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Processo n.º 705/2021 Data do acórdão: 2021-9-30
(Da reclamação da decisão sumária do recurso)
Assuntos:
– arguida julgada à revelia
– recurso do acórdão condenatório
– rejeição do recurso por decisão sumária do relator
– recurso manifestamente improcedente
– audiência no tribunal de recurso
S U M Á R I O
O recurso interposto pela arguida, então julgada à revelia no tribunal recorrido, não deixará de poder ser rejeitado pelo relator nos termos do art.o 410.o, n.o 1, do Código de Processo Penal se o próprio recurso for manifestamente improcedente, o que preclude a necessidade da realização da audiência no tribunal de recurso, ainda que a recorrente não tenha prescindido, no requerimento do recurso, de que o recurso seja julgado em audiência.
O relator,
Chan Kuong Seng

Processo n.º 705/2021
(Autos de recurso penal)
(Da reclamação para conferência da decisão sumária do relator)
Arguida (recorrente e reclamante): A





ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Por acórdão proferido a fls. 133 a 137v do ora subjacente Processo Comum Colectivo n.º CR2-18-0074-PCC do 2.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base, ficou condenada a arguida A, aí já melhor identificada, como autora material, na forma consumada, de um crime de furto de coisa alheia de valor elevado, p. e p. pelos art.os 198.o, n.o 1, alínea a), e 196.o, alínea a), do Código Penal (CP), na pena de um ano e três meses de prisão efectiva, e na obrigação de pagar ao ofendido a quantia indemnizatória, arbitrada oficiosamente, de cinquenta mil dólares de Hong Kong, com juros legais a contar da data desse acórdão até integral e efectivo pagamento.
Inconformada, veio a arguida, então julgada à revelia e ora presa preventivamente, recorrer desse acórdão condenatório para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), tendo alegado, na sua essência, na sua motivação ora a fls. 185v a 189v dos presentes autos correspondentes, que houve excesso na medida concreta da sua pena de prisão, pedindo que passasse a ser condenada em pena especialmente atenuada, ou em pena mais leve, com sempre almejada também suspensão da execução da pena, porquanto ela, depois de notificada pessoalmente do dito acórdão, já depositou à ordem dos autos a quantia indemnizatória fixada no acórdão recorrido (e o facto de ter sido julgada à revelia foi devido a que ela não chegou a receber a notificação do Tribunal recorrido para efeitos de realização da audiência de julgamento), por um lado, e, por outro, aquando da prática dos factos de furto agora em causa, ela não chegou ainda a ser condenada e punida no anterior Processo Comum Colectivo n.o CR1-14-0347-PCC (por um crime de furto qualificado), significando isto que ela ainda deve ser considerada como uma delinquente primária, à data da prática dos factos de furto em questão no presente processo n.o CR2-18-0074-PCC.
A este recurso, respondeu o Ministério Público a fls. 192 a 194v dos presentes autos, no sentido de improcedência.
Para além do acima referido recurso do acórdão condenatório, recorreu também a arguida, através da respectiva motivação ora a fls. 203v a 205v dos autos, do despacho judicial de 29 de Julho de 2021 que lhe indeferiu o pedido de alteração da medida coactiva de prisão preventiva (aplicada por despacho judicial de 12 de Julho de 2021, dia em que tinha sido detida ela para efeitos de notificação pessoal do mesmo acórdão), para rogar a invalidação da prisão preventiva, com consequente aplicação de outras medidas coactivas.
Sobre este recurso relativo à prisão preventiva, respondeu o Ministério Público a fls. 207 a 209v, no sentido de manifesta improcedência.
Subidos os autos, a Digna Procuradora-Adjunta emitiu parecer a fls. 218 a 220, pugnando pela manutenção do julgado condenatório, e pela consequente desnecessidade da apreciação do recurso respeitante à prisão preventiva, recurso de medida de coacção este que, fosse como fosse, não poderia proceder no seu mérito.
Por decisão sumária proferida a fls. 222 a 224v, decidiu o ora relator em rejeitar o recurso do acórdão da Primeira Instância, e em não tomar conhecimento, por estar prejudicado, do recurso da decisão de indeferimento do pedido de alteração da medida de prisão preventiva.
Veio a arguida recorrente reclamar dessa decisão do relator (materialmente na parte respeitante à rejeição do seu recurso do acórdão da Primeira Instância) para conferência, através do petitório de fls. 231 a 234v, alegando que essa decisão seria nula, por violação do disposto nos art.os 407.o, n.o 6, 409.o, alínea b), e 410.o, n.o 1, do Código de Processo Penal (CPP), porque ela própria nunca manifestou expressamente que prescindia de que o seu recurso final fosse julgado em audiência, ela já cumpriu a obrigação de formular conclusões para a sua motivação do recurso final, e o seu recurso final não deveria ser considerado como manifestamente improcedente. Pediu, a final, que o recurso final fosse julgado provido, com aplicação de nova pena e suspensa na execução, nos termos peticionados na motivação do recurso.
Sobre a matéria dessa reclamação, opinou a Digna Procuradora-Adjunta a fl. 236 a 236v pela improcedência da mesma.
Corridos os vistos, cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Do exame dos autos, sabe-se o seguinte:
1. A arguida foi julgada à revelia em primeira instância, por fracasso (por motivo de “Gone away” da pessoa destinatária – cfr. o teor da etiqueta sobre o motivo de devolução postal, colada a fl. 105v) da notificação postal (registada e expedida por via de EMS) do despacho de designação da data da audiência de julgamento (cfr. o processado a fls. 90 a 90v).
2. O acórdão ora recorrido ficou proferido a fls. 133 a 137v dos autos, cujo teor se dá por aqui integralmente reproduzido. Segundo a factualidade aí descrita como provada, a arguida tirou ao ofendido um relógio de marca Rolex (com valor cerca de oitenta mil Renminbis) e apropriou-se do mesmo relógio.
3. A arguida, depois de ter sido detida em 12 de Julho de 2021 para ser notificada pessoalmente do acórdão condenatório da Primeira Instância (cfr. o teor da certidão a fl. 150), depositou, à ordem dos autos, em 27 de Julho de 2021, a quantia indemnizatória fixada nesse acórdão (cfr. o teor de fl. 179).
4. Por despacho judicial de 29 de Julho de 2021, foi indeferido o pedido da arguida de alteração da medida coactiva de prisão preventiva, aplicada a ela por despacho judicial de 12 de Julho de 2021, dia em que tinha sido ela detida para efeitos de notificação pessoal do acórdão condenatório acima referido.
5. A decisão sumária do relator tem por fundamentação o seguinte:
Sempre se diz que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao ente julgador do recurso cumpre resolver só as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e ao mesmo tempo devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
A arguida insurge-se contra a medida da pena, feita pelo Tribunal recorrido.
O crime de furto de coisa alheia de valor elevado, na sua forma consumada, é punível com pena de prisão até cinco anos (cfr. o art.o 198.o, n.o 1, alínea a), do CP).
Pois bem, mesmo que se considerasse que ela fosse ainda uma delinquente primária à data da prática deste crime em causa, não se vislumbraria que a pena de um ano e três meses de prisão fixada no acórdão recorrido fosse manifestamente injusta para ela aos padrões da medida da pena dos art.os 40.o, n.os 1 e 2, e 65.o, n.os 1 e 2, do CP, ante a ponderação das ainda hoje elevadas exigências da prevenção geral, em Macau, do tipo-de-ilícito em questão, sobretudo quando praticado por pessoa vinda do exterior de Macau (como é o caso da arguida), elevadas exigências da prevenção geral essas que, aliás, postulam que a pena tenha que ser aplicada dentro da sua moldura normal (cfr. o critério material exigido na parte final do n.o 1 do art.o 66.o do CP, sobre a activação do mecanismo de atenuação especial da pena).
Nem se diga que o já depósito da quantia indemnizatória à ordem dos autos possa neutralizar essas exigências da prevenção geral.
E a circunstância de a arguida ter sido julgada à revelia em primeira instância, por fracasso da sua notificação postal do despacho de designação da data da audiência de julgamento, não pode relevar para nada, em sede de medida da sua pena, pois o motivo concreto da devolução da carta de notificação postal não pôde ser imputável ao pessoal da Secção de Processos do Tribunal julgador ora recorrido, mas sim imputável à própria pessoa da arguida.
Sendo intacta assim a pena de um ano e três meses de prisão aplicada no aresto recorrido, cabe ajuizar agora da activação, ou não, do mecanismo de suspensão da execução dessa pena.
A resposta tem que ficar a descontento da arguida, posto que são efectivamente muito prementes as exigências da prevenção geral do delito penal de furto de coisa alheia de valor elevado, especialmente quando praticado por pessoa vinda do exterior de Macau, pelo que não se pode formar um juízo de prognose favorável à arguida em sede do art.o 48.o, n.o 1, do CP.
Há, por conseguinte, que rejeitar o recurso do acórdão condenatório da Primeira Instância, nos termos dos art.os 407.º, n.º 6, alínea b), e 410.º, n.º 1, do CPP, sem mais indagação por desnecessária, atento o espírito do n.º 2 desse art.º 410.º deste diploma. Com o que fica também prejudicada a necessidade do conhecimento do recurso da arguida relativamente à prisão preventiva.
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
Veio a arguida recorrente reclamar para conferência da decisão tomada pelo relator pela qual foi rejeitado o recurso dela do acórdão condenatório da Primeira Instância.
No petitório da reclamação em causa, começou por defender ela que essa decisão concreta do relator seria nula.
Antes do mais, observa-se que da fundamentação dessa decisão do relator resulta claro que a causa da rejeição do recurso do acórdão da Primeira Instâcia não tem nada a ver com a questão de falta de motivação do recurso, mas sim com a improcedência manifesta do próprio recurso.
E no entender do presente Tribunal de recurso, o recurso interposto por uma pessoa arguida, mesmo que tenha sido julgada à revelia no tribunal recorrido, não deixará de poder ser rejeitado pelo relator nos termos do art.o 410.o, n.o 1, do CPP se o próprio recurso for manifestamente improcedente, o que preclude logicamente a necessidade da realização da audiência no tribunal de recurso para efeitos da decisão do recurso, ainda que a pessoa recorrente não tenha prescindido, no requerimento de interposição do recurso, de que o recurso seja julgado em audiência.
Cabe agora conhecer do objecto do recurso então interposto por essa recorrente do acórdão final da Primeira Instância, posto que a reclamação da decisão sumária desse seu recurso não pode implicar a alteração do objecto do próprio recurso.
Pois bem, vistos todos os elementos dos autos, é de improceder a reclamação sub judice também na parte em que defendeu a arguida o provimento do seu recurso final, visto que há que manter, nos seus precisos termos, a decisão sumária do relator, por essa decisão que nomeadamente rejeitou esse recurso estar conforme com a matéria de facto já dada por provada em primeira instância e o direito aplicável aplicado concretamente na fundamentação jurídica da própria decisão sumária.
IV – DECISÃO
Dest’arte, acordam em julgar improcedente a reclamação da arguida da decisão sumária do relator na parte em que lhe decidiu rejeitar o recurso do acórdão condenatório da Primeira Instância.
Para além das custas, taxa de justiça e sanção pecuniária de rejeição do recurso final referidas no dispositivo da decisão sumária, pagará ainda a recorrente as custas da sua reclamação, com três UC de taxa de justiça correspondente.
Macau, 30 de Setembro de 2021.
__________________________
Chan Kuong Seng
(Relator)
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Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
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Chao Im Peng
(Segunda Juíza-Adjunta)



Processo n.º 705/2021 (reclamação para conferência) Pág. 2/10