida, a segurança dos outros utentes das vias públicas, pelo que a conduta do Recorrente constituiu um perigo para a segurança nas vias públicas de Macau, razão pela qual foi revogada a sua autorização de permanência na RAEM, nos termos das disposições conjugadas da alínea 3) do n.º 1 do artigo 11.° da Lei n.º 6/2004 (lei da Imigração Ilegal e da Expulsão), e do n.º 1 do artigo 15.° do Regulamento Administrativo n.º 8/2010 (Regulamentação da Lei da contratação de trabalhadores não residentes).
8. Mais, as violações repetidas à Lei do Trânsito Rodoviário, que como se menciona na Informação CPSP foram tomadas em consideração a «título de ponderação», demonstram que o Recorrente não é observador das leis da RAEM.
9. O acto impugnado não se encontra inquinado dos vícios que lhe vêm imputados, pois não se verifica a violação do princípio non bis in idem, já que em causa estão dois procedimentos distintos, um em matéria rodoviária, outro em matéria de autorização de permanência, além do que não é desrazoável nem desproporcional, pois com a sua prolação visou-se afastar da RAEM um não residente que constituiu um perigo para a segurança nas vias públicas de Macau.
10. Deste modo, tudo ponderado, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 161.º do Código do Procedimento Administrativo, decido negar provimento ao recurso hierárquico, confirmando o acto de revogação de autorização de permanência, por entender que o mesmo está bem motivado e devidamente fundamentado, quer de facto, quer de direito.
Gabinete do Secretário para a Segurança da Região Administrativa Especial de Macau, aos 17 de Dezembro de 2020.
O Secretário para a Segurança
Wong Sio Chak
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IV – FUNDAMENTOS
A propósito das questões suscitadas pelo Recorrente, o Digno. Magistrado do MP junto deste TSI teceu as seguintes doutas considerações:
“(…)
Nos termos previstos na norma do artigo 69.º, n.º 2, alínea d) do Código de Processo Administrativo Contencioso (CPAC), vem o Ministério Público emitir parecer como segue:
1.
A, melhor identificado nos autos, interpôs recurso contencioso do acto praticado pelo Secretário para a Segurança, datado de 17 de Dezembro de 2020, que indeferiu o recurso hierárquico interposto da decisão do Comandante do Corpo da Polícia de Segurança Pública que revogou a sua autorização de permanência da Recorrente na Região Administrativa Especial de Macau da República Popular da China (RAEM).
Alegou, em síntese, que o acto recorrido enferma dos seguintes vícios:
(i) Violação do dever de fundamentação dos actos administrativos;
(ii) Violação do princípio do ne bis in idem;
(iii) Erro na aplicação da lei;
(iv) Violação do princípio da proporcionalidade.
2.
2.1.
O acto administrativo recorrido está, parece-nos, devidamente fundamentado.
A norma do artigo 114.º, n.º 1, alínea b) do Código do Procedimento Administrativo (CPA) impõe o dever legal de fundamentação, entre outros, dos actos administrativos que neguem, extingam, restrinjam ou afectem por qualquer modo direitos ou interesses legalmente protegidos.
Sobre os requisitos da fundamentação, a lei, na norma do artigo 115.º, n.º 1 do CPA, impõe que a mesma seja expressa e contenha uma sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão.
Como é sabido e é recorrentemente assinalado nas decisões judiciais que abordam a matéria, o dever de fundamentação dos actos administrativos tem, geneticamente, uma função endógena de propiciar a reflexão da decisão pelo órgão administrativo e uma função exógena, externa ou garantística de facultar ao cidadão a opção consciente entre o conformar-se com tal decisão ou afrontá-la em juízo (entre muitos outros, veja-se, neste sentido, o Ac. do Tribunal de Segunda Instância de 7.12.2011, Processo nº 510/2010).
Um acto está fundamentado sempre que o administrado, colocado na sua posição de destinatário normal fica a conhecer as razões que estão na sua génese, para que, se quiser, o possa sindicar de uma forma esclarecida, sendo que não pode deixar de se reconhecer que o dever de fundamentação do acto administrativo é um conceito de geometria variável, pois que se molda e adapta conforme o tipo de acto e as circunstâncias do caso concreto.
Analisada a fundamentação do acto recorrido pensamos que foi observado o dever de fundamentação formal, único de aqui cuidamos e cuja violação foi alegada pelo Recorrente.
Na verdade, estão plasmadas no texto do acto recorrido, com clareza e abundância, as razões de facto e de direito pelas quais a Entidade Recorrida indeferiu o recurso hierárquico necessário perante si interposto e confirmou o acto praticado pelo Comandante do Corpo da Polícia de Segurança Pública de revogação da autorização de permanência do Recorrente na RAEM.
Deste modo, parece-nos evidente que um destinatário normal, confrontado com o dito acto, não podia deixar de ficar ciente dos motivos que levaram à actuação administrativa agora em causa. De resto, como cristalinamente resulta da leitura da douta petição inicial do recurso contencioso, parece-nos evidente que o Recorrente estava plenamente esclarecido sobre os as razões justificativas do acto que impugnou.
Entendemos, por isso, que deve improceder o primeiro dos vícios alegados.
2.2.
O segundo fundamento do recurso invocado pelo Recorrente prende-se com uma alegada violação do princípio ne bis in idem.
A nosso ver, salvo o devido respeito, também aqui sem razão.
Desde logo porque o princípio em causa, relevando no direito sancionatório como garantia de que ninguém pode ser punido ou sancionado duas vezes pelo mesmo facto, não tem qualquer pertinência no contexto procedimental administrativo aqui em causa.
O acto recorrido não é um acto sancionatório. Trata-se, antes, de um acto administrativo de natureza revogatória cuja finalidade em nada se confunde com os actos que, na sequência da prática de infracções diversas às normas que regulam o trânsito rodoviário por parte do Recorrente, redundaram na aplicação das sanções previstas na lei.
Não se sofisma que tais infracções e as sanções que foram aplicadas ao Recorrente integraram como pressuposto de facto o juízo de prognose que sustenta o acto administrativo recorrido, mas daí não decorre, como é evidente, que a Administração ao actuar da forma como o fez, revogando a autorização de permanência do Recorrente o tenha «condenado» uma segunda vez por factos já anteriormente sancionados. Estão em causa procedimentos autónomos e com finalidades próprias, pelo que a punição em sede de infracção administrativa não impede que a Administração extraia, ainda que a partir das mesmas condutas do Recorrente, consequência numa outra sede procedimental.
Do que antecede decorre, parece-nos, a evidente impossibilidade da invocação relevante do falado princípio do ne bis in idem.
2.3.
Quanto ao terceiro dos fundamentos invocados no recurso contencioso, parece-nos que o acto recorrido não está afectado do vício de erro na aplicação do artigo 15.º do Regulamento Administrativo 8/2010 em conjugação com o artigo 11.º, n.º 1, alínea 3) da Lei n.º 6/2004, ao contrário do que alega o Recorrente.
De acordo com o referido artigo 15.º do Regulamento Administrativo n.º 8/2010, «a autorização de permanência na qualidade de trabalhador é recusada ou revogada quando se verifiquem os pressupostos previstos na lei, respectivamente, para a recusa ou interdição de entrada a quaisquer não residentes, ou para a revogação da respectiva autorização de permanência».
Por sua vez, a norma da alínea 3) do n.º 1 do artigo 11.º da Lei n.º 6/2004, preceitua que a autorização de permanência na RAEM pode ser revogada, sem prejuízo da responsabilidade criminal e das demais sanções previstas na lei, por despacho do Chefe do Executivo, quando a pessoa não residente constitua perigo para a segurança ou ordem públicas, nomeadamente pela prática de crimes, ou sua preparação, na RAEM.
A simples leitura da norma do referido n.º 3 do n.º 1 do artigo 11.º da Lei n.º 6/2004 permite afirmar que, (i) por um lado, na respectiva estatuição, o legislador confere poderes discricionários à Administração na medida que lhe permite, na presença dos pressupostos tipificados na previsão da norma, escolher entre duas soluções alternativas, no caso, entre a de revogar e a de não revogar a autorização de permanência na RAEM ao não residente; (ii) por outro lado, na respectiva previsão, o legislador utilizou um conceito jurídico indeterminado, qual seja o de «perigo para a segurança ou ordem públicas», o qual, pacificamente, por isso que confere discricionariedade à Administração não é plenamente fiscalizável pelo Tribunal.
Com efeito, relativamente ao conceito indeterminado de «perigo para a segurança ou ordem públicas», a jurisprudência dos nossos tribunais superiores vai no sentido de que, «o juízo sobre se o interessado constitui ou não ameaça para a ordem pública ou para a segurança de Macau é um juízo de prognose, visto que envolve uma apreciação da hipotética conduta futura do interessado», daí que se deva entender que o legislador defere à Administração uma margem de livre apreciação na sua aplicação, com a consequência, em termos de possibilidade de sindicância judicial, que acima referimos (veja-se o Ac. do TSI de 18.10.2012, processo n.º 127/2012 e Ac. do TSI de 29.1.2015, processo n.º 619/2013).
Ora, no campo da actividade discricionária em sentido amplo, seja de decisão, seja de avaliação, para além do desvio de poder, do erro de facto e da falta de fundamentação, consideram-se também controláveis, a partir da fundamentação apresentada pelo órgão decisor, o erro manifesto ou total desrazoabilidade no exercício de poderes discricionários por parte da Administração, sendo que só em casos flagrantes de mau uso do poder discricionário e de evidentes e intoleráveis violações dos princípios gerais da actividade administrativa como o da proporcionalidade ou o da justiça, deve o acto contenciosamente atacado ser objecto de anulação judicial (assim, por todos, com ampla referência a jurisprudência anterior, veja-se o Ac. do Tribunal de Última Instância de 30.4.2019, processo 35/2019).
Revertendo agora ao caso concreto, deve dizer-se que se não alcança com a indispensável nitidez qual o erro de direito que o Recorrente imputa à Administração na aplicação das normas acima referidas. Em todo o caso, parece-nos óbvio que se não demonstra que a Administração tenha incorrido em erro manifesto no uso dos poderes discricionários que a lei, na alínea 3) do n.º 1 do artigo 11.º da Lei n.º 6/2004, lhe deferiu na matéria aqui em discussão, sendo que só esse aqui releva.
2.4.
Do mesmo modo deve improceder, segundo cremos, a alegada violação do princípio da proporcionalidade.
O dito princípio, como se sabe, encontra assento normativo no artigo 5.º, n.º 2 do Código do Procedimento Administrativo (CPA): «As decisões da Administração que colidam com direitos subjectivos ou interesses legalmente protegidos dos particulares só podem afectar essas posições em termos adequados e proporcionais aos objectivos a realizar».
De acordo com a jurisprudência firmada do Tribunal de Última Instância, na aferição do respeito pela proporcionalidade quando estão em causa actos restritivos ou limitativos de direitos dos particulares «há que pôr em confronto os bens, interesses ou valores perseguidos com o acto administrativo restritivo ou limitativo e os bens e interesses individuais sacrificados por esse acto, para aferir da proporcionalidade da medida concretamente aplicada. E só no caso de considerar inaceitável e intolerável o sacrifício é que se deve concluir pela violação dos princípios orientadores do exercício de poderes discricionários, tais como da proporcionalidade, da razoabilidade e da justiça» (assim, entre muitos outros, veja-se o Ac. do TUI de 5.12.2018, processo n.º 65/2018).
Ora, tendo a Administração revogado a autorização de permanência do Recorrente com fundamento no facto de o Recorrente ter praticado dezenas de infracções às normas que regulam o trânsito rodoviário, fazendo, pois, assentar na verificação desse repetido incumprimento da lei o juízo de prognose no sentido de que a continuação da presença do Recorrente na Região constitui um perigo para a segurança pública, não merece controvérsia que o interesse público que se pretendeu salvaguardar foi justamente este último. E assim, o «sacrifício» imposto ao Recorrente, não só se revela apto (ou adequado na pouco exacta terminologia tradicional) e necessário a alcançar a protecção daquele interesse público como, além disso, não se mostra inaceitável ou intolerável, o mesmo é dizer, desproporcional em sentido estrito.
Por isso, não vemos que o acto recorrido sofra da apontada violação de lei consistente na infracção do princípio da proporcionalidade.
3.
Face ao exposto, salvo melhor opinião, parece ao Ministério Público que o presente recurso contencioso deve ser julgado improcedente.”
Em face de douta argumentação acima transcrita, que subscrevemos inteiramente e que é reproduzida para servir da fundamentação deste acórdão e deste modo, julga-se improcedente o recurso interposto pelo Recorrente.
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Síntese conclusiva:
I – Ao revogar a autorização de permanência do Recorrente nos termos das disposições conjugadas da alínea 3) do n.º 1 do artigo 11.° da Lei n.º 6/2004 e do n.º 1 do artigo 15.° do Regulamento Administrativo n.º 8/2010, está a Entidade Recorrida a exercer um poder discricionário, só é sujeito ao controlo judicial em caso de erro manifesto ou de total desrazoabilidade do exercício desses poderes, o que não se verificou no caso presente, pois a decisão foi norteada pelos limites inerentes ao interesse público.
II - Das infracções imputadas ao Recorrente, 3 respeitam a excesso de velocidade, cometidas entre 04/01/2018 e 22/11/2019, sendo que essa conduta foi objecto do processo contravencional n.º CR2-20-0033-PCT, que correu termos no Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base, e a última infracção por excesso de velocidade, para além do pagamento de uma multa no valor de mil patacas, valeu ainda ao ora Recorrente a condenação numa pena acessória de inibição de condução por um período de 2 meses, nos termos das disposições conjugadas do artigo 31.° e do n.º 4 do artigo 98.° da Lei do Trânsito Rodoviário, a violação de normas da Lei do Trânsito Rodoviário, em particular o excesso de velocidade, põe em causa a segurança dos outros utentes das vias públicas, pelo que a conduta do Recorrente constituiu um perigo para a segurança nas vias públicas de Macau, razão pela qual foi revogada a sua autorização de permanência na RAEM, o que não merece censura.
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Tudo visto, resta decidir.
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V - DECISÃO
Em face de todo o que fica exposto e justificado, os juízes do TSI acordam em julgar improcedente o recurso, mantendo-se a decisão recorrida.
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Custas pelo Recorrente que se fixam em 6 UCs.
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Notifique e Registe.
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RAEM, 9 de Setembro de 2021.
(Relator)
Fong Man Chong
(Primeiro Juiz-Adjunto)
Ho Wai Neng
(Segundo Juiz-Adjunto)
Tong Hio Fong
Mai Man Ieng
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