Processo nº 313/2021
(Autos de Recurso Jurisdicional em Matéria Administrativa)
Data do Acórdão: 23 de Setembro de 2021
ASSUNTO:
- Competência do Tribunal Administrativo;
- Pessoa colectiva de utilidade pública administrativa;
- Actos de natureza jurídica privada.
SUMÁRIO:
- Pese embora o Autor do acto que se pretende atacar seja uma pessoa colectiva de utilidade pública administrativa, a competência apenas pertence ao tribunal administrativo se tiver actuado ao abrigo de normas de direito administrativo, ou seja, de normas que atribuam prerrogativas ou imponham deveres, sujeições ou limitações especiais por razões de interesse público;
- A competência para conhecer dos litígios decorrentes dos actos praticados no âmbito das relações de natureza jurídico-privada, não cabem ao tribunal administrativo ainda que o seu autor seja uma pessoa colectiva de utilidade pública administrativa.
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Rui Pereira Ribeiro
Processo nº 313/2021
(Autos de Recurso Jurisdicional em Matéria Administrativa)
Data: 23 de Setembro de 2021
Recorrente: A
Recorrida: Irmandade da B de Macau
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ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:
I. RELATÓRIO
A, com os demais sinais dos autos,
Vem interpor recurso do despacho do Tribunal Administrativo que julgou aquele tribunal incompetente para conhecer do recurso contencioso por si interposto e ordenou a remessa dos autos ao Juízo Civil do Tribunal Judicial de Base, apresentando as seguintes conclusões:
1) O presente Recurso é interposto da decisão do Tribunal Administrativo, datada de 11 de Janeiro de 2021, constante a fls. 1848 a 1851 dos autos, que declara a incompetência do Tribunal Administrativo em razão da matéria para julgar o presente recurso contencioso administrativo e decidindo remeter o processo para o Juízo Civil do Tribunal Judicial de Base nos termos do artigo 33º, no.1 do CPC, ex vi o artigo 1º do CPAC.
2) Em 14 de Julho de 2020, a Recorrente e Autora, apresentou ao Tribunal Administrativo o Recurso Contencioso Administrativo, a fls. 2 a 309 dos autos do processo acima mais bem identificado, pedindo a DECLARAÇÃO DE NULIDADE da deliberação de 19 de Junho de 2020 da Assembleia Geral Extraordinária da Irmandade da B de Macau ou B de Macau, pessoa colectiva de utilidade pública administrativa, com sede em Macau, na Travessa da XX, n.º XX, registada na Direcção dos Serviços de Identificação sob o n.º XX, adiante B, uma Instituição de utilidade pública, de forma associativa, nos termos do artigo primeiro do Compromisso da B, na sua versão actualmente em vigor, publicado no Boletim Oficial n.º 45, II Série, de 5 de Novembro de 1997, (cfr fls. 580 dos autos e documentos 1 e 2 anexos), que negou provimento ao Recurso interposto pela ora Recorrente da deliberação de 29 de Maio de 2019 da Mesa Directora da B, sancionando assim a deliberação desta mesma Mesa Directora que aplicou 1) uma sanção disciplinar de repreensão registada à ora Recorrente e 2) imputou à mesma a responsabilidade pelo pagamento dos honorários dos advogados mandatados pelo F, no montante de MOP 180.300,00, esta deliberação da Mesa Directora da B de 29 de Maio de 2019 também é NULA, com fundamento de Abuso de Poder e Violação de Lei.
A deliberação da Mesa Directora da B de 29 de Maio de 2019 é também NULA por ter aprovado um documento (o relatório final das averiguações) que apenas chegou à sua posse 6 dias após a reunião em que diz o ter acolhido, provando-se por provas documentais a sua INEXISTÊNCIA JURÍDICA Cfr. provas documentais a fls. 144 a 166; fls. 167 a 174; fls. 184; fls. 206; fls. 1430 e fls. 1592 a 1610; fls. 1628 a 1633 e fls. 1634 a 1653; fls. 207 a 209 e fls. 1664 a 1667; fls. 1699 a 1744; fls. 1707, segundo parágrafo e fls.1738, primeiro parágrafo dos autos.
A deliberação da Assembleia Geral Extraordinária da B, de 19 de Junho de 2020, é NULA, com fundamento de violação de Lei, porque violou o artigo 28º do Compromisso da Irmandade, violando assim, a alínea f) do no. 2 do artigo 122º do CPA, porque a convocação da Assembleia Geral Extraordinária realizada em 19 de Junho de 2020 foi feita apenas por carta simples, tendo sido omitida uma formalidade essencial para a convocação da referida Assembleia Geral Extraordinária, provado por provas documentais a fls. 394 a 396 e fls. 1699 a 1744 dos autos.
3) Nos termos do no. 1 do artigo 25º do CPAC “o direito de recurso de actos nulos ou juridicamente inexistentes não caduca, podendo ser exercido a todo o tempo “e nos termos dos nos 1 e 2 do artigo 123º do CPA, “1- o acto nulo não produz quaisquer efeitos jurídicos, independentemente da declaração de nulidade.” e “2- A nulidade é invocável a todo o tempo por qualquer interessado e pode ser declarada, também a todo o tempo, por qualquer órgão administrativo ou por qualquer tribunal.”
4) Em 22 de Julho de 2020, por despacho do Douto Juiz, a fls. 321 dos autos, foi citada a Entidade Recorrida (ASSEMBLEIA GERAL DA B DE MACAU) para, querendo, contestar no prazo de 20 dias e sob a cominação legal ( cfr. os artigos 52° a 55° do CPAC) e em relação ao pedido de indemnização cumulado, foi citada a Ré ( B DE MACAU) para contestar no prazo de 30 dias , com advertência dos efeitos decorrentes da falta de contestação ( cfr. os artigos 398º, 400º, 401º e 403º do CPC, ex vi o art.º 99º, no. 1 do CPAC.
5) Findo o prazo da contestação a entidade recorrida ( Assembleia Geral da B de Macau) composta por todos os Irmãos efectivos no pleno gozo dos seus direitos, nos termos do artigo 28º do Compromisso da Irmandade, não apresentou Contestação e também não apresentou o original do processo administrativo e todos os demais documentos relativos à matéria do recurso para ficarem apensos aos autos como processo administrativo instrutor, violou o disposto no no.1 do artigo 55º do CPAC.
6) Em 16 de Setembro de 2020, os 3 membros da Mesa da Assembleia Geral apresentaram a contestação, (cfr. fls. 548 a 561 dos autos) sem poderes para representar a Entidade Recorrida (Assembleia Geral da B, cfr. artigo 28º do Compromisso da B) e juntaram 5 documentos, todos fotocopiados, fls. 544 a 593. Findo o prazo da Contestação, a Entidade Recorrida (Assembleia Geral da B) e os 3 membros da Mesa da Assembleia Geral e a Ré (Irmandade da B de Macau) também não remeteram o original do processo administrativo e todos os demais documentos relativos à matéria do recurso para ficarem apensos aos autos como processo instrutor, nos termos do no.1 do artigo 55º do CPAC.
7) Em 16 de Setembro de 2020, a Ré (Irmandade da B) apresentou Contestação, nas folhas 602 a 681, deduzindo excepção e remeteu alguns documentos do processo administrativo, todos fotocopiados, a fls. 672 a 1109.
8) Em 30 de Setembro de 2020, a Ré (Irmandade da B), a fls. 1342 a 1370, remeteu apenas alguns documentos, todos fotocopiados, cfr. fls. 1350 a 1370, na sequência do pedido feito pela Recorrente na P.I a fls. 73 a 77 dos autos.
9) Nestes documentos a fls. 1342 a 1370, a Ré produziu um novo documento, a fls. 1358, em vez de remeter o documento constante a fls. 1433.
10) Em 09 de Outubro de 2020, por despacho do Douto Juiz, constante na folha 1382 dos autos, intimou a Entidade Recorrida (Assembleia Geral da B) para juntar o original do processo administrativo, nos termos do no. 4 do artigo 55º do CPAC.
11) Em 27 de Outubro de 2020, a Ré (Irmandade da B de Macau) remeteu ao Tribunal alguns documentos do processo administrativo, a fls. 1430 a 1609, que são documentos tirados nos termos do no.2 do artigo 19º da Lei 2/2020 com o Notário Privado, Dr. C.
12) Após o despacho do Douto Juiz do Tribunal Administrativo de 05 de Novembro de 2020, constante a folhas 1620 a 1621 verso, a Ré (Irmandade da B) em 16/11/2020 remeteu ao tribunal os documentos a fls. 1662 a 1753, estes documentos não são documentos originais nem documentos impressos em substituição dos digitalizados, nos termos do no.2 do artigo 19º da Lei 2/2020, a Ré optou por remeter ao Tribunal os documentos referidos a fls.1620 e 1621 verso em “documentos autenticados” pelo Notário Privado, Dr. C, a saber:
- Acta da Mesa Directora de 29 de Maio de 2019, cfr fls. 1664 a 1667;
- Acta da Assembleia Geral Ordinária, de 19 de Junho de 2020 presidida pelo Presidente Dr. D, cfr. fls. 1669 a 1697;
- Acta da Assembleia Geral Extraordinária do dia 19 de Junho de 2020, presidida pelo presidente substituto, Dr. E, a fls. 1699 a 1744 e
- Acta da reunião da Mesa da Assembleia Geral Extraordinária da B de 9 de setembro de 2020, a fls. 1746 a 1753.
13) Pelas cópias dos documentos remetidos pela entidade recorrida e pela Ré ao Tribunal Administrativo e não havendo mais provas documentais remetidas pela entidade recorrida, prova-se que não só o relatório final e conclusões das Averiguações elaborado no dia 30 de Maio de 2019 pelos 3 advogados que foram contratados ilegalmente pelo F, NÃO EXISTIA à data da reunião da Mesa Directora da B de Macau no dia 29 de Maio de 2019, cfr. fls. 1664 a 1667 e 207 a 209 dos autos, como o mesmo relatório final das averiguações foi apenas enviado pelos mesmos 3 advogados à Mesa Directora da B em 4 de Junho de 2019, provado com provas documentais a fls. 1430 e fls. 1592 a 1610, fls.1628 a 1633 e fls. 1635 a 1653 dos autos, isto é, a Mesa Directora da B aprovou um documento que apenas chegou à sua posse passados 6 dias após a reunião em que diz o ter acolhido, , está provado o articulado 5º da P.I - esta deliberação de 29 de Maio de 2019 é NULA por inexistência jurídica.
14) A deliberação de 19 de Junho de 2020 da Assembleia Geral Extraordinária da B é NULA por ter sancionado uma deliberação também Nula da Mesa Directora da B, de 29 de Maio de 2019, por juridicamente inexistente, por violação da lei e do Compromisso e por Abuso de Poder, com provas documentais, constantes no processo acima mais bem identificado.
15) É NULA a deliberação da Assembleia Geral Extraordinária de 19 de Junho de 2020, porque sancionou a deliberação da Mesa Directora da B de 29 de Maio de 2019 que aplicou 1) uma sanção disciplinar de repreensão registada à recorrente e 2) imputou à recorrente a responsabilidade pelo pagamento dos honorários dos 3 advogados no montante de MOP180 300,00 (cento e oitenta mil e trezentas patacas) que é NULA, inter alia, por violação dos números um e dois do artigo vigésimo quarto, do número dois do artigo quinquagésimo do Compromisso da B, violou os princípios básicos de defesa e contraditório, um direito fundamental num Estado de Direito como a RAEM.
Violou, ainda os números um e dois do artigo quadragésimo quinto e da alínea d) do número três do artigo quinquagésimo sexto do Compromisso da B.
A entidade recorrida ( Assembleia Geral da B de Macau) em reunião extraordinária realizada em 19 de Junho de 2020, sancionou a deliberação de 29 de Maio de 2019 da Mesa Directora da B, aplicando à Recorrente 1) uma sanção disciplinar de repreensão registada e 2) imputou à recorrente a responsabilidade no pagamento dos honorários de 3 advogados contratados pelo seu F, por violação dos números um e dois do artigo vigésimo quarto, do número dois do artigo quinquagésimo do Compromisso da B, violou os princípios básicos de defesa e contraditório, um direito fundamental num Estado de Direito como a RAEM e violou ainda os números um e dois do artigo quadragésimo quinto e a alínea d) do número três do artigo quinquagésimo sexto do Compromisso da B, com provas documentais constantes nas folhas 78 a 309; fls. 1350 a 1352 e 1433 ; fls. 1203 a 1207 e fls. 1369 e 1370; fls. 1342 a 1370; fls. 1430 a 1433; (fls. 1577 a 1584, comparar com fls. 185 a 202);( fls. 1592 a 1610 comparar com fls. 1628 a 1633 e fls. 1634 a 1653); fls. 207 a 209 e fls. 1664 a 1667; fls. 1699 a 1744 dos autos.
16) A proibição do arbítrio impõe a que as sanções disciplinares devam ser aplicadas dentro de certas regras. Especialmente, antes de qualquer sanção, deverá ser comunicado ao visado o facto ou factos de que ele é acusado, dandose a oportunidade de se defender, nomeadamente mediante análise da prova produzida e produção de prova adicional.
17) Está provado, por provas documentais que não houve Notificação para audiência prévia, que nunca existiu um processo disciplinar ou sequer qualquer Acusação contra a ora Recorrente, conforme todos os documentos que a entidade recorrida e a Ré remeteram ao Tribunal Administrativo e constantes no processo acima mais bem identificado.
18) A este respeito, tanto a doutrina como a jurisprudência têm defendido que nos expedientes que podem conduzir a um resultado sancionatório - em que, portanto, estão em causa VALORES INTIMAMENTE LIGADOS À PESSOA HUMANA - que a averiguação de responsabilidades e a consequente aplicação de medidas só podem ter lugar através de um instrumento próprio - o processo disciplinar (Manuel Leal-Henriques, Manual de Direito Disciplinar, página 176). O destaque é da responsabilidade da recorrente.
19) E relativamente à questão de imputação dos custos, no montante de MOP$180,300.00, em que a Mesa Directora da B incorreu e pagou aos 3 advogados contratados ilegalmente pelo F, até onde se sabe o entendimento defendido pela Ré até à presente data é que a mesma constitui, ainda, parte da sanção disciplinar, sendo a mesma apenas possível ao abrigo do disposto no artigo quinquagésimo do Compromisso, podendo a mesma ser revogada pela Assembleia Geral da B de Macau, órgão soberano da Irmandade da B nos termos do artigo 28.º do Compromisso da B .
20) O número 3 do artigo 50º do Compromisso da B diz “A punição não liberta o sócio da responsabilidade pelo pagamento das indemnizações devidas por prejuízos causados à Irmandade”
Isto sem prejuízo de haver fortes argumentos para se defender de que o que está regulado em tal norma não ser, de per si, uma qualquer sanção, mas sim uma mera reserva do direito que a Irmandade da B, em Assembleia Geral, tem de, caso estejam verificados os requisitos da responsabilidade civil, poder demandar a Irmã Recorrente nos termos constantes da lei e provados que estejam os factos que constituem fundamento de tal direito. Houve abuso de poder e violação de Lei, esta deliberação de 29 de Maio de 2019 da Mesa Directora da B foi sancionada pela Assembleia Geral Extraordinária da B no dia 19 de Junho de 2020.
21) Esta deliberação de 29 de Maio de 2019 da Mesa Directora da B “ficou suspensa” em virtude de a Mesa Directora da B, na sua deliberação de 28 de Outubro de 2019, a fls. 1369 a 1370, deliberou não apreciar a Reclamação da ora recorrente e “deliberou-se assim comunicar tal entendimento à Assembleia Geral para que esta prossiga com a apreciação do Recurso interposto” provando, assim, que a Reclamação de 3 de Julho de 2019 (Cfr. fls. 210 a 215) e o Recurso de 5 de Julho de 2019 (Cfr fls. 78 a 143) não foram intempestivos e a deliberação de 29 de Maio de 2019 da Mesa Directora que é NULA foi sancionada pela deliberação da Assembleia Geral Extraordinária do dia 19 de junho de 2020.
22) Os factos articulados em 5º da P.I. também provados por provas documentais, são nulos, pois, não só o relatório final e conclusões das Averiguações elaborado no dia 30 de Maio de 2019 e enviado à Mesa Directora da B em 4 de Junho de 2019 pelos 3 advogados que foram contratados ilegalmente pelo F, é NULO, provado a fls. 1350 a 1352; fls.1431 a 1432; fls. 1433; fls. 1434 e 1435 - documentos sem assinatura; fls. 144 a 166; fls. 167 a 174; NÃO EXISTIA à data da reunião da Mesa Directora que o acolheu, como o mesmo relatório apenas foi enviado pelos mesmos advogados à Mesa Directora da B em 4 de Junho de 2019, isto é, a Mesa Directora da B aprovou um documento que apenas chegou à sua posse passados 6 dias em que diz o ter acolhido integralmente, provando-se assim por provas documentais a sua INEXISTÊNCIA JURÍDICA Cfr. a fls. 144 a 166; fls. 167 a 174; fls. 184; fls. 206; fls. 1430 e fls.1592 a 1610; fls. 1628 a 1633 e fls. 1634 a 1653; fls. 207 a 209 e fls. 1664 a 1667; fls. 1699 a 1744; fls. 1707, segundo parágrafo e fls.1738, primeiro parágrafo.
23) O alegado nas Conclusões, alínea H da P.I., cfr. fls. 69 dos autos, é anulável por violação das regras de convocação da mesma pois que, não obstante nos termos do disposto no artigo 161.º do Código Civil a convocação da assembleia geral é convocada por meio de carta registada, enviada com a antecedência mínima de 8 dias, ou mediante protocolo efectuado com a mesma antecedência, a Assembleia Geral Extraordinária de 19 de Junho de 2020 foi convocada por carta simples, cfr. fls. 394 a 396 e fls. 758 a 766, tendo sido omitida uma formalidade essencial para a convocação da referida Assembleia que gera anulabilidade da mesma, nos termos do disposto no artigo 165.º do Código Civil, e é tempestivo dado que o recurso contencioso foi interposto no dia 14 de Julho de 2020.
E é NULA a deliberação da Assembleia Geral Extraordinária de 19 de Junho de 2020, com fundamento de violação de Lei, porque violou o artigo 28º do Compromisso da Irmandade, violando assim, a alínea f) do no. 2 do artigo 122º do CPA, porque a convocação da Assembleia Geral Extraordinária realizada em 19 de Junho de 2020 foi efectuada apenas por carta simples, tendo sido omitida uma formalidade essencial para a convocação da referida assembleia geral extraordinária, provado por provas documentais a fls. 394 a 396 e fls. 1699 a 1744 dos autos, nos termos do artigo 122º, no.2, alínea f) do CPA e está provado por provas documentais a fls. 394 e 395 dos autos - a proposta de 21 de Agosto de 2020 da Mesa Directora da B, dirigida ao Presidente substituto da Mesa da Assembleia Geral - e este vício de forma não foi sanado, por a deliberação de 9 de Setembro de 2020 da Assembleia Geral Extraordinária, a fls. 1746 a 1753, ser NULA por vício de incompetência, vício de forma e violação de lei, de acordo com o requerimento e provas documentais apresentadas pela Recorrente, a fls. 383 a 410 dos autos.
24) A deliberação de 9 de Setembro de 2020 da Assembleia Geral Extraordinária é NULA por vício de incompetência, vício de forma e violação de lei, de acordo com o requerimento e provas documentais apresentadas pela Recorrente, a fls. 383 a 410, nos termos do artigo 79°, no.2 do CPAC e com a entrada no. TA1849/2020, de 10 de Setembro de 2020 qual requerimento foi deferido pelo Douto Juiz a fls. 1761 dos autos “determinandose o prosseguimento da lide, tendo por objecto a deliberação tomada na reunião da Assembleia Geral Extraordinária da B de Macau, de 9/9/2020- nos termos do artigo 79º, no.2 do CPAC”
25) A Ré (Irmandade da B de Macau) na sua contestação excepcionou a competência do Tribunal Administrativo em razão de matéria e erro na forma de processo.
26) O Tribunal Administrativo, pronunciou um despacho em 5 de Novembro de 2020, a fls. 1620 a 1621 verso, fundamentando que a Entidade recorrida está sujeita ao procedimento administrativo regulado nos termos do CPA.
27) Em 7 de Dezembro de 2020, o Ministério Público emitiu um parecer, constante nas folhas 1765 a 1767, concluindo que o Tribunal Administrativo extravasou a sua competência e o prazo do recurso contencioso já se mostrava ultrapassado quando deu entrada no Tribunal Administrativo.
28) O Douto Juiz do Tribunal Administrativo em 11 de Janeiro de 2021, a folhas 1848 a 1851 dos autos, aderiu à posição do Ministério Público e declarou a incompetência do Tribunal Administrativo em razão da matéria em julgar o presente recurso contencioso administrativo apresentado pela ora Recorrente.
29) Tal como consta no Artigo primeiro do Compromisso da B de Macau a “A Irmandade da B de Macau ou B de Macau, adiante abreviadamente designada por Irmandade, fundada em mil quinhentos e sessenta e nove pelo G, é uma instituição de utilidade pública, de forma associativa.” (destaques nossos).
30) Resulta do disposto no artigo 30.º, no.2, alínea 1), subalínea (5), da Lei de Bases da Organização Judiciária que “No âmbito do contencioso administrativo, e sem prejuízo da competência do Tribunal de Segunda Instância, compete ao Tribunal Administrativo conhecer dos recursos dos actos administrativos ou em matéria administrativa praticados pelos órgãos de pessoas colectivas de utilidade pública administrativa.”
31) O Tribunal Administrativo é competente para conhecer o presente Recurso Contencioso Administrativo, nos termos do disposto no artigo 30º no.2, alínea 1, subalínea (5) da Lei de Bases da Organização Judiciária, porque a Irmandade da B é um órgão de pessoa colectiva de utilidade pública administrativa.
32) A Irmandade da B de Macau foi fundada pelo G e o seu Compromisso foi aprovado pela Portaria n.º 90, de 18 de Maio de 1893, publicada no Boletim Oficial no. 21 do ano de 1893 (cfr. prova documental- documento 1 anexo).
33) O novo Compromisso da Irmandade da B de Macau, foi aprovado pela Portaria no. 5:178, de 7 de Junho de 1952, publicada no Boletim Oficial de Macau n.º 23 de 7 de Junho de 1952, continuando a B de Macau a ser reconhecida como uma “corporação administrativa de utilidade pública” com a tutela do Governo. (cfr. prova documental - documento 2 anexo)
34) Face à publicação da lei no. 11/96/M de 12 de Agosto e por força do seu artigo 13º no. 1, o Compromisso da B foi republicado no Boletim Oficial no. 45 II série, de 5 de Novembro de 1997.
35) Diz o artigo 13º no. 1 da lei no. 11/96/M de 12 de Agosto
“As corporações administrativas e as outras pessoas colectivas que à data da publicação desta lei tenham sido consideradas de utilidade pública administrativa, de utilidade imperial ou de idêntica natureza ficam sujeitas ao que nela se dispõe”.
36) Conforme se prova pelo Certificado da Divisão do registo de Associação e Fundação da Direcção dos Serviços de Identificação, a Irmandade da B de Macau está registada como pessoa colectiva de utilidade pública administrativa, cfr. fls. 580 dos autos fornecida pela Ré.
37) Este Certificado, a fls. 580 dos autos, prova que a primeira publicação no Boletim Oficial do Compromisso da B de Macau foi em 7 de Junho de 1952.
38) Esta data de 7 de Junho de 1952 é a data da publicação no Boletim Oficial da Portaria no. 5:178, assinada pelo então governador Joaquim Marques Esparteiro, que aprovou o novo Compromisso da B de Macau, assim, não há dúvida de que a Irmandade da B é uma instituição de criação pública, mediante acto legislativo. (ver fls. 580 dos autos e a prova documental-documento 2 anexo) e não há dúvida de que a Irmandade da B não é uma entidade privada que fora constituída por iniciativa de particulares.
39) A Irmandade da B é de criação pública mediante acto legislativo (portaria no. 5:178 publicado no Boletim Oficial de 7 de Junho de 1952) tem poderes delegados pelo governo para a prossecução dos fins estabelecidos pelo Compromisso, exercendo o poder público, sob a tutela do Governo tendo sido a última versão do Compromisso da B de Macau, republicada no Boletim Oficial n.º 45, II Série, de 5 de Novembro de 1997, por força do disposto no artigo 13º no.1 da Lei nº 11/96/M de 12 de Agosto, deixou assim de ser “uma corporação administrativa de utilidade pública” para ser “pessoa colectiva de utilidade pública administrativa”. (cfr, fls. 580 dos autos e documento 2 anexo)
40) A Irmandade da B, tem a obrigação de prestar, anualmente, as suas contas de gerência ao Tribunal competente, nos termos do artigo 61º, no. 1 do Compromisso da B, que diz: “A Instituição submeterá, no prazo e condições legais, a julgamento do Tribunal competente, a sua conta de gerência anual”.
Está assim provado que a Irmandade da B de Macau não foi uma criação particular, mas foi uma criação pública mediante acto legislativo do Governo.
41) A Irmandade da B de Macau passou a designarse como pessoa colectiva de utilidade pública administrativa por força do artigo 13º, no. 1 da Lei 11/96/M e passou assim a ser regulada pela mesma Lei 11/96/M.
42) Tal como consta do Artigo primeiro do Compromisso da B, a Irmandade da B de Macau é uma instituição de utilidade pública, de forma associativa.
43) É de criação pública mediante acto legislativo, com poderes delegados pelo Governo e dotada de poder público para prosseguir os fins constantes no Compromisso da B, o funcionamento dos serviços da Irmandade da B é tutelado pelo Governo, com importantes apoios financeiros do Governo, daí que os seus actos, quando necessário, são publicados no Boletim Oficial de Macau.
44) Os orçamentos anuais da B de Macau eram aprovados pelo Governador e publicados no Boletim Oficial de Macau, por exemplo, pela Portaria 175/79/M, de 10 de Novembro, publicada no Boletim Oficial de Macau n.º 45; Portaria 154/78/M, de 23 de Setembro, no Boletim Oficial n.º 38, de 23 de Setembro de 1978; Portaria 112/80/M, de 12 de Julho, no Boletim Oficial n.º 28, de 12 de Julho de 1980.
45) Existem ainda vários diplomas legislativos do governo que provam que a Irmandade da B foi criada mediante acto legislativo, tais como – “Diploma Legislativo n.º 1414, Modifica a legislação vigente sobre o período da duração do exercício das funções dos mesários da B desta província. B.O. n.º: 9 de 1958/03/01” “Diploma Legislativo n.º 4/72, Dá nova redacção ao parágrafo 2.º do artigo 21º do Compromisso da B de Macau, aprovado pela Portaria n.º 5178, de 7 de Junho de 1952. - Revoga o Diploma Legislativo nº 1414, de 1 de Março de 1958. B.O. nº: 4 1972/01/22”
46) A Irmandade da B de Macau é uma Instituição de Utilidade Pública, de forma associativa, nos termos do artigo primeiro do Compromisso da B e é de criação pública mediante acto legislativo, percebe significativo subsídio anual do Governo da RAEM, recebe comparticipação significativa para pagamento dos salários do pessoal da Irmandade, comparticipações financeiras importantes em aquisições de bens e serviços para as suas instalações, está isenta de impostos e as concessões de terrenos são gratuitas.
47) A Irmandade da B está obrigada a prestar, anualmente, as contas de gerência ao Tribunal competente, nos termos do disposto no artigo 61º, no 1, do Compromisso da B que diz: “A Instituição submeterá, no prazo e condições legais, a julgamento do Tribunal competente, a sua conta de gerência anual”
48) A Irmandade da B de Macau é uma Instituição de utilidade pública, de forma associativa, esta Instituição é de criação pública mediante acto legislativo, Portaria no. 5:178 publicado no Boletim Oficial de 7 de Junho de 1952, cfr a folha 580 dos autos e documento 2 anexo.
O novo Compromisso foi publicado no Boletim Oficial de 7 de Junho de 1952, publicado pela Portaria no. 5:178, esta data de 7 de Junho de 1952 consta nos registos dos Serviços de Identificação, cfr. folhas 580 dos autos.
49) A Irmandade da B é uma Instituição de Utilidade Pública, de forma associativa nos termos do artigo 1º do Compromisso da B, está registada na Direção dos Serviços de Identificação sob o no, XX como pessoa colectiva de utilidade pública administrativa, (cfr. fls. 580 dos autos e documento 2 anexo) e está sujeita ao procedimento administrativo regulado nos termos do CPA
50) Este entendimento é suportado e defendido tanto pela doutrina portuguesa como pela doutrina local que se debruçaram sobre o assunto.
51) Na anotação ao artigo 2º, número 4, da obra de Mário Esteves de Oliveira, 2ª Edição, páginas 74 escreve-se o seguinte:
“(…) Por força deste no. 4, o Código pode ser mandado aplicar tambémtotal ou parcialmente, directa ou subsidiariamente- às instituições particulares de interesse público.
A sujeição ao procedimento administrativo depende, porém, nestes casos, de lei expressa - e não de norma do próprio CP A. Por outro lado, não se restringe expressamente a (possibilidade de) extensão do Código aos casos em que tais instituições exercem poderes de autoridadeembora a exigência tenha aqui também plena razão de ser.
Dúvida legítima é a de saber se, em relação àqueles actos destas instituições que, segundo o regime vigente de há décadas, já são actos administrativos (ver art. o 51º no. 1, do ETAF), se aplica o Código ou se é necessário que venha uma disposição expressa dizêlo agora, de novo.
Por nós, respondemos afoitamente no primeiro sentido. De outro modo, teríamos aqui, sem qualquer justificação, uma matéria ou sector jurídico-administrativo a viver num regime de excepção procedimental, sem garantia adequada de prossecução dos interesses da colectividade e de consideração dos interesses dos cidadãos abrangidos pela actuação destes entes ...” (Cfr anotação da obra de Mário Esteves de Oliveira, 2ª Edição, p 74).
52) Em sede da doutrina local, no Código do Procedimento Administrativo de Macau, anotado e comentado por Lino José Baptista Rodrigues Ribeiro e José Cândido de Pinho, os autores deixaram ainda a seguinte observação:
“(...) A segunda dúvida que se coloca é a de saber porque é que existe uma diversidade de regimes: nas concessionárias, o CPA aplica-se de forma imediata e nas demais instituições privadas de interesse público exige-se uma lei especial que assim o determine. Ora, defendendo-se que em ambos o caso é necessário o exercício de poderes de autoridade, não se compreende a não aplicação imediata também a estas entidades. Além disso, tal como acontece com as concessionárias, os actos administrativos das pessoas colectivas de utilidade pública administrativa são recorríveis contenciosamente (v.g. art.º 9º, no.2, alínea c) e d) da Lei no. 112/91 de 29/8). Ora, pelo menos nestes casos não é necessário lei expressa a determinar a aplicação do CPA, sob pena de se tomarem decisões materialmente administrativas sem sujeição a prévio procedimento ou mesmo sem respeito pelas normas materiais reguladoras da formação das decisões administrativas, com prejuízo para o interesse público e para os direitos dos particulares (...)” (Cfr. a referida obra, p. 50).
53) Neste sentido, sendo a Entidade recorrida, um órgão de uma instituição particular de interesse público, referida no artigo 2º, no.3 do CPA, a sua actuação autoritária - traduzido:
a) na aplicação de uma pena disciplinar à Recorrente, que é nula com fundamento de abuso de poder e violação de lei, provado por provas documentais constantes no processo acima mais bem identificado;
b) na imputação à Recorrente do pagamento dos honorários de 3 advogados contratados ilegalmente pelo F no montante de MOP180 300,00, que é nula com fundamento de abuso de poder e violação de lei, provado por provas documentais constantes no processo acima mais bem identificado;
c) aprovando um documento (o relatório final das averiguações dos 3 advogados contratados ilegalmente) que apenas chegou à sua posse 6 dias após a reunião em que diz o ter acolhido; provando-se por provas documentais a sua INEXISTÊNCIA JURÍDICA Cfr. provas documentais a fls. 144 a 166; fls. 167 a 174; fls. 184; fls. 206; fls. 1430 e fls. 1592 a 1610; fls. 1628 a 1633 e fls. 1634 a 1653; fls. 207 a 209 e fls. 1664 a 1667; fls. 1699 a 1744; fls. 1707, segundo parágrafo e fis.1738, primeiro parágrafo dos autos;
d) a deliberação da Assembleia Geral Extraordinária de 19 de Junho de 2020, é NULA, com fundamento de violação de Lei, porque violou o artigo 28º do Compromisso da Irmandade, violando assim, a alínea f) do no. 2 do artigo 122º do CPA, porque a convocação da Assembleia Geral Extraordinária realizada em 19 de Junho de 2020 foi feita apenas por carta simples, tendo sido omitida uma formalidade essencial para a convocação da referida Assembleia Geral Extraordinária, provado por provas documentais a fls. 394 a 396 e fls. 1699 a 1744 - está sujeita ao procedimento administrativo regulado nos termos do CP A, mesmo que esta exigência não resulte da previsão especial noutra lei.
54) O Tribunal Administrativo é competente para conhecer o presente recurso contencioso, nos termos do disposto no artigo 30.º, no.2, alínea 1), subalínea (5), da Lei de Bases da Organização Judiciária que diz “No âmbito do contencioso administrativo, e sem prejuízo da competência do Tribunal de Segunda Instância, compete ao Tribunal Administrativo conhecer dos recursos dos actos administrativos ou em matéria administrativa praticados pelos órgãos de pessoas colectivas de utilidade pública administrativa.”
55) A Irmandade da B de Macau, é uma instituição de utilidade pública, de forma associativa, nos termos do artigo primeiro do Compromisso da B e registada na Direção dos Serviços de Identificação sob o n.º XX como pessoa colectiva de utilidade pública administrativa e passou a ser regulada pelo artigo 13º, no. 1 da Lei no. 11/96/M, de 12 de Agosto.
56) O novo Compromisso da Irmandade da B de Macau, foi aprovado pela Portaria no. 5:178, de 7 de Junho de 1952, publicada no Boletim Oficial de Macau n.º 23 de 7 de Junho de 1952, continuando a Irmandade da B de Macau a ser reconhecida como uma “corporação administrativa de utilidade pública” e esta Portaria no. 5:178, de 7 de Junho de 1952 nunca foi revogada pelo Governo e publicado no Boletim Oficial (cfr documento 2 anexo)
57) Face à publicação da Lei no. 11/96/M de 12 de Agosto e por força do seu artigo 13º no. 1, o Compromisso da B foi republicado no Boletim Oficial no. 45 II série, de 5 de Novembro, passando a Irmandade da B, a denominar-se “pessoa colectiva de utilidade publica administrativa”.
58) A Irmandade da B é uma Instituição de Utilidade Pública, criada mediante acto legislativo do governo e está registada na Direção dos Serviços de Identificação sob o no. XX como pessoa colectiva de utilidade pública administrativa, (cfr. fls. 580 dos autos e documentos 1 e 2 anexos), está sujeita ao procedimento administrativo regulado nos termos do CPA e nos termos do disposto no artigo 30.º, no. 2, alínea 1), subalínea (5), da Lei de Bases da Organização Judiciária, o Tribunal Administrativo é competente para, em razão da matéria, julgar o presente Recurso Contencioso Administrativo apresentado pela ora Recorrente.
59) Nestes termos a Entidade Recorrida está sujeita ao procedimento administrativo regulado nos termos do CPA e o Tribunal Administrativo é competente para julgar o presente recurso contencioso administrativo, nos termos do disposto no artigo 30.º, no.2, alínea 1), subalínea (5), da Lei de Bases da Organização Judiciária que diz “No âmbito do contencioso administrativo, e sem prejuízo da competência do Tribunal de Segunda Instância, compete ao Tribunal Administrativo conhecer dos recursos dos actos administrativos ou em matéria administrativa praticados pelos órgãos de pessoas colectivas de utilidade pública administrativa.”
Contra-alegando veio a Recorrida apresentar as seguintes conclusões:
a) Quanto ao estatuto jurídico da ora Recorrida como associação provada de utilidade pública:
1. A Recorrida é uma associação privada humanitária fundada no ano de 1569 pelo G e que hoje, em cooperação com a Administração Pública da RAEM, sempre na qualidade de associação provada, prossegue fins de interesse geral da comunidade.
2. Essa prossecução de fins de interesse geral da comunidade e o cumprimento dos demais requisitos legalmente impostos determinou a classificação da Recorrida como associação privada de utilidade pública administrativa, nos termos e para os efeitos da Lei n.º 11/96/M, encontrando-se esta registada enquanto tal junto da Direcção dos Serviços de Identificação sob o número XX (cf. documento junto a fls. 580 dos autos).
3. Desde 1569 e até 1938, a Recorrida tinha natureza jurídica privada, que, com a declaração de utilidade pública determinada pelo Governo da Colónia nesse ano de 1938 e a subsequente aprovação do novo Compromisso pelo Governo da Província de Macau e Timor, em 1952, se manteve inalterada, pois que o supracitado artigo 568.º da Reforma Administrativa Ultramarina previa expressamente a possibilidade de corporações administrativas de iniciativa particular.
4. De todo o modo, as corporações administrativas enquanto órgãos compreendidos na estrutura organizativa da administração pública, prosseguindo, de forma indirecta, funções substantivamente administrativas com relativa autonomia quanto ao Estado, haviam sido abolidas do ordenamento jurídico português e, por extensão, do então Território de Macau com a entrada em vigor da Constituição da República Portuguesa de 1976 (cf. em particular o número 1 do artigo 293.º desse diploma).
5. Decisivamente o que releva é o que dispõe o artigo 1.º da Lei n.º 11/96/M, a cuja citação integral se procede para facilidade de referência por Vossa Excelência, estatui que:
“São pessoas colectivas de utilidade pública administrativa as associações ou fundações privadas que prossigam fins de interesse geral da comunidade, cooperando com a Administração do Território, e que, nos termos desta lei, sejam declaradas de utilidade pública administrativa.”
6. Ou seja, pese embora sejam declaradas de utilidade pública administrativa, tais associações ou fundações retêm o estatuto de entidade privada e não se consideram integradas na Administração Pública da RAEM.
7. Por seu turno, o artigo 13.º da mesma Lei, sob a epígrafe “Declarações anteriores”, estatui o que:
“1. As corporações administrativas e as outras pessoas colectivas que à data da publicação desta lei tenham sido consideradas de utilidade pública administrativa. de utilidade pública. de utilidade imperial ou de idêntica natureza ficam sujeitas ao que nela se dispõe.
2. Às pessoas colectivas referidas no número anterior é correspondentemente aplicável o disposto no artigo 9º.
3. As pessoas colectivas referidas no n.º 1 devem comunicar. para efeitos de registo, no prazo de cento e oitenta dias. os factos referidos nas alíneas a), b) e c) do no. 3 do artigo 9.º.
4. O incumprimento do disposto no número anterior faz cessar a declaração de utilidade pública administrativa.”
8. A Lei n.º 11/96/M prevê, assim, o reconhecimento da utilidade pública administrativa a associações e a fundações de direito privado, não prevendo a possibilidade de atribuição desse mesmo estatuto a quaisquer outras entidades (cf. o artigo 1.º do diploma em questão e a definição do estatuto jurídico básico ou fundamental das pessoas colectivas de utilidade pública administrativa).
9. A Lei n.º 11/96/M prevê a sua aplicação imediata às entidades cujo estatuto de utilidade pública administrativa pudesse ter sido adquirido em momento anterior ao da sua entrada em vigor, subordinando, porém, a manutenção do referido estatuto de pessoa colectiva de utilidade pública administrativa ao cumprimento dos requisitos de que a mesma faz depender essa mesma possibilidade - exigindo, em particular, que as entidades em questão assumam a forma de associação de fundação.
b) Quanto à Qualificação do Acto Impugnado ou Relação Subjacente e à respectiva relevância para a definição do âmbito de competência da jurisdição administrativa:
10. Nos autos à margem referenciados, a Recorrente lançou mão de um instrumento previsto no Código do Processo Administrativo Contencioso, especificamente destinado à impugnação de actos administrativos.
11. Mas, das disposições conjugadas do número 1 do artigo 19.º e do número 1 e das subalíneas (1) e (5) da alínea 1) do número 2 do artigo 30.º da Lei de Bases de Organização Judiciária, resulta, de forma inequívoca, que o âmbito da jurisdição administrativa é delimitado segundo um critério de natureza essencialmente objectiva,
12. A subordinação de um litígio ao âmbito e competência da jurisdição administrativa está primeira e determinantemente dependente de que a relação jurídica subjacente seja uma relação de natureza administrativa (cf. o supracitado artigo 19.º da Lei de Bases da Organização Judiciária e o proémio do número 1 do supracitado artigo 30.º do mesmo diploma), por um lado;
13. Por outro lado, o recurso contencioso de anulação tem por finalidade a actuação de um juízo de legalidade sobre um acto administrativo, anulando-o ou declarando a respectiva nulidade ou inexistência (cf. artigo 20.º do Código de Processo Administrativo Contencioso).
14. O facto de uma associação de direito privado e utilidade pública poder praticar actos administrativos não significa, porém, que todos os actos pela mesma praticados se qualifiquem como actos administrativos, porque, não se tratando de entes ou organismos integrados na administração centralizada, não pode presumir-se que os actos por si praticados se qualifiquem objectivamente como actos administrativos.
15. A sanção de repreensão foi aplicada à Recorrente na sua qualidade de associada da Recorrida, ou seja, na sua qualidade de membro da associação privada que a Irmandade é, nos termos delineados no seu Compromisso.
16. Essa sanção disciplinar não tem qualquer impacto no estatuto cívico da Recorrente, muito menos no seu estatuto político, nem tão pouco tem fundamento, nem dá causa à constituição, de qualquer relação especial de poder entre esta e a Recorrida.
17. Sendo que tão pouco tal acto de aplicação de uma sanção disciplinar tem em vista a realização de uma finalidade relevante, em si mesma, sob o ponto de vista da prossecução de qualquer interesse público vinculativo por parte da Recorrida e, mediatamente, por parte da RAEM,
18. Correspondendo, por isso, a um acto de mera gestão privada, que releva apenas no plano das relações internas que intercorrem entre a Recorrida e a Recorrente, enquanto associação e associada, respectivamente.
19. Impõe-se como clara e inevitável a conclusão de que o acto sob impugnação não é qualificável como um acto administrativo, ou como acto praticado no exercício da função administrativa, não estando assim verificado o pressuposto de que, nos termos da supra-referida subalínea (5) da alínea 1) do número 2 do artigo 30.º da Lei de Bases de Organização Judiciária, depende o reconhecimento da competência do Tribunal Administrativo.
c) Quanto à ampliação subsidiária do objecto do recurso para eventual conhecimento da excepção Caducidade do Direito de Impugnação Contenciosa da Acta que afecta a Recorrente:
20. O acto de aplicação da sanção e de interpelação para o pagamento de despesa foi formado pela deliberação da Mesa Directora da ora Recorrida em 29 de Maio de 2019, de cujo teor a Recorrente foi notificada em 27 de Junho de 2019;
21. Nos termos do estipulado no Artigo 51º e nas alíneas a) e b) do Artigo 50º do estatuto da ora Recorrida e, bem assim, do estatuído no Artigo 159º do Código Civil, o referido acto é da competência da Mesa Directora, directa e imediatamente impugnáveis em via contenciosa, pelo que o recurso do mesmo para a Assembleia Geral se qualifica como um recurso facultativo;
22. Nos termos do disposto no no. 3 do Artigo 157º do Código de Procedimento Administrativo, (sic) “O recurso hierárquico facultativo não suspende a eficácia do acto recorrido”;
23. Por outro lado, nos termos do disposto no no. 2 do Artigo 25º do mesmo Código, o prazo de 30 dias para a interposição do recurso conta-se da data da notificação ao interessado, a qual se configura, in casu, como obrigatória nos termos do disposto na alínea b) do Artigo 68º também do mesmo Código;
24. A caducidade do direito de recurso pelo decurso do prazo respectivo tem natureza substantiva, determinando por isso a convalidação dos actos de outro modo recorríveis e justificando, por isso, a absolvição da Ré do pedido.
d) Quanto à ampliação subsidiária do objecto do recurso para eventual conhecimento da excepção de falta de interesse em agir na Impugnação Contenciosa de Deliberações da Assembleia Geral:
25. A competência deliberativa própria da Mesa Directora para a prática dos actos impugnados e a natureza facultativa do recurso dos mesmos interposto para a assembleia geral, conjugadamente com a circunstância de que a Assembleia Geral se tenha limitado a confirmar o teor das deliberações emitidas pela Mesa Directora, tem como consequência que a eventual anulação da deliberação confirmativa (da Assembleia Geral) não afecte, nem a validade, nem a eficácia das deliberações DA Mesa Directora;
26. Porque assim é, a Recorrente não é titular de um direito ou interesse juridicamente atendível que possa ser eficazmente tutelado através dos presentes Autos, tal como a instância foi objectivamente configurada: a eventual anulação de deliberações confirmativas da Assembleia Geral não tem como efeito a preclusão dos efeitos das deliberações da Mesa Directora - deliberações estas que, como acima visto e concluído, são inopugnáveis.
Foram os autos ao Ilustre Magistrado do Ministério Público o qual emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso, confirmando-se a sentença recorrida.
Foram colhidos os vistos.
Cumpre, assim, apreciar e decidir.
II. FUNDAMENTAÇÃO
Na parte que releva para decisão da questão a decidir é do seguinte teor o Douto parecer do Ilustre Magistrado do Ministério Público:
«1.
A, melhor identificada nos autos, interpôs «recurso contencioso de declaração de nulidade» da deliberação de 19 de Junho de 2020 da assembleia Geral da Irmandade da B de Macau que negou provimento ao recurso interposto pela ora Recorrente da deliberação de 29 de Maio de 2019 da Mesa que lhe aplicou uma sanção disciplinar de repreensão registada à Recorrente e lhe imputou a responsabilidade pelo pagamento dos honorários dos advogados mandatados por um dos mesários no montante de 180.300,00 patacas.
O Meritíssimo Juiz do Tribunal Administrativo por douta decisão que se encontra a fls. 1848 a 1851 dos presentes autos, declarou verificada a excepção da incompetência do tribunal em razão da matéria e ordenou a remessa do processo para os Juízos Cíveis do Tribunal Judicial de Base.
Inconformada, veio a Recorrente interpor o presente recurso jurisdicional no qual sustenta a competência do Tribunal Administrativo para conhecer o presente recurso e pugna, assim, pela revogação da douta decisão recorrida.
A Irmandade da B de Macau (doravante, B) apresentou contra-alegações, pugnando pela manutenção do decidido pelo Tribunal Administrativo.
2.
(i)
Salvo o devido respeito, pelas razões já enunciadas pelo Ministério Público no douto parecer que consta de fls. 1765 a 1767 e que merecem a nossa inteira adesão, parece-nos que a pretensão impugnatória da sentença proferida pelo Meritíssimo Juiz do Tribunal Administrativo trazida pela Recorrente não pode merecer acolhimento.
Está em causa uma única questão: a de saber se o Tribunal Administrativo é ou não competente para conhecer do litígio que constitui objecto dos presentes autos. E a resposta a essa questão não pode deixar de ser, segundo cremos, negativa.
Em linhas muito breves diremos porquê.
(ii)
Decorre do n.º 1 do artigo 30.º da Lei de Bases da Organização Judiciária (LBOJ) que «o Tribunal Administrativo é competente para dirimir litígios emergentes de relações jurídicas administrativas, fiscais e aduaneiras».
Por sua vez, do artigo 30.º, n.º 2, alínea 1), subalínea (5) do citado diploma legal resulta que, no âmbito do contencioso administrativo compete ao Tribunal Administrativo conhecer dos recursos dos actos administrativos ou em matéria administrativa praticados órgãos de pessoas colectivas de utilidade pública administrativa.
A B de Macau nos termos que resultam do Artigo primeiro do «Compromisso da B de Macau», republicado no Boletim Oficial n.º 45 do Ano de 1997, II Série, de 5 de Novembro de 1997, é uma instituição de forma associativa que reveste, ademais, a natureza de pessoa colectiva de utilidade pública administrativa, pois que se enquadra, de pleno, na previsão normativa contida no artigo 1.º da Lei n.º 11/96/M, de 12 de Agosto, segundo a qual «são pessoas colectivas de utilidade pública administrativa as associações ou fundações privadas que prossigam fins de interesse geral da comunidade, cooperando com a Administração do Território, e que, nos termos desta lei, sejam declaradas de utilidade pública administrativa» (não podemos deixar de sublinhar que a fonte directa desta norma é uma norma contida num diploma legislativo português, concretamente o artigo 1.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 460/77, de 7 de Novembro, onde se preceitua: «são pessoas colectivas de utilidade pública as associações ou fundações que prossigam fins de interesse geral, ou da comunidade nacional ou de qualquer região ou circunscrição, cooperando com a Administração Central ou a administração local, em termos de merecerem da parte desta administração a declaração de ‘utilidade pública’». Ora, no ordenamento jurídico português nunca mereceu discussão que utilidade pública e utilidade administrativa não coincidem nem têm de coincidir integralmente. Veja-se, neste sentido, o Parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, n.º 1/2018, publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 62 – 28 de Março de 2019, p. 9649).
Todavia, daí não decorre que a actuação de um dos seus órgãos que a Recorrente pretende ver judicialmente sindicada caiba no âmbito legalmente definido pelo artigo 30.º da LBOJ como sendo o da competência jurisdicional em razão da matéria do Tribunal Administrativo.
Na verdade, nos termos da norma da subalínea (5) da alínea 1) do n.º 2 do artigo 30.º da LBOJ, ao Tribunal Administrativo não compete conhecer de todos os litígios que possa emergir da actividade desenvolvida pelas pessoas colectivas de utilidade pública administrativa. Apenas lhe compete conhecer dos recursos dos actos administrativos ou em matéria administrativa praticados pelos órgãos dessas pessoas colectivas.
Segundo nos parece, com esta delimitação, o legislador tomou uma opção muito clara: a circunstância de uma entidade privada poder integrar funcionalmente, se bem que não orgânico-subjectivamente, a Administração Pública da Região não implica, sem mais, a submissão de toda a sua actuação externa ao direito administrativo nem a fiscalização judicial dessa actividade aos tribunais administrativos. Pelo contrário. Em regra, a actuação das entidades privadas rege-se pelo direito privado e por isso, o carácter excepcional de que se reveste a aplicação do direito administrativo à acção das entidades privadas determina, na mesma medida, o carácter excepcional da submissão dessas entidades à jurisdição administrativa (assim, PEDRO COSTA GONÇALVES, Entidades Privadas com Poderes Administrativos, in Cadernos de Justiça Administrativa, n.º 58, p. 56).
O conceito legal de acto administrativo encontra-se, como é sabido, no artigo 110.º do Código do Procedimento Administrativo e apesar das divergências doutrinais que são conhecidas em torno da opção por um conceito amplo ou por um conceito restrito, para o que aqui e agora interessa, o que importa sublinhar é a seguinte nota: para que se poder falar de acto administrativo necessário se mostra que o mesmo corresponda a uma decisão de um órgão da Administração no exercício de poderes jurídico-administrativos.
O que significa, para o que agora nos interessa, que é recortar o âmbito da competência do Tribunal Administrativo quando em causa esteja a actuação de uma entidade privada, que tal competência dependerá de o acto em causa se tratar de um acto praticado no exercício da função administrativa é dizer, no exercício de poderes públicos de autoridade conferidos por normas de direito público (cfr. MARCELO REBELO DE SOUSA – ANDRÉ SALGADO DE MATOS, Direito Administrativo Geral, Tomo III, Lisboa, 2007, p. 71, JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE, Lições de Direito Administrativo, Coimbra, 2018, p. 172 e PEDRO COSTA GONÇALVES, Entidades…, p. 57).
Como refere MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, «determinante para que a competência pertença, neste domínio, aos tribunais administrativos é, pois, que o sujeito privado tenha actuado ao abrigo de normas de direito administrativo, ou seja, de normas que atribuam prerrogativas ou imponham deveres, sujeições ou limitações especiais por razões de interesse público, que não intervêm no âmbito de relações de natureza jurídico-privada» (cfr., do Autor citado, Manual de Processo Administrativo, Coimbra, 2010, p. 275).
(iii)
Posto isto, a questão que tem se colocar é, precisamente, a de saber se a actuação da Assembleia Geral da B que a Recorrente pretende afrontar no Tribunal Administrativo partilha ou não daquelas notas caracterizadoras e se, portanto, corporiza ou não um acto administrativo pois que só em caso afirmativo se pode dizer que a competência para conhecer do litígio cabe àquele Tribunal.
Vejamos.
A B é uma pessoa colectiva de direito privado, é uma entidade de criação e de natureza privada que, seguramente, não integra, de acordo com um critério puramente orgânico-subjectivo, a Administração Pública da Região (era diferente, como se sabe, o enquadramento que, em Portugal, resultava do n.º 4 do artigo 109.º da Constituição de 1933 que, expressamente, integrava as pessoas colectivas de utilidade pública administrativa na Administração Pública: sobre isto, veja-se MARCELLO CAETANO, Manual de Direito Administrativo, 10.ª edição, reimpressão, Tomo I, Coimbra, 1990, p. 399).
Além disso, embora prossiga fins de interesse geral da comunidade e, nessa medida, coopere com a Administração da Região nos termos enunciados na norma do artigo 1.º da Lei n.º 11/96/M, tal não se mostra suficiente para a categorizar como uma entidade privada que exerça funções administrativas ou que disponha, em geral, de poderes de autoridade conferidos por normas de direito público. Trata-se de uma entidade que se localiza na esfera privada, fora da Administração pública e sem participação no exercício da função administrativa, sem prejuízo de a sua actuação revestir uma evidente relevância pública (assim, PEDRO COSTA GONÇALVES, Manual de Direito Administrativo, Volume I, Coimbra, 2020, p. 444 e pp. 1002-1003 e, no mesmo sentido, JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE, Lições…, Coimbra, 2018, p. 172. O que vimos de dizer não exclui, é certo, que a B, enquanto pessoa colectiva de utilidade pública administrativa, possa ser investida no desempenho de funções no quadro de uma colaboração com a Administração delineada num contrato. Quando tal suceda, no âmbito dessa colaboração e nos termos nela previstos, aquelas pessoas colectivas participarão no exercício da função administrativa, integrando a Administração, e, por isso, os actos que pratiquem nesse circunscrito âmbito, na medida em que correspondam a decisões unilaterais autoritárias que visem a produção de efeitos jurídicos num caso concreto, corporizarão verdadeiros actos administrativos. Sobre este último ponto, veja-se a lição de PEDRO COSTA GONÇALVES, Manual…, p. 1003).
Sendo embora uma pessoa colectiva de utilidade pública administrativa e, por isso, se enquadre na previsão da subalínea (5) da alínea 1) do n.º 2 do artigo 30.º da LBOJ, a verdade é que o acto praticado por um dos seus órgãos, no caso a Assembleia Geral, e que constitui objecto do presente recurso contencioso não consubstancia um acto administrativo, porquanto não foi praticado no exercício de poderes públicos de autoridade conferidos por normas de direito administrativo, sendo que, como vimos, é o exercício desses poderes assim caracterizados que surge como factor de conexão relevante da actuação das pessoas colectivas de utilidade administrativa com os tribunais administrativos.
Com efeito, está em causa um mero conflito entre a B e um dos seus membros, no caso, a Recorrente, que não releva, de modo algum, da aplicação de normas de direito administrativo, mas, simplesmente, de normas e previsões estatutárias de natureza exclusivamente privada, que nada têm que ver, por isso, com o exercício de prerrogativas de direito público. Mera gestão privada, como nos parece de meridiana clareza. Nem sequer se pode dizer, segundo cremos, que aqui esteja em causa uma relação juridicamente administrativizada pois que não se trata de uma actuação externa que se desenvolva especificamente ao abrigo de normas de direito administrativo, isto é, normas que lhe sejam dirigidas pelo facto de ser uma entidade que exerça funções administrativas (Cfr., sobre este último ponto, PEDRO COSTA GONÇALVES, Entidades…, p. 58).
Andou bem, pois, em nosso modesto entendimento, a douta decisão recorrida ao julgar verificada a excepção dilatória da incompetência em razão da matéria do Tribunal Administrativo e ao ordenar a remessa dos autos para os Juízos Cíveis do Tribunal Judicial de Base.».
Em igual sentido e sobre a mesma questão já se decidiu neste tribunal no Acórdão proferido em 29.07.2021 no processo nº 423/2021, no qual se diz que:
« Para o Professor Freitas do Amaral1, acto administrativo “é o acto jurídico unilateral praticado por um órgão da Administração no exercício do poder administrativo a que visa a produção de efeitos jurídicos sobre uma situação individual num caso concreto.”
No caso dos autos, embora o acto seja praticado pelo órgão de pessoa colectiva de utilidade pública administrativa (Mesa Directora), a verdade é que aquele acto não decorre do exercício do poder de autoridade.
Em boa verdade, trata-se de um acto praticado no desempenho duma actividade de gestão privada, actividade essa regulada por normas de direito civil, pelo que as questões suscitadas entre as partes, por integrarem o âmbito de direito privado, estão fora da jurisdição administrativa.
Termos em que, por não estar preenchido o disposto no artigo 30.º da Lei n.º 9/1999, há-de confirmar a sentença recorrida na parte em que decidiu pela incompetência do Tribunal Administrativo.».
Concordando integralmente com a fundamentação constante do Douto Parecer do Ilustre Magistrado do Ministério Público supra reproduzido ao qual integralmente aderimos sem reservas, sufragando a solução nele proposta entendemos que o Tribunal Administrativo não é competente para conhecer deste recurso contencioso.
No que concerne à adesão do Tribunal aos fundamentos constantes do Parecer do Magistrado do Ministério Público veja-se Acórdão do TUI de 14.07.2004 proferido no processo nº 21/2004.
III. DECISÃO
Nestes termos e pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância em negar provimento ao recurso mantendo a decisão recorrida nos seus precisos termos.
Custas a cargo da Recorrente fixando-se a taxa de justiça em 5 UC´s.
Registe e Notifique.
RAEM, 23 de Setembro de 2021
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Rui Carlos dos Santos P. Ribeiro Álvaro António Mangas Abreu Dantas
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Lai Kin Hong
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Fong Man Chong
1 Direito Administrativo, Volume III, 1989, pág. 66
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313/2021 ADM 41