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Acórdão do Tribunal de Última Instância
da Região Administrativa Especial de Macau



Recurso penal
N.° 33 / 2008


Recorrente: A







1. Relatório
   A e outro arguido foram julgados no Tribunal Judicial de Base no âmbito do processo n.º CR2-07-0249-PCC. Aquele arguido foi condenado pela prática de um crime de tráfico de drogas previsto e punido pelo art.º 8.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 5/91/M na pena de 9 anos de prisão e MOP$30.000,00 de multa, convertível em 198 dias de prisão.
   Do acórdão de primeira instância recorreu o arguido A para o Tribunal de Segunda Instância. Por acórdão proferido no processo n.º 305/2008, o Tribunal de Segunda Instância rejeitou o recurso.
   Vem agora o mesmo arguido recorrer deste acórdão para o Tribunal de Última Instância, formulando as seguintes conclusões na sua motivação de recurso:
   “1. O presente recurso vem interposto do acórdão do Tribunal de Segunda Instância de 26 de Junho de 2008 que decidiu rejeitar o recurso interposto do acórdão de 3 de Abril de 2008 do Tribunal Judicial de Base, por considerar que este não violou os princípios da culpa e da proporcionalidade na determinação da medida da pena, quando decidiu aplicar ao recorrente a pena efectiva de 9 anos de prisão e a pena de multa de MOP$30,000.00, ou, em alternativa a esta, 198 dias de prisão.
   Tal como a decisão de aplicação das citadas penas ao ora recorrente pelo Tribunal Judicial de Base, este acórdão do Venerando Tribunal a quo mostra-se, salvo o devido respeito, desproporcionado, se nos concentrarmos nos factos considerados assentes ou provados, na colaboração demonstrada pelo arguido na altura da apreensão dos estupefacientes, na circunstância de ter apenas 21 anos, no facto de ser primário e de, residindo em Macau há apenas três meses, se ter envolvido com “más companhias”, como confessado pelo arguido.
   2. Analisado criteriosamente o acórdão do Venerando Tribunal de Segunda Instância, que acabou por rejeitar o recurso interposto, mantendo a decisão proferida pelo Distinto Colectivo do Tribunal Judicial de Base em 3 de Abril do corrente ano, não poderá deixar de se apontar ao acórdão ora recorrido o vício da violação dos princípios da culpa e da proporcionalidade (art.º 40.º, n.ºs 1 e 2 do Código Penal), traduzidos no quantum da pena, que se afigura exagerada e, bem assim, no montante da multa fixada.
   3. O princípio da proporcionalidade relaciona-se, assim, com os critérios que devem ser adoptados para definir qual a sanção ou o quantum da pena a considerar como proporcional face a um determinado delito praticado. No momento de decidir a pena, o juiz deverá ter em consideração os meios e os fins das penas e esse juízo deverá ser proporcional à gravidade objectiva do facto praticado.
   4. Atendendo ao disposto pelo art.º 40.º, n.ºs 1 e 2 do Código Penal, se o juízo da culpa releva da intuição do julgador, determinado pelas regras da experiência, na determinação da medida concreta da pena, devem funcionar igualmente exigências de prevenção geral de integração e de prevenção especial, à qual caberá encontrar o quantum exacto da pena que melhor sirva as exigências da socialização, de reintegração social do arguido.
   5. No caso concreto, a medida concreta da pena mantida pelo acórdão do Venerando Tribunal de Segunda Instância e o montante da multa aplicada mostram-se exagerados, violando os princípios da culpa e o da proporcionalidade.
   6. No caso, o Venerando Tribunal a quo deveria ter atendido a inúmeros factos para determinar a concreta medida da pena a aplicar. Desde logo, o arguido colaborou com os agentes da Polícia Judiciária na altura da apreensão dos estupefacientes e da sua detenção, franqueando-lhes, sem hesitações, a porta do [Endereço], tem a idade de 21 anos, sendo previsível que, com a execução da pena de prisão efectiva, vá passar grande parte da sua vida adulta em cativeiro, é primário e residia há três meses apenas em Macau, onde ter-se-á envolvido com “más companhias”, como confessou em fase anterior à audiência de discussão e julgamento.
   7. Tendo em conta a moldura abstracta da pena, que se cifra entre os 8 e os 12 anos, aplicar uma pena concreta de nove anos, salvo o devido respeito, viola o princípio da proporcionalidade, assim como o princípio da culpa.
   8. Tal violação torna-se mais flagrante, se atendermos ao facto de ao ora recorrente ter sido também aplicada uma pena de multa na ordem das trinta mil patacas, convertível em 198 dias de prisão, o que significa que, atendendo às previsíveis dificuldades financeiras futuras do arguido, deixará de auferir rendimentos do trabalho pelo tempo que durar a prisão e bem assim da sua família, a residir na China e que necessita também, ela mesma, do seu contributo financeiro, a pena concreta aplicada aumenta para limites ainda mais exageradamente gravosos.
   9. Assim, tendo em conta o vertido acima, o circunstancialismo do crime, as exigências de prevenção geral e especial, e a própria finalidade da pena, a medida concreta da pena não poderia, de forma alguma, e salvo o devido respeito, ir além do mínimo determinado na moldura penal abstracta, isto é, os oito anos de prisão efectiva.
   10. O mesmo se dirá do montante concreto da multa aplicada, já que se torna evidente que o arguido deixará de auferir rendimentos do trabalho, sendo até previsível que os pais, residindo na China, depreciem o pouco que têm, ao quererem visitar o arguido preso em Macau, deixando de poder apoiá-lo financeiramente, quando este futuramente precisar. Atendendo ao debilitar das condições económicas do arguido e da sua família, tal multa deveria cifrar-se num montante mais razoável, ou seja, nas MOP$5,000.00.”
   Pedindo que seja julgado procedente o recurso e reduzidas a pena e a multa imposta ao recorrente.
   
   O Ministério Público, na sua resposta, concluiu de seguinte forma:
   “1. Nos termos do art.º 65.º do CPM, a determinação da medida da pena é feita “em função da culpa do agente e das exigências de prevenção criminal”, tanto de prevenção geral como de prevenção especial.
   2. A culpa, enquanto pressuposto da pena, define o seu limite máximo.
   3. A quantificação da culpa e a intensidade das razões de prevenção têm de determinar-se, naturalmente, através de “todas as circunstâncias que, não fazendo do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele”, tendo nomeadamente em conta as circunstâncias elencadas nas várias alíneas do n.º 2 do art.º 65.º do CPM.
   4. No caso sub judice, a favor do recorrente não militam quaisquer circunstâncias atenuantes de relevo, com excepção de ser primário.
   5. Ficou provado que o recorrente agiu com dolo direito.
   6. No que tange às finalidades da pena, são prementes as exigências de prevenção geral, impondo-se prevenir a prática do crime em causa, que põe em grande risco a saúde pública e a paz social.
   7. Não se mostra violado o disposto nos art.ºs 40.º e 65.º do CPM.
   8. Tudo ponderado e face às molduras penais do crime em causa, não nos parece excessiva a pena concreta aplicada pelo Tribunal a quo.”
   Entende que se deve negar provimento ao recurso, até rejeitá-lo por ser manifestamente improcedente.
   
   Nesta instância, o Ministério Público mantém a posição assumida na resposta.
   
   
   Foram apostos vistos pelos juízes-adjuntos.
   
   
   
   2. Fundamentos
   2.1 Matéria de facto
   Foram dados como provados pelos Tribunal Judicial de Base e Tribunal de Segunda Instância os seguintes factos:
   “Passado das 5:00 horas da madrugada do dia 12 de Novembro de 2006, os agentes da PJ interceptaram o arguido A junto à porta do [Endereço].
   Posteriormente os agentes da PJ procederam uma busca domiciliária do arguido A, sito no [Endereço], tendo encontrado no peitoril da janela do seu quarto 11 pacotinhos contendo pó branco.
   Submetidos a exame laboratorial, os 11 pacotinhos de pó branco supracitados foram identificados como substâncias de Ketamina, abrangidas na Tabela II-C prevista no Decreto-Lei n.º 5/91/M, com peso líquido de 6.866 g. (resultados da análise de métodos quantitativos : 92.20% de Ketamina, peso de 6.330 g.)
   O pó branco acima referido foram obtidos pelo arguido A através de um indivíduo de identidade desconhecida, e não sendo para o consumo pessoal do arguido.
   Na mesma altura, os agentes da PJ também efectuaram investigação dum outro quarto do mesmo apartamento, do qual o arguido B estava presente no respectivo quarto.
   Os agentes da PJ encontraram na mesinha do respectivo quarto uma garrafa de plástico verde que continha uma palhinha e líquidos, 4 palhinhas para inalação, 2 folhas de alumínio, 1 caixa de folha de alumínio; e na parte superior do guarda-roupa do quarto foi encontrado 1 saco contendo pó branco, 1 saco de plástico vermelho, 2 blocos de pequenos sacos de plásticos transparentes, 15 palhinhas e 1 caixa de folha de alumínio; tendo ainda encontrado na gaveta da mesa de toucador 3 blocos de pequenos sacos de plástico transparente e 2 envelopes de “Lai Si”; foi encontrado no guarda-roupa, no bolso dum dos fatos 90 comprimidos vermelhos.
   Submetidos a exame laboratorial, o líquido que se encontra na garrafa de plástico de cor verde que continha uma palhinha, foram identificadas como substâncias de Metanfetamina, N,N – dimetanfetamina e anfetamina, abrangidas na Tabela II-B prevista no Decreto-Lei n.º 5/91/M, com peso líquido de 280 ml; nas 4 palhinhas para inalação foram encontradas substâncias identificadas como Metanfetamina, N,N – dimetanfetamina e anfetamina, abrangidas na Tabela II-B no mesmo diploma; as 2 folhas de alumínio contêm Metanfetamina, substâncias abrangidas na Tabela II-B do mesmo diploma; o saco de plástico com pó branco acima referido, foram identificadas como substâncias de Ketamina, abrangidas na Tabela II-C do mesmo diploma; com peso líquido de 14.308 g (resultados da análise de métodos quantitativos: 98.66% de Ketamina, peso de 14.116 g.); os 90 comprimidos acima referidos foram identificados como substâncias de Metanfetamina, abrangidas na Tabela II-B prevista no mesmo diploma, com peso líquido de 7.030 g (resultados da análise de métodos quantitativos: 13.42% de Metanfetamina, peso de 0.943 g.)
   Os estupefacientes foram adquiridos pelo arguido B junto dum indivíduo de identidade desconhecida, do qual, o saco de plástico contendo pó branco (com Ketamina) e a maior parte dos comprimidos vermelhos supracitados (com Metanfetamina) não se destinavam para consumo pessoal, e o líquido que se encontrava na garrafa de plástico verde era o resto que o arguido B estava a consumir no quarto.
   Os supracitados sacos de plástico transparente e os envelopes de “lai si” eram servidos pelo arguido B como utensilagem de embrulho de estupefacientes.
   A garrafa de plástico que continha uma palhinha, as palhinhas para inalação, as folhas de alumínio são utensilagens para consumo de estupefacientes do arguido B
   Os arguidos B e A agiram livre, voluntariamente, consciente e praticaram dolosamente os actos supracitados.
   Tinham perfeito conhecimento da qualidade e da característica dos produtos estupefacientes acima mencionados.
   Os actos acima por eles praticados não são legalmente autorizados.
   Sabiam perfeitamente que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
   
   De acordo com o registo criminal, os dois arguidos são primários.
   O 1º arguido declarou que começou a trabalhar como angariador de casinos de Macau um ano antes de ser preso, os seus pais são agricultores na sua terra natal, a sua mulher é operária de fábrica, têm um filho de 8 anos. Tem a habilitação de ensino secundário geral.
   O 2º arguido declarou que era bate-ficha em Macau antes de ser preso. Auferia mensalmente MOP$20.000,00 a MOP$30.000,00. O seu pai é cabeleireiro e sua mãe massagista. Tem ainda uma irmã mais nova de 19 anos a esperar emprego. Tem a habilitação de ensino secundário geral.
   
   Factos não provados:
   Não há factos relevantes a provar.”
   
   
   2.2 Medida da pena
   O recorrente discorda da pena de prisão e multa fixada no acórdão recorrido por considerar exagerada, em violação dos princípios da culpa e da proporcionalidade, propondo que seja aplicada uma pena de prisão no mínimo, ou seja, oito anos de prisão, e a multa de cinco mil patacas.
   
   Para tanto, alegou o recorrente de que colaborou com os agentes policiais na altura da apreensão das drogas, franqueando-lhes, sem hesitação, a porta da fracção autónoma em causa.
   Ora, o alegado não tem qualquer importância para efeitos de fixação da pena. Para além de não vem revelada nos factos provados esta atitude dita de colaboração do recorrente na altura de apreensão de drogas, poderia ser mais relevante o facto de que a droga não seria descoberta senão a colaboração espontânea do agente.
   
   Os factos de ter 20 anos de idade ao tempo dos factos, ser primário, pouco tempo de permanência em Macau e envolvimento com más companhias, futuras dificuldades financeiras para pagar a multa por ser preso são circunstâncias normais a ter em conta na fixação da medida concreta da pena.
   Mas terão virtualidade de mostrar que as penas fixadas pelas instâncias sejam exageradas? Certamente que não.
   
   O crime de tráfico de drogas a que o recorrente foi condenado é previsto no art.º 8.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 5/91/M é punido com a pena de 8 a 12 anos de prisão e multa de 5.000 a 700.000 patacas.
   As instâncias fixaram a pena em 9 anos de prisão e 30.000 patacas de multa.
   Provou-se, entre outros factos, que estava na posse do recorrente 11 pacotes de pó branco contendo ketamina no peso líquido de 6.33g e não eram destinados ao seu consumo pessoal. O recorrente conhecia a qualidade e característica desta droga.
   Os factos ora alegados pelo recorrente não são susceptíveis de mostrar que a pena fixada fosse, de qualquer modo, excessiva, tendo em conta todas as circunstâncias do crime e as situações pessoais do recorrente.
   Assim, o recurso deve ser rejeitado por manifesta improcedência.
   
   
   
   3. Decisão
   Face ao exposto, acordam em rejeitar o recurso.
   Nos termos do art.º 410.°, n.° 4 do CPP, condena o recorrente a pagar 4 UC.
   Custas pelo recorrente com a taxa de justiça fixada em 5 UC e honorários de 1.500 patacas ao seu defensor nomeado.
   
   
   Aos 15 de Outubro de 2008.




Os juízes:Chu Kin
Viriato Manuel Pinheiro de Lima
Sam Hou Fai

Processo n.° 33 / 2008 1