Processo nº 72/2021(I) Data: 23.06.2021
(Autos de recurso penal)
Assuntos : Crime de “sequestro”.
Pena.
Rejeição do recurso.
Decisão sumária.
Reclamação.
SUMÁRIO
1. A possibilidade de “rejeição do recurso por manifesta improcedência” destina-se a potenciar a economia processual, numa óptica de celeridade e de eficiência, visando, também, moralizar o uso (abusivo) do recurso.
2. Em “matéria de pena”, o recurso não deixa de possuir o paradigma de remédio jurídico, pelo que o Tribunal de recurso deve intervir na pena, (alterando-a), apenas e tão só quando detectar desrespeito, incorrecções ou distorções dos princípios e normas legais pertinentes no processo de determinação da sanção, pois que o recurso não visa, nem pretende eliminar, a imprescindível margem de livre apreciação reconhecida ao Tribunal de julgamento.
3. Revelando-se pela decisão recorrida, a selecção dos elementos factuais elegíveis, a identificação das normas aplicáveis, o cumprimento dos passos a seguir no iter aplicativo e a ponderação devida dos critérios legalmente atendíveis, imperativa é a confirmação da pena aplicada.
O relator,
José Maria Dias Azedo
Processo nº 72/2021(I)
(Autos de recurso penal)
(Incidente)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
Relatório
1. Aos 28.05.2021, proferiu o relator dos presentes Autos de Recurso Penal a seguinte “decisão sumária”:
“Relatório
1. A (甲), (1°) arguido com os restantes sinais dos autos, veio recorrer do Acórdão do Tribunal de Segunda Instância datado de 22.04.2021, (Proc. n.° 92/2021), que confirmou a decisão sumária que rejeitou o recurso que interpôs do Acórdão do Tribunal Judicial de Base que o condenou como autor material da prática em concurso real de:
- 1 crime de “sequestro”, p. e p. pelo art. 152°, n.° 1 e 2, al. a) do C.P.M., (agravado pelo art. 22° da Lei n.° 6/2004), na pena de 3 anos e 9 meses de prisão;
- 1 crime de “ofensa simples à integridade física”, p. e p. pelo art. 137°, n.° 1 do C.P.M., (agravado pelo art. 22° da Lei n.° 6/2004), na pena de 1 ano de prisão;
- 2 crimes de “gravações e fotografias ilícitas”, p. e p. pelo art. 191°, n.° 2, al. a) do C.P.M., (agravado pelo art. 22° da Lei n.° 6/2004), na pena de 1 ano de prisão cada;
- 1 outro de “sequestro”, p. e p. pelo art. 152°, n.° 1 do C.P.M., (agravado pelo art. 22° da Lei n.° 6/2004), na pena de 1 ano e 6 meses de prisão; e,
- em cúmulo jurídico com a pena de 9 meses de prisão e na pena acessória de proibição de entrada nas salas de jogo por 3 anos aplicada no âmbito do Proc. n.° CR4-20-0187-PCS, fixou-lhe o Tribunal a pena única de 6 anos e 3 meses de prisão, mantendo a dita pena acessória; (cfr., fls. 870 a 885 e 897 a 902 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).
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Após resposta do Ministério Público pugnando pela integral confirmação do decidido, (cfr., fls. 904 a 907-v), e remetidos os autos a esta Instância, em sede de vista, juntou o Exmo. Representante do Ministério Público douto Parecer, opinando, também, no sentido da rejeição do recurso; (cfr., fls. 923).
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Conclusos os autos ao ora relator para exame preliminar, (cfr., art. 407° do C.P.P.M.), e atento o teor da decisão recorrida assim como a natureza da “questão” pelo recorrente colocada, constatou-se da “manifesta improcedência” do recurso que deverá, assim, ser objecto de rejeição; (cfr., art. 410°, n.° 1 do mesmo C.P.P.M.).
Na verdade, e como em decisões deste Tribunal de Última Instância já se teve oportunidade de considerar:
“A possibilidade de “rejeição do recurso por manifesta improcedência”, destina-se a potenciar a economia processual, numa óptica de celeridade e de eficiência, visando, também, moralizar o uso (abusivo) do recurso”; (cfr., v.g., os Acs. de 26.06.2020, Proc. n.° 44/2020-I e de 14.04.2021, Proc. n.° 25/2021-I).
Nesta conformidade, e atento o estatuído no art. 407° do C.P.P.M., em especial, o n.° 6, al. b), segue “decisão sumária”.
Fundamentação
2. Entende – tão só – o ora recorrente, que “excessiva é a pena única” que lhe foi aplicada, batendo-se pela sua redução para uma outra não superior a 5 anos de prisão; (cfr., fls. 897 a 902).
Vejamos.
Está provada a “matéria de facto” como tal elencada e constante dos Acórdãos do Tribunal Judicial de Base e Tribunal de Segunda Instância, (que aqui se tem por integralmente reproduzida, cfr., fls. 722 a 728 e 877-v a 881-v), e que, oportunamente se fará adequada referência.
Sindicada não estando a referida “factualidade provada”, (que também não temos motivos para alterar), tendo-se presente o estatuído no art. 390°, n.° 1, al. g) do C.P.P.M., (no que toca ao “segmento decisório” passível de recurso para este Tribunal de Última Instância e que diz apenas respeito ao crime de “sequestro [tendo como vítima o 1° ofendido B, 乙]”), e constatando-se da referida matéria de facto que verificados estão todos os elementos, objectivos e subjectivos, do(s) tipo(s) de crime pelo(s) qual(ais) foi o recorrente condenado, sem demoras se passa a expor o porquê do nosso já adiantado ponto de vista.
Ao dito crime de “sequestro” pelo recorrente cometido cabe a pena (abstracta) de 3 a 12 anos de prisão; (cfr., art. 152°, n.° 2 do C.P.M.).
Como sabido é, a “determinação da medida concreta da pena”, é tarefa que implica a ponderação de vários aspectos.
Desde logo, importa atentar que nos termos do art. 40° do C.P.M.:
“1. A aplicação de penas e medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.
2. A pena não pode ultrapassar em caso algum a medida da culpa.
3. A medida de segurança só pode ser aplicada se for proporcionada à gravidade do facto e à perigosidade do agente”.
Sobre a matéria preceitua também o art. 65° do mesmo código que:
“1. A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção criminal.
2. Na determinação da medida da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando nomeadamente:
a) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente;
b) A intensidade do dolo ou da negligência;
c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram;
d) As condições pessoais do agente e a sua situação económica;
e) A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime;
f) A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.
3. Na sentença são expressamente referidos os fundamentos da determinação da pena”.
Nenhuma censura merecendo, como se referiu, a “decisão da matéria de facto”, impõe-se dizer que excessiva ou inflacionada não é de forma alguma a pena de 3 anos e 9 meses de prisão imposta para o dito crime de “sequestro”, a 9 meses do seu mínimo legal, e a 8 anos e 3 meses do seu máximo.
Nesta conformidade, para efeitos do art. 71° do C.P.M., (ou seja, para a determinação da “pena única” em resultado do cúmulo jurídico das penas parcelares em que foi condenado), verifica-se que em questão está uma moldura penal de “3 anos e 9 meses a 9 anos de prisão”; (cfr., n.° 2 do citado artigo).
E, perante esta moldura penal, e como de forma clara e perfeitamente acertada decidiu o Tribunal de Segunda Instância, nenhuma censura merece a “pena única” de 6 anos e 3 meses de prisão resultante do cúmulo jurídico efectuado das penas parcelares aplicadas ao ora recorrente.
Com efeito, há que se ter presente que com o recurso não se visa eliminar a margem de livre apreciação reconhecida em matéria de determinação da pena, e que esta deve ser confirmada se verificado estiver que no seu doseamento foram observados os critérios legais atendíveis; (cfr., v.g., o Ac. deste T.U.I. de 03.12.2014, Proc. n.° 119/2014, de 04.03.2015, Proc. n.° 9/2015, de 03.04.2020, Proc. n.° 23/2020 e de 05.05.2021, Proc. n.° 40/2021).
E, nesta conformidade, ponderando no que até aqui se expôs, na referida moldura penal – de 3 anos e 9 meses a 9 anos de prisão – atento aos critérios para a determinação da medida da pena previsto nos transcritos art°s 40°, 65° e, agora, especialmente, no art. 71° do C.P.M., no que vem sendo entendido pelos Tribunais de Macau em matéria de pena em processos análogos, e apresentando-se-nos evidente que não se deixou de ponderar, adequadamente, em todas as circunstâncias relevantes para a fixação da pena em questão, mostra-se-nos pois que se impõe confirmar a pena única de 6 anos e 3 meses de prisão ao ora recorrente decretada.
Na verdade, a “factualidade provada” revela que o recorrente desenvolveu, como co-autor material, uma conduta onde não se pode desconsiderar a sua “repetição”, muito intenso e directo sendo o seu dolo e elevado o grau de ilicitude da sua conduta, que, até pela forma de cometimento dos crimes e pela “violência” exercida sobre as vítimas, (privando-as da sua liberdade), não deixa de causar “alarme público”, (muito) fortes sendo, igualmente, as necessidades de prevenção criminal, (especial e geral).
Por sua vez, e como se referiu, importa ter presente que, (nomeadamente), em “matéria de pena”, o recurso não deixa de possuir o paradigma de remédio jurídico, pelo que o tribunal de recurso deve intervir na pena, (alterando-a), apenas e tão só quando detectar desrespeito, incorrecções ou distorções dos princípios e normas legais pertinentes no processo de determinação da sanção, pois que o recurso não visa, nem pretende eliminar, a imprescindível margem de livre apreciação reconhecida ao Tribunal de julgamento.
Com efeito, de forma repetida e firme temos vindo a entender que “Ao Tribunal de Última de Instância, como Tribunal especialmente vocacionado para controlar a boa aplicação do Direito, não cabe imiscuir-se na fixação da medida concreta da pena, desde que não tenham sido violadas vinculações legais – como por exemplo, a dos limites da penalidade – ou regras da experiência, nem a medida da pena encontrada se revele completamente desproporcionada”; (cfr., v.g., Ac. de 07.04.2018, Proc. n.° 27/2018, de 30.07.2019, Proc. n.° 68/2019 e de 26.06.2020, Proc. n.° 44/2020-I).
Dest’arte, revelando-se pela decisão recorrida, a selecção dos elementos factuais elegíveis, a identificação das normas aplicáveis, o cumprimento dos passos a seguir no iter aplicativo e a ponderação devida dos critérios legalmente atendíveis, imperativa é a confirmação da pena aplicada; (neste sentido, cfr., v.g., o Ac. deste Tribunal de 03.12.2014, Proc. n.° 119/2014, de 04.03.2015, Proc. n.° 9/2015 e, o de 26.06.2020, Proc. n.° 44/2020-I e as decisões sumárias de 29.06.2020, Proc. n.° 73/2020, de 23.02.2021, Proc. n.° 23/2021, de 12.03.2021, Proc. n.° 25/2021 e de 17.05.2021, Proc. n.° 58/2021).
Aliás, como nota Figueiredo Dias, (in “Direito Penal, Parte Geral”, Tomo 1, pág. 84), “em síntese, pode dizer-se que, toda a pena que responda adequadamente às exigências preventivas e não exceda a medida da culpa é uma pena justa”.
Dest’arte, imperativa é a decisão que segue.
Decisão
3. Em face do exposto, decide-se rejeitar o recurso.
Pagará o recorrente a taxa de justiça que se fixa em 4 UCs, e como sanção pela rejeição do recurso, o equivalente a 3 UCs; (cfr., art. 410°, n.° 3 do C.P.P.M.).
Honorários ao Exmo. Defensor no montante de MOP$3.500,00.
Registe e notifique.
Nada vindo de novo, e após trânsito, devolvam-se os autos ao T.J.B. com as baixas e averbamentos necessários.
(…)”; (cfr., fls. 924 a 929 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).
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Oportunamente, veio o recorrente reclamar do decidido, insistindo no entendimento que em sede do seu recurso tinha deixado exposto; (cfr., fls. 964 a 968).
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Por despacho do ora relator, foram os presentes autos conclusos para visto dos Mmos Juízes-Adjuntos e, seguidamente, nada vindo de novo, inscritos em tabela para decisão em conferência.
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Nada parecendo obstar, passa-se a decidir.
Fundamentação
2. Em conformidade com o estatuído no art. 407°, n.° 6, al. b), do C.P.P.M., após exame preliminar, o relator profere “decisão sumária” sempre que o recurso deva ser rejeitado, o que pode suceder quando for “manifesta” a sua improcedência; (cfr., art. 410°, n.° 1 do dito código).
Assim, apresentando-se ser a situação dos presentes autos, e tendo-se presente que a possibilidade de “rejeição do recurso por manifesta improcedência” destina-se a potenciar a economia processual, numa óptica de celeridade e de eficiência, visando, também, moralizar o uso (abusivo) do recurso, proferiu-se a decisão sumária que se deixou integralmente transcrita.
Invocando a faculdade que lhe é legalmente reconhecida pelo art. 407°, n°. 8 do C.P.P.M., vem o recorrente reclamar da aludida decisão sumária.
Porém, evidente é que não se pode reconhecer (qualquer) mérito à sua pretensão, (que apenas pode ter como justificação uma deficiente compreensão do que decidido foi), muito não se mostrando necessário aqui consignar para o demonstrar.
Com efeito, a decisão sumária agora reclamada apresenta-se clara, lógica e adequada na sua fundamentação, nela se tendo efectuado correcta identificação e tratamento das “questões” colocadas, justa e acertada sendo, igualmente, a solução a que se chegou.
Na verdade, pelos motivos – de facto e de direito – que na referida decisão sumária (atrás transcrita) se deixaram expostos, patente se mostra que adequado foi o deliberado no Acórdão do Colectivo do Tribunal de Segunda Instância objecto do recurso pelo ora reclamante trazido a este Tribunal, o que, por sua vez, implica, a necessária e natural conclusão da sua total confirmação, com a “rejeição do recurso” por sua manifesta improcedência em sede de decisão sumária, como, no caso, sucedeu.
Dest’arte, e mais não se mostrando de consignar, já que o ora reclamante se limita a reproduzir o antes já alegado e, igualmente, já (adequadamente) apreciado na decisão sumária agora em questão, inevitável é a improcedência da pretensão apresentada.
Decisão
3. Nos termos que se deixam expostos, em conferência, acordam julgar improcedente a apresentada reclamação.
Pagará o reclamante a taxa de justiça que se fixa em 3 UCs.
Honorários ao Exmo. Defensor Oficioso no montante de MOP$1.000,00.
Registe e notifique.
Oportunamente, e nada vindo de novo, remetam-se os autos ao T.J.B. com as baixas e averbamentos necessários.
Macau, aos 23 de Junho de 2021
Juízes: José Maria Dias Azedo (Relator)
Sam Hou Fai
Song Man Lei
Proc. 72/2021-I Pág. 4
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