Processo n.º 424/2021
(Autos de recurso de decisões jurisdicionais do TA)
Relator: Fong Man Chong
Data : 9 de Setembro de 2021
Assuntos:
- Aplicação do 4.º (Autoridade Sanitária) do Decreto-Lei n.º 81/99/M, de 15 de Novembro
SUMÁRIO:
I – Discute-se nestes autos o âmbito de aplicação da norma legal contida no artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 81/99/M, de 15 de Novembro, que visa conferir à Autoridade Sanitária poderes de actuação expedita e célere, permitando-lhe tomar determinadas medidas que, em concreto, se mostrem indispensáveis e adequadas à prevenção da doença, fora do modo normal de actuação administrativa, nomeadamente, porque a Autoridade Sanitária age sem dependência hierárquica e sem necessidade de observar qualquer procedimento administrativo.
II - Só se justifica que a lei atribua poderes à Administração para a prática desprocedimentalizada de actos que podem ser gravosos para os direitos e interesses legalmente protegidos dos particulares afectados, se existir um perigo para a saúde individual ou colectiva, de tal modo iminente que não se compadeça com a demora que é própria de um procedimento administrativo ou judicial, pois, a prevenção da doença e a protecção da saúde individual e colectiva impõem uma actuação imediata por parte da Autoridade Sanitária e daí que se justifique que a lei lhe atribua poderes para tomar medidas sem necessidade de procedimento.
III - No caso, através do acto recorrido a Autoridade Sanitária não tomou qualquer medida destinada à prevenção da doença que possa enquadrar-se na previsão legal do n.º 2 do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 81/99/M, tendo praticado, antes, ao abrigo de norma de competência que é inaplicável como fundamento jurídico decisório à concreta situação fáctica que constituiu pressuposto da sua actuação, um acto que consistiu na proibição do exercício de determinadas actividades por parte do Recorrente contencioso, embora sob a invocação, mas infundada, de se tratar de uma medida destinada a prevenir riscos para a saúde pública, norma jurídica esta, acima citada, que não constitui a indispensável habilitação legal para a actuação que nos presentes autos foi submetida à fiscalização contenciosa, o que constitui a razão bastante para manter a decisão recorrida do TA que declarou nula a decisão atacada.
O Relator,
_______________
Fong Man Chong
Processo n.º 424/2021
(Autos de recurso de decisões jurisdicionais do TA)
Data : 9 de Setembro de 2021
Recorrente : Autoridade Sanitária (衛生監督)
Recorrido : A
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ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:
I - RELATÓRIO
Autoridade Sanitária (衛生監督), Recorrente, devidamente identificada nos autos, não se conformando com a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo, datada de 03/02/2021, que declarou nula a determinação da Autoridade Sanitária (através do Ofício n.º 249.OF.GIS_S.2020, de 3 de Junho de 2020) que impõe a proibição de prestar serviços médicos que não caibam no âmbito da profissão de massagista, assim o impedindo de efectuar diagnósticos do foro da medicina interna bem como de prescrever medicamentos de medicina tradicional chinesa, veio, em 07/04/2021, recorrer para este TSI com os fundamentos constantes de fls. 116 a 131, tendo formulado as seguintes conclusões:
i. A ora Recorrente não pode concordar nem com os fundamentos, nem com o sentido da sentença do Tribunal a quo, porquanto a mesma é nula, ao abrigo da 2.ª parte da alínea d) do n.º 1 do artigo 571.° do CPC, e enferma do erro de julgamento, por errada interpretação do artigo 4.° do Decreto-Lei n.º 81/99/M, de 15 de Novembro, e por errada subsunção dos factos em causa àquela norma legal.
ii. Como bem afirma a sentença recorrida, o Recorrente contencioso na petição de recurso veio apenas alegar a violação do disposto no artigo 3.° e na alínea a) do n.º 2 do artigo 8.°, ambos do Código do Procedimento Administrativo, não tendo em momento algum fundamentado o seu recurso contencioso na inaplicabilidade ao caso vertente do n.º 2 artigo 4.° do Decreto-Lei n.º 81/99/M.
iii. Não obstante a falta de alegação, quer pelo Recorrente contencioso, quer pelo Ministério Público, da inaplicabilidade da citada norma legal para determinar a proibição pela Autoridade Sanitária da prestação pelo Recorrente contencioso de serviços médicos que não caem no âmbito da profissão de massagista, o Mmo. Juiz acabou por dela conhecer e, por via desse conhecimento, veio a determinar que o acto recorrido enferma do vício de falta de procedimento administrativo.
iv. É certo que a ora Recorrente não ignora o facto de ter sido notificada do despacho de fls. 83, tendo tido a oportunidade de se pronunciar sobre tal vício, nem se ignora que o vício imputado ao acto recorrido pelo douto Tribunal a quo conduz à nulidade do acto que é de conhecimento oficioso.
v. Todavia, sem prejuízo de distinto e melhor entendimento, não podemos também olvidar que, quando foi chamado a pronunciar-se sobre o aludido despacho de fls. 83, o então Recorrente, ainda assim, não pôs em causa a aplicabilidade à situação vertente da norma prevista no n.º 2 do artigo 4.° do Decreto-Lei n.º 81/99/M, de 15 de Novembro, tendo aliás aderido ao parecer do Digníssimo Magistrado do Ministério Público, onde consta o entendimento (inverso ao decidido na sentença recorrida) de que o acto decisório se alicerça na atribuição de competências à Autoridade Sanitária pelo Decreto-Lei n.º 81/99/M, de 15 de Novembro, "competências essas que não estão, naturalmente, em causa nos autos" - cfr. fls. 79 a 82 verso e 92 e 93 dos presentes autos.
vi. Ademais, a decisão do Tribunal a quo de que o acto administrativo é nulo por falta de procedimento administrativo resulta da prévia apreciação da aplicabilidade ao caso concreto da norma do n.º 2 do artigo 4.° do Decreto-Lei n.º 81/99/M, de 15 de Novembro, pois é por ter chegado à conclusão (errada na nossa perspectiva, como iremos demonstrar infra) de que esta norma é nos presentes autos inaplicável que o Tribunal a quo entende que o recurso à actividade desprocedimentalizada nela prevista está vedado à ora Recorrente.
vii. Salvo outra e melhor opinião, ao afirmar que "na situação vertente, com o acto recorrido a Autoridade Sanitária não tomou qualquer medida destinada à prevenção da doença daquelas situações que o n.º 2 do artigo 4.º prevê, é-lhe vedado, por falta da norma habilitadora da competência, o recurso à actividade desprocedimentalizada, e a tomada da decisão com aquele conteúdo proibitivo", o Mmo. Juiz passou a conhecer de questões de que não podia tomar conhecimento, o que conduz à nulidade da sentença conforme estatui a 2.ª parte da alínea d) do n.º 1 do artigo 571.° do CPC.
viii. Relativamente à não procedência dos vícios assacados ao acto, quer pelo Recorrente contencioso, quer pelo Ministério Público, não poderíamos estar mais de acordo com a douta sentença recorrida, porquanto manifestamente tais vícios não se verificam.
ix. Em contrapartida, já não podemos concordar com o entendimento sufragado na sentença recorrida de que no caso em apreciação a ora Recorrente não está habilitada a lançar mão do n.º 2 do artigo 4.° do Decreto-Lei n.º 81/99/M, de 15 de Novembro.
x. É dado assente nos presentes autos que o ora Recorrido só está legalmente habilitado a praticar actos médicos que se integram no âmbito da profissão de massagista, estando, portanto, excluídas as actividades de medicina chinesa.
xi. Está também provado que o ora Recorrido se encontrava a fornecer serviços médicos que extravasam o conteúdo funcional da profissão de massagista e que só a determinação pela Autoridade Sanitária da proibição de exercer actividades de medicina chinesa, por não ter a necessária qualificação profissional, seria capaz de o impedir de continuar a praticar actos médicos para aos quais não está legalmente habilitado nem qualificado.
xii. Sem essa proibição por parte da Autoridade Sanitária, o então Recorrente teria continuado a prestar serviços médicos que extravasam o âmbito da profissão de massagista, prática essa susceptível de pôr em risco ou causar prejuízos à saúde de todos aqueles que recorrem aos seus serviços, o que não foi claramente tomado em consideração na sentença recorrida.
xiii. Temos por indiscutível que a prática de actos médicos por quem não tem as necessárias qualificações, para além de integrar o crime de usurpação de funções previsto e punido pelo artigo 322.° do Código Penal, é ofensiva das leges artis, põe gravemente em perigo a saúde pública e a saúde individual e colectiva, não raras vezes com consequências nefastas e irreversíveis para a saúde e a vida de quem é objecto de tais práticas médicas, daí resultando a necessidade de fazer intervir a Autoridade Sanitária para pôr cobro a tais situações.
xiv. É por ter tido em vista o cumprimento da missão de prevenir e eliminar situações susceptíveis de pôr em risco ou causar prejuízos à saúde individual ou colectiva que o legislador conferiu um amplo grau de liberdade e autonomia à actuação da Autoridade Sanitária, atribuindo-lhe discricionariedade quanto aos vários elementos da respectiva actuação, isto é, quanto à oportunidade de agir, ao conteúdo da actuação e à forma ou formalidades da actuação.
xv. Salvo o devido respeito por opinião diversa, entre as medidas indispensáveis à prevenção ou à eliminação de factores ou situações susceptíveis de pôr em risco ou causar prejuízos à saúde individual ou colectiva estão incluídas a prática de actos administrativos e de operações materiais que possam vir a determinar a proibição da prática de actos médicos para os quais os particulares não estão legalmente licenciados nem habilitados.
xvi. Assim, no âmbito dos seus poderes de autoridade, dúvidas não há que a Autoridade Sanitária pode adoptar as medidas administrativas indispensáveis não só à prevenção da doença, mas também à eliminação de factores ou situações susceptíveis de pôr em risco ou causar prejuízos à saúde individual ou colectiva.
xvii. A ora Recorrente lançou mão da medida administrativa de proibição da prestação pelo aqui Recorrido de serviços médicos que não caem no âmbito da profissão de massagista, designadamente o exercício de actividades de medicina chinesa, por ser esta a medida adequada, necessária e indispensável a impedir a prática de actos médicos para os quais o Recorrido não está devidamente licenciado nem habilitado.
xviii. Torna-se, pois, manifesto o erro de julgamento incorrido pelo Tribunal a quo ao não considerar que a actuação da ora Recorrente está legitimada pelo artigo 4.° do Decreto-Lei n.º 81/99/M, de 15 de Novembro, encontrando-se a determinação da proibição acima descrita perfeitamente enquadrada neste preceito legal, uma vez que visa impedir que o ora Recorrido ponha em perigo e cause, actualmente e no futuro, prejuízos à saúde individual ou colectiva.
xix. Por tal motivo, não podemos aceitar o argumento de que a Autoridade Sanitária não tem competência para determinar a proibição do exercício da prestação de cuidados de saúde pelos particulares, porquanto ela está legalmente investida da competência "para tomar as medidas indispensáveis à prevenção ou à eliminação de factores ou situações susceptíveis de pôr em risco ou causar prejuízos à saúde individual ou colectiva" e "sem necessidade de processo prévio, administrativo ou judicial", conforme dispõe o n.º 2 do artigo 4.° do Decreto-Lei n.º 81/99/M, de 15 de Novembro.
xx. Porém, não foi este o entendimento do douto Tribunal recorrido, o que acabou por determinar a errada decisão de que a Autoridade Sanitária não podia na tomada da decisão recorrida socorrer-se da actividade desprocedimentalizada prevista na norma legal acabada de citar.
xxi. Em nossa modesta opinião, atento o quadro legal actualmente existente na RAEM em matéria de prestação de cuidados de saúde, a Autoridade Sanitária é a entidade competente para proibir a prática de actos médicos que extravasam o conteúdo funcional do exercício da profissão a que o profissional de saúde está legalmente habilitado a exercer, pelo que não há nos presentes autos qualquer subversão das normas de competência, como parece defender a sentença recorrida quando chama à colação o Acórdão deste Venerando Tribunal proferido no Processo n.º 638/2020.
xxii. Deste modo, salvo outro e melhor entendimento, ao defender que in casu não se justifica a intervenção da ora Recorrente ao abrigo do disposto no artigo 4.° do Decreto-Lei n.º 81/99/M e, por isso, ela não poderia ter-se socorrido da actividade desprocedimentalizada prevista no n.º 2 do mencionado normativo legal, o Tribunal a quo faz uma errada interpretação do citado artigo 4.°, pois limita/restringe os poderes e as competências legalmente conferidos à Autoridade Sanitária, e faz, ainda, uma errada subsunção dos factos em causa àquela norma legal.
xxiii. Pelo exposto, inversamente ao decidido na sentença recorrida, é o próprio Tribunal a quo que incorre em erro de julgamento, devendo, em nosso modesto entender, a sentença recorrida ser revogada.
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O Recorrido, A, veio, 10/05/2021, a apresentar as suas contra-alegações constantes de fls. 140 a 147, tendo formulado as seguintes conclusões:
1. A aqui Recorrente alega que a Sentença é nula, nos termos da 2.ª parte da alínea d) do n.º 1 do artigo 571.º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do artigo 1.º do CPAC, pois ao pronunciar-se sobre a aplicação ao caso concreto da norma prevista no n.º 2 do artigo 4.º do Decreto-lei, o Mmo. Juiz a quo alegadamente conheceu de questões de que não podia tomar conhecimento.
2. Por cautela de patrocínio, vem ainda a mesma alegar erro de julgamento da Sentença, na parte em que a mesma decide que o acto administrativo em apreço é nulo por preterição, no seu todo, de procedimento administrativo à luz do disposto no artigo 4.º, n.º 2 do Decreto-Lei.
3. Todavia, o recurso interposto está, - na modesta opinião do aqui Recorrido -, forçosamente condenado a não colher, dada a improcedência dos argumentos por si utilizados.
4. A argumentação avançada pela Recorrente nesta sede consiste unicamente em infirmar a validade da Sentença com base rio facto de o aqui Recorrido não ter posto em causa a aplicabilidade, em sede de recurso contencioso, da norma constante do n.º 2 do artigo 4.º do Decreto-Lei, sendo que o douto Tribunal Administrativo, ao fazê-lo, alegadamente extravasou as suas competências jurisdicionais, à luz da 2.ª parte da alínea d) do n.º 1 do artigo 571.º do CPC.
5. Contudo, a verdade é que tal entendimento não tem cabimento no caso vertente, devendo o mesmo ser totalmente afastado por carecer de qualquer razão ou fundamento jurídico.
6. Muito simplesmente, para que a Sentença possa ser considerada nula à luz da citada norma processual civil, necessário é que a mesma se tenha pronunciado sobre uma causa ou um facto jurídico essencialmente diverso daquele que as partes colocaram na 'base (causa de pedir) das suas conclusões (pedido).
7. É este o entendimento que resulta da lei, confirmado de resto tanto pela doutrina como pela jurisprudência de forma pacífica, conforme se demonstrará melhor em seguida.
8. Sobre o vício de excesso de pronúncia, ensina o insigne Juiz Conselheiro Jubilado do Supremo Tribunal de Justiça de Portugal FERNANDO AMÂNCIO FERREIRA que “A regra contida na norma processual civil que impõe ao juiz que conheça unicamente das questões suscitadas pelas partes, justifica-se pelos princípios do dispositivo e do contraditório. Com efeito, o princípio dispositivo veda ao juiz pronunciar-se sobre objecto processual distinto do proposto pelos litigantes, por só a eles competir defini-lo, enquanto o princípio do contraditório impede o conhecimento de tudo aquilo que não tenha sido matéria de debate entre as partes (negrito nosso)".
9. Sobre a citado vício processual, atente-se ainda ao que é disposto no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 6/05/2019 (Processo:1614/13.4BELRS), cuja redacção é igualmente clara e de simples apreensão: "Nos termos do preceituado no citado artº. 615, nº.1, al. d), do C.P. Civil [equivalente ao artigo 571.º, n.º 1, al. d) do CPC de Macau], é nula a sentença, além do mais, quando o juiz conheça de questões de que não poderia tomar conhecimento. Decorre de tal norma que o vício que afecta a decisão advém de um excesso de pronúncia (2º. segmento da norma). Na verdade, é sabido que essa causa de nulidade se traduz no incumprimento, por parte do julgador, do poder/dever prescrito no artº.608, nº.2, do mesmo diploma, o qual consiste, por um lado, no resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e, por outro, de só conhecer de questões que tenham sido suscitadas pelas partes (salvo aquelas de que a lei lhe permite conhecer oficiosamente). Ora, como se infere do que já deixámos expresso, o excesso de pronúncia pressupõe que o julgador vai além do conhecimento que lhe foi pedido pelas partes. Por outras palavras, haverá excesso de pronúncia, sempre que a causa do julgado não se identifique com a causa de pedir ou o julgado não coincida com o pedido. Pelo que deve considerar-se nula, por vício de "ultra petita", a sentença em que o Juiz invoca, como razão de decidir, um título, ou uma causa ou facto jurídico, essencialmente diverso daquele que a parte colocou na base (causa de pedir) das suas conclusões (pedido) (negrito nosso).
10. Sendo as coisas assim, pergunta-se: haverá mérito na alegação da aqui Recorrente, no sentido de que o Mmo. juiz a quo ultrapassou, de forma ilícita, o objecto processual proposto pelo Recorrente ou a Recorrida no caso concreto, ou seja, terá ido o julgador longe demais, além do conhecimento daquilo que lhe foi pedido pelas partes?
11. É evidente que não. No caso vertente, o Tribunal a quo limitou-se a oferecer uma solução jurídica distinta da que foi proposta pelas partes, pese embora sustentando-se inteiramente na factualidade constante do recurso contencioso em apreço (factualidade essa, reproduzida na Sentença em fls. 99 e 100 do Proc. n.º 2955/20-ADM).
12. Por outro lado, cumpre notar que o aqui Recorrido veio pedir, em sede de alegações de direito do recurso contencioso a quo, que fosse decretada a invalidade do acto administrativo recorrido (cfr. fls. 68 do Proc. n.º 2955/20-ADM), algo que não foi de modo algum colocado em causa pela decisão do Mmo. Juiz a quo que, em conformidade, julgou procedente o recurso contencioso e declarou nulo o acto recorrido.
13. Pois bem, a questão levantada pela aqui Recorrente prende-se unicamente com a fundamentação jurídica utilizada pelo Tribunal a quo, entendendo a aqui Recorrente que como o aqui Recorrido não pôs em causa a aplicabilidade, à situação vertente, da norma prevista no n.º 2 do artigo 4.º do Decreto-Lei, que aquele Tribunal estava impedido de o fazer, sendo que, ao fazê-lo, "o Mmo. Juiz passou a conhecer de questões de que não podia tomar conhecimento".
14. Todavia - e ao contrário do aventado por aquela - é totalmente irrelevante apurar-se se o aqui Recorrente pôs em causa ou não a aplicabilidade da norma prevista no n.º 2 do artigo 4.º do Decreto-Lei - ou qualquer outra norma jurídica do ordenamento da RAEM - uma vez que o Juiz não está impedido, na sua tarefa de julgador, de optar por uma fundamentação jurídica distinta daquela que as partes lançaram mãos no decorrer do processo.
15. Ora, nas palavras do artigo 567.º do CPC, o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito; mas só pode servir-se dos factos articulados pelas partes, sem prejuízo do disposto no artigo 5.º.
16. Quer dizer, ao abrigo do princípio da oficiosidade do conhecimento e aplicação do direito aos factos trazidos pelas partes - e que se exprime no brocado latino iura novit curia -, expressamente consagrado no referido artigo 567.º do CPC, o Tribunal pode apreciar as questões submetidas à sua apreciação com base em argumentos ou razões distintas daquelas que foram concitadas pelas partes (neste sentido, cfr. o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 03/15/2018, Processo: 2057/11.0TVLSB.L1.S2).
17. Sobre o referido princípio jurídico e a relação entre a actividade das partes e o juiz pronunciou-se da seguinte forma o ilustríssimo Professor ALBERTO DOS RÉIS: "pelo que respeita ao direito, a acção do juiz é livre; pelo que respeita aos factos, a sua acção está vinculada. (...) O juiz é soberano na órbita estritamente jurídica, move-se dentro dela com inteira liberdade. Esta soberania, pondera Betti (Diritto processuale, pág. 311) deriva da própria natureza da função jurisdicional e tem a sua justificação na habilitação oficial e profissional do magistrado. O juiz é, por definição oficial, um profissional do direito; bem se compreende, pois, que em tudo quanto respeita a operações ou juízos de carácter jurídico ele se encontre inteiramente liberto de quaisquer limitações postas pelas partes (negrito nosso) (cfr. Código de Processo Civil Anotado, Volume V, Artigos 658.º a 720.º, Coimbra Editora, Reimpressão, 1981, pp. 92-93)".
18. E acrescentou: "Indagação. O juiz é livre na busca e na escolha da norma jurídica que considera adequada. O autor ou o réu invoca determinada disposição legal; se o juiz entender que tal disposição não existe ou que, apesar de existir, não é a que se ajusta ao caso concreto em litígio, põe completamente de parte a indicação feita pela parte e vai buscar a regra de direito que, em seu modo de ver, regula a espécie de que se trata. (...) Se é da competência do juiz indagar e interpretar a regra de direito, pertence-lhe evidentemente a operação delicada da jurídica dos factos. As partes fornecem os factos ao juiz; mas a sua qualificação jurídica, o seu enquadramento no regime legal, é função do próprio magistrado, no exercício da qual ele procede com a liberdade assinalada (...) (ibidem, p. 93).
19. Bem se vê, pois, que a referida operação de indagação e de aplicação do direito, e bem assim de qualificação jurídica, no caso concreto, por parte do Mmo. Juiz a quo, não concita qualquer nulidade processual, sendo perfeitamente indiferente apurar-se se o Tribunal na sua sentença lançou mãos de uma norma que não havia sido convocada pelas partes no decurso no recurso contencioso.
20. Pelo que, nenhuma razão assiste à ora Entidade Recorrida, aqui Recorrente, ao pretender por em causa um juízo de direito trazido pelo Mmo. Juiz a quo, devendo o seu entendimento naufragar por inteiro.
21. Ad cautelam, se sem nunca conceder, sempre se dirá que tampouco assiste qualquer razão à aqui Recorrida quanto à questão que a mesma levanta, a título subsidiário (nos artigos nos 13.º e ss. das Alegações de Recurso), relativamente ao erro de julgamento apontado ao douto Tribunal recorrido.
22. Tratando-se de uma questão que foi já cabalmente dissecada pelo douto Tribunal a quo - em considerações constantes de fls. 101 a 105 do Proc. n.º 2955/20-ADM, cujos termos aqui aderimos e concordamos sem reservas - pouco mais há a acrescentar a este respeito, pelo que nos limitaremos a tecer apenas algumas considerações a este respeito.
23. Muito simplesmente, a aqui Recorrente AUTORIDADE SANITÁRIA, ao aplicar uma proibição preventiva ao abrigo do disposto no artigo 4.º, n.º 2 do Decreto-Lei, violou manifestamente os seus termos, porquanto a sua actuação foi muito, demasiado para além daquilo que a mesma permite.
24. Com efeito, a norma jurídica em apreço confere poderes excepcionais e como é evidente deve ser usada apenas excepcionalmente. Não pode, pois, servir a mesma de suporte à subversão de normas de competência desenhadas para o normal das situações como no caso concreto aconteceu, relativamente ao aqui Recorrido.
25. Tal entendimento foi já perfilhado tanto pelo Ministério Público e o Tribunal Administrativo no âmbito do Proc. n.º 2900/19/-ADM, como pelo Tribunal de Segunda Instância, no douto acórdão n.º 638/2020, de 12/11/2020, e agora novamente - e bem - pelo Tribunal Administrativo, no âmbito do Proc. n.º 2955/20-ADM.
26. Reitera-se, pois, que a intervenção da aqui Recorrente ao abrigo da citada norma apenas se justifica, quando, nos termos do artigo 4.º, n.º 2 do Decreto-Lei, (i) a prevenção da doença e a (ii) protecção da saúde individual e colectiva imponham uma actuação imediata por parte daquela que não é compatível com a organização normal de um procedimento administrativo ou judicial.
27. A esta luz, e tendo sempre em vista o caso concreto, a resposta parece impor-se: a actuação do aqui Recorrido não é, nem nunca foi de tal ordem grave que justifique a preterição de um procedimento administrativo/judiciai; ou seja, não existe in casu qualquer sentido de urgência material que seja compatível ou justifique a actividade desprocedimentalizada por parte da administração, à luz da citada normal em apreço.
28. A propósito, não se deixe de referir que a Autoridade Sanitária teve conhecimento directo da actividade desenvolvida pelo aqui Recorrido durante décadas e nada fez para o impedir, vindo agora alegar a indispensabilidade da preterição da actuação desprocedimentalizada - o que em si representa, desde logo, uma contradição visível, atentatória aliás da boa-fé nas relações entre a administração e os administrados.
29. Pelo que, autorizar-se uma tal actuação seria de uma arbitrariedade feroz e atentatória tanto do princípio da legalidade da actuação administrativa como dos princípios da proporcionalidade, necessidade e adequação.
30. Por outro lado - conforme notou, e bem, o douto Tribunal a quo - tendo sido desenrolado um procedimento sancionatório a respeito do aqui Recorrido e sobre a mesma situação fáctica, e que terminou com a aplicação de multas, nunca tal processo poderia ser usado para se sustentarem medidas de proibição preventiva, como sucedeu no caso concreto (cfr. fls. 102 in fine do Proc. Proc. n.º 2955/20-ADM).
31. Por fim, sempre se diga que se o acto desprocedimentalizado fosse efectivamente passível de recurso nos termos em que a aqui Recorrida invoca, para entre outros "proibir a prática de actos médios que extravasam o conteúdo funcional do exercício da profissão a que o profissional da saúde está legalmente habilitado a exercer", isto é, se esta situação é objectivamente passível de lançar mãos a medidas urgentes ao abrigo do n.º 2 do artigo 4.º do Decreto-Lei nos termos em que a AUTORIDADE SANITÁRIA o fez, então que tipo de casos ditos excepcionais é que seriam abstractamente conduzíveis à dita norma?
32. Ora, não terá sido certamente esta, na modesta opinião do aqui Recorrido, a ratio da norma pensada pelo legislador, a qual se nos afigura, em consonância com o entendimento do douto Tribunal a quo, transigente e permissora em demasia.
33. Destarte, também não procede a alegação de erro de julgamento da Sentença suscitada pela aqui Recorrente.
34. Em face de tudo quanto ficou demonstrado, dúvidas não restam que os fundamentos alegados pela Entidade Recorrida, aqui Recorrente, não podem colher a aceitação do Tribunal ad quem.
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O Digno. Magistrado do Ministério Público junto do TSI emitiu o douto parecer constante de fls. 158 a 161 dos autos, pugnando pelo improvimento do presente recurso jurisdicional.
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Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre analisar e decidir.
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II – PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
Este Tribunal é o competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são dotadas de legitimidade “ad causam”.
Não há excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
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III – FACTOS
São os seguintes elementos considerados assentes pelo TA, extraídos do processo principal e do processo administrativo com interesse para a decisão da causa:
‐ 司法上訴人為按摩師,註冊編號為S-XXXX, 執業場所位於澳門XXXXXX─A綜合中醫診所 (見行政卷宗1第47頁、第76頁及第92頁)。
‐ 2017年4月25日,衛生局接獲關於司法上訴人向求診者處方內服中藥方之投訴,並為此開立卷宗(編號030/Q/UTLAP/2017)以作跟進(見行政卷宗2第l頁及第11頁至第13頁)。
‐ 2019年4月24日,衛生局一般衛生護理副局長在醫務活動牌照科編號35/R/UTLAP/2019報告書上作出“同意”批示,當中指出司法上訴人承認有對病人提供中醫服務,並處方內服中藥給病人服用。由於其沒有在取得中醫生/中醫師之准照後方提供中醫服務,其行為違反12月31日第84/90/M號法令第3條第1款a)項及h)項之規定,按照同一法令第21條第1款a)項之規定,決定科處罰款合共澳門幣6,000.00元。因證實司法上訴人未具備專業資格為病人提供中醫服務,不排除病人服用其開處的內服中藥可能產生副作用,甚至對身體造成損傷,有關後果嚴重。為保障公眾利益,決定就禁止司法上訴人為病人提供內科病的診斷及處方內服中藥事宜轉交權限機關採取措施跟進處理(見行政卷宗2第96頁至第 109頁,有關內容在此視為完全轉錄)。
‐ 2019年6月19日,衛生局透過編號1477/OF/UTLAP/2019公函,將上述決定通知司法上訴人(見行政卷宗2第111頁至第124頁)。
‐ 2020年6月5日,被上訴實體向司法上訴人發出編號249.OF.GIS_S.2020公函,指作為一項防範性措施,決定根據11月15日第81/99/M號法令第4條第2款規定,命令禁止司法上訴人為病人提供按摩師範圍以外的醫療行為,尤其禁止為病人提供內科病的診斷及處方內服中藥,直至獲得相應專業資格為止,並在通知書中指出司法上訴人可在指定期間內向行政法院提起司法上訴(見卷宗第13頁至第14頁,有關內容在此視為完全轉錄)。
‐ 2020年7月6日,司法上訴人之訴訟代理人針對上述決定向本院提起本司法上訴。
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IV - FUNDAMENTOS
Como o presente recurso tem por objecto a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo, importa ver o que este decidiu. Este proferiu a douta decisão com base nos seguintes argumentos:
I. Relatório
Recorrente A, melhor id. nos autos,
interpôs o presente recurso contencioso administrativo contra
Entidade recorrida Autoridade Sanitária, que lhe determinou, por ofício n.º 249.OF.GIS_S.2020, de 3/6/2020, a proibição preventiva da prestação de serviços médicos fora do âmbito do exercício da actividade de massagista que lhe foi permitido pela licença.
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Alegou o Recorrente, com os fundamentos a fls. 22 a 37 dos autos, em síntese,
- a violação do disposto no art.º 3.º e na alínea a) do n.º 2 do art.º 8.º do CPA,
Conclui, pedindo a anulação do acto recorrido.
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A Entidade recorrida apresentou a contestação com os fundamentos a fls. 42 a 58 dos autos, em que pugnou pela improcedência do presente recurso, com a consequente manutenção do acto recorrido.
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Ambas as partes apresentaram alegações facultativas, mantendo as conclusões anteriores.
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O digno Magistrado do Ministério Público emitiu douto parecer no sentido de proceder o presente recurso pela falta de fundamentação do acto, cujo teor se transcreve no seguinte:
“…Com os fundamentos e argumentário constante de fls, 22 a 37 (cfr., também, fls. 2 a 12), A veio recorrer contenciosamente da determinação emanada da Autoridade Sanitária veiculada através do Ofício n.º 249.OF.GIS_S.2020, de 3 de Junho de 2020, da qual consta a proibição de prestar serviços médicos que não caibam no âmbito da profissão de massagista, assim o impedindo de efectuar diagnósticos do foro da medicina interna bem como de prescrever medicamentos de medicina tradicional chinesa.
Pese embora não indique precisamente quais os concretos segmentos de tais normas que considera não terem sido respeitados com a prolação do despacho em referência, protesta o Recorrente que o acto em referência viola o disposto no artigo 3.º e na alínea a) do n.º 2 do artigo 8.º do CPA, assim como viola o disposto no n.º 1 do artigo 21.º do CPAC.
Na respectiva contestação a entidade recorrida pugna pela validade do acto posto em causa e ora sob análise, rebatendo o argumentário do Recorrente, assim concluindo pela improcedência do recurso contencioso ora sob análise.
Notificadas para apresentar alegacões voluntárias ambos os intervenientes apresentaram as peças processuais que entenderam mais consentâneas com a tutela dos respectivos pontos de vista, assim cumprindo, de harmonia com o disposto no artigo 69.º do CPAC, emitir parecer.
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Refere o Recorrente que a decisão recorrida incorreu nos vícios acima mencionados em virtude de ter desconsiderado o facto de que “... exerceu a sua actividade profissional sob a égide da Recorrida durante um longo espaço temporal e no qual tratou de doenças internas e externas da população e sempre com bons resultados o que lhe conferiu grande reputação no meio social”, e que não só é membro da Associação de Farmácia de Medicina Chinesa desde 1980, como foi nomeado para membro do respectivo Conselho em 1989, mais tendo sido nomeado vice-presidente do mesmo Conselho em 2009, ao que acresce que“... possui uma história de três gerações na área da Medicina Tradicional Chinesa”, sendo que a respectiva actividade profissional“ ... baseia-se os milenares conhecimentos que são transmitidos de forma tradicional…” tendo sido“... Discípulo do famoso Mestre Ou Lun durante cerca de uma década ... ”.
Mais refere o Recorrente que “... exerceu a sua actividade profissional à sombra dos usos e costumes da sociedade chinesa e devidamente reconhecido pelo Poder Público ... ”, assim afirmando que“... não pode ser prejudicado devido à institucionalização de novos métodos de ensino da Medicina Tradicional Chinesa” e que “... seguindo os ventos da História, seguiu todos os novos passos administrativos impostos pela lei (Decreto-Lei 84/90/M) e, assim, obteve a Licença emitida pelos Serviços de Saúde em 1995”.
Refere ainda o Recorrente que“... o presente processo administrativo somente existe devido a confusão linguística ... ”, assim como que “A expressão chinesa Ti Tat não pode ser traduzida por massagista! ”, e que “Desconhecendo a língua portuguesa, o Recorrente nunca se rebelou contra tal conceito pensando que o mesmo correspondia ao conceito chines de Tit Ta ... ”, mais refere que “Sendo público e notório que nenhum massagista realiza tratamentos de doenças internas de medicina chinesa e ortopedia e, muito menos, pode fazer prescrições”; conclui, assim, o Recorrente afirmando que “Ao pretender qualificar o Recorrente que é Tit Ta para a categoria de massagista, a Recorrida viola o princípio. da boa fé a que está legalmente vinculada”, mais adiantando que “Assim, podendo ser criada uma situação de completo descrédito na actividade administrativa que tem a potencialidade de pôr em cheque um conhecimento milenar, direitos adquiridos pelo Recorrente e não observância de normas jurídicas”.
Em sentido distinto a entidade recorrida pugna pela plena validade do acto praticado, assim afirmando que o mesmo não enferma de quaisquer vícios”, mais esclarecendo que, através do Ofício n.º 258/012/UTLAP/96, de 10 de janeiro de 1996, foi o ora Recorrente notificado de que os Serviços de Saúde lhe haviam emitido licença de massagista, sendo que, através do Oficio n.º 584/011/UTLAP/96, de 16 de Janeiro, o então Subdirector dos Serviços de Saúde informou a Direcção dos Serviços de Finanças de que tinha sido dada autorização ao ora Recorrente para “... exercer a sua actividade profissional privada de Massagista ... ”, comunicação esta derivada do facto de o ora Recorrente não possuir um diploma de curso que obrigasse à respectiva inscrição nos Serviços de Saúde como profissional de saúde, assim estando apenas registado junto dos referidos Serviços de Finanças; ainda segundo a entidade recorrida, com os mesmos fundamentos, o então Chefe do Departamento de Cuidados de Saúde expressamente consignou no respectivo processo que o ora Recorrente não podia “utilizar em nenhuma circunstância a designação de Mestre de Medicina Tradicional Chinesa, proibição essa que o Recorrente lamentavelmente ignorou”.
Sempre segundo a entidade recorrida ao ora Recorrente não foi, em momento algum e pelos Serviços de Saúde, emitida qualquer licença médica, pois que o mesmo“... não possuía as habilitações legalmente exigidas para o exercício da profissão de mestre ou de médico de medicina tradicional chinesa”, antes tendo sido“... atribuída, em 1995, uma licença de massagista por se ter tido em conta que ele exercia essa profissão antes da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 84/901M, de 31 de Dezembro, estando inscrito na Direcção dos Serviços de Finanças, e, bem assim, por até àquela data não haver registo de queixas pelos serviços por si (leia-se, pelo ora Recorrente) prestados, e não por ele possuir as qualificações que passaram a ser exigidas com a entrada em vigor do aludido diploma”.
Refere também a entidade recorrida que “Da análise do processo administrativo resulta evidente que a Administração sempre tratou o Recorrente como massagista e não, como o Recorrente pretende fazer valer, como técnico de Medicina tradicional Chinesa”, mais adiantando que “... a Autoridade Sanitária quando se apercebeu que o recorrente prestava serviços médicos para os quais não está devidamente licenciado actuou em conformidade e proferiu o acto administrativo em questão ...”, assim como que “Ainda que se venha a admitir que o Recorrente desempenhou ao longo dos últimos anos as suas funções profissionais na profunda convicção de que estava a actuar em conformidade com a licença que lhe fora passada pelos Serviços de Saúde, esse desempenho deveu-se única e exclusivamente a um erro do próprio Recorrente quanto à licença que lhe fora efectivamente emitida”.
Acreditando-se que, na súmula que antecede se logrou condensar o essencial do argumentário - e respectivos fundamentos - trazidos aos autos pelo Recorrente e pela entidade recorrida, impõe-se referir que, de facto, o acto praticado enferma de vício que o torna susceptível de censura e consequente revogação por parte do tribunal.
Não se olvida que, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 4.º do D.L. n.º 81/99/M, de 15 de Novembro e na parte que ora releva, “A Autoridade Sanitária... exerce a sua actividade sem dependência hierárquica e sem necessidade de processo prévio, administrativo ou judicial, .. ”, o que leva a que se admita que não se tenha registado, no procedimento administrativo prévio à tomada da decisão ora sob apreciação, audiência de interessados - no caso, do ora Recorrente - sem que, tanto quanto se prefigura, se estivesse perante qualquer das situações a que aludem os artigos 96.º e/ou 97.º do CPA.
Mas importa também reter que todos os actos da administração devem ser devidamente fundamentados, de harmonia com o disposto nos artigos 114.º e 115.º do CPA, ainda que através da sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão, sendo que equivale à falta de fundamentação a adopção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do acto.
Sendo tal exigência de fundamentação aplicável também ao acto decisório ora sob recurso, por força do disposto no artigo 2.°, n.º s 1 e 3 a 6, do CPA - afigura-se que o acto recorrido não se mostra suficientemente fundamentado, pese embora o mesmo faça referência à falta de habilitações técnicas do ora Recorrente para o exercício de mestre ou de médico de medicina tradicional chinesa.
Na realidade e pese embora se alicerce também na atribuição de competências à entidade recorrida pelo D.L. n.º 81/99/M, de 15 de Novembro (competências essas que não estão, naturalmente, em causa nos autos), não é menos certo que o acto decisório vai buscar a sua verdadeira fundamentação jurídica aos deveres dos profissionais constantes no artigo 3.° do D.L. n.º 84/90/M, de 31 de Dezembro, sem sequer especificar qual desses deveres foi, ou terá sido, violado pelo ora Recorrente.
E sem prejuízo de distinto e melhor entendimento, tem-se como essencial, para que qualquer destinatário possa (ou pudesse) alcançar, na sua plenitude, a fundamentação e extensão dos efeitos do acto praticado, que a entidade recorrida fundamentasse a decisão proferida na norma constante do artigo 20.° do mesmo diploma legal, quando não mesmo e se tal fosse o caso, no respectivo artigo 21.°, pois são essas normas que dão expressão legal às situações de violação dos deveres funcionais
E essa exigência de clara exposição dos fundamentos de facto e de direito de qualquer decisão tem-se como sendo de ainda maior premência em casos como os dos autos em que a administração - no caso a Autoridade Sanitária da RAEM - pode assumir decisões, conforme já referido, sem prévia instauração de processo, o que, de forma absoluta, veda a eventual possibilidade de os destinatários das respectivas decisões adquirirem, no iter procedimental, o conhecimento necessário à compreensão das decisões que os afectem ou venham a afectar.
Na sequência de quanto antecede e pese embora com fundamentos não coincidentes com os invocados pelo Recorrente, afigura-se que o acto praticado enferma de vício de forma, por falta de fundamentação adequada/suficiente, de harmonia com o disposto no artigo 21.°, n.º 1, alínea c), do CPAC, e o exigido pelos artigos 114.° e 115.° do CPA (cfr., também, respectivo artigo 2.°), assim se concluindo que, salvo distinto e melhor entendimento, deve o recurso interposto obter provimento…” (vide fls. 79 a 82v dos autos).
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Foi oficiosamente suscitada a nulidade do acto por falta do procedimento, e depois facultada às partes a possibilidade de sobre ela se pronunciarem, assim como o vício de falta de fundamentação invocado no parecer do Ministério Público (vide fls. 83 dos autos).
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Este Tribunal é o competente em razão da matéria e da hierarquia.
As partes são dotadas de personalidade e capacidade judiciária e de legitimidade “ad causam”.
O processo é o próprio.
Inexistem nulidades, ou questões prévias que obstem à apreciação “de meritis”.
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II. Fundamentação
1. De facto
Resulta provada por documentos, a seguinte factualidade pertinente:
(...)
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2. De direito
Cumpre apreciar e decidir sobre os vícios invocados pelo Recorrente.
Como vimos, trata-se aqui de uma proibição preventiva proveniente da Autoridade Sanitária, no exercício da competência estabelecida no artigo 4.º, n.º 2 do DL n.º 84/90/M, de 31 de Dezembro, no sentido de que ao Recorrente é impedida a prestação de serviços médicos fora do âmbito do exercício da actividade de massagista que lhe foi permitido através da licença concedida, incluindo os de diagnóstico de doença e de prescrição de medicamentos. O fundamento dessa proibição assenta na falta da habilitação profissional do Recorrente para a respectiva actividade médica.
Entende o ora Recorrente que na decisão sobre a matéria em causa, a Administração na está apenas vinculada às normas legais como também aos princípios gerais de direito, em especial, o princípio de boa-fé. E estes princípios, no caso dos autos, foram postos em crise pelas actuações administrativas, uma vez que foi desconsiderado o facto de ser bastante o título que o Recorrente tem – a licença oficial de massagista – para o exercício das actividades de medicina chinesa, não sendo valoradas no acto recorrido todas as concretas circunstâncias capazes de demonstrar o mérito profissional do ora Recorrente no exercício daquelas actividades.
Salvo o devido respeito, é evidente a falta da razão deste argumento do Recorrente.
Face às normas ínsitas no DL n.º 84/90/M, de 31 de Dezembro que regulam o licenciamento para o exercício da actividade privada de prestação de cuidados de saúde, é-nos legítimo concluir o seguinte:
- as actividades privadas que envolvam a prestação de cuidados de saúde na área de medicina tradicional chinesa encontram-se sujeitas à disciplina consagrada neste diploma (vide o artigo 1.º, n.º 2 do diploma legal);
- o exercício dessas actividades depende do licenciamento (diz o artigo 4.º do diploma: “n.º 1 O exercício das profissões e das actividades a que se aplica este diploma só é permitido após licenciamento; n.º 2 O licenciamento tem por finalidade verificar se estão preenchidos os requisitos legalmente exigidos para o exercício da profissão ou da actividade.”);
- o indivíduo requerente é apenas licenciado quando preenche os respectivos requisitos, especialmente, ser possuidor de capacidade profissional com habilitação académica exigida para o exercício das profissões (vide os artigos 5.º, n.º 1, alínea a) e 6.º n.º 1 do diploma);
- no caso de se tratar do licenciamento do médico de medicina tradicional chinesa ou mestre de medicina tradicional chinesa, exige-se, no primeiro caso, que o requerente possua o curso superior de medicina tradicional chinesa, e no segundo, que a sua formação idónea para o exercício da profissão seja reconhecida por uma comissão constituída para esta finalidade (vide o artigo 6.º, n.º 2, alíneas b) e e) do diploma); e
- A prova das habilitações é apenas feita pelos meios indicados no artigo 7.º do referido diploma.
Quanto ao caso concreto do ora Recorrente, por mais conhecimentos ou experiências práticas que este possa ter ganho na respectiva área de medicina chinesa ao longo dos anos, certo é que foi ele licenciado apenas como massagista conforme constante da Licença n.º S/068/95, a fls. 47 do P.A. Vol. 1, numa tentativa inicial de regularização das actividades médicas privadas desencadeada pela Administração, que foi sempre renovada sob este título.
E não menos certo é que as actividades de medicina chinesa nunca foram consideradas, formalmente, integradas no âmbito da profissão de um massagista, porquanto se trata das profissões de categorias distintas para o efeito do DL n.º 84/90/M (veja-se o art.º 1º, n.º 2, alínea a) do DL), cujo licenciamento depende da satisfação das exigências próprias da habilitação académica relativamente a cada interessado.
Nesta linha, a licença de massagista que o Recorrente sempre possui não lhe confere a possibilidade de exercer as actividades de medicina chinesa, portanto, não lhe sendo dispensável de demonstrar que preencha os respectivos requisitos através dos meios indicados no artigo 7.º do DL n.º 84/90/M. Contudo, a tarefa como esta não chegou a ser cumprida pelo Recorrente que não apresentou nenhuma prova relevante para sustentar sua pretensão.
Assim sendo, é-nos óbvio que deveria improceder o recurso quanto a este fundamento.
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Não obstante, o que foi atrás afirmado só seria válido para as questões colocadas no âmbito do próprio procedimento administrativo de licenciamento ou de autorização do exercício da actividade médica em que se culmina uma decisão desfavorável da entidade competente para a matéria.
Como desde logo foi assinalado, aqui estamos perante uma proibição preventiva da Autoridade Sanitária que considera ser habilitada por força do artigo 4.º, n.º 2 do DL n.º 81/99/M para a tomada das “medidas indispensáveis à prevenção ou à eliminação de factores ou situações susceptíveis de pôr em risco ou causar prejuízos à saúde individual ou colectiva.” no caso dos autos.
O referido artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 81/99/M dispõe o seguinte:
“Artigo 4.º
(Autoridade Sanitária)
1. Para o exercício das atribuições dos SSM respeitantes à prevenção da doença, são conferidos poderes de Autoridade Sanitária ao director e aos médicos dos SSM que, para o efeito, forem expressamente designados por despacho nominal do Governador, publicado no Boletim Oficial de Macau.
2. A Autoridade Sanitária a que alude o número anterior exerce a sua actividade sem dependência hierárquica e sem necessidade de processo prévio, administrativo ou judicial, podendo tomar as medidas indispensáveis à prevenção ou à eliminação de factores ou situações susceptíveis de pôr em risco ou causar prejuízos à saúde individual ou colectiva.
3. Compete ainda à Autoridade Sanitária assegurar o cumprimento das normas e obrigações em matéria de sanidade internacional e apreciar os processos que por lei devam ser submetidos a parecer dos SSM e que digam respeito à observância de normas sobre salubridade, higiene ou segurança de obras, instalações ou equipamentos.
4. Os médicos referidos no n.º 1 exercem os poderes de Autoridade Sanitária sob a orientação do director dos SSM, na área geográfica definida no despacho que os designar.
5. Os poderes da Autoridade Sanitária são indelegáveis.”
Cumpre referir, a propósito da aplicabilidade desta norma, que este Tribunal se pronunciou, na decisão anterior proferida no processo n.º 2900/19-ADM, o seguinte:
“…因為綜合上引法律規定中的各項具體條文不難得出,該規定所專門設置的“衛生當局”的執法機制不可能是“恆常”運作的: “衛生當局”乃為應對及預防疾病而生,“衛生當局”之權力歸經適當程序委任的醫生行使,“衛生當局”之活動不受行政等級制約,無需經行政或司法程序許可。在這種特定機制下,作為衛生當局的醫生,無需聽命於上級,行動不接受監督,可徑直採取任何其認為有必要的措施。其權力之大,是毫無疑問的。所以,為了避免出現執法濫權的情況,衛生當局行使僅僅在極為受限的條件下履行其職責─惟有當在預防疾病工作中,出現了“可能危及或損害個人或集體健康之因素或情況”時,其才具備行政介入的正當性。這恰好體現了立法者對衝突下的不同利益作出的取捨及平衡,這一點被上訴實體不能否認。
…而除此之外,解讀有關條文,“可能危及或損害個人或集體健康之因素或情況”(葡文 situações susceptíveis de pôr em risco ou causar prejuízos à saúde individual ou colectiva)的表述另有隱含所發生情況之“迫切危急”(existência do perigo iminente)這一要件。
換言之,只有當疾病預防工作到了刻不容緩的地步,任何常規的行政或司法程序都將可能貽誤時機,非採取必要措施不能有效消除威脅個人或集體健康之風險的條件下,衛生當局的有關行動才有依據可言…”
A referida decisão foi confirmada por douto Acórdão do TSI n.º 638/2020, de 12/11/2020, em que ao transcrever o parecer do Ministério Público, se sublinhou o seguinte:
“…A citada norma confere poderes excepcionais e como é evidente deve ser usada excepcionalmente. Não pode servir de suporte à subversão das normas de competência desenhadas para o normal das situações como no caso aconteceu. (destaque nosso)
Com efeito, com o acto recorrido a Autoridade Sanitária não tomou qualquer medida destinada à prevenção da doença daquelas que o n.º 2 do artigo 4.º prevê. Praticou, antes, sem competência legal para o efeito, um acto de revogação do acto de autorização ou de licenciamento do exercício da actividade privada de medicina chinesa por parte do Recorrido, embora sob o pretexto infundado de se tratar de uma medida destinada a prevenir a saúde das respectivas pacientes. Isto, na sequência de um procedimento administrativo que se prolongou por cerca de nove meses, destituído, portanto, de qualquer urgência ou necessidade que justificasse a intervenção daquela autoridade
…”
Reitera-se que, a intervenção da Autoridade Sanitária ao abrigo da citada norma do artigo 4.º apenas justifica, quando a prevenção da doença e a protecção da saúde individual e colectiva impõem uma actuação imediata por parte da Autoridade Sanitária que não é compatível com a organização normal de um procedimento administrativo ou judicial.
Portanto, se a Lei prevê aqui a possibilidade de uma actividade desprocedimentalizada e até confere à Administração o poder de tomar as medidas gravosas para os direitos e interesses legalmente protegidos dos particulares afectados, só faz sentido de ser-lhe reconhecida esta possibilidade, sob pena do exercício abusivo deste poder, na pressuposta existência de um perigo para a saúde individual ou colectiva de tal modo iminente que não se compadeça com a demora que é própria de um procedimento administrativo ou judicial, tal como prevista na parte in fine da norma sublinhada.
Dito por outra forma, não se verificando o restrito pressuposto de actuação aí estabelecido, então qualquer decisão a tomar será compatível com a organização normal de um procedimento administrativo ou judicial, dificilmente se justificaria nesse caso a intervenção da Autoridade Sanitária ao abrigo do referido artigo 4.º do DL n.º 81/99/M.
Na situação vertente, com o acto recorrido a Autoridade Sanitária não tomou qualquer medida destinada à prevenção da doença daquelas situações que o n.º 2 do artigo 4.º prevê, é-lhe vedado, por falta da norma habilitadora da competência, o recurso à actividade desprocedimentalizada, e a tomada da decisão com aquele conteúdo proibitivo. Cremos que a lógica imanente às normas impõe essa conclusão.
Por outro lado, no contexto em que se impôs aquela proibição preventiva, não se ignora que foi desenrolado efectivamente um outro procedimento sancionatório a respeito do mesmo interessado e sobre a mesma situação fáctica, conforme demonstrado a fls. 96 a 109 e 112 a 123 do P.A. vol. 2. Mas como é fácil constatar que aquele procedimento que fora desencadeado pelo órgão competente – o subdirector dos Serviços de Saúde - foi finalizado com a prática do acto da aplicação das multas ao Recorrente pelas múltiplas infracções administrativas, incluindo, entre as outras, a violação dos deveres profissionais previstos no artigo 3.º, n.º 1, alíneas a) e h) do DL n.º 84/90/M.
Na falta da identidade subjectiva (por serem as decisões provenientes das entidades distintas) e objectiva (serem as decisões incidentes sobre as matérias distintas com cominações diferentes), tal procedimento que se verifica documentado nos processos administrativos nunca poderia ser aproveitada para sustentar as medidas de proibição preventiva tomadas no caso, como é óbvio.
Portanto, andou mal a Entidade recorrida ao socorrer-se da actividade “desprocedimentalizada” previsto no n.º 2 do artigo 4.º do DL n.º 81/99/M na tomada da decisão recorrida, decisão essa que exige um procedimento administrativo prévio por força da aplicação da regra geral prevista no artigo 2.º, n.º 1 do CPA, nos termos do qual “As disposições deste Código aplicam-se a todos os órgãos da Administração Pública que, no desempenho da actividade administrativa de gestão pública, estabeleçam relações com os particulares”.
Por outro lado, compulsando os autos, especialmente, o processo administrativo em anexo, sempre se dirá que o risco da ilegalidade decorrente dessa actuação administrativa, tal como exposto acima, não foi de todo desconsiderado quando foi solicitada a intervenção da Autoridade Sanitária no caso. Como teve cuidado de referir o médico coordenador da equipa de fiscalização, Dr. B, na sua proposta n.º 195.NI.GIS.2019, de 21/6/2019, a fls. 2 a 5 do P.A. vol. 4, o seguinte:
“...4. 衛生監督以「衛生當局的權力」禁止A按摩師為病人提供內科的診斷及處方內服中藥的考量:
4.1 第81/99/M號法令《重組澳門衛生司之組織結構及撤銷衛生委員會─若干廢止》第四條第二款:「上款所指之衛生當局在進行活動時,無等級從屬關係且無需預先經行政或司法程序,並得採取必要措施以預防或消除可能危及或損害個人或集體健康之因素或情況。」,因此,衛生監督權力之運作須無可代替及必要。
4.2 A按摩師曾在其綜合診所內提供中醫服務,而醫務活動牌照科建議以衛生當局權力禁止其提供中醫服務。從消除群體健康危害度而言,有關禁止無法滿足對A按摩師提供其他非按摩師服務內容所採取的措施。發出該禁止命令後的監測及監控亦不具操作性。
4.3 事實上,第84/90/M號法令《管制私人提供衛生護理活動的准照事宜》第二十條第三款的處罰措施已有效保障公眾利益。同時,亦可減少衛生監督權力過度的使用而帶來不必要的訴訟和爭拗。
4.4 因此,以衛生當局權力禁止A按摩師為病人提供內科的診斷及處方內服中藥,無論是可操作性及必要性,均達不到 “必要措施”的效果。
5. 從行政程序及行政管理角度考量:
5.1 是次事件是基於一匿名檢舉指向A按摩師提供中醫服務所開立第030/Q/UTLAP/2017號卷宗的跟進結果建議。
5.2 從行政程序及行政管理角度,針對同一事件,有關處罰及作出相應措施的行政行為,宜由單一並具行政權限機關作出,以體現對調查個案在行政程序的始終,及衛生部門對利害關係人作出行政行為的公平性。
6. 建議:
鑑於根據第84/90/M號法令《管制私人提供衛生護理活動的准照事且》第二十條第三款有關內容已對個案處罰內容作出規範。本組認為以“衛生當局權力”禁止A按摩師為病人提供內科病的診斷及處方內服中藥,並非必須。為達相同目的,謹建議:
6.1 行政權限機關宜按照第84/90/M號法令《管制私人提供衛生護理活動的准照事宜》第二十條第三款向A按摩師作出處罰;
6.2 行政權限機關應在向A作出處罰文件中同時指出,專業人員應遵守專業人士之義務,以及逾越專業許可和從事與職業相悖業務所引致的後果,尤其按摩師不能為病人提供內科病的診斷及處方內服中藥...”.
Lamentável é que o que fora proposto por este médico na altura não mereceu um devido recuo por parte do órgão decisor, sem que isso tenha sido atendido até a tomada da decisão final que veio a ser impugnada neste processo.
Até aqui não temos dúvida de que o acto recorrido foi praticado sem procedimento.
A respeito da qualificação jurídica desse vício – a falta de procedimento nos casos em que a lei o impõe e da sanção que lhe corresponde – pode ler-se no Acórdão do STA de 11/11/2003, no Proc. n.º 1084, designadamente o seguinte:
“2 (...)
2.2.4. Procedimento administrativo e formalidades do procedimento administrativo são coisas diferentes.
As formalidades respeitam a um certo procedimento, e nesse procedimento podem ser essenciais ou não essenciais, mas só se compreendem dentro do cada procedimento em causa.
(...)
2.2.8. Deslocado, pois, o problema, como deve ser, da falta de formalidades, para a falta de procedimento, impõe-se descobrir em que forma de invalidade se integra a adjudicação impugnada.
(...)
No nosso ordenamento a invalidade do acto administrativo gera, em regra, a anulabilidade – artigo 135.º do CPA.
Por isso, o que haverá que averiguar é se para a invalidade em análise se prevê a nulidade. No caso de não se detectar essa sanção estar-se-á em sede de anulabilidade.
O CPA segue na indicação dos actos nulos a técnica de estabelecer uma cláusula geral, no n.º 1 do artigo 133.º, “São nulos os actos a que falte qualquer dos elementos essenciais ou para os quais a lei comine expressamente essa forma de invalidade”, seguida de enumeração exemplificativa no n.º 2.
“(...) o legislador não quis autorizar qualquer dúvida quanto ao carácter não taxativo da enunciação das causas de nulidade, ao salientar no n.º 2 que são designadamente, actos nulos. Mantém-se, assim, em aberto a possibilidade de a doutrina ou a jurisprudência configurarem novos casos de nulidade por natureza, para além da possibilidade óbvia de, por via legislativa, se configurarem novos casos de nulidade” (JOSÉ MANUEL SANTOS BOTELHO, AMÉRICO PIRES ESTEVES, JOSÉ CÂNDIDO DE PINHO, “Código do Procedimento Administrativo”, 5.ª edição, Almedina, pág. 794).
Não se detecta uma previsão legal expressa cominando de nulidade o acto praticado nas condições mencionadas.
Segundo jurisprudência deste STA, “a omissão de processo disciplinar no caso de a medida aplicada pela sua qualidade o exigir, gera, não a simples anulabilidade do acto punitivo, mas a inviabilidade absoluta do mesmo por inobservância da forma legalmente prescrita para a produção do acto” (Ac. de 8.10.1992, rec. 28146, respectivo Apêndice Diário da República, pág. 5383; também, Ac. de 6.3.90, rec. 25131).
A nulidade advém não da omissão de certas formalidades mas da preterição das formalidades (e actos), no seu conjunto, que formam um certo procedimento (processo, na linguagem da época) administrativo.
A jurisprudência citada surge perante casos de violação evidente de direitos fundamentais, em matéria disciplinar. Mas na sede em que colocámos o problema, que é o da natureza do vício, e não do tipo de formalidade que em concreto falhou, a solução há-de ser a mesma (e é, aliás, o que, embora não assim explicitado, também está na génese da consideração pela jurisprudência como constituindo princípio geral a nulidade de nomeação de funcionários sem concurso, nulidade que só se encontrava expressamente prevista para as deliberações dos órgãos autárquicos, no artigo 88.º do DL n.º 100/84, de 29 de Março - a ausência do procedimento de concurso afecta de nulidade o acto de nomeação, ainda que outro procedimento tenha havido).
A partir do momento em que se adopta um procedimento administrativo diverso daquele que se encontra especial e formalmente estabelecido pela lei, toda a actuação administrativa pode ser questionada, pois está inquinada pela raiz. Trata-se de uma afronta intolerável às regras estabelecidas pela ordem jurídica (...)
Podendo discutir-se se a falta de procedimento corresponde a absoluta falta de forma, ou se tal falta se caracteriza, genericamente, como carência de elemento essencial, o certo é que a nulidade por ausência do procedimento é sufragada por doutrina autorizada. Assim, MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA, PEDRO COSTA GONÇALVES, J. PACHECO DE AMORIM, “Código do Procedimento Administrativo, Comentado”, 2.ª edição, em anotação ao artigo 133.º
“XIII. A fórmula da nulidade dos «actos que careçam em absoluto de forma legal” – da alínea f) deste n.º 2 – é a tradicional é certo, mas algo inexpressiva (senão mesmo equívoca), precisando de ser esclarecida.
Pode, talvez, dizer-se que um acto administrativo praticado sem procedimento nos casos em que este, por lei ou por natureza, não está excluído – é um acto destes (...)”.
(...)
E DIMAS DE LACERDA (aliás, também relator do supra citado Ac. de 6.3.90):
“Se, porventura, violando-se o disposto no n.º 1 [do CPA] houver alteração da ordenação lógica, legal ou temporal, dos actos ou das formalidades, não estaremos perante um procedimento administrativo apenas irregular ou viciado, mas diante da sua inexistência, ou, de acordo com o disposto no art. 133.º, 1, do CPA, de um procedimento administrativo absolutamente nulo”, “ O procedimento administrativo constitui elemento essencial do acto administrativo de eficácia externa. Um acto deste tipo cometido sem procedimento administrativo, se verdadeiramente se pode dizer que existe um acto administrativo nessas condições, é nulo, nos termos, nos termos do disposto no art. 133/1 do CPA. Mas um acto administrativo de eficácia externa cometido num procedimento administrativo em que tenham sido praticadas simples violações das regras procedimentais é apenas anulável” (Revista de Direito Público, n.º 12, “Notas ao Código do Procedimento Administrativo”, nota 001.01.04 e nota de rodapé 16). ” (disponível em www.dgsi.pt).
No caso dos autos, ao socorrer-se da norma prevista no n.º 2 do artigo 4.º do DL n.º 81/99/M, foi preterido, no seu todo, o procedimento administrativo em que se culminou a decisão recorrida. Assim sendo, é forçoso concluir pela nulidade dessa mesma decisão, independentemente da qualificação jurídica concreta (a falta de elemento essencial do acto ou a falta absoluta de forma) que se possa fazer deste vício.
*
Pese embora a procedência do recurso nos termos acima expostos, a propósito do vício de falta de fundamentação assacado ao acto pelo digno Magistrado do Ministério Público, temos de referir, salvo o devido respeito, que não podemos acompanhar seu entendimento.
Pois, o acto administrativo em crise foi a proibição preventiva do exercício da actividade profissional, a qual se destina a prevenir ou eliminar os factos ou situações susceptíveis de pôr em risco ou causar prejuízos à saúde individual ou colectiva, nos termos do artigo 4.º, n.º 2 do DL n.º 81/99/M, não se alicerçando, como já referimos, na falta da habilitação profissional do Recorrente, como parece ser do entendimento do ilustre colega do Ministério Público.
Numa hipótese de se aceitar a aplicabilidade daquela norma, se se entender que a Administração tivesse sido habilitada a agir por aquela via, diríamos que a fundamentação externa veiculada por ofício n.º 249.OF.GIS_S.2020, datado de 3 de Junho de 2020 seria mais do que necessária, já que numa verdadeira actividade desprocedimentalizada como referida na dita norma do artigo 4.º, n.º 2 do DL n.º 81/99/M, a Autoridade Sanitária poderá estar dispensada de cumprir qualquer formalismo exigido para a prática do acto administrativo em termos normais, inclusivamente o próprio procedimento.
O que não é o nosso caso, como já vimos, o erro da Entidade recorrida consiste precisamente na tomada da decisão desprovida do procedimento administrativo, torna-se secundarizada assim a relevância do vício de falta de fundamentação, que deve ser por isso improcedido.
Tudo visto, deve-se julgar procedente o recurso contencioso, com a consequente declaração da nulidade do acto recorrido.
***
III. Decisão
Assim, pelo exposto, decide-se:
Julgar procedente o presente recurso contencioso, com a consequente declaração da nulidade do acto recorrido.
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Sem custas, por ser subjectivamente isenta a Entidade recorrida.
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Registe e notifique.
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Quid Juris?
Relativamente às questões suscitadas neste recurso, o Digno. Magistrado do MP junto deste TSI teceu as seguintes doutas considerações:
“1.
A, melhor identificado nos autos, interpôs recurso contencioso do acto praticado pela Autoridade Sanitária que decidiu proibir preventivamente a prestação de serviços médicos fora do âmbito do exercício da actividade de massagista para que se encontra autorizado.
Por douta sentença do Tribunal Administrativo foi o recurso contencioso julgado procedente, tendo sido declarada a nulidade do acto recorrido.
Inconformada com a dita sentença, veio a Autoridade Sanitária interpor o presente recurso jurisdicional, no qual imputa à douta sentença recorrida, em síntese:
• Nulidade prevista na alínea d) do n.º 1 do artigo 581.º do Código de Processo Civil (CPC), por ter conhecido de questão não suscitada pelo Recorrente contencioso;
• Errada interpretação e aplicação da norma do n.º 2 do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 81/99/M, de 15 de Novembro.
2.
2.1.
Ao contrário do que vem alegado pela Recorrente, parece-nos que a douta sentença recorrida não é nula.
De acordo com o artigo 571.º, n.º 1, alínea d) do CPC, é nula a sentença «quando o juiz conheça de questões de que não podia tomar conhecimento».
Diz a Recorrente que o Meritíssimo Juiz do Tribunal Administrativo apreciou a (in)aplicabilidade ao caso concreto da norma do artigo 4.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 81/99/M, de 15 de Novembro sem que essa questão tivesse sido colocada pelo Recorrente contencioso.
Cremos que não é, porém, assim.
Em primeiro lugar, importa salientar que na sentença se conheceu de um vício gerador da nulidade do acto recorrido, o qual é, portanto, como todos sabemos, de conhecimento oficioso (artigo 123.º, n.º 2 do Código do Procedimento Administrativo) o que, só por si, é suficiente para afastar a aplicação da norma da alínea d) do n.º 1 do artigo 571.º, do CPC, uma vez que, como parece óbvio, do respectivo âmbito estão afastadas as situações em que o tribunal conhece de questões que, embora não invocadas, são de conhecimento oficioso.
Depois, porque, em nosso modesto entender, também no contencioso administrativo, a vinculação do tribunal é aos factos articulados pelas partes e não às alegações das mesmas no que toca à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito, tal como decorre do disposto no artigo 567.º do CPC. Relativamente a estas actividades o tribunal dispõe de inteira liberdade, actuando, pois, oficiosamente (jura novit curia).
Ou seja, como salienta a boa doutrina, no recurso contencioso, «o juiz pode aplicar uma norma diferente daquela que por ele tenha sido erradamente indicada, desde que o recorrente tenha correctamente identificado a conduta como ilegal, por referência ao conteúdo material de uma norma efectivamente existente» (assim, MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, Sobre a Autoridade do Caso Julgado das Sentenças de Anulação de Actos Administrativos, Coimbra, 1994, p. 91).
No caso, o Recorrente contencioso, embora de forma deficiente, com todo o respeito o dizemos, não deixou de imputar ao acto recorrido o vício de violação da alínea do artigo 3.º e do n.º 2 do artigo 8.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA). Ou seja: identificou a conduta da Autoridade Sanitária que o proibiu de fornecer actividades médicas fora da área de massagista, de fornecer aos pacientes diagnóstico de doenças médicas e de prescrever medicamentos chineses, como uma conduta ilegal por referência, errada, é certo, a normas do CPA e isso bastará, estamos em crer, para abrir a porta à sindicância jurisdicional da legalidade de tal conduta sem que, nesse exercício fiscalizador, o tribunal tenha qualquer tipo de peia no que à indagação, interpretação e aplicação das normas jurídicas que considere relevantes diga respeito.
Eis porque, em nosso entender, não ocorre a invocada nulidade da douta sentença recorrida.
2.2.
Relativamente à questão atinente ao mérito do recurso, que é a de saber se a sentença recorrida sofre de erro de julgamento por, alegadamente, ter feito uma deficiente interpretação da norma do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 81/99/M, de 15 de Novembro, igualmente nos parece que a Recorrente não tem razão.
(i)
A questão pleiteada, embora não inteiramente idêntica à que foi objecto do douto acórdão proferido pelo Tribunal de Segunda Instância no processo com o n.º 638/2020, apresenta em relação a ela flagrantes similitudes.
Com efeito, também aqui se discute o âmbito de aplicação da referida norma legal contida no artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 81/99/M.
Essa norma tem o seguinte teor:
«1. Para o exercício das atribuições dos SSM respeitantes à prevenção da doença, são conferidos poderes de Autoridade Sanitária ao director e aos médicos dos SSM que, para o efeito, forem expressamente designados por despacho nominal do Governador, publicado no Boletim Oficial de Macau.
2. A Autoridade Sanitária a que alude o número anterior exerce a sua actividade sem dependência hierárquica e sem necessidade de processo prévio, administrativo ou judicial, podendo tomar as medidas indispensáveis à prevenção ou à eliminação de factores ou situações susceptíveis de pôr em risco ou causar prejuízos à saúde individual ou colectiva.
(…)».
Como já escrevemos no parecer que emitimos no processo n.º 638/2020 do Tribunal de Segunda Instância a propósito da interpretação da referida norma, parece-nos que «a disposição legal em apreço visa conferir à Autoridade Sanitária poderes de actuação expedita e célere que lhe permitam tomar determinadas medidas que, em concreto, se mostrem indispensáveis e adequadas à prevenção da doença, fora do modo normal de actuação administrativa, nomeadamente, porque a Autoridade Sanitária age sem dependência hierárquica e sem necessidade de observar qualquer procedimento administrativo.
Para nós, esta última nota é absolutamente essencial para caracterizar as medidas que a Autoridade Sanitária pode tomar no exercício das competências conferidas pela aludida norma legal. Na verdade, da norma do n.º 2 do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 81/99/M decorre muito claramente que a Autoridade Sanitária exerce a sua actividade «sem necessidade de processo prévio, administrativo ou judicial». É, pois, uma actividade desprocedimentalizada. Ora, é evidente que só se justifica que a lei atribua poderes à Administração para a prática desprocedimentalizada de actos que podem, eles próprios, ser gravosos para os direitos e interesses legalmente protegidos dos particulares afectados, se existir um perigo para a saúde individual ou colectiva de tal modo iminente que não se compadeça com a demora que é própria de um procedimento administrativo ou judicial. Alguns exemplos: o encerramento de uma escola por aí eclodir um surto de sarampo, o encerramento de um restaurante cujas instalações não garantem uma manipulação segura dos alimentos, colocando em risco a saúde dos seus clientes, o encerramento de uma fábrica que liberta produtos de elevada toxicidade. Nestas, como noutras situações concebíveis, a prevenção da doença e a protecção da saúde individual e colectiva impõem uma actuação imediata por parte da Autoridade Sanitária e daí que se justifique que a lei lhe atribua poderes para tomar medidas sem necessidade de procedimento.
Quer isto dizer que, se a medida a tomar ou o acto a praticar for compatível com a organização de um procedimento administrativo ou judicial, nesse caso, por definição, deixa de se justificar a intervenção da Autoridade Sanitária ao abrigo do referido artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 81/99/M que temos vindo a referir.
A citada norma confere poderes excepcionais e como é evidente deve ser usada excepcionalmente. Não pode servir de suporte à subversão das normas de competência desenhadas para o normal das situações como no caso aconteceu».
(ii)
Ora, se bem vemos, através do acto recorrido a Autoridade Sanitária não tomou qualquer medida destinada à prevenção da doença que possa enquadrar-se na previsão legal do n.º 2 do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 81/99/M. Praticou, antes, ao abrigo de norma de competência que é inaplicável como fundamento jurídico decisório à concreta situação fáctica que constituiu pressuposto da sua actuação, um acto que consistiu na proibição do exercício de determinadas actividades por parte do Recorrente contencioso, embora sob a invocação, que cremos infundada, de se tratar de uma medida destinada a prevenir riscos para a saúde pública.
O referido acto, no pressuposto da existência de norma legal que habilite, ainda que implicitamente, a Administração a actuar no sentido restritivo em que o fez, não pode, parece-nos evidente, deixar de ser praticado na sequência de um procedimento no qual possam ser asseguradas as garantias básicas do particular, nomeadamente a da respectiva participação.
Por isso, não paira no nosso espírito qualquer dúvida quanto ao acerto da decisão recorrida quando considerou que a norma contida artigo 4.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 81/99/M, única que foi invocada pela Administração para fundamentar o acto contenciosamente recorrido, não constitui a indispensável habilitação legal para a actuação que nos presentes autos foi submetida à fiscalização contenciosa.
(iii)
A conclusão intermédia que antecede projecta-se na validade do acto recorrido em dois planos.
Em primeiro lugar, a apontada inaplicabilidade da referida norma legal afecta o acto contenciosamente recorrido do vício de erro nos pressupostos de direito, o qual, como se sabe, é o vício do acto que se traduz, justamente, «na inadequação do regime jurídico e das normas jurídicas aplicadas pela Administração à base factual convocada» (assim, veja-se o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 16.03.2017, processo n.º 343/15, com versão integral disponível online em www.dgsi.pt).
Em segundo lugar, uma vez que o acto impugnado não encontra cobertura habilitante na norma do n.º 2 do artigo 4.º do Decreto-Lei 81/99/M, daí decorre que a actuação administrativa que antecedeu a respectiva prática não podia ser, como na verdade foi, totalmente desprocedimentalizada.
Ora, como bem se decidiu na douta sentença recorrida, um acto praticado sem procedimento, nos casos em que por lei ou por natureza, o mesmo não está excluído é um acto nulo, porque lhe falta, em absoluto, a forma legal se entendermos que esta abrange não só a forma do acto propriamente dito mas também o respectivo procedimento de formação (neste sentido, em anotação à alínea l) do artigo 161.º do novo CPA português que expressamente consagra como causa de nulidade dos actos administrativos a total preterição do procedimento legalmente exigido, que considera ser mera clarificação que não inovou relativamente ao regime anterior, veja-se JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE, in Comentários à Revisão do Código do Procedimento Administrativo, Coimbra, 2016, p. 324 e ainda MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA – PEDRO COSTA GONÇALVES – JOÃO PACHECO DE AMORIM, Código do Procedimento Administrativo, Comentado, 2.ª edição, Coimbra, 1998, p. 648) ou porque lhe falta um elemento essencial (aponta neste sentido, MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, Teoria Geral do Direito Administrativo, 3.ª edição, Coimbra, 2015, p. 271, nota 414).
Assim, ao declarar a nulidade do acto em razão da apontada falta de procedimento administrativo prévio à sua emissão, estamos modestamente em crer que a douta sentença recorrida não é merecedora de censura.
3.
Deve ser negado provimento ao presente recurso jurisdicional, mantendo-se, em consequência, a decisão recorrida.
É este, salvo melhor opinião, o parecer do Ministério Público.”
Subscrevemos esta douta argumentação, que é reproduzida para a fundamentação deste aresto e como tal é de negar provimento ao presente recurso, confirmando-se a decisão do TA ora posta em crise.
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Síntese conclusiva
I – Discute-se nestes autos o âmbito de aplicação da norma legal contida no artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 81/99/M, de 15 de Novembro, que visa conferir à Autoridade Sanitária poderes de actuação expedita e célere, permitando-lhe tomar determinadas medidas que, em concreto, se mostrem indispensáveis e adequadas à prevenção da doença, fora do modo normal de actuação administrativa, nomeadamente, porque a Autoridade Sanitária age sem dependência hierárquica e sem necessidade de observar qualquer procedimento administrativo.
II - Só se justifica que a lei atribua poderes à Administração para a prática desprocedimentalizada de actos que podem ser gravosos para os direitos e interesses legalmente protegidos dos particulares afectados, se existir um perigo para a saúde individual ou colectiva, de tal modo iminente que não se compadeça com a demora que é própria de um procedimento administrativo ou judicial, pois, a prevenção da doença e a protecção da saúde individual e colectiva impõem uma actuação imediata por parte da Autoridade Sanitária e daí que se justifique que a lei lhe atribua poderes para tomar medidas sem necessidade de procedimento.
III - No caso, através do acto recorrido a Autoridade Sanitária não tomou qualquer medida destinada à prevenção da doença que possa enquadrar-se na previsão legal do n.º 2 do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 81/99/M, tendo praticado, antes, ao abrigo de norma de competência que é inaplicável como fundamento jurídico decisório à concreta situação fáctica que constituiu pressuposto da sua actuação, um acto que consistiu na proibição do exercício de determinadas actividades por parte do Recorrente contencioso, embora sob a invocação, mas infundada, de se tratar de uma medida destinada a prevenir riscos para a saúde pública, norma jurídica esta, acima citada, que não constitui a indispensável habilitação legal para a actuação que nos presentes autos foi submetida à fiscalização contenciosa, o que constitui a razão bastante para manter a decisão recorrida do TA que declarou nula a decisão atacada.
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Tudo visto, resta decidir.
* * *
V - DECISÃO
Em face de todo o que fica exposto e justificado, os juízes do Tribunal de 2ª Instância negar provimento ao recurso, mantendo-se a sentença recorrida do TA.
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Sem custa por isenção subjectiva.
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Notifique e Registe.
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RAEM, 9 de Setembro de 2021.
Fong Man Chong
Ho Wai Neng
Tong Hio Fong
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Mai Man Ieng
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