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Processo n.º 126/2021
(Autos de recurso cível)

Data: 16/Setembro/2021

Recorrente:
- A, Limitada (ré)

Recorrido
- B (autor)


Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:

I) RELATÓRIO
Inconformada com a sentença que julgou parcialmente procedente a acção comum sob a forma ordinária intentada por B (doravante designado por “autor” ou “recorrido”) contra a sociedade A, Limitada (doravante designada por “ré” ou “recorrente”), recorreu a ré jurisdicionalmente para este TSI, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
     “a. O Tribunal a quo cometeu erro de julgamento na apreciação da prova e na aplicação do direito, pelo que a R. vem impugnar a decisão na parte em que anulou a deliberação tomada sobre o ponto 1 da ordem de trabalhos da assembleia geral da R. de 17 de Maio de 2019.
     b. A R., ora recorrente, entende que o A. não fez qualquer prova de que a R. tivesse um relatório de avaliação do prédio e que não lho tivesse facultado antes da assembleia geral de 17 de Maio de 2019, pelo que o Tribunal a quo não podia ter concluído que tivessem deixado de ser fornecidos ao A. os elementos de informação solicitados, e em consequência não devia a deliberação do ponto 1 da ordem de trabalhos ter sido anulada.
     c. O Tribunal a quo assumiu erradamente, pois não foi feita qualquer prova nesse sentido, que o relatório de avaliação do prédio existia – pelo menos, que existia antes da realização da assembleia geral de 17 de Maio de 2019.
     d. Na verdade, a R. sempre afirmou que não tinha na sua posse, antes da assembleia geral de 17 de Maio de 2019, qualquer relatório de avaliação do prédio, pelo que não tinha qualquer relatório que pudesse facultar ao A. antes dessa data. Para além de negar que tivesse esse relatório, não havia nem há qualquer outra forma de provar este facto negativo: que não tinha qualquer relatório de avaliação! Mas o Tribunal a quo, sem qualquer prova noutro sentido, entendeu diferentemente.
     e. O Tribunal a quo fez confusão e assumiu que o relatório de avaliação a que se faz referência no relatório da administração datado de 13 de Fevereiro de 2018 era o mesmo relatório facultado pela C Limitada ao Banco D para efeitos de hipoteca do prédio, quando o que se refere no relatório da administração é que será um relatório de avaliação a solicitar no futuro pela própria R. à C Limitada, quando o prédio estivesse construído e antes de se proceder à venda das fracções autónomas, para efeitos de determinar o preço e definir o plano de venda das fracções.
     f. A R. fez prova, e o Tribunal a quo aceitou-a para o primeiro relatório de avaliação que foi entregue pela C Limitada ao Banco D, que este era um relatório do banco e não da R., encomendado directamente pelo banco. Contudo, incompreensivelmente, o Tribunal a quo entendeu que a R. não provou que os relatórios posteriores para o D tinham obedecido ao mesmo critério – quando a razão de decidir era exactamente a mesma, para mais dado o texto do contrato de mútuo celebrado entre a R. e o D ser idêntico para as duas situações, sem qualquer prova contrária que pudesse permitir ao Tribunal a quo decidir de forma diferente para os demais casos.
     g. O Tribunal a quo não respondeu aos quesitos no sentido de considerar que a R. tinha um relatório de avaliação antes da assembleia geral de 19 de Maio de 2019. Contudo na sua decisão, partiu desse pressuposto, o que está errado e consubstancia erro na apreciação da prova.
     h. O Tribunal a quo fez uma aplicação errada das regras sobre ónus da prova constantes do art. 334º e seguintes do Código Civil, o que consubstancia erro de julgamento na aplicação do direito.
     i. Na verdade, o A., ora recorrido, alegou que existia um relatório de avaliação, e que este não lhe foi facultado. A R., ora recorrente, contrapôs que não tinha na sua posse qualquer relatório de avaliação, e que apenas pagou os relatórios pedidos pelo D para efeitos de hipoteca, mas que não tinha qualquer relatório na sua posse. Não é à R. que cabia fazer a prova de que não tinha o relatório (aliás, prova impossível, por ser um facto negativo), mas ao A. que cabia fazer a prova de que a R. teria esse relatório e que o não teria facultado, pois foi o A. que alegou a sua existência.
     Nestes termos, e nos melhores de Direito que Vossas Excelências doutamente suprirão, deve o recurso apresentado pela R. ser recebido e deferido, por provado, e em consequência, deve ser revogada a decisão do Tribunal a quo recorrida, e substituída por outra que não anule a deliberação sobre o ponto 1 da ordem de trabalhos tomada na assembleia geral da R. do dia 17 de Maio de 2019, antes absolvendo a R. desse pedido formulado pelo A., assim se fazendo a costumeira JUSTIÇA!”
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Ao recurso respondeu o autor, ora recorrido, pugnando pela negação de provimento ao recurso.
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II) FUNDAMENTAÇÃO
A sentença recorrida deu por assente a seguinte factualidade:
A Ré é uma sociedade comercial por quotas, registada na Conservatória do Registo Comercial e dos Bens Móveis sob o n.º7XX4(SO). (alínea A) dos factos assentes)
O Autor é sócio da Ré, na qual detém uma quota no valor nominal de MOP40.000,00. (alínea B) dos factos assentes)
São administradores da Ré E, também sócio, e F, não-sócia. (alínea C) dos factos assentes)
A quota do Autor e a quota do sócio-administrador E, no valor nominal de MOP60.000,00, compõem a totalidade do capital social da Ré. (alínea D) dos factos assentes)
A sociedade Ré dedica-se à construção e o seu único projecto actual é a construção de um edifício na Rua do XX, n.º XX, em Macau. (alínea E) dos factos assentes)
O edifício encontra-se na fase final de compleição, tendo sido já emitida a licença de utilização. (alínea F) dos factos assentes)
Em 30 de Abril de 2019, o Autor recebeu a convocatória para a realização de uma assembleia geral extraordinária da sociedade Ré, no dia 17 de Maio de 2019, com a seguinte agenda: (alínea G) dos factos assentes)
1. Discussão e deliberação sobre a venda de algumas fracções autónomas da obra da Rua do XX, n.º XX para a obtenção da quantia necessária a reembolsar o empréstimo solicitado ao banco D; e
2. Discussão e deliberação sobre a data da venda adiantada das fracções, escolha das fracções a vender, compradores das fracções e respectivo preço de venda, conforme cópia da convocatória que se junta a fls. 34 dos autos.
O relatório anual da administração referente ao ano de 2017, datado de 13 de Fevereiro de 2018, cuja cópia se junta a fls. 35 e 36 dos autos e se dá por integralmente reproduzido, consta, entre outros, o seguinte: (alínea H) dos factos assentes)
“本公司正在注視澳門房地產的發展狀況,並將於樓宇開售前委托G有限公司評估本公司樓宇項目的價值及銷售策劃,以決定開售價格。推薦D銀行為客戶貸款銀行。”
No dia 17 de Maio de 2019, a assembleia geral extraordinária da sociedade realizou-se à hora convocada, com a presença dos dois sócios e da administradora F. (alínea I) dos factos assentes)
O primeiro ponto da ordem de trabalho foi aprovado com o voto favorável do sócio-administrador E, que é titular de 60% do capital social. (alínea J) dos factos assentes)
Em 9 de Maio de 2019, o Autor enviou uma carta, que se junta a fls. 37 e verso, na qual solicitava uma cópia do relatório elaborado pela C Limitada que contém a avaliação do edifício referido em E) dos factos assentes, tendo o Autor nessa carta, feito expressa menção de que tal informação era essencial para a discussão e aprovação da ordem de trabalhos da assembleia geral convocada. (resposta ao quesito 1º da base instrutória)
Na assembleia geral, o Autor fez menção de que havia enviado duas cartas, uma das quais junto a fls. 37 e 37v, à Ré. (resposta ao quesito 2º da base instrutória)
Não tendo recebido qualquer resposta ao seu pedido, no próprio dia da reunião o Autor entregou cópias dessas cartas ao presidente da mesa da assembleia geral, solicitando, uma vez mais, a informação relativa aos dois pontos da agenda. (resposta ao quesito 3º da base instrutória)
Aberta a discussão sobre o primeiro ponto da ordem de trabalhos, o Autor solicitou, uma vez mais, informação sobre quais os preços a que a sociedade pretendia vender as fracções e pediu para ver o relatório elaborado pela C Limitada, de forma a poder decidir se queria vender as fracções e em que condições as mesmas deveriam ser vendidas. (resposta ao quesito 5º da base instrutória)
Procedeu-se à votação o primeiro ponto da ordem de trabalhos sem o pedido do Autor ser atendido. (resposta ao quesito 6º da base instrutória)
Por razões não apurado, não se procedeu à votação do segundo ponto da ordem de trabalho. (resposta ao quesito 9º da base instrutória)
O Autor foi signatário do contrato de empréstimo com o banco D, para que a Ré pudesse fazer a construção do prédio da Rua do XX, n.º XX, enquanto gerente da Ré e fiador da Ré. (resposta ao quesito 12º da base instrutória)
O Autor manteve-se como fiador da Ré até 31 de Março de 2019. (resposta ao quesito 13º da base instrutória)
A avaliação do prédio exigido no contrato de empréstimo era anual. (resposta ao quesito 14º da base instrutória)
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No presente recurso, a recorrente alega que o tribunal recorrido cometeu erro de julgamento na apreciação da prova e na aplicação do direito, com o argumento de que o autor não fez qualquer prova de que a ré tivesse um relatório de avaliação do imóvel e que não lho tivesse facultado antes da assembleia geral marcada para o dia 17.5.2019, entendendo desta forma que não se podia ter concluído que a ré se recusou a fornecer ao autor os elementos por ele solicitados, não devendo, em consequência, ser anulada a deliberação do primeiro ponto da ordem de trabalhos.
Salvo o devido e mui respeito, somos a entender que os factos dados como provados pelo tribunal recorrido não permitem demonstrar e concluir que a ré se recusou a facultar ao autor a informação por este solicitada. Senão vejamos.
Entende o tribunal recorrido que, não tendo a ré disponibilizado ao autor o relatório de avaliação do imóvel a fim de se preparar para a votação, a deliberação tomada sobre o primeiro ponto da ordem de trabalhos viola o disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 229.º do Código Comercial, daí que foi declarada a anulação dessa deliberação.
A decisão recorrida fundamentou-se no facto de que a ré, presumindo-se (judicialmente) ter encomendado tal avaliação, não disponibilizou ao autor aquele elemento informativo, violando desta forma o direito à informação que lhe assistia, ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 229.º do Código Comercial.
Dispõe aquele preceitou legal o seguinte:
“São anuláveis as deliberações dos sócios: que não tenham sido precedidas do fornecimento ao sócio dos elementos de informação que tenha solicitado e a que legal ou estatutariamente tenha direito.”
Resulta da matéria de facto provada o seguinte: aberta a discussão sobre o primento ponto da ordem de trabalhos, o autor solicitou informação sobre quais os preços que a sociedade pretendia vender as fracções e pediu à ré para ver o relatório elaborado pela C Limitada, de forma a poder decidir se queria vender as fracções e em que condições as mesmas deveriam ser vendidas, tendo ficado provado que o pedido do autor não foi atendido. Apurou-se ainda que conforme o previsto no relatório anual da administração referente ao ano de 2017, a ré tencionava contratar a C Limitada para proceder à avaliação do imóvel, com vista a determinar os preços de venda das fracções autónomas. Mais se provou que entre a ré e o Banco D foi celebrado um contrato de empréstimo, com vista a obtenção de fundos para poder fazer a construção do prédio, sendo o autor o signatário do respectivo contrato, enquanto gerente e fiador da ré. Mais exigia o contrato que a ré apresentasse ao Banco anualmente relatório de avaliação do imóvel.
Ora bem, face à factualidade acima descrita, ao contrário do decidido pelo tribunal recorrido, não descortinamos assistir razão ao autor, pelos seguintes fundamentos.
Dúvidas não restam de que a ré já reconheceu na sua contestação que não facultou ao autor qualquer relatório de avaliação do imóvel, e reconheceu porque não o tinha.
O facto de constar no relatório anual da administração referente ao ano de 2017 que a ré tencionava contratar a C Limitada para proceder à avaliação do imóvel, não significa que esta avaliação foi elaborada. Uma coisa é ter intenção de contratar uma companhia para proceder à avaliação, outra é ter efectivamente contratado alguém para efectuar a avaliação e obtido o respectivo relatório.
Na medida em que o autor não logrou demonstrar que a ré procedeu à contratação da C Limitada para proceder à avaliação do imóvel, não se pode afirmar que esta tinha na sua posse o relatório de avaliação aludido nos autos e que recusou o seu fornecimento ao autor.
E não obstante se encontrar provado que entre a ré e o Banco D foi celebrado um contrato de empréstimo, a verdade é que, nos termos da alínea b) da claúsula 14.1 e da alínea a) da claúsula 16.2 desse contrato, a avaliação anual do imóvel servia o propósito de permitir ao Banco D apreciar o pedido de financiamento da ré, bem como a manutenção desse financiamento, e não se vislumbra, por insuficiência de matéria de facto, ser um relatório para efeitos de determinação do preço e a definição do plano de venda das fracções autónomas construídas.
Isto posto, uma vez que não tendo o autor alegado, muito menos provado, que a ré tinha na sua posse o suposto relatório de avaliação para efeitos de determinação do preço e a definição do plano de venda das fracções autónomas construídas, sendo apenas, na verdade, meros relatórios destinados para obtenção e manutenção de financiamento concedido pelo Banco D (os quais foram presumivelmente entregues ao Banco), somos a entender que a ré não tinha a obrigação de facultar ao autor aquilo que não tinha na sua posse.
Procedem, pois, as razões aduzidas pela ré recorrente.
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III) DECISÃO
Face ao exposto, acordam em conceder provimento ao recurso interposto pela ré A, Limitada, revogando a sentença recorrida e, em consequência, julgar improcedentes os pedidos formulados pelo autor B.
Custas pelo autor, em ambas as instâncias.
Registe e notifique.
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RAEM, aos 16 de Setembro de 2021

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Tong Hio Fong
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Rui Carlos dos Santos P. Ribeiro
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Lai Kin Hong




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