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Processo nº 19/2021
(Autos de Recurso Contencioso)

Data: 16 de Setembro de 2021

ASSUNTO:
- Revogação da autorização de permanência
- Princípio da proporcionalidade
- Falta de fundamentação

SUMÁRIO:
- A revogação da autorização de permanência não depende da efectiva verificação da responsabilidade criminal, bastando o perigo para a segurança ou ordem públicas.
- A ideia central do princípio da proporcionalidade projecta-se em três dimensões injuntivas: adequação, necessidade e equilíbrio. A adequação impõe que o meio utilizado seja idóneo à prossecução do objectivo da decisão. Entre todos os meios alternativos, deve ser escolhido aquele que implique uma lesão menos grave dos interesses sacrificados. O equilíbrio revela a justa medida entre os interesses presentes na ponderação e determina que, na relação desses interesses entre si, deve a composição ser proporcional à luz do interesse público em causa.
- Nos termos do artº 114º do CPA, os actos administrativos que neguem, extingam, restrinjam ou afectem por qualquer modo direitos ou interesses legalmente protegidos, ou imponham ou agravem deveres, encargos ou sanções, devem ser fundamentados.
- E a fundamentação consiste na exposição explícita das razões que levaram o seu autor a praticar esse acto, que deve ser expressa, podendo no entanto consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas que constituem neste caso parte integrante do respectivo acto (artº 115º, nº 1 do CPA).
- A Administração não pode, com base simplesmente na condenação criminal (muito menos então na simples existência de fortes indícios da prática) concluir pela existência do perigo para a segurança e ordem pública.
- Para o efeito, a Administração tem de pegar factos concretos e objectivos para o preenchimento do conceito indeterminado do perigo cuja falta implica a anulabilidade do acto recorrido.
O Relator,

Ho Wai Neng







Processo nº 19/2021
(Autos de Recurso Contencioso)

Data: 16 de Setembro de 2021
Recorrente: A
Entidade Recorrida: Secretário para a Segurança

ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:

I – Relatório
A, melhor identificada nos autos, vem interpor o presente recurso contencioso contra o despacho do Secretário para a Segurança, de 16/11/2020, que mantida a decisão adoptada pelo Comandante do Corpo de Polícia de Segurança Pública de cancelamento da sua autorização de permanência, concluíndo que:
I. Em Macau vigora, em pleno e em todas as circunstâncias, o princípio da presunção de inocência, que é, aliás, o princípio basilar de todo o direito de alcance sancionatório ou mesmo meramente securitário, seja administrativo-policial, seja penal.
II. O cancelamento do blue card significou uma pré-condenação não judicial da recorrente antes de se ter concluído sequer o respectivo processo penal.
III. O acto a quo invadiu a esfera de competência judicial, reservada a título exclusivo aos Tribunais da R.A.E.M., pois significou uma pré-condenação não judicial da recorrente, sem qualquer oportunidade leal de defesa e, pois, antes de se ter iniciado, desenvolvido ou concluído o processo jurisdicional, o que é dizer, uma condenação administrativa completamente ao arrepio do processo jurisdicional.
IV. Ao tê-los assim interpretado e aplicado, o acto recorrido incorreu na violação do art. 122.º, n.º 2, al. a) do C.P.A. e, da Lei Básica, do seu art. 19.º, parágrafo 2.º e do seu art. 82.º, com tais vícios se tendo fulminado de nulidade o acro recorrido.
V. O despacho ora recorrido padece de uma manifesta e ostensiva ausência de quaisquer elementos probatórios ou sequer indiciários aptos a fundar e sustentar a alegação na base da sua prolação uma vez que a entidade recorrida - ou, bem assim, os seus departamentos e serviços - não desenvolveu nem promoveu qualquer investigação própria.
VI. A entidade recorrida não logrou produzir de per se quaisquer mínimos elementos indiciários (e, a fortiori, probatórios) aptos a fundar a convicção por mesma exteriorizada no seu acto, aqui recorrido, de que a recorrente haja efectivamente cometido um crime e que, decorrentemente, possa afectar a segurança e a ordem públicas da Região.
VII. A entidade recorrida como que se entregou inteiramente nas mãos daquilo que outras entidades - leia-se, o M.P. - tiveram anteriormente por simplesmente indiciado - recorde-se: uma acusação é uma mera imputação que carece de ser testada e validada em sede jurisdicional mediante a obtenção de um título condenatório com trânsito em julgado.
VIII. Ou seja, a entidade recorrida limitou-se a acolher sem mais o fruto de uma intelecção alheia, tendo-se omitido por inteiro do seu poder-dever de praticar actos de investigação, próprios e por si determinados, aptos à captação adentro do seu próprio procedimento daqueles elementos eventualmente aptos a sustentar a prolação do acto aqui colocado em crise.
IX. O acto recorrido vem a estar, assim, como que numa relação parasitária face ao despacho de acusação dimanado pelo M.P., deste se alimentando exclusivamente e neste se transformando, por fim, ao menos para efeitos da sua ancoragem quanto aos pretensos elementos na sua base e que alegadamente lhe dariam tracção e fundamento.
X. Assim, para além do inquérito promovido pelo Ministério Público, não existe qualquer outra investigação e diligência realizadas por qualquer outra autoridade de Macau, mormente pela entidade recorrida.
XI. Isto é, tudo aquilo que a Administração invoca como fundamentação de facto para sustentar o acto aqui recorrido resultou de uma actuação heterónoma realizada unicamente pelo Ministério Público, que não de actos e diligências investigatórias autonomamente realizadas pela entidade recorrida.
XII. Não houve qualquer actividade instrutória ou ínvestigativa por parte dos Serviços sob tutela do autor do acto aqui recorrido, antes a recepção integral do que quer que tenha sido investigado pelo Ministério Público.
XIII. A preterição dos poderes-deveres a cargo da Administração de, nos termos dos artigos 86.º, n.º 1, e 59.º, ambos do C.P.A., oficiosamente relevar todos os elementos, de facto ou de direito, que mais e melhor a habilitem à adopção de uma mais justa, sustentada e acertada decisão final, gera aquilo que a doutrina qualifica como omissão ou deficit de instrução.
XIV. Tal insuficiência instrutória gera uma ilegalidade, desde logo por violação do princípio da legalidade e da prossecução do interesse público, apud art. 4.º do CPA, que obriga a Administração a verificar a ocorrência dos pressupostos do acto a produzir, situação que in casu foi preterida.
XV. Ao assim não ter-entendido, a decisão ora recorrida fez errada interpretação e aplicação dos artigos 3.º, n.º 1, 4.º, 10.º, 59.º, 86.º e 87.º, n.º 1, todos do C.P.A., conduzindo a um acto anulável, ex vi do art. 124.º do C.P.A., invalidade que aqui se invoca como fundamento específico para a sua revogação por V. Ex.ª, conforme o permitem, entre outros, o art. 20.º e a al. d) do n.º 1 do art. 21.º do C.P.A.C.
XVI. O acto a quo enferma de um notório vício de falta de fundamentação, tal qual se imporia face aos artigos 114.º e 115.º do C.P.A.
XVII. O "perigo" a que alude o art. 11.º, n.º 1, al. 3). da Lei 6/2004 é um perigo efectivo - em tudo semelhante àquele a que se refere o art. 12.º, n.º 3 da mesma Lei -, não podendo - nem, sobretudo, devendo - a Administração retirar essa conclusão de perigosidade sem qualquer fundamento legal ou fáctico, mesmo ou, aliás, sobretudo - quando o faça apenas em termos meramente preventivos e antecipatórios.
XVIII. A "a prática de crimes, ou a sua preparação, na R.A.E.M." é apenas uma das formas possíveis da demonstração do "perigo para a ordem e segurança públicas", enquanto exemplo-padrão previsto pelo legislador tal qual ficou vertido no douto acórdão do Tribunal de Segunda Instância de 26 ABR 2018 tirado no processo n.º 125/2017.
XIX. Tal formulação de um concreto juízo de perigosidade tem de ser sempre suficientemente fundamentado mediante uma análise efectiva e perscrutante dos factos concretos e objectivos para que, só assim, o órgão competente, no uso do seu poder-dever de tipo discricionário, possa concluir pela eventualidade de um quadro de perigosidade para a segurança e ordem públicas.
XX. Não basta remeter ou repetir as "palavras da lei" para fundamentar que existe perigo por parte da requerente para a segurança ou ordem públicas da R.A.E.M. num futuro próximo ou distante, tal como se retira do doutamente expendido no acórdão do Tribunal de Segunda Instância de 8 FEV 2018 proferido no processo n.º 183/2017.
XXI. Ao assim não ter sido entendido, a decisão ora recorrida incorreu em errada interpretação e aplicação dos artigos 114.º e 115.º, ambos do C.P.A., levando à prolação de um acto anulável, ex vi do art. 124.º do C.P.A., invalidade que aqui se invoca como fundamento específico para a sua revogação por V. Ex.ª, conforme o permitem, entre outros, o art. 20.º e a al. c) do n.º 1 do art. 21.º do C.P.A.C.
XXII. O acto recorrido ofende o princípio de proporcionalidade acolhido no art. 5.º, n.º 2, do C.P.A.
XXIII. Com a revogação da sua autorização de permanência ficou a recorrente privada não apenas directamente do direito a permanecer legalmente em Macau como também, inerente e indirectamente, do direito a trabalhar em Macau com o que isso implica na imediata perda da sua fonte única de rendimentos, estando por isso caracterizado um estado de incapacidade de sobrevivência da mesma.
XXIV. A tal quadro contrapõem-se os interesses alegadamente prosseguidos com o acto a quo, concretamente as invocadas segurança e ordem públicas que seriam putativamente atingidas pela recorrente, sendo que uma tal alegada lesão futura e hipotética desses interesses públicos, sobretudo atenta a circunstância de estar a sua invocação desguarnecida - conforme acima de demonstrou - da necessária instrução procedimental e das necessárias fundamentação e densificação, sempre seria relativa e tendencialmente secundária face à perda imediata da única fonte de rendimentos da aqui recorrente.
XXV. A aventada e hipotética lesão dos interesses públicos alegadamente subjacentes ao acto recorrido mostra-se desproporcional - isto é, inferior e secundária - face aos interesses primordiais imediatamente sacrificados pelo acto a quo, que são, sem mais, a perda de toda e qualquer fonte de rendimento para sustento da recorrente.
XXVI. Ao assim não ter sido entendido, a decisão ora recorrida incorreu em errada interpretação e aplicação dos art. 5.º, n.º 2, do C.P.A., pelo que a decisão a quo se configura como um acto anulável, ex vi do art. 124.º do C.P.A., invalidade que aqui se invoca como fundamento específico para a sua revogação por V. Ex.ª, conforme o permitem, entre outros, o art. 20.º e o n.º 1 do art. 21.º do C.P.A.C.
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Regularmente citada, a Entidade Recorrida contestou nos termos constantes a fls. 38 a 54 dos autos, cujo teor aqui se dá integralmente reproduzido, pugnando pelo não provimento do recurso.
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O Mº Pº emitiu o parecer constante de fls. 64 a 67 dos autos, cujo teor aqui se dá integralmente reproduzido
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Foram colhidos os vistos legais dos Mmºs Juizes-Adjuntos.
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II – Pressupostos Processuais
O Tribunal é o competente.
As partes possuem a personalidade e a capacidade judiciárias.
Mostram-se legítimas e regularmente patrocinadas.
Não há questões prévias, nulidades ou outras excepções que obstam ao conhecimento do mérito da causa.
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III – Factos
Com base nos elementos existentes nos autos e no respectivo P.A., é assente a seguinte factualidade com interesse à boa decisão da causa:
1- A Recorrente é portadora do Título de Identificação de Trabalhador Não-Residente nº 23******, válido até 29/09/2020.
2- Em 29/06/2020, o Ministério Público deduziu acusação contra a Recorrente por ter cedido um quarto ao seu suposto namorado, mediante o pagamento de uma renda mensal de MOP1,500 à sua mãe, arrendatária da casa, onde a Recorrente também reside, sem que cuidasse de averiguar se ele se encontrava em situação regular em Macau.
3- Em 07/10/2020, por despacho do Comandante do Corpo de Polícia de Segurança Pública, foi revogada a autorização de permanência na RAEM como trabalhadora não residente que havia sido concedida à Recorrente.
4- Em 28/10/2020, a Recorrente interpôs recurso hierárquico necessário dessa decisão.
5- No dia 16/11/2020 o Senhor Secretário para a Segurança proferiu o despacho nos seguintes termos:
“…
Vem a trabalhadora não residente A apresentar recurso hierárquico do despacho do Senhor Comandante do Corpo de Polícia de Segurança Pública, de 07.10.2020, pelo qual foi revogada a autorização de permanência, nessa qualidade, na Região Administrativa Especial de Macau (RAEM) que lhe havia sido concedida.
Compulsado o processo instrutor, resulta existirem fortes indícios de que a Recorrente, em Fevereiro deste ano, terá cedido um quarto na casa arrendada pela sua mãe (onde também vive num outro quarto) ao seu suposto namorado, de nacionalidade indiana, mediante o pagamento de uma, renda mensal de 1.500MOP, sem que cuidasse de averiguar em que condições este se encontrava em Macau.
Em 05.06.2020, após ter sido interceptado pela polícia, constatou-se que aquele indivíduo terá entrado no território em Março de 2019, munido de um passaporte indiano, e permanecido para lá do período legal de estadia, bem sabendo a Recorrente que tal período é muito curto e ainda assim permitiu que ele se instalasse na referida casa, aceitando o facto de possivelmente estar em situação de imigração ilegal, conduta que, segundo a acusação deduzida pelo Ministério Público de 29.06.2020 (fls.45 e verso), consubstancia a prática do crime de acolhimento previsto no art. 15º, nº 1 da Lei nº 6/2004, de 2 de Agosto.
Tais circunstâncias criaram na Entidade Recorrida a convicção de que a conduta da Recorrente é passível de colocar em risco a segurança e a ordem públicas, situação enquadrável na alínea 3) do nº 1 do art. 11º da Lei nº 6/2004, de 2 de Agosto aplicável ex vi do art. 15º, nº 1 do Regulamento Administrativo nº 8/2010, de 19 de Abril.
Pese embora alegue a violação do princípio da presunção da inocência, por considerar que o cancelamento do blue card significa uma pré-condenação não judicial num processo onde pugna pela inocência do crime que lhe é imputado, o certo é que este argumento não pode proceder, desde logo, por estar em causa uma situação de fortes indícios e não de meros indícios e, por outro lado, porque estamos no âmbito de um procedimento administrativo, de carácter securitário (não sancionatório) com o desígnio de garantir a segurança e estabilidade da sociedade e onde não releva a efectiva punição da Recorrente em sede de processo-crime.
Por outro lado, não obstante a Recorrente alegar a errada interpretação e aplicação da alínea 3) do nº 1 do art. 11º da Lei nº 6/2004, de 2 de Agosto, por entender que não representa perigo algum para a segurança e ordem públicas, é manifesta a falta de consubstanciação de tal vício.
Assim sendo, decido, ao abrigo do disposto no nº 1 do art. 161º do CPA, confirmar o acto recorrido e negar provimento ao presente recurso.
…”.
*
IV – Fundamentação
Entende a Recorrente que o acto recorrido padece dos seguintes vícios:
- usurpação do poder;
- violação do princípio da inocência;
- omissão do dever de instrução;
- falta da fundamentação;
- violação do princípio da proporcionalidade;
Quid iuris?
1. Da usurpação do poder e da violação do princípio da inocência:
Para a Recorrente, a revogação da sua autorização de permanência como trabalhador não residente com fundamento na prática de crime de acolhimento antes da sua efectiva condenação criminal traduz-se numa invação ao poder judicial, o que violou o princípio da inocência, daí que o acto recorrido é nulo.
Não lhe assiste mínima razão.
Em primeiro lugar, nos termos do nº 1 do artº 11º da Lei nº 6/2004, a competência da revogação da autorização de permanência pertence ao poder executivo, e não ao poder judicial.
Em segundo lugar, o procedimento administrativo da revogação da autorização de permanência é autónomo em relação ao procedimento criminal, pelo que nada impede que a Administração pode decidir antes da condenação criminal.
Pois, a revogação da autorização de permanência constitui numa “medida administrativa de segurança destina-se a salvaguardar um certo padrão social de ordem e tranquilidade públicas sob a forma de reacção a uma atitude comportamental de alguém que se não dobrou às regras de convivência societária” ao passo que “as penas são a reacção pública ao crime” (cfr. Acórdão do TSI no Processo n.º 647/2012).
Por fim, a al 3) do nº 1 do artº 11º da Lei nº 6/2004 prevê que quando a pessoa não residente constitua perigo para a segurança ou ordem pública, nomeadamente pela prática de crimes, ou sua preparação, na RAEM, a sua autorização de permanência pode ser revogada.
Resulta de forma clara do preceito acima em referência que a prática de crimes, ou a sua preparação, na RAEM constitui simplesmente como uma das formas possíveis da demonstração, e não como a forma única, da existência do perigo abstracto para a segurança ou ordem pública da RAEM, pois o legislador utilizou a palavra “nomeadamente”.
Ou seja, não estão excluídos outros meios possíveis da demonstração da existência do perigo para a segurança ou ordem pública.
Nesta conformidade, se conclui que a revogação da autorização de permanência não depende da efectiva verificação da responsabilidade criminal, bastando o perigo para a segurança ou ordem públicas.
Não há, portanto, qualquer violação do princípio da inocência.
Pelo exposto, é de julgar improcedente este argumento do recurso.
2. Da omissão do dever de instrução:
Sobre esta questão, o Dignº Magistrado do Mº Pº junto deste TSI emitiu o seguinte parecer:
“…
   A pretexto de “Omissão de instrução procedimental”, a recorrente assacou que a entidade recorrida não tinha produzido, de per si, quaisquer elementos indiciários e probatórios, limitando-se a acolher, sem mais, os elementos recolhidos pelo M.ºP.º, por isso e nesta medida, omitira por inteiro do seu poder-dever de praticar actos de investigação.
   No nosso prisma, todas as correntes doutrinais e jurisprudenciais inculcam que a preterição do dever de investigação e a deficit de instrução derivam da falta de diligências reputadas necessárias para a descoberta da verdade ou para a justa solução dum procedimento.
   De jure condito, o n.º1 do art.86.º do CPA impõe a órgãos competentes o dever de averiguar os factos cujo conhecimento seja conveniente para a justa e rápida decisão do procedimento, e em termos mais gerais, a Administração Pública deve pautar-se pelo princípio da eficiência e fica vinculado ao dever de celeridade (arts.12.º e 60.º do CPA).
   Repare-se que por imposição legal estabelecida no n.º1 do art.265.º do CPP, a acusação pressupõe a existência de indícios suficientes. O que razoavelmente permite inferir que a dedução da acusação pelo M.ºP.º implica, a posteriori, a verificação de indícios suficientes. Importa também destacar e ter presente que a recolha dos indícios durante o inquérito é, na praxe, levada a cabo por agentes policiais sob orientação do M.ºP.º.
   Nesta linha, inclinamos a colher que o acolhimento e a valoração pela Administração Pública dos indícios militados nos autos do Inquérito n.º2000/2020 (vide. fls.45 do P.A.), não só é incensurável, mas aconselhável e merece louvor, sob pena de obrigar a Administração a praticar diligências meramente repetitivas, dilatórias e, assim, decerto inúteis.
   Sendo assim e tendo em conta que o P.A. constata que no caso sub judice, a Administração realizou diligências complementares aos indícios constantes do sobredito Inquérito, não podemos deixar de entender que não se verifica in casu a arrogada omissão de instrução.
   …”.
Trata-se duma posição com a qual concordamos na sua íntegra.
Assim e em nome do princípio da economia, fazemos, com a devida vénia, como nossa posição para julgar improcedente o recurso nesta parte.
3. Da violação do princípio da proporcionalidade:
   Nos termos do nº 2 do artº 5º do CPC, “as decisões da Administração que colidam com direitos subjectivos ou interesses legalmente protegidos dos particulares só podem afectar essas posições em termos adequados e proporcionais aos objectivos a realizar”.
   É este o chamado princípio da proporcionalidade.
   A ideia central do princípio da proporcionalidade projecta-se em três dimensões injuntivas: adequação, necessidade e equilíbrio. A adequação impõe que o meio utilizado seja idóneo à prossecução do objectivo da decisão. Entre todos os meios alternativos, deve ser escolhido aquele que implique uma lesão menos grave dos interesses sacrificados. O equilíbrio revela a justa medida entre os interesses presentes na ponderação e determina que, na relação desses interesses entre si, deve a composição ser proporcional à luz do interesse público em causa.1
Por outro lado, o princípio da proporcionalidade só se opera no âmbito das actividades administrativas discricionárias, as quais têm um campo de actuação bastante largo, só ficam sujeitas ao controlo judicial em casos de erro manifesto ou total desrazoabilidade (cfr. artº 21º, nº 1, al. d) do CPAC).
No caso em apreço, tendo em conta o sacrifício suportado pelo recorrente em consequência da revogação da sua autorização de permanência na RAEM e os interesses públicos em jogo (assegurar a segurança e a ordem públicas em geral), não se nos afigura que o acto recorrido tenha violado o alegado princípio.
4. Da falta da fundamentação:
Nos termos do artº 114º do CPA, os actos administrativos que neguem, extingam, restrinjam ou afectem por qualquer modo direitos ou interesses legalmente protegidos, ou imponham ou agravem deveres, encargos ou sanções, devem ser fundamentados.
E a fundamentação consiste na exposição explícita das razões que levaram o seu autor a praticar esse acto, que deve ser expressa, podendo no entanto consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas que constituem neste caso parte integrante do respectivo acto (artº 115º, nº 1 do CPA).
O dever de fundamentação visa dar conhecimento ao administrado quais são as razões de facto e de direito que serviram de base de decisão administrativa, ou seja, permitir ao administrado conhecer o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pela entidade administrativa, para que possa optar em aceitar o acto ou impugná-lo através dos meios legais.
Contudo, não se deve confundir fundamentação com fundamentos, a primeira refere-se à forma do acto e a segunda refere-se ao seu conteúdo.
Assim, o dever de fundamentação cumpre-se desde que exista “uma exposição das razões de facto e de direito que determinaram a prática do acto, independentemente da exactidão ou correcção dos fundamentos invocados”.
No mesmo sentido, veja-se Código do Procedimento Administrativo de Macau, Anotado e Comentado, de Lino José Baptista Rodrigues Ribeiro e José Cândido de Pinho, anotação do artº 106º, pág. 619 a 621.
Voltando ao caso concreto, será que um destinatário de diligência normal consegue compreender quais são os pressupostos e motivos que estiveram na base da decisão ora recorrida?
Ora, face ao teor do acto recorrido transcrito na parte dos Factos do presente aresto, não temos qualquer dúvida de que se trata de um despacho com conteúdo autónomo, sem ter feito nenhuma remissão para informação ou parecer emitido pela PSP.
Num primeiro momento, aparenta que a Entidade Recorrida tenha cumprido o dever da fundamentação, pois mencionou que a conduta da Recorrente era susceptível incorrer na prática do crime de acolhimento, constituindo assim perigo para a segurança ou ordem pública.
No entanto e salvo o devido respeito da posição contrária, entendemos que tal fundamentação não é suficiente.
Já no âmbito do Proc. nº 183/2017, este TSI tem entendido que a Administração não pode, com base simplesmente na condenação criminal (muito menos então na simples existência de fortes indícios da prática) concluir pela existência do perigo para a segurança e ordem pública.
Para o efeito, a Administração tem de pegar factos concretos e objectivos para o preenchimento do conceito indeterminado do perigo, o que não foi feito no presente caso, pois a Entidade Recorrida limitou-se a utilizar expressões conclusivas para afirmar a existência do perigo, sem ter esclarecido com base em que elementos se chegou à tal conclusão.
Ou seja, perante a fundamentação tal como foi exposta no acto recorrido, não é suficientemente claro que permite o administrado conhecer o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pela Entidade Recorrida.
Nos termos do nº 2 do artº 115º do CPA, “Equivale à falta de fundamentação a adopção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do acto”, o que determina a anulabilidade do acto recorrido.
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V – Decisão
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em julgar procedente o presente recurso contencioso, anulando o acto recorrido.
*
Sem custas, por a Entidade Recorrida gozar da isenção subjectiva.
Notifique e registe.
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RAEM, aos 16 de Setembro de 2021.

(Relator)
Ho Wai Neng

(Primeiro Juiz-Adjunto)
Tong Hio Fong

(Segundo Juiz-Adjunto)
Rui Carlos dos Santos P. Ribeiro Mai Man Ieng
1 Cfr. David Duarte, Procedimentalização, Participação e Fundamentação: Para Uma Concretização do Princípio da Imparcialidade Administrativa Como Parâmetro Decisório, Almedina, Coimbra, 1996,, 319 a 325.
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