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Processo nº 554/2021
(Autos de Recurso Civil e Laboral)

Data: 23 de Setembro de 2021
Recorrentes: A (Autor)
B, S.A. (1ª Ré)
Recorridos: Os Mesmos
C, S.A. (2ª Ré)

ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:

I - RELATÓRIO
Por despacho-saneador de 11/09/2020, julgou-se improcedente a excepção por prescrição invocada pelas Rés B, S.A. e C, S.A..
Dessa decisão vem recorrer a 1ª Ré B, S.A., alegando, em sede de conclusões, os seguintes:
1. Vem o presente recurso interposto do douto Despacho proferido a fls. 159 a 165 dos autos.
2. A Ré, ora Recorrente, não se conforma com o aludido Despacho, por entender que o mesmo incorre em erro na aplicação de Direito, pugnando pela revogação do mesmo por banda desse Venerando Tribunal de Segunda Instância da RAEM.
3. Em 27/05/2020, o Autor, ora Recorrido, intentou contra a aqui Recorrente e a C a presente acção de processo comum do trabalho, peticionando a condenação da 1ª Ré B no pagamento de uma indemnização global de MOP$75,962.50, e da 2ª Ré C no valor global de MOP$866,299.50, a título de créditos laborais emergentes das relações laborais do Autor com as Rés, alegando para tanto, entre outros factos, que o Autor prestou serviço à 1ª Ré B, ora Recorrente de 15 de Abril de 2002 a 21 de Julho de 2003, e prestou serviço à 2ª Ré C desde 22 de Julho de 2003 até ao presente.
4. Em sede de contestação, a Ré aduziu uma defesa por excepção, arguindo a prescrição dos créditos laborais reclamados pelo Autor emergentes da relação laboral com a 1ª Ré B, nos termos do disposto nos artigos 311, n.º 1, alínea c) e 315.º, n.º 1, ambos do Código Civil.
5. O Autor apresentou resposta, alegando, em suma, que os créditos reclamados pelo Autor não se encontram prescritos.
6. O Meritíssimo Juiz, por douto Despacho de fls. 159 a 165 dos autos, o Despacho ora recorrido, concordou com o teor da resposta do Autor e decidiu julgar improcedente a excepção peremptória da prescrição.
7. Verificou-se uma efectiva cessação - termo - do contrato de trabalho, isto é, a relação laboral entre Autor e 1ª Ré iniciou-se a 15 de Abril de 2002 e terminou a 21 de Julho de 2003, o que conduz à prescrição dos créditos laborais emergentes da relação laboral subjacente a esse contrato de trabalho, nos termos do disposto no artigo 27.º, n.º 3 do CPT, e artigos 302.º, 311.º, n.º 1, alínea c) e 315.º, n.º 1, todos do CC.
8. A 1ª e a 2ª Rés, são pessoas jurídicas distintas, como são distintas, as relações laborais estabelecidas entre aquelas e o Autor, ora Recorrido.
9. O Autor formula pedidos distintos contra cada uma das Rés, exercendo direitos autónomos e independentes.
10. O Autor não manteve com a 2ª Ré a relação de trabalho que tinha com a 1ª Ré, ora Recorrente, isto é, não trabalhava sob a égide de uma só relação de trabalho.
11. Consta expressamente do Despacho n.º 01949/SEF/2003, proferido pelo Exmo. Senhor Secretário para a Economia e Finanças: "Cancelo, nos termos do n.º 10 do mesmo Despacho, as autorizações anteriormente concedidas ao CASINO XXX - B. para a contratação de 280 (duzentos e oitenta) trabalhadores não residentes, bem como os respectivos contratos de prestação de serviços".
12. Por força do Despacho n.º 01949/SEF/2003 foi autorizada a transferência das autorizações anteriormente concedidas à 1ª Ré B, ora Recorrente, para a contratação dos 280 trabalhadores não residentes, como ainda foram as mesmas canceladas, impondo-se a celebração, por banda da nova entidade patronal, qual seja a 2ª Ré C, de novos contratos de prestação de serviços, ex novo.
13. No presente caso verificou-se o efectivo termo da relação laboral entre Autor e 1ª Ré B.
14. A decisão constante do douto Despacho proferido a 159 a 165 dos autos, isto é, a decisão de julgar improcedente a excepção peremptória da prescrição invocada pela ora Recorrente, deverá ser revogada, por violação do disposto nos artigos 311, n.º 1, alínea c) e 315.º, n.º 1, ambos do CC, declarando-se em conformidade prescritos os créditos reclamados pelo Autor desde o início da relação laboral com a 1ª Ré de 15 de Abril de 2002 a 21 de Julho de 2003, uma vez, que a data da notificação da 1ª Ré para a tentativa de conciliação foi em 15 de Junho de 2020, estando assim prescritos os créditos laborais relativamente à Recorrente até 15/06/2005.
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O Autor A respondeu à motivação do recurso da 1ª Ré, nos termos constantes a fls. 190 a 196, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, pugnando pela improcedência do mesmo.
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Por sentença de 02/02/2021, julgou-se a acção parcialmente procedente e, em consequência, condenou-se as Rés B, S.A. e C, S.A. a pagar ao Autor a quantia de MOP$67,835.16 e MOP$384,012.29, respectivamente, acrescida de juros moratórios à taxa legal.
Dessa decisão vêm recorreram o Autor e a 1ª Ré, alegando, em sede de conclusões, os seguintes:
Do Autor:
1. Versa o presente recurso sobre a douta Sentença na parte relativa à condenação da Recorrente na atribuição de uma compensação devida ao Autor pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal e, bem assim, pelo trabalho prestado em dias de feriado obrigatório remunerado, na medida em que as concretas fórmulas de cálculo utilizadas na Decisão Recorrida se mostram em oposição às que têm vindo a ser seguidas pelo Tribunal de Segunda Instância;
2. Impõe-se, ainda, apreciar a interpretação e aplicação que o Tribunal a quo levou a cabo a respeito do n.º 2 do art. 42.º da Lei n.º 7/2008, e que conduziu à condenação da Recorrida numa quantia muito inferior à reclamada pelo Autor em sede de Petição Inicial;
3. Pelas razões que adiante melhor se expõem, está o Recorrente em crer que a douta Sentença enferma de um erro de aplicação de direito quanto à concreta forma de cálculo devido pela prestação de trabalho em dia de descanso semanal e pelo trabalho prestado em dias de feriado obrigatório remunerado e, deste modo, se mostra em violação ao disposto nos artigos 17.º, 19.º e 20.º do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril e n.º 2 do art. 42.º da Lei n.º 7/2008, razão pela qual se impõe que a mesma seja substituída por outra que decida em conformidade com a melhor interpretação a conferir aos referidos preceitos.
Em concreto,
4. Entendeu o Tribunal a quo ser de sufragar o entendimento seguido pelo Tribunal de Última Instância e, em consequência, condenar a Ré a pagar ao Autor apenas ao correspondente ao valor de um salário em singelo no que respeita ao trabalho prestado em dia de descanso semanal durante todo o período da relação laboral, a liquidar em execução de sentença;
5. Porém, salvo melhor opinião, ao proceder à condenação da Ré apenas em singelo, o Tribunal a quo terá procedido a uma interpretação menos correcta do disposto na al. a) do n.º 6 do art. 17.º do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril, pelo que a decisão deve ser julgada nula e substituída por outra que condene a Ré em conformidade com o disposto na referida Lei Laboral;
6. Com efeito, resulta do referido preceito que o trabalho prestado em dia de descanso semanal deverá ser remunerado pelo dobro do salário normal, entendido enquanto duas vezes a retribuição normal por cada dia de trabalho prestado em dia de descanso semanal, para além do valor relativo ao próprio dia de trabalho prestado;
7. Trata-se, de resto, da interpretação que tem vindo a ser seguida de forma uniforme pelo Tribunal de Segunda Instância, onde se entende que a fórmula correcta para compensar o trabalho prestado em dia de descanso semanal deverá ser a seguinte: (salário diário X n.º de dias devidos e não gozados X 2);
8. In casu, resulta da matéria de facto provada que:
a. Entre 22/07/2003 a 31/12/2008 - descontados os períodos em que o Autor esteve ausente de Macau - a Ré (C) não fixou ao Autor em cada período de sete dias, um período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas (Cfr. quesito 34.º);
b. Entre 22/07/2003 a 31/12/2008 a Ré (C) nunca pagou ao Autor qualquer acréscimo salarial pelo trabalho prestado em cada um dos sétimos dias, após a prestação de seis dias de trabalho consecutivo (Cfr. quesito 35);
c. Entre 22/07/2003 a 31/12/2008 - o Autor prestou trabalho a cada um dos sétimos dias que seguiram a seis dias de trabalho consecutivo prestado, sem prejuízo da resposta aos quesitos 9.º a 13.º (Cfr. quesito 36.º);
9. Assim, retira-se da matéria assente que entre 22/07/2003 a 31/12/2008 (descontados os períodos de férias anuais e de dispensas ao trabalho em que o Autor se deslocou para o exterior da RAEM) o Autor prestou para a Ré um total de 1860 dias de trabalho, a que corresponde a prestação pelo Autor de 266 dias de trabalho em dia de descanso semanal (1860 dias/7dias):
10. De onde, deve a Recorrida ser condenada a pagar ao Recorrente a quantia de MOP$136.990,00, correspondente a: (266 dias X Mop$250,00 X 1.03 X 2), e não só de apenas Mop$68.495,00 conforme parece resultar da douta Sentença ora posta em crise, acrescida de juros até efectivo e integral pagamento o que desde já e para todos os legais efeitos se requer;
Ao que acresce que,
11. Resulta da matéria de facto assente que:
Entre 01/01/2009 a 31/12/2019 - descontados os períodos em que o Autor esteve ausente de Macau - a Ré (C) não fixou ao Autor um período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas em cada semana (leia-se, em cada período de sete dias) (Cfr. quesito 38.º);
Entre 01/01/2009 a 31/12/2019 a Ré (C) nunca pagou ao Autor uma qualquer quantia pelo trabalho prestado ao sétimo dia, após a prestação de seis dias consecutivos de trabalho (Cfr. quesito 40.º);
Entre 01/01/2009 a 31/12/2019 - o Autor prestou trabalho a cada um dos sétimos dias que seguiram a seis dias de trabalho consecutivo prestado, sem prejuízo da resposta aos quesitos 9.º a 13.º (Cfr. quesito 41.º).
12. De onde se retira que entre 01/01/2009 a 31/12/2019 - descontado os períodos de ausência - o Autor prestou para a Ré 3741 dias de trabalho, correspondente a: (2230 dias entre 01/01/2009 a 20/07/2015, acrescido de 1030 dias entre a última data e 21/07/2018, acrescido de 1015 dias entre a última data e 21/07/2018, acrescido de 481 dias entre a última data e 31/12/2019), o que corresponde à prestação pelo Autor de 534 dias de trabalho a cada um dos sétimos dias que seguiram a seis de trabalho consecutivo prestado.
13. Assim, deve a Recorrida ser condenada a pagar ao Recorrente a quantia de MOP$140.646,27 - correspondente a [(2230 dias/7 dias X Mop$7.500/30) + (1030 dias/7 dias X Mop$7.785/30) +(481 dias/7 dias X Mop$10.000/30)] - e não só de apenas Mop$44.490,16 conforme parece resultar da Sentença (que, nesta parte, salvo o devido respeito, não prima pela clareza), o que desde já e para os legais efeitos se requer.;
14. Não obstante a referida matéria de facto provada, aquando do apuramento do valor que o Autor tinha a receber relativamente ao trabalho prestado em dia de descanso semanal entre o período de 01/01/2009 a 31/12/2019, entendeu o tribunal a quo seguir o seguinte raciocínio: dividiu o número dos dias de trabalho prestados pelo Autor e descontou os dias em que o Autor havia descansado ao 8.º dia, após a prestação de sete dias de trabalho consecutivos, apurando que o Autor terá direito a auferir a diferença entre os dois;
15. Ora, salvo o devido respeito, está o ora Recorrente em crer existir um erro de julgamento traduzido, entre outro, no facto de se acreditar que a douta Decisão não ter factos para se poder chegar a tal resultado, nem os mesmos constavam da Base Instrutória;
16. Ou melhor, o que impunha apurar era os dias de trabalho em que o Autor prestou trabalho para a Ré em cada 7.º dia, após 6 dias consecutivos de trabalho e não apurar a diferença entre o trabalho prestado ao 7.º dia com os dias de não trabalho que o Autor gozou no 8.º dia após 7 dias de trabalho consecutivo, e consequentemente nada havia a descontar aquando do apuramento do montante indemnizatório, a tal respeito;
17. Ao não entender assim, está o Recorrente em crer ter existido uma errada aplicação da norma em questão (leia-se, do art. 43.º da Lei n.º 7/2008) pelo Tribunal de Primeira Instância, o que em caso algum poderá deixar de conduzir, nesta parte, à nulidade da decisão recorrida, o que desde já e para os legais e devidos efeitos se invoca e requer.
Por último,
18. Entendeu o douto Tribunal a quo que na determinação da quantia devida pelas Rés ao Autor a título de trabalho prestado nos dias de feriados obrigatórios o Autor terá direito a receber das Rés as compensações compostas pela remuneração em singelo, acrescida do dobro dessa remuneração;
19. Ora, tendo o Tribunal a quo explicitado que pelo dobro da retribuição se deve entender o equivalente a mais um dia de salário em singelo (nos termos que têm vindo a ser seguidos pelo TUI nos Acs. 28/2007, 29/2007, 58/2007 e 40/2009) tal significa que, neste particular, a douta Sentença igualmente se afasta do entendimento que tem vindo a ser sufragado pelo Tribunal de Segunda Instância - nos termos do qual se entende que a fórmula mais correcta de interpretar o referido preceito será conceder ao Autor, ora Recorrente, um "acréscimo salarial nunca inferior ao dobro da retribuição normal, para além naturalmente da retribuição a que tem direito" - o que equivale matematicamente ao triplo da retribuição normal - e não somente o dobro da retribuição normal como parece ter decidido o Tribunal Judicial de Base;
20. Em concreto, resultando provado que durante o período da relação laboral o Recorrente prestou trabalho para a Recorrida durante 31 dias de feriados obrigatórios, deve a Recorrida ser condenada a pagar ao Recorrente a quantia de MOP$23.947,50 a título do triplo do salário - e não só apenas de MOP$15.965,00 conforme resulta da decisão ora posta em crise - acrescida de juros até efectivo e integral pagamento o que desde já e para todos os legais efeitos se requer;
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A 2ª Ré respondeu à motivação do recurso do Autor, nos termos constantes a fls. 458 a 472, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, pugnando pela improcedência do mesmo.
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Da 1ª Ré:
1. Nos presentes autos, a ora Recorrente recorreu do despacho saneador de fls. 398-406, por não se conformar com a decisão ali proferida de julgar improcedente a alegada excepção de prescrição dos créditos laborais contra si reclamados pelo Autor, ora Recorrente, por entender que a relação laboral entre a Recorrente e o Autor cessou há mais de 15 anos, pois o Autor, ora Recorrido, esteve ao serviço da B (1ª Ré / ora Recorrente) entre 15/04/2002 a 21/07/2003, sendo que só em 01/04/2019 veio o Autor reclamar os seus créditos, portanto há mais de 15 anos, salvo o devido respeito, entende a Recorrente que todos os créditos em que foi condenada a pagar ao Autor/Recorrido encontram-se prescritos.
2. Vem o presente recurso interposto da sentença proferida pelo douto Tribunal Judicial de Base que julgou a acção parcialmente procedente e condenou a 1ª Ré B, ora Recorrente, no pagamento de uma indemnização no valor global MOP$67,835.16, acrescida de juros moratórios à taxa legal a contar do trânsito em julgado da sentença.
3. A ora Recorrente vem impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto, nomeadamente quanto à matéria inserta na base instrutória, nomeadamente referente aos artigos 9º, 10º e 13º, porquanto da prova produzida em sede de julgamento nunca poderiam os quesitos levados à base instrutória ter sido provados, salvo devido respeito por opinião contrária, incorrectamente julgada pelo douto Tribunal a quo.
4. Também no plano do Direito aplicável ao caso concreto, a sentença proferida a final nunca poderia ter decidido como decidiu em violação e incorrecta aplicação das normas jurídicas que lhe servem de fundamento, estando em crer que a decisão assim proferida pelo douto Tribunal de Primeira Instância padece do vicio de erro de julgamento.
5. Entendeu o Digno Tribunal a quo manter os quesitos 9º, 10º e 13º da base instrutória poderia ter sido dados como provados, porquanto dos autos não resultam prova de tais factos.
6. A Recorrente alegou desconhecer a sobredita factualidade mas acrescentou que tal resultava da falta de documentos que não possuía por não estar obrigada a conservar documentos respeitantes ao Autor e à vida da Sociedade pela facto da sua relação laboral ter terminado há mais de 17 anos (21/07/2003), não estando a Recorrente, legalmente obrigada a conservar os documentos referentes ao Autor, não se vislumbra norma substantiva ou adjectiva que obrigasse a considerar como provada a sobredita matéria vertida nos artigos 9º, 10º e 13º com as demais consequências legais.
7. Entende a Recorrente que também a matéria vertida no questionário foi, salvo devido respeito, incorrectamente julgada pelo Tribunal a quo, pois da prova produzida em sede de julgamento, a resposta aos quesitos teria necessariamente de ser diferente, pelo que estamos perante um claro erro de julgamento.
8. A verdade é que é entendimento da Recorrente que tal erro de julgamento se verifica na situação dos autos, e que o vício apontado à decisão recorrida resulta dos próprios elementos constantes dos autos, por si só ou com recurso às regras da experiência comum.
9. Nos presentes autos foi ouvida apenas uma única testemunha sobre esta matéria, a qual depôs sobre os factos em discussão não apenas nos presentes autos mas também nos demais processos que foram julgados no mesmo dia, sendo esse depoimento feito sempre no plural, sem concretizar a situação do ora Recorrido, ou seja, foi um depoimento genérico sem ter conseguido concretizar se em relação ao Autor as coisas se passavam como se haviam passando em relação a si mesma, pois tal depoimento mais parecia um depoimento de parte, não podendo deixar de se estranhar que a testemunha consiga com certeza dizer as datas de início e termo e os locais de trabalho, salários, horários, turnos, dos Autores cujos julgamentos tiveram lugar no dia 23 de Novembro de 2020, além desta mesma testemunha ser a mesma para diversos outros julgamentos.
10. Para a prova da factualidade alegada pelo Autor deu o douto Tribunal a quo ainda relevância aos documentos juntos aos autos, dos quais nada resulta quanto aos turnos, às presenças e ausências do Recorrido, e às compensações que alegadamente não recebeu, tendo por base unicamente no depoimento da testemunha, nunca poderia o Tribunal a quo ter dado por provado que o Autor não recebeu os subsídios a que alega ter direito, ou que nunca faltou sem conhecimento e autorização da Ré, ou que aquele nunca gozou dias de descanso semanal, ou se trabalhou em feriados obrigatórios ou se, prestou trabalho extraordinário, isto quanto passaram já mais de 17 anos sobre o termo da relação laboral, tanto mais que o próprio Autor ora afirma que não teve nenhum descanso ora afirma que gozou de dias de férias anuais por cada ano civil e de dias de dispensa ao trabalho não remunerados (cfr. artigo 21º da petição inicial) reconhecendo que faltou ainda que justificadamente e que teve dispensas ao serviço, pois no seu articulado o autor afirma que gozou de períodos de ausência ao trabalho, vindo agora a testemunha dizer que o mesmo trabalhou continuamente.
11. Não se pode aceitar o alegado pelo Autor relativamente às ausências e trabalho efectivo para a 1ª Ré (B) referente aos artigos 21º a 23º da petição inicial, porquanto da listagem de movimentos de entradas e saídas dos Postos Fronteiriços anexa como documento 9 junto ao petitório resulta que as informações fornecidas foram baseadas nos Passaportes do Nepal números 1185032, 2099278, 06379431 e 11102297, informação que foi fornecida pelo Autor aos Serviços de Migração, mas não poderá comprovar que o mesmo não se tivesse ausentado da RAEM com base em qualquer outro documento, mas ainda que se entenda que o Autor apenas se ausentou da RAEM nos períodos descritos no documento 9 supra referido, não significa que os restantes dias tenham sido de trabalho efectivo.
12. Se o Autor alega ter faltado ao serviço por gozo de férias anuais e por dispensas de trabalho não remuneradas, pergunta-se então quantos foram esses dias de faltas e quando ocorreram essas faltas? Não se sabe se durante o tempo que prestou trabalho para a Ré o Autor deu, ou não deu, qualquer falta ao serviço.
13. Entende a Recorrente com todo o respeito devido, que é necessário apurar os dias concretos de trabalho e os dias de ausência ao trabalho do Autor para se poder determinar as diferentes compensações, pois do registo de entradas e saídas do Autor da RAEM não resulta que o mesmo tenha trabalhado efectivamente 439 dias para a Ré, complementando somente pelo depoimento da única testemunha ouvida em julgamento, pois tal depoimento é genérico, sem que tivesse a testemunha conseguido concretizar se em relação ao Autor as coisas se passavam como se haviam passando em relação a si mesma.
14. Após reapreciação da prova efectuada em juízo por parte desse Venerando Tribunal da Segunda Instância deverá ser proferido douto Acórdão que julgue procedente o invocado vício de erro de julgamento ao dar por provados todos os quesitos da douta Base Instrutória, os quais serão de dar por não provados, relativamente à ora Recorrente e consequentemente ser a Recorrente absolvida dos pedidos por total ausência de prova.
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O Autor respondeu à motivação do recurso da 1ª Ré, nos termos constantes a fls. 449 a 456, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, pugnando pela improcedência do mesmo.
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Foram colhidos os vistos legais.
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II - FACTOS
Vêm provados os seguintes factos pelo Tribunal a quo:
­ O Autor foi recrutado pela D, Lda. para exercer funções de “guarda de segurança” para a B, ao abrigo do Contrato de Prestação de Serviços n.º 1/2002, aprovado pelo Despacho n.º 00310/IMO/SEF/2002, de 22/02/2002. (Cfr. fls. 34 a 39, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido). (A)
­ Entre 15/04/2002 a 21/07/2003, o Autor esteve ao serviço da Ré (B), prestando funções de “guarda de segurança”, enquanto trabalhador não residente. (Cfr. fls. 40, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido). (B)
­ Por força do Despacho n.º 01949/IMO/SEF/2003, do Senhor Secretário para a Economia e Finanças da RAEM, de 17/07/2003, foi autorizada a transferência das autorizações concedidas para a contratação do Autor (e dos demais 280 trabalhadores não residentes) por parte da B para a Ré (C), com efeitos a partir de 22/07/2003. (Cfr. fls. 41 a 43, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido). (C)
­ Desde 22/07/2003 até ao presente o Autor presta trabalho para a Ré (C). (D)
­ Entre 22/07/2003 e 31/07/2010, o Autor exerceu as suas funções para a Ré (C), do Contrato de Prestação de Serviços n.º 1/2002. (E)
­ Entre 01/08/2010 a 31/07/2011, o Autor exerceu a sua actividade profissional para a Ré (C) ao abrigo do Despacho n.º 06279/IMO/GRH/2010 (Cfr. fls. 44, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido). (F)
­ Entre 01/08/2011 a 31/07/2012, o Autor exerceu a sua actividade profissional para a Ré (C) ao abrigo do Despacho n.º 06743/IMO/GRH/2011 (Cfr. fls. 45, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido). (G)
­ Entre 01/08/2012 a 31/07/2013, o Autor exerceu a sua actividade profissional para a Ré (C) ao abrigo do Despacho n.º 11206/IMO/GRH/2012 (Cfr. fls. 46, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido). (H)
­ Entre 18/07/2013 a 20/07/2014, o Autor exerceu a sua actividade profissional para a Ré (C) ao abrigo do Despacho n.º 14932/IMO/GRH/2013 (Cfr. fls. 47, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido). (I)
­ Entre 21/07/2014 a 20/07/2015, o Autor exerceu a sua actividade profissional para a Ré (C) ao abrigo do Despacho n.º 16331/IMO/GRH/2014 (Cfr. fls. 48, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido). (J)
­ Entre 15/04/2002 a 21/07/2003 a Ré (B) pagou ao Autor a quantia de HK$7.500,00, a título de salário de base mensal. (K)
­ E entre 22/07/2003 a 31/07/2010 a Ré (C) pagou ao Autor a quantia de HK$7.500,00, a título de salário de base mensal. (L)
­ E entre 01/08/2010 a 20/07/2015 a Ré (C) pagou ao Autor a quantia de MOP$7.500,00, a título de salário de base mensal. (M)
­ Entre 21/07/2015 a 20/07/2018, a Ré pagou ao Autor a quantia de MOP$7.785,00, a título de salário de base mensal. (N)
­ Entre 21/07/2018 a 31/12/2019, a Ré pagou ao Autor a quantia de MOP$10.000,00, a título de salário de base mensal. (O)
­ Resulta do ponto 3.4. do Contrato de Prestação de Serviços n.º 1/2002 ao abrigo do qual o Autor foi autorizado a prestar trabalho para as Rés até 31/07/2010, ser devido ao Autor (e aos demais trabalhadores não residentes com ele contratados) “(…) um subsídio mensal de efectividade igual ao salário de 4 dias, sempre que no mês anterior não tenha dado qualquer falta ao serviço”. (P)
­ Aquando da contratação do Autor no Nepal, foi garantido ao Autor (e aos demais trabalhadores não residentes de origem Nepalesa) alojamento gratuito em Macau. (Q)
­ Resulta do Contratos de Prestação de Serviço ao abrigo do qual o Autor prestou trabalho para a Ré que: “(…) decorridos os primeiros 30 dias de prestação de trabalho por parte do trabalhador (leia-se o Autor), este terá direito, para além da remuneração supra referida, às bonificações ou remunerações adicionais que a 1.º outorgante (leia-se, a Ré) paga aos operários residentes no Território”. (R)
­ Na cláusula I. da Declaração de Participação no Regime Distributivo de Gorjeta, onde se lê:
““茶錢”是由賭場顧客自願賞賜,並非公司向僱員提供之收入,顧客賞賜與否,並非公司之責任,而公司亦不存在任何繳付之責任。” (Cfr. fls. 55 a 56, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido). (S)
­ Na cláusula VI. da Declaração de Participação no Regime Distributivo de Gorjeta, onde se lê:
­ “由於“茶錢”為賭場顧客的自由賞賜,故明確接受在法例規定之假期(例如:強制性假期、週假、其他假期等)工作,可按法例獲得底薪之額外補償,但“茶錢”則不獲額外補償,即在上述日子工作,僱員只可以獲得像平常工作日“茶錢”。”(Cfr. fls. 55 a 56, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido). (T)
­ Desde 22/07/2003 até ao presente, o Autor presta trabalho para a Ré (C) nos mesmos casinos, com os mesmos colegas e respeitando as ordens dos mesmos superiores hierárquicos que prestavam trabalho com o Autor para a Ré (B). (1º)
­ Entre 21/07/2015 a 20/07/2016, o Autor exerceu a sua actividade profissional para a Ré (C) ao abrigo do Despacho n.º 21493/IMO/GRH/2015. (2º)
­ Entre 21/07/2016 a 20/07/2017, o Autor exerceu a sua actividade profissional para a Ré (C) ao abrigo do Despacho n.º 20355/IMO/GRH/2016. (3º)
­ Entre 21/07/2017 a 20/07/2018, o Autor exerceu a sua actividade profissional para a Ré (C) ao abrigo do Despacho n.º 15014/IMO/DSAL/2017. (4º)
­ Entre 21/07/2018 a 20/07/2019, o Autor exerceu a sua actividade profissional para a Ré (C) ao abrigo do Despacho n.º 13336/IMO/DSAL/2018. (5º)
­ O Autor sempre respeitou os períodos e horários de trabalho fixados pelas Rés. (6º)
­ As Rés sempre fixaram o local e o horário de trabalho do Autor, de acordo com as suas exclusivas e concretas necessidades. (7º)
­ O Autor sempre prestou a sua actividade sob as ordens e instruções das Rés. (8º)
­ Durante todo o período em que o Autor prestou trabalho, o Autor nunca deu qualquer falta ao trabalho sem conhecimento e autorização prévia por parte das Rés, sem prejuízo de 24 dias de férias anuais por cada ano civil e dispensas de trabalho não remuneradas, nomeadamente entre 08/04/2003 e 01/05/2003 (24 dias), entre 04/07/2005 e 06/08/2005 (34 dias), entre 16/05/2006 e 04/06/2006 (20 dias), entre 06/03/2007 e 29/03/2007 (24 dias), entre 12/01/2008 e 02/02/2008 (22 dias), entre 03/12/2010 e 25/12/2010 (23 dias), entre 10/12/2011 e 14/12/2011 (5 dias), entre 04/12/2012 e 24/12/2012 (21 dias), entre 02/12/2014 e 30/12/2014 (29 dias), entre 27/02/2016 e 26/03/2016 (29 dias), entre 12/02/2017 e 13/02/2017 (2 dias), entre 25/12/2017 e 26/12/2017 (2 dias), entre 14/11/2017 e 05/12/2017 (22 dias), entre 18/09/2018 e 11/10/2018 (24 dias) e entre 31/01/2019 e 18/02/2019 (19 dias), bem como um dia de descanso no oitavo dia após cada sete dias de trabalho consecutivos durante ao serviço da 2ª Ré. (9º至13º)
­ Entre 15/04/2002 a 21/07/2003, a Ré (B) nunca pagou ao Autor qualquer quantia a título de subsídio de efectividade. (14º)
­ Entre 22/07/2003 a 31/07/2010, a Ré (C) nunca pagou ao Autor qualquer quantia a título de subsídio de efectividade. (15º)
­ Entre 15/04/2002 a 31/12/2002, a 1.º Ré (B) nunca fixou ao Autor, em cada período de sete dias, um período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas, sem prejuízo da correspondente retribuição. (16º)
­ Entre 15/04/2002 a 31/12/2002, a 1.ª Ré (B) nunca conferiu ao Autor um qualquer outro dia de descanso compensatório, em consequência do trabalho prestado em dia de descanso semanal. (17º)
­ Entre 15/04/2002 e 21/07/2003, o Autor prestou a sua actividade de segurança durante em 1 de Janeiro, Ano Novo Chinês (3 dias), 1 de Maio e 1 de Outubro, sem prejuízo da resposta aos quesitos 9º a 13º. (18º)
­ Entre 15/04/2002 e 21/07/2003, a Ré (B) nunca pagou ao Autor um qualquer acréscimo salarial pelo trabalho prestado pelo Autor nos referidos dias de feriado obrigatórios. (19º)
­ Entre 22/07/2003 e 31/12/2008, o Autor prestou a sua actividade de segurança durante em 1 de Janeiro, Ano Novo Chinês (3 dias), 1 de Maio e 1 de Outubro, sem prejuízo da resposta aos quesitos 9º a 13º. (20º)
­ Entre 22/07/2003 e 31/12/2008, a Ré (C) nunca pagou ao Autor um qualquer acréscimo salarial pelo trabalho prestado pelo Autor nos referidos dias de feriado obrigatórios. (21º)
­ Entre 15/04/2002 a 30/04/2010, a Ré procedeu a uma dedução no valor de HK$750.00 sobre o salário mensal do Autor, a título de “comparticipação nos custos de alojamento”. (22º)
­ A referida dedução no salário do Autor era operada de forma automática e independentemente de o trabalhador (leia-se, do Autor) residir ou não na habitação que lhe era providenciada pelas Rés e/ou pela agência de emprego. (23º)
­ Desde o início da relação de trabalho e, pelo menos, até 31/12/2008, por ordem das Rés, o Autor está obrigado a comparecer no seu local de trabalho, devidamente uniformizado, com, pelo menos, 30 minutos de antecedência relativamente ao início de cada turno. (24º)
­ Durante o referido período de tempo, tem lugar um briefing (leia-se, uma reunião) entre o Team Leader (leia-se, Chefe de turno) e os “guardas de segurança”, na qual são inspeccionados os uniformes de cada um dos guardas e distribuído o trabalho para o referido turno, mediante a indicação do seu concreto posto dentro do Casino. (25º)
­ Entre 15/04/2002 e 31/12/2019, o Autor compareceu ao serviço das Rés, respectivamente, com 30 minutos de antecedência relativamente ao início de cada turno, tendo permanecido às ordens e às instruções dos seus superiores hierárquicos, sem prejuízo da resposta aos quesitos 9º a 13º. (26º, 27º及29º)
­ As Rés nunca pagaram ao Autor qualquer quantia pelo período de 30 minutos que antecedia o início de cada turno. (28º及30º)
­ A Ré (C) nunca conferiu ao Autor o gozo de um descanso adicional remunerado, proporcional ao período de trabalho prestado. (31º)
­ Desde 22/07/2003 ao presente, o Autor prestou a sua actividade de segurança para a Ré (C) num regime de turnos rotativos de sete dias de trabalho consecutivos. (32º)
­ A que se segue um período de vinte e quatro horas de não trabalho, em regra, no oitavo dia, que antecede a mudança de turno. (33º, 37º及42º)
­ Entre 22/07/2003 a 31/12/2008 – descontados os períodos em que o Autor esteve ausente de Macau – a Ré (C) não fixou ao Autor em cada período de sete dias, um período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas. (34º)
­ Entre 22/07/2003 e 31/12/2008 a Ré (C) nunca pagou ao Autor qualquer acréscimo salarial pelo trabalho prestado em cada um dos sétimos dias, após a prestação de seis dias de trabalho consecutivo. (35º)
­ Entre 22/07/2003 e 31/12/2008, o Autor prestou trabalho a cada um dos sétimos dias que seguiram a seis dias de trabalho consecutivo prestado, sem prejuízo da resposta aos quesitos 9º a 13º. (36º)
­ Entre 01/01/2009 a 31/12/2019 – descontados os períodos em que o Autor esteve ausente de Macau – a Ré (C) não fixou ao Autor um período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas em cada sete dias. (38º)
­ Entre 01/01/2009 a 31/12/2019 – descontados os períodos em que o Autor esteve ausente de Macau – a Ré (C) nunca solicitou ao Autor autorização para que o período de descanso não tivesse uma frequência semanal. (39º)
­ Entre 01/01/2009 a 31/12/2019 a Ré (C) nunca pagou ao Autor uma qualquer quantia pelo trabalho prestado ao sétimo dia, após a prestação de seis dias consecutivos de trabalho. (40º)
­ Entre 01/01/2009 e 31/12/2019, o Autor prestou trabalho a cada um dos sétimos dias que seguiram a seis dias de trabalho consecutivo prestado, sem prejuízo da resposta aos quesitos 9º a 13º. (41º)
­ Desde a data desconhecida, a ré paga de forma regular e periódica aos trabalhadores guardas de segurança residentes uma determinada quantia a título de gorjetas. (43º)
­ A 2ª Ré pagou sempre ao Autor o salário correspondente aos dias de descanso semanal. (47º)
*
III – FUNDAMENTAÇÃO
A. Recurso Interlocutório
Entende a 1ª Ré que a decisão recorrida incorre em erro na aplicação de Direito.
Sobre esta questão, este TSI já tem oportunidade de se pronunciar em vários processos congéneres da Recorrente.
A título exemplificativo, citamos o acórdão de 22/04/2021, proferido no Proc. nº 177/2021, no qual entendeu-se que:
  “…É do seguinte teor o despacho que constitui o objecto deste recurso, proferido pelo Tribunal de primeira instância:
“(…)
Excepção da prescrição
A 1.ª Ré arguiu a prescrição dos créditos laborais reclamados pelo Autor na medida em que a relação laboral em causa nos presentes autos se iniciou a 27/06/2001 e terminou a 21/07/2003, pelo que todos os créditos reclamados pelo Autor se encontram prescritos.
O Autor, em sede de resposta, vem, resumidamente, invocar que, não obstante a diferente personalidade jurídica das duas Rés, o Autor (e os demais 280 trabalhadores não residentes) mantém a mesma actividade profissional, no mesmo local, com a mesma natureza, na 2.ª Ré (C), tendo ocorrido apenas uma mera sucessão de entidades patronais, muito embora sob a égide de uma só relação de trabalho, alegando assim que a prescrição dos créditos laborais reclamados não se completa antes de corridos 2 anos sobre o termo da mesma relação laboral.
Cumpre decidir.
A questão que nos é colocada tem sido alvo de aturada discussão nos Tribunais da RAEM tendo a jurisprudência maioritária decidido que os créditos reclamados nesta acção estão sujeitos ao prazo geral consagrado no artigo 302.º do Código Civil por estarmos em face de prestações de cariz indemnizatório e não remuneratório (sendo certo que não existe uma norma específica a regular esta matéria como acontece, por exemplo, na legislação laboral substantiva vigente em Portugal, v.g. no artigo 381.º, n.º 1 do Código do Trabalho).
Os factos em causa nos presentes autos iniciaram-se a 27/06/2001 e terminaram a 21/07/2003; assim, o prazo ordinário aplicável ao caso é o do actual Código Civil de Macau, entrado em vigor em 01 de Novembro de 1999.
Assim sendo, de acordo com o artigo 302.º do actual Código Civil, o prazo de prescrição de 15 anos foi efectivamente interrompido com a notificação da 1.ª Ré para a tentativa de conciliação em 03/07/2020, pelo que os factos posteriores a 03/07/2005 poderiam ser conhecidos agora em juízo.
Contudo, o artigo 311.º, n.º 1, al. c) do Código Civil vigente dispõe na sua versão chinesa que “一、在下列期間,時效不完成:(…)c) 就擔任家務工作之人與其僱主間所存在之一切債權,在此種工作關係存續期間直至關係終止後兩年;對於其他工作關係之當事人之間就該工作關係而產生之債權,在工作關係存續期間直至關係終止後一年;(…)” (sublinhado nosso).
Sendo a relação de trabalho em causa não doméstico, a prescrição só não se completaria se o trabalhador exercesse o seu direito durante um ano a contar da data da cessação da mesma relação.
No caso em apreço, o Autor formulou pedidos distintos contra cada uma das Rés, exercendo direitos autónomos e independentes.
Na verdade, de acordo com o aludido Despacho do Gabinete do Secretário para a Economia e Finanças (fls. 42 a 44 dos autos) estabelece-se nos 5.º e 6.º parágrafos que:
“Autorizo, após parecer favorável da Direcção dos Serviços de Trabalho e Emprego, a transferência das autorizações concedidas para a contratação de 280 (duzentos e oitenta) trabalhadores não residentes, afectos ao casino XXX – B para a C, S.A. segundo o regime do Despacho nº 12/GM/88, de 1 de Fevereiro, devendo esta apresentar contrato de prestação de serviços com a entidade habilitada como fornecedora de mão / de – obra não residente, nos termos da línea c) do despacho 12/GM/88 de 1 de Fevereiro.
Cancelo, nos termos do nº 10 do mesmo Despacho, as autorizações anteriormente concedidas ao Casino XXX/B, para a contratação de 280 (duzentos e oitenta) trabalhadores não residentes, bem como os respectivos contratos de prestação de serviços.” (sublinhado nosso)
Para o efeito, após estar ao serviço da 1.ª Ré (B), o Autor passou a estar o serviço da 2.ª Ré (C). Tratando-se de entidades patronais diferentes, sendo que a 2.ª Ré (C) apenas surge em 2003, ocorrendo nesta data a transferência de trabalhadores da 1.ª Ré (B) para a 2.ª Ré (C), mesmo que os trabalhadores, incluindo o Autor, trabalhavam nas mesmas ou semelhantes condições.
Não alegando nem se provando que a 1.ª Ré (B) transferiu todos os seus elementos constitutivos para a 2.ª Ré (C) e que por força dessa transferência esta adquiriu todos os direitos e obrigações emergentes dos contratos de trabalho celebrados anteriormente, não se pode concluir que o Autor trabalhava sob a égide de uma só relação de trabalho.
Está configurada a acção, estamos em presença, no lado passivo da relação jurídica processual, de uma coligação, uma vez que o Autor demandou as Rés, com pedidos indemnizatórios diferentes cuja procedência dependa essencialmente da apreciação das mesmas regras de direito ou de cláusulas de contratos perfeitamente análogas (artigo 64.º, n.º 2 do CPC).
A coligação analisa-se numa cumulação, no mesmo processo, de pedidos que poderiam ser deduzidos em acções intentadas separadamente; logo, na coligação de Rés – como é o caso em apreço – há uma pluralidade de partes, do lado passivo, sendo autónomos os direitos invocados e os correspondentes pedidos formulados contra cada uma delas, uns e outros fundados nas mesmas regras de direito ou de cláusulas de contratos perfeitamente análogas; há, portanto, no mesmo processo, uma cumulação ou reunião de acções, em cada uma das quais são exercidos direitos autónomos e independentes entre si que poderiam ser dirimidos em processos diferenciados. Tudo se passa como se o Autor intentasse acções separadas que, depois, seriam apensadas, para efeitos de julgamento conjunto.
Pelo exposto, para o efeito do artigo 311.º, n.º 1, al. c) do Código Civil, a prescrição só não se completaria se o Autor exercesse o seu direito durante um ano a contar da data da cessação da relação de trabalho entre o Autor e a 1.ª Ré, ou seja, a contar do dia 21/07/2003.
Sem necessidade de outras considerações, julga-se totalmente procedente a alegada excepção peremptória declarando-se prescritos os créditos reclamados pelo Autor contra a 1.ª Ré e em consequência, absolvendo-se a 1.ª Ré do pedido, nos termos do artigo 412.º, n.º 3 do CPC, ex vi do artigo 1.º do CPT.
Custas pelo Autor.
Notifique.
(…)”.
*
Quid Juris?
Ora, em vários arestos este TSI já se pronunciou sobre esta questão da prescrição dos créditos laborais reclamados pelos ex-trabalhadores da B, apesar de ela não se figurar como questão principal do recurso, citando-se, aqui, como exemplo, as considerações por nós tecidas no acórdão do processo nº 330/2020, de 11/06/2020:
“A questão levantada nesta parte do recurso consiste em saber se o facto de transferência dos 280 trabalhadores (dos quais fazia parte o ora Autor) da B para a C, tem ou não efeito de cessação da relação laboral que o Autor tinha para com a B.
A Recorrente entende que sim, enquanto o Autor defende o contrário.
Diga-se desse já que não se verificou uma "efectiva cessação" do contrato de trabalho entre o Autor e a 1.ª Ré em 21 de Julho de 2003.
É que, não obstante a 1.ª e a 2.a Rés serem "pessoas jurídicas distintas" o Autor manteve de forma contínua e ininterrupta uma mesma relação laboral com as Rés entre 01/09/2002 a 20/07/2018 (Cfr. neste sentido e para data do início da relação de trabalho, a Declaração emitida pela 2.ª Ré (C) e junta sob o Doc. 2 da PI).
E tal foi assim - conforme as Recorrentes bem o referem - por força do Despacho n.º 01949/SEF/2003, do Exmo. Senhor Secretário para a Economia e Finanças da RAEM, de 21 de Julho de 2003, nos termos do qual foi autorizada a "transferência das autorizações para a contratação" de 280 trabalhadores não residentes (onde se encontra incluído o Autor) da 1.ª Ré (B) para a 2.ª Ré (C), de forma a que os mesmos "pudessem passar a exercer funções na C", "permanecendo no seu posto de trabalho". (Cfr. Doc. 3 junto com a Petição Inicial).
Depois, sempre se recorda, que uma das "condições" para que tivesse sido adjudicada a concessão de exploração de jogos de fortuna ou azar à 2.ª Ré (C) residiu no facto de esta se ter comprometido em "manter ao seu serviço" todos os trabalhadores da 1.ª Ré (B), tal qual se verificou.
Realcem-se 2 aspectos relevantes neste ponto:
a) - A transferência dos trabalhadores foi valorada e autorizada na sequência do pedido formulado pelas 2 Rés, e tal autorização estava sujeita a determinadas condições, nunca tal transferência foi “forçada” pelo Governo;
b) – Às Rés compete invocar e provar que, a partir da data da transferência dos trabalhadores, houve cessão da relação laboral que o Autor mantinha com a B, mas nada isto foi feito.
Pelo exposto, como a relação de trabalho apenas terminou no passado dia 20/07/2018 e que as Rés foram notificadas para a tentativa de conciliação em 29/04/2019, em caso algum se verifica a alegada prescrição dos créditos laborais reclamados pelo Autor, sabido que a mesma (prescrição) se não completa antes de corridos 2 anos sobre o termo da mesma relação laboral, o que in casu ainda se não verificou.”
Mutatis mutandis, o raciocínio expendido vale igualmente para a situação destes autos em análise.
*
Nas decisões mais recentes, relativamente à mesma questão (prescrição dos créditos laborais), ou seja, a eventual aplicação do artigo 311º do CCM aos créditos laborais reclamados pelos trabalhadores da B e C, este TSI tem sido também chamado a pronunciar-se, tendo consignado o seguinte entendimento dominante:
“(…)
Considerando a mens legislatoris da causa de suspensão da prescrição prevista no artº 311º/1-c) do CC que é prevenir o não exercício tempestivo do direito por parte de um trabalhador subordinado, por causa da chamada inibição psicológica do exercício do direito, decorrente da situação de subordinação jurídica em que se encontra e do receio de suscitar conflito com a entidade patronal que poderá colocar, inclusivamente, em risco o seu emprego.
E tendo em conta o facto notório, ou pelo menos o facto de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das funções, de que, não obstante juridicamente distinta da YYY, a XXXX é uma sociedade vulgarmente denominada sociedade-mãe da YYY por ser sócio dominante desta.
Se, em vez de cessação definitiva da relação de trabalho entre o trabalhador e a XXXX, o que aconteceu é no fundo apenas a modificação subjectiva, consistente na substituição da XXXX (antecessor) pela YYY (sucessor) numa mesma relação laboral com o trabalhador, este não deve ficar impedido de beneficiar da causa de suspensão por 2 anos, a que se alude o artº 311º/1-c) do CC, a contar apenas a partir da cessação da relação laboral com a YYY, para reclamar os créditos laborais devidos pela XXXX, uma vez que, mesmo após a sucessão da YYY na posição contratual da XXXX, esta não deixa de ser a entidade a quem o trabalhador se encontra “de facto subordinado”. (sumário do proce. nº 1280/2019, de 05/03/2020)
Estas considerações continuam a ser válidas para o caso em análise, não encontramos razões bastantes para alterar a posição, o que determina necessariamente procedente o recurso, revogando-se o despacho recorrido e mandando-se a baixa dos autos ao Tribunal recorrido para reformular o despacho saneador em conformidade e prosseguir a acção até final, se não existir outra causa que a tal obste.
* * *
Em síntese conclusiva:
I - No caso de transferência dos ex-trabalhadores não residentes da B para a C, autorizada pelo Governo da RAEM na sequência do pedido formulado conjuntamente por aquelas sociedades comerciais anónimas, não há cessão pelos trabalhadores de relações laboral definitiva com a anterior entidade patronal, visto que, para além da coexistência actual dos referidos dois entes comerciais, uma das "condições" para que tivesse sido adjudicada a concessão de exploração de jogos de fortuna ou azar à 2.ª Ré (C) residiu no facto de esta se ter comprometido em "manter ao seu serviço" todos os trabalhadores da 1.ª Ré (B), tal qual se verificou.
II - A transferência dos trabalhadores foi valorada e autorizada na sequência do pedido formulado pelas 2 Rés, e tal autorização estava sujeita a determinadas condições, pelo que, há que entender-se que não se verifica a suspensão do prazo de prescrição prescrita no artigo 311º/-c) do CCM aquando da transferência em causa.
*
Tudo visto, resta decidir.
* * *
V - DECISÃO
Em face de todo o que fica exposto e justificado, os juízes do Tribunal de 2ª Instância acordam em conceder provimento ao presente recurso e consequentemente:
a) – Julgar improcedente a excepção da prescrição de créditos contra a 1ª Ré/B, revogando-se o despacho recorrido;
b) – Mandar baixar os autos ao Tribunal a quo para reformular o despacho saneador, a fim de prosseguir a acção até final, se não existir outra causa que a tal obste…”.
  Por ora, não se vê qualquer razão plausível para alterar a posição já assumida.
Nesta conformidade, o recurso não deixará de se julgar improvido.
*
B. Recurso Final
(1) Da 1ª Ré:
Vem a 1ª Ré impugnar a decisão da matéria de facto relativa à matéria inserta na base instrutória, nomeadamente referente aos artigos 9º, 10º e 13º, porquanto da prova produzida em sede de julgamento nunca poderiam os quesitos levados à base instrutória ter sido provados, salvo devido respeito por opinião contrária, incorrectamente julgada pelo douto Tribunal a quo.
A impugnação da 1ª Ré traduz-se simplesmente numa impugnação genérica e não específica, o que viola o nº 1 do artº 599º do CPCM, razão pela qual fica rejeitado o recurso nesta parte.
  Caso assim não entenda, sempre diremos que tal impugnação não merece provimento.
  Em primeiro lugar, o Tribunal a quo deu a matéria como provada não só com base na prova testemunhal, mas sim também na prova documental existente nos autos.
  Em segundo lugar, é consabido que segundo o princípio da livre apreciação das provas previsto n° 1 do artigo 558.º do CPC, “O tribunal aprecia livremente as provas, decidindo os juízes segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto”.
  A justificar tal princípio e aquilo que permite a existência do mesmo, temos que o Tribunal a quo beneficia não só do seu prudente juízo e experiência, como da mais-valia de um contacto directo com a prova, nomeadamente, a prova testemunhal, o qual se traduz no princípio da imediação e da oralidade.
  Sobre o princípio da imediação ensina o Ilustre Professor Anselmo de Castro (in Direito Processual Civil, I, 175), que “é consequencial dos princípios da verdade material e da livre apreciação da prova, na medida em que uma e outra necessariamente requerem a imediação, ou seja, o contacto directo do tribunal com os intervenientes no processo, a fim de assegurar ao julgador de modo mais perfeito o juízo sobre a veracidade ou falsidade de uma alegação”.
  Já Eurico Lopes Cardoso escreve que “os depoimentos não são só palavras, nem o seu valor pode ser medido apenas pelo tom em que foram proferidas. Todos sabemos que a palavra é só um meio de exprimir o pensamento e que, por vezes, é um meio de ocultar. A mímica e todo o aspecto exterior do depoente influem, quase tanto como as suas palavras, no crédito a prestar-lhe.” (in BMJ n.º 80, a fls. 220 e 221)
  Por sua vez Alberto dos Reis dizia, que “Prova livre quer dizer prova apreciada pelo julgador seguindo a sua experiência e a sua prudência, sem subordinação a regras ou critérios formais preestabelecidos, isto é, ditados pela lei. Daí até à afirmação de que o juiz pode decidir como lhe apetecer, passando arbitrariamente por cima das provas produzidas, vai uma distância infinita. (...) A interpretação correcta do texto é, portanto, esta: para resolver a questão posta em cada questão, para proferir decisão sobre cada facto, o tribunal aprecia livremente as provas produzidas, forma sua convicção como resultado de tal apreciação e exprime-a na resposta. Em face deste entendimento, é evidente que, se nenhuma prova se produziu sobre determinado facto, cumpre ao tribunal responder que não está provado, pouco importando que esse facto seja essencial para a procedência da acção” (in Código de Processo Civil anotado, Coimbra Editora IV, pago 570-571.)
  É assim que “(...) nem mesmo as amarras processuais concernentes à prova são constritoras de um campo de acção que é característico de todo o acto de julgar o comportamento alheio: a livre convicção. A convicção do julgador é o farol de uma luz que vem de dentro, do íntimo do homem que aprecia as acções e omissões do outro. Nesse sentido, princípios como os da imediação, da aquisição processual (art. 436º do CPC), do ónus da prova (art. 335º do CC), da dúvida sobre a realidade de umfacto (art. 437º do CPC), da plenitude da assistência dos juízes (art. 557º do CPC), da livre apreciação das provas (art. 558º do CPC), conferem lógica e legitimação à convicção. Isto é, se a prova só é "livre" até certo ponto, a partir do momento em que o julgador respeita esse espaço de liberdade sem ultrapassar os limites processuais imanentes, a sindicância ao seu trabalho no tocante à matéria de facto só nos casos restritos no âmbito do arts. 599º e 629º do CPC pode ser levada a cabo. Só assim se compreende a tarefa do julgador, que, se não pode soltar os demónios da prova livre na acepção estudada, também não pode hipotecar o santuário da sua consciência perante os dados que desfilam à sua frente. Trata-se de fazer um tratamento de dados segundo a sua experiência, o seu sentido de justiça, a sua sensatez, a sua ideia de lógica, etc. É por isso que dois cidadãos que vestem a beca, necessariamente diferentes no seu percurso de vida, perante o mesmo quadro de facto, podem alcançar diferentes convicções acerca do modo como se passaram as coisas. Não há muito afazer quanto a isso.” (Ac. do TSI de 20/09/2012, proferido no Processo nº 551/2012)
  Deste modo, “A reapreciação da matéria de facto por parte desta Relação tem um campo muito restrito, limitado, tão só, aos casos em que ocorre flagrantemente uma desconformidade entre a prova produzida e a decisão tomada, nomeadamente quando não exista qualquer sustentabilidade face à compatibilidade da resposta com a respectiva fundamentação” (Ac. do STJ de 21/01/2003, in www.dgsi.pt)
  Com efeito, “não se trata de um segundo julgamento até porque as circunstâncias não são as mesmas, nas respectivas instâncias, não bastando que não se concorde com a decisão dada, antes se exige da parte que pretende usar desta faculdade a demonstração da existência de erro na apreciação do valor probatório dos meios de prova que efectivamente, no caso, foram produzidos.(...).” (Ac. do RL de 10/08/2009, in www.dgsi.pt.)
  Ou seja,
  Uma coisa é não agradar à 1ª Ré o resultado da avaliação que se faz da prova, o que parece ser o caso, e outra bem diferente é detectarem-se no processo de formação da convicção do julgador erros claros de julgamento, incluindo eventuais violações de regras e princípios de direito probatório, o que, salvo devido respeito não sucede no caso sub judice carecendo em absoluto a Ré de razão ao invocar a violação de tal princípio.
  A 1ª Ré insurge-se quanto à resposta dada aos quesitos com base no depoimento da testemunha e retirando do mesmo o sentido que mais lhe convém, olvidando a restante prova produzida nos autos, nomeadamente a prova documental.
  Ora,
  Em face da prova efectivamente produzida e atentas as regras e entendimento acima enunciados, não assiste razão à 1ª Ré ao colocar em causa a apreciação e julgamento da matéria de facto realizada pelo Tribunal a quo que não poderia ter decidido em sentido diverso daquele que decidiu.
*
(2) Do Autor:
2.1. Das compensações devidas pelo trabalho prestado em dias de feriado obrigatório na vigência do DL nº 24/89/M:
O recurso do Autor nesta parte não deixará de se julgar provido face à jurisprudência unânime deste TSI nos processos congéneres em que a Ré também é parte, no sentido de que a fórmula para a compensação do descanso semanal é: dias não gozados X salário diário X 2, para além do salário-base já recebido e em relação aos feriados obrigatórios, a fórmula é: Nºs de dias não gozados X salário diário X 3, para além do salário-base já recebido.
A título exemplificativo, citamos os Acórdãos deste TSI, proferidos no âmbito dos Processos 778/2010, 376/2012 e 61/2014 e 582/2014.
Nesta conformidade, o Autor tem o direito a receber:
Descanso semanal: HKD$250 x 266 x 2 = HKD$133,000.00 equivalentes a MOP$136,990.00 (à taxa cambial de 1.03).
Feriados obrigatórios: HKD$250 x 31 x 3 = HKD$23,250.00, equivalentes a MOP$23,947.50.
2.2. Da compensação devida pelo trabalho prestado em dias de descanso semanal na vigência da Lei nº 7/2008:
Ficou provado que:
­ Desde 22/07/2003 ao presente, o Autor prestou a sua actividade de segurança para a Ré (C) num regime de turnos rotativos de sete dias de trabalho consecutivos. (32º)
­ A que se segue um período de vinte e quatro horas de não trabalho, em regra, no oitavo dia, que antecede a mudança de turno. (33º, 37º及42º)
­ Entre 22/07/2003 a 31/12/2008 – descontados os períodos em que o Autor esteve ausente de Macau – a Ré (C) não fixou ao Autor em cada período de sete dias, um período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas. (34º)
­ Entre 22/07/2003 e 31/12/2008 a Ré (C) nunca pagou ao Autor qualquer acréscimo salarial pelo trabalho prestado em cada um dos sétimos dias, após a prestação de seis dias de trabalho consecutivo. (35º)
­ Entre 22/07/2003 e 31/12/2008, o Autor prestou trabalho a cada um dos sétimos dias que seguiram a seis dias de trabalho consecutivo prestado, sem prejuízo da resposta aos quesitos 9º a 13º. (36º)
­ Entre 01/01/2009 a 31/12/2019 – descontados os períodos em que o Autor esteve ausente de Macau – a Ré (C) não fixou ao Autor um período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas em cada sete dias. (38º)
­ Entre 01/01/2009 a 31/12/2019 – descontados os períodos em que o Autor esteve ausente de Macau – a Ré (C) nunca solicitou ao Autor autorização para que o período de descanso não tivesse uma frequência semanal. (39º)
­ Entre 01/01/2009 a 31/12/2019 a Ré (C) nunca pagou ao Autor uma qualquer quantia pelo trabalho prestado ao sétimo dia, após a prestação de seis dias consecutivos de trabalho. (40º)
­ Entre 01/01/2009 e 31/12/2019, o Autor prestou trabalho a cada um dos sétimos dias que seguiram a seis dias de trabalho consecutivo prestado, sem prejuízo da resposta aos quesitos 9º a 13º. (41º)
  Seguiu o seguinte raciocínio: dividiu o número dos dias de trabalho prestados pelo Autor e descontou os dias em que o Autor havia descansado ao 8.º dia, após a prestação de sete dias de trabalho consecutivos, apurando que o Autor terá direito a auferir a diferença entre os dois.
  Este TSI tem entendido, de forma unânime, que o trabalho prestado ao sétimo após a prestação de seis dias consecutivos de trabalho em cada semana deve ser qualificado como trabalho prestado no dia do descanso semanal, não obstante o Autor ter gozado um dia de descanso ao oitavo dia.
A razão de ser consiste em “o trabalhador não pode prestar mais do que seis dias de trabalho consecutivos, devendo o dia de descanso ter lugar, no máximo, no sétimo dia, e não no oitavo, nono ou noutro dia do mês, salvo acordo das partes em sentido contrário, no que toca ao momento de descanso a título de “compensação”, mas o critério para este efeito é sempre o período de sete dias como uma unidade” (cfr. Ac. do TSI, Proc. nº 89/2020, de 16/04/2020).
Assim, o descanso remunerado do trabalhador no oitavo dia não pode ser qualificado como descanso semanal sem acordo das partes ou quando a natureza da actividade da empresa não torne inviável o gozo no sétimo dia, antes deve ser qualificado como dia de descanso compensatório pelo trabalho prestado no dia de descanso semanal a que se alude o nº 2 do artº 43º da Lei nº 7/2008.
Assim sendo, o Autor tem o direito de receber: HK$7,500/30 x 1.03 x 552/7 + MOP$7,500/30 x 1678/7 + MOP$7,785/30 x 1030/7 + MOP$10,000/30 x 481/7 = MOP$140,647.94, reduzidos a MOP$140,646.27 tendo em conta o próprio pedido do Autor no presente recurso jurisdicional.
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IV – DECISÃO
Pelas apontadas razões, acordam em:
- negar provimento aos recursos interlocutório e final interpostos pela 1ª Ré, mantendo o despacho recorrido e a sentença recorrida.
- conceder provimento ao recurso interposto pelo Autor, decidindo-se revogar a sentença na parte respectiva e condenar a 2ª Ré a pagar ao Autor, a título da compensação pelo não gozo dos dias de descanso semanal, no total de MOP$277,636.27 (MOP$136,990.00+MOP$140,646.27), e a título da compensação pelo não gozo dos dias de feriado obrigatório, a quantia de MOP$23,947.50, com juros de mora à taxa legal a partir da data do presente aresto (cfr. Ac. do TUI, de 02/03/2011, Proc. nº 69/2010).
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Custas pelas Rés.
Notifique e D.N..
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RAEM, aos 23 de Setembro de 2021.
Ho Wai Neng
Rui Carlos dos Santos P. Ribeiro

Declaração de voto vencido
Para o trabalho prestado em dias de descanso semanal no âmbito do Decreto-Lei n.º 24/89/M, o trabalhador tem direito a receber o dobro da retribuição (“dobro” esse que consiste na soma do salário diário e um dia de acréscimo). Sendo assim, provado que entre 22/7/2003 e 31/12/2008 o autor já recebeu da ré C o salário diário em singelo, para efeitos de cálculo do valor da compensação do trabalho prestado em dias de descanso semanal, terá direito a receber apenas mais um dia de acréscimo, sob pena de estar o autor a ser pago, não pelo dobro, mas pelo triplo do valor diário, ao que acresce ainda o dia de descanso compensatório previsto no n.º 4 do artigo 17.º, o autor estará a ser pago pelo quádruplo.
Por outro lado, conforme o previsto no n.º 1 do artigo 20.º do Decreto-Lei n.º 24/89/M, para o trabalho prestado em dias de feriado obrigatório, o trabalhador tem direito a um acréscimo de dois dias de salário, para além do singelo. Tendo o autor recebido, durante a aquele período, o salário diário em singelo, terá agora apenas direito a receber mais 2 dias de salário.
Pelo que não merecem, a meu ver, reparo as fórmulas aplicadas pelo Tribunal recorrido para cálculo da compensação do trabalho prestado em dias de descanso semanal e feriado obrigatório, no âmbito no Decreto-Lei n.º 24/89/M.
Tong Hio Fong
23.9.2021





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554/2021