Processo nº 61/2021 Data: 23.07.2021
(Autos de recurso civil e laboral)
Assuntos : Recurso para o Tribunal de Segunda Instância.
Impugnação da decisão sobre a matéria de facto.
Decisão por remissão; (art. 631°, n.° 5 do C.P.C.M.).
Omissão de pronúncia.
Nulidade.
SUMÁRIO
1. A permissão (geral e legal) de decisão por “remissão” não pode significar o total e indiscriminado afastamento do “dever de fundamentar”, de forma clara e explícita os motivos de uma decisão judicial, havendo que se expor, ainda que de forma sucinta, o “processo racional” utilizado para se chegar à decisão.
2. Compreende-se a intenção legislativa em relação ao preceito em questão, (cfr., art. 631°, n.° 5 do C.P.C.M.), obviamente assumida, numa óptica de simplificar a estrutura formal dos próprios Acórdãos, no sentido do seu aligeiramento, (permitindo a fundamentação por simples remissão para os termos da decisão recorrida), e visando, assim, em última análise, contribuir para a desejável celeridade da fase do recurso, assim se logrando obter uma maior eficácia e uma justiça mais rápida.
3. Porém, impugnada estando a decisão da matéria de facto, (como no caso sucedeu), viável já não é tal (aligeiramento e) remissão.
4. O uso do dispositivo previsto no n.° 5 do art. 631° do C.P.C.M. pressupõe que as questões colocadas no recurso tenham sido antes (identicamente) colocadas e objecto de apreciação na decisão recorrida, pois que o que efectivamente se pretende é evitar a “repetição da fundamentação”.
O relator,
José Maria Dias Azedo
Processo nº 61/2021
(Autos de recurso civil e laboral)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
Relatório
1. A (甲), propôs no Tribunal Judicial de Base acção declarativa de condenação com a forma ordinária contra B (乙), e C (丙), todos com os sinais dos autos, pedindo, a final, que fosse declarada a nulidade do contrato-promessa de compra e venda entre A. e RR. celebrado em 21.05.2018, condenando-se os RR. a restituir ao A. a quantia de HKD$1.000.000,00 “paga a título de sinal”, ainda que a título de “enriquecimento sem causa”; (cfr., fls. 2 a 8 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).
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Em contestação, pediram os RR. a declaração de “inexistência do (dito) contrato”, (alegando que nunca o viram), a “suspensão da instância”, (até apuramento dos factos relacionados com a sua celebração, matéria do Inquérito n.° 12806/2018 que corria termos no Ministério Público), peticionando, ainda, a “intervenção” da agente da imobiliária na petição inicial do A. indicada como intermediária na celebração do aludido contrato; (cfr., fls. 48 a 59).
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Replicou o A. pugnando pela improcedência de tudo o que pelos RR. tinha sido peticionado; (cfr., fls. 82 a 92).
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Oportunamente, proferiu-se despacho saneador onde se indeferiu a requerida “suspensão” e “intervenção”, procedendo-se à selecção da matéria de facto considerada assente e a que passava a integrar a base instrutória; (cfr., fls. 98 a 116-v).
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Os RR. recorreram do indeferimento da aludida “intervenção”, e, por Acórdão do Tribunal de Segunda Instância de 12.03.2020, (Proc. n.° 1231/2019), negou-se provimento ao recurso; (cfr., Apenso aos presentes autos).
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Realizada a audiência de julgamento, proferiu a Mma Juiz Presidente do Colectivo do Tribunal Judicial de Base sentença julgando improcedente a acção e absolvendo os RR. dos pedidos deduzidos; (cfr., fls. 218 a 224-v).
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Inconformado com o assim decidido, o A. recorreu para o Tribunal de Segunda Instância que, por Acórdão de 21.01.2021, (Proc. n.° 1066/2020), julgou improcedente o recurso; (cfr., fls. 292 a 299-v).
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Ainda inconformado, traz agora o A. o presente recurso, onde, nas suas alegações, formula as seguintes conclusões:
“1. O acórdão ora recorrido confirmou a sentença do tribunal de 1.ª instância por remissão para a fundamentação do acórdão de fls. 205-207 proferido em 29/05/2020 (quanto à matéria de facto) e por remissão para os fundamentos invocados na sentença de fls. 218-224 proferida em 24/06/2020 (quanto à matéria de direito).
2. Mas, salvo melhor opinião, não o podia ter feito.
3. Primeiro, por não lhe ser possível confirmar a decisão da matéria de facto nos termos do artigo 631.°, n.° 6 do CPC, dado tal decisão ter sido impugnada nos termos e para os efeitos do art.° 599.°, n.° 1, do CPC, mantendo-se, portanto, por decidir as questões suscitadas nas conclusões A) a H) das alegações de recurso de fls. 230 e ss. para o TSI.
4. Segundo, porque julgar improcedente o recurso da matéria de facto com base no juízo genérico (e conclusivo) de que:
5. «Conforme o teor da decisão do Tribunal a quo acima transcrito, não se verifica qualquer erro ou desvio óbvio na apreciação da prova pelo Tribunal a quo. Ao contrário, entende-se. que a apreciação em causa foi realizada em conformidade como princípio da prova legal e as regras da experiência comum. Nestes termos, não procede o recurso nesta parte.»,
6. sem qualquer menção à audição da prova gravada e sem que tenha sido feita a análise concreta dos meios probatórios invocados pelo Recorrente,
7. não é suficiente para se considerar que o acórdão recorrido fez a análise crítica das provas e especificou os fundamentos que foram decisivos para a sua convicção, conforme exigido pelo art.º 562.º, n.º 3 do CPC, aplicável por força do n.º 2 do art.° 631.º do mesmo diploma.
8. Neste sentido, veja-se a jurisprudência lapidar do Supremo Tribunal de Justiça de Portugal, designadamente os acórdãos de 11/26/2009 (Proc.° 251/03.6TBRMZ.E1.S1), de 01/20/2010 (Proc.º 56/2000.S1) e de 04/21/2010 (Proc.° 3473/06.4TJVNF-A.P1.S1), in www.dgsi.pt.
9. Do acórdão recorrido resulta, pois, que o Tribunal a quo não fez menção à audição da prova gravada, nem a ponderou, porque decidiu o recurso da matéria de facto sem fazer a análise concreta e o exame crítico dos meios probatórios invocados pelo Recorrente, como se lhe impunha por força do disposto no art.° 562.º, n.º 3, ex vi art.º 631.º, n.º 2, do CPC.
10. Falta, pois, a análise concreta dos meios probatórios em causa, designadamente das passagens da gravação que confirmavam o sentido da impugnação das respostas dadas aos quesitos.
11. Não tendo o acórdão recorrido feito essa análise crítica das provas, por dele resultar hão ter sido ouvida e ponderada a prova gravada invocada pelo Recorrente, o acórdão recorrido é nulo por omissão de pronúncia no que respeita às provas que lhe cumpria conhecer, designadamente as passagens da gravação indicadas pela Recorrente em que se fundou a impugnação da matéria de facto. - art.° 57I.°, n.° 1, alínea d), ex vi art.° 633.°, n.° 1, ambos do CPC.
12. Logo, a decisão recorrida incorreu em nulidade por omissão de pronúncia - art.° 571.°, n.° 1, alínea d), ex vi art.s 633.°, n.° 1, ambos do CPC - por violação do disposto no art.° 562.°, n.° 3, ex vi art.s 631.°, n.° 2, do CPC, pelo que deverá ser anulada, com as legais consequências, designadamente mandando-se julgar novamente a causa no TSI nos termos e para os efeitos do disposto do art.° 650.°, n.° 2, do CPC por outro Colectivo composto por juízes que não se encontrem impedidos por força do disposto na alínea e) do art.° 311.°, do mesmo diploma.
13. Subsidiariamente, a decisão recorrida quanto à matéria de facto seria sempre nula (por omissão de pronúncia) por o Tribunal a quo não ter resolvido as questões suscitadas nas conclusões A) a H) das alegações de recurso para o TSI (fls. 230 e ss.), incluindo a questão da litigância de má-fé,
14. a qual consiste numa questão de conhecimento oficioso, susceptível de ser suscitada em via de recurso, como acabou por ser in casu (pp. 38 a 43 das alegações de fls. 230 e ss.) com base no alegado pelos RR. no artigo 38.° da Contestação e no teor dos documentos de fls. 256 a 263.
15. Terceiro, porque não era possível ao Tribunal a quo ter confirmado a decisão da matéria de direito nos termos do artigo 631.°, n.° 5 do CPC.
16. Isto por tal decisão ter também sido impugnada nos termos e para os efeitos do art.° 598.°, n.° 2, do CPC e a sentença da instância inferior não se ter pronunciado sobre as questões sujeitas à apreciação do Tribunal a quo pelo Recorrente, mantendo-se, portanto, por decidir as questões suscitadas nas conclusões I) a FF) das alegações de recurso de fls. 230 e ss.
17. O acórdão recorrido violou assim o disposto no art.° 631.°, n.° 5, do CPC, sendo por isso nulo nos termos da al. d) do n.° 1 do art.° 571.° do CPC ex vi do art.° 651.°, n.° 2, do mesmo diploma, por omissão de pronúncia quanto às questões suscitadas nas alíneas I) a FF) das conclusões das alegações de recurso de fls. 230 e ss.
18. Deve, por isso, ser ordenada a baixa do processo para que o Tribunal a quo (composto por juízes se não encontrem impedidos por força do disposto na alínea e) do art.° 311.°, do CPC) se pronuncie sobre as questões omitidas, fazendo também a análise crítica (em falta) das provas indicadas nas alegações de recurso.
19. Quarto, porque, subsidiariam ente, a decisão recorrida quanto à matéria de direito seria sempre nula (por omissão de pronúncia) por o Tribunal a quo não ter resolvido as questões suscitadas nas conclusões I) a FF) das alegações de fls. 230 a 263 para o TSI, incluindo a questão da litigância de má-fé, a qual apenas foi suscitada na fase do recurso.
20. Quinto, porque a "súmula conclusiva" que o Tribunal a quo fez da sentença de fls. 218-224v no acórdão recorrido já depois de ter confirmado a decisão de direito nos termos do art.° 631.°, n.° 5, do CPC, viola a "autoridade do caso julgado" do acórdão de fls. 35-38v do Apenso A, transitado em 30/03/2020 no recurso n.° 1231/2019 (fls. 40 do Apenso A), por tal sentença da 1.ª instância ter decidido em sentido diverso sobre as mesmas questões objecto desse acórdão, abalando assim a sua autoridade.
21. Sendo líquido que as questões julgadas no acórdão de fls. 35-38v do Apenso A que foram o antecedente lógico da decisão de improcedência nele tomada, não deveriam ter sido julgadas outra vez (de forma diferente) na sentença de fls. 218-224, ora confirmada pelo acórdão recorrido de fls. 292-299 nos termos do art.° 631.º, n.° 5, do CPC, sob pena de violação da excepção da "autoridade do caso julgado" suscitada nas conclusões R), S) e T) das alegações de recurso de fls. 230 e ss.
22. Por outro lado, mesmo que - por hipótese - se mantenha a decisão sobre a matéria de facto, deverá a decisão que recaiu sobre questão do vício do negócio jurídico alegado pelo Autor ser revogada e substituída por outra por outra que declare a inexistência jurídica do contrato de fls. 30 e 31, com as legais consequências,
23. designadamente, a condenação da 1.º Ré a restituir tudo o que lhe foi depositado na sua conta bancária por causa desse contrato, i.e., o valor de HKD$1.000.000,00 acrescido dos juros vencidos e vincendos desde a citação até integral pagamento, conforme resulta da aplicação analógica do disposto no artigo 282.º, n.os 1 e 3, do Código Civil.
24. Primeiro, porque a questão de direito da inexistência jurídica do contrato-promessa de fls. 30 e 31 foi oportunamente objecto de discussão em sede própria, ou seja, aquando da discussão por escrito do aspecto jurídico da causa em 8/06/2020 (fls. 212-217), pelo que o seu não conhecimento pelo Tribunal a quo viola o disposto no artigo 567.º do CPC.
25. Segundo, porque o não conhecimento da questão da inexistência jurídica do contrato-promessa de fls. 30 e 31 (e das suas consequências jurídicas) viola o disposto no. artigo 563.º, n.º 3, do CPC.
26. Terceiro, porque tal como sucede com o acto nulo, o acto inexistente é do conhecimento oficioso e do seu (re)conhecimento resulta a obrigação de restituir o que tiver sido prestado.
27. Quarto, porque face às respostas aos quesitos 1.° a 5.° e 8.° da base instrutória, quem recebeu o valor de HKD$1.000.000,00 foi a 1.ª Ré, então, face à inexistência jurídica por falsidade do contrato-promessa, é essa mesma pessoa quem terá a obrigação de restituir tudo o que lhe tiver sido prestado por aplicação analógica do art.° 282.° do Código Civil - Cf. Acórdão do TSI, 31/01/2019 (Proc.° n.° 756/2018), in www.court.gov.mo.
28. Subsidiariamente, deverá a decisão que recaiu sobre o pedido subsidiário ser revogada por violação dos artigos 467.°, n.° 1 e 2, e 475.°, ambos do Código Civil, e substituída por outra por outra que condene os RR. (ou pelo menos a 1.ª Ré) a restituir, a título de enriquecimento sem causa, tudo o que lhe foi depositado na sua conta bancária por causa do contrato-promessa de fls. 30 e 31, i.e., o valor de HKD$1.000.000,00 acrescido dos juros vencidos e vincendos desde a citação até integral pagamento.
29. Primeiro, por as respostas dadas aos quesitos 1.° a 5.° e 8.° da base instrutória demonstrarem a verificação, no caso "sub judice", dos três requisitos de que depende a obrigação de restituir fundada no injusto locupletamento, à custa alheia prevista no art.° 467.° do Código Civil, designadamente: a existência de um enriquecimento, a obtenção deste à custa de outrem e a falta de causa justificativa dessa valorização patrimonial.
30. Segundo, porque o facto de a 1.ª Ré ter transferido o dinheiro, depois de ele ter entrado na sua conta bancária, para a conta da sociedade comercial "[Empresa(1)]", não apaga o facto de o dinheiro ter ingressado na esfera jurídica da 1.ª Ré B, com o correspondente empobrecimento do património do Autor,
31. nem o facto de, em seguida, a 1.ª Ré ter disposto dele como muito bem entendeu a favor da sociedade comercial "[Empresa(1)]", conforme resulta da resposta ao quesito 10.° da base instrutória.
32. Terceiro, por à presente acção não interessarem os arranjos ou as eventuais combinações dos RR. coma testemunha D, nem as relações internas entre eles e ela, nem o que os RR. fizeram depois com o valor do sinal depositado na conta bancária da Ré n.° XXXXXXXXXXXXXXX do BOC, conforme foi, decidido no Apenso A pelo acórdão do TSI proferido em 12/03/2020, no recurso n.° 1231/2019, já transitado em julgado.
33. Não importando, de todo, se a 1.ª Ré dispôs do dinheiro para pagar uma dívida a essa sociedade, para fazer um favor à D ou para cometer um crime de branqueamento decapitais p.p. pelo art. 3°, n.° 2, da Lei n.° 2/2006, por não ser esse o objecto da presente acção.
34. Este entendimento foi sufragado na presente acção pelo acórdão do TSI proferido em 12/03/2020 no recurso n.° 1231/2019 de fls. 35-38v dó Apenso A, já transitado em julgado, o qual confirmou o despacho de fls. 95 a 97 que rejeitou a intervenção da D.
35. Era assim vedado ao Tribunal de 1.ª instância ter ido contra o decidido nas questões preliminares que foram antecedente lógico indispensável da parte dispositiva do julgado no acórdão de fls. 35-38v do Apenso A, por tais questões já nele terem ficado definitivamente resolvidas.
36. A decisão recorrida violou, pois, nesta parte, a autoridade do caso julgado formado no acórdão do TSI proferido no Apenso A, em 12/03/2020, no recurso n.° 1231/2019, pelo que deve ser revogada, com as legais consequências.
37. Quarto, porque não se verifica nenhum dos dois pressupostos enunciados por LUÍS MANUEL TELES DE MENEZES LEITÃO na sua obra "O Enriquecimento sem Causa no Direito Civil" para que se possa aplicar ao caso "sub judice" a regime da alienação gratuita da coisa restituída previsto no art.° 475.° do Código Civil.
38. O primeiro pressuposto para a aplicação do art.° 475.° do Código Civil é que o alienante se tenha constituído como enriquecido e, portanto, corno devedor da obrigação de restituição do enriquecimento, mas é o próprio tribunal a quo a dizer que não houve enriquecimento da 1.ª Ré, pelo que se impõe a revogação da decisão recorrida por; nesta parte, ter incorrido na nulidade prevista no art.° 571.°, n.° 1, alínea c), do CPC.
39. O segundo pressuposto que importa a extinção da responsabilidade do alienante de boa fé é que é que se tenha verificado a transmissão gratuita da coisa que se devesse restituir.
40. Sucede que não existiu qualquer alienação gratuita da 1.ª Ré à D.
41. Isto por não ter ficado provado (nem ter sido alegado) qualquer facto demonstrativo de que o depósito referido na resposta ao quesito 10.° da base instrutória se tratou de um negócio gratuito, designadamente de uma doação de coisa móvel ou de uma doação remuneratória à D nos termos dos artigos 934.° ou 935.° do Código Civil.
42. Acresce que a prestação deve ser feita ao credor, ao seu representante, ou a outrem autorizado para recebê-la em seu nome (art.° 759.° do Código Civil), pelo que o cumprimento feito a terceiro sem legitimidade não extingue a obrigação, excepto nos casos do art.° 760.º do Código Civil, aqui inaplicável.
43. Por isso, não é pelo facto de a 1.ª Ré ter transferido para um terceiro o dinheiro que foi depositado pelo Banco da China na conta n.° XXXXXXXXXXXXXXX, que fica desonerada perante o Autor da obrigação de lhe restituir o valor que indevidamente recebeu e transferiu para a sociedade comercial "[Empresa(1)]"!
44. Sendo evidente que a presente acção nunca teria sido proposta contra os RR. se o valor de HKD$1.000.000,00 depositado na conta n.º XXXXXXXXXXXXXXX da 1.ª Ré através da ordem de caixa n.º XXXXXX tivesse sido devolvido ao banco sacador que a emitiu, como teria feito qualquer pessoa minimamente prudente e honesta.
45. Logo, nada obsta à procedência do pedido subsidiário por não se ter alegado nem provado a hipótese do negócio gratuito previsto no art.° 475.º do Código Civil.
46. Se os RR. entendiam que a culpada pela presente situação era a testemunha D, então deviam ter suscitado a sua intervenção acessória tios termos e para os efeitos do disposto no artigo 272.º e ss. do CPC.
47. Optaram por não o fazer para melhor enganar o tribunal a quo, pelo que só podem culpar-se a si mesmos, dado vigorar no processo civil o princípio do dispositivo e da auto-responsabilidade das partes pela sua estratégia processual.
48. Acresce que a 1.ª Ré actuou de má fé no caso sub judice, verificando-se a situação prevista na al. b) do n.° 1 do art.° 385.º do CPC, a qual por também ser do conhecimento oficioso, deveria ter sido censurada com a cominação de multa nos termos do disposto no art.° 101.º, n.º 2 do Regime das Custas nos Tribunais, com as legais consequências.
49. Sucede que o Tribunal a quo não se pronunciou sobre esta questão suscitada na conclusão FF das alegações de recurso de fls. 230 e ss., o que inquina a decisão que recaiu sobre o pedido subsidiário.
50. Deverá, portanto, mandar-se julgar novamente a causa no TSI nos termos e para os efeitos do disposto do art.° 650.°, n.° 2, do CPC por outro Colectivo composto por juízes que se não encontrem impedidos por força do disposto na alínea e) do art.s 311.°, do mesmo diploma ou revogar-se o acórdão recorrido, com as legais consequências”; (cfr., fls. 307 a 332).
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Após resposta dos RR. pugnando pela improcedência do recurso, (cfr., fls. 339 a 348), e remetidos os autos a esta Instância, cumpre decidir.
Fundamentação
Dos factos
2. Está indicada como “provada” a seguinte matéria de facto:
“- O prédio urbano [Prédio(1)] Lote 7, sito na ilha da Taipa, [Zona(1)], descrito na Conservatória de Registo Predial (CRP) sob n° XXXXX, encontra-se construído em terreno concedido por arrendamento, pela prazo de 66 meses, a contar de 08 de Setembro de 2010, conforme o 4 parágrafo do anexo do Despacho do Secretário para os Transportes e Obras Públicas n.º 44/2010, publicado na Boletim Oficial da RAEM nº 36, II Série. (alínea A) dos factos assentes)
- No dia 03 de Dezembro de 2016, a Ré celebrou um contrato-promessa de compra e venda com a sociedade «[Empresa(2)]», com sede em Macau, na [Endereço(1)], registada na Conservatória dos Registos Comercial e de Bens Móveis sob o n°XXXX(SO) a fls. 71 do livro C8, e com o qual ela adquiriu o direito de aquisição da fracção autónoma "D-VINTE", do vigésimo andar "D", para habitação, do prédio supra identificado (cfr. doc. 2 junto com a p.i., cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais). (alínea B) dos factos assentes)
- A Ré pagou o imposto do selo para transmissão de imóvel no valor de MOP$251.463,00 em 29/12/2016. (alínea C) dos factos assentes)
- A empresa “[Empresa(1)]” é detida unicamente pela mediadora imobiliária D, a qual é a única sócia e membro da administração da mesma. (alínea D) dos factos assentes)
- Em 21 de Maio de 2018, o Autor assinou um acordo titulado contrato-promessa de compra e venda na Agência Imobiliária por [Empresa(3)] perante a agente D, nos termos do qual os Réus declararam prometer vender ao Autor a fracção "D20" do Lote 7 de [Prédio(1)] pelo preço de HKD$10.330.000,00. (resposta ao quesito 1° da base instrutória)
- Por isso, no mesmo dia, o Autor, a sua namorada E (戊) e a agente D encontraram-se na [Agência(1)] do Banco da China (BOC), sito na [Endereço(2)], tendo a namorada do Autor E entregue à agente, a título de sinal, a ordem de caixa n°XXXXXX do BOC a favor da B como sendo a destinatária da quantia de HKD$1.000.000,00. (resposta ao quesito 2° da base instrutória)
- O valor da ordem de caixa n°XXXXXX do BOC pertencia ao Autor por o ter pedido emprestado à sua mãe F (己) (resposta ao quesito 3° da base instrutória)
- Logo, a agente D depositou essa ordem de caixa n.º XXXXXX do BOC na conta bancaria da Ré n.º XXXXXXXXXXXXXXX do BOC para pagamento do sinal de HKD$1.000.000,00 prometido no contrato assinado em 21/05/2018 pelo Autor. (resposta ao quesito 4° da base instrutória)
- Aquando da celebração do contrato referido no item n° 1, não se realizou o reconhecimento notarial das suas assinaturas. (resposta ao quesito 5° da base instrutória)
- Os dois Réus nunca autorizaram a agente imobiliária D a vender bens imóveis (incluindo a fracção autónoma D20 em causa) registados em nome deles a outrem. (resposta ao quesito 7° da base instrutória)
- O Autor depositou o montante de HKD$1.000.000,00 em causa na conta bancária da 1ª Ré. (resposta ao quesito 8° da base instrutória)
- Após o Autor ter efectuado o depósito do referido montante, a agente imobiliária D, pretextando que a sua conta bancária não estava a funcionar, disse no mesmo dia à 1ª Ré que o seu cliente (Autor) já tinha depositado, a pedido dela, HKD$1.000.000,00 na conta bancária da 1ª Ré, e pediu a esta última para transferir a verba recebida para uma conta aberta no BOC, com o n.º XXXXXXXXXXXXXXX. (resposta ao quesito 9° da base instrutória)
- Em 22 de Maio de 2018, a 1ª Ré, conforme a indicação dada pela agente imobiliária D, depositou o referido montante na conta do BOC indicada por ela, sob o n.º XXXXXXXXXXXXXXX. (resposta ao quesito 10° da base instrutória)
- A supra aludida conta bancária é detida por uma empresa denominada “[Empresa(1)]”. (resposta ao quesito 11° da base instrutória)
- Os Réus não enriqueceram com o factualismo acima referido. (resposta ao quesito 13° da base instrutória)”; (cfr., fls. 219-v a 220-v, 293-v 294-v e 7 a 9 do Apenso).
Do direito
3. Com o presente recurso insurge-se o A. contra a decisão ínsita no Acórdão do Tribunal de Segunda Instância que confirmou a sentença proferida pela Mma Juiz Presidente do Colectivo do Tribunal Judicial de Base que absolveu os RR. dos pedidos contra eles deduzidos.
Colhe-se das alegações e conclusões de recurso pelo A. ora recorrente apresentadas que o mesmo insiste no seu “ponto de vista” (quanto ao “contrato celebrado” que invoca para a pretensão que deduz), assacando, agora, ao Acórdão do Tribunal de Segunda Instância, várias “omissões de pronúncia” e “erros na aplicação do direito”.
Em relação às referidas “omissões de pronúncia”, diz – em síntese – que o Acórdão recorrido não resolveu (ou emitiu pronúncia sobre) as questões suscitadas nas conclusões A) a H) e I) a FF) das suas alegações de recurso (de fls. 230 e segs.), incluindo a da “litigância de má fé”…; (cfr., conclusões de recurso 1ª a 19ª atrás transcritas).
–– Afigurando-se de decidir desde já destas imputadas “omissões de pronúncia”, (pois que, a se verificar, prejudicadas ficam as questões relacionadas com os também imputados “erros na aplicação do direito”), vejamos.
Comecemos esclarecendo-se quais as “questões” que o recorrente suscitava nas referidas “conclusões A) a H) e I) a FF)”, (do seu recurso então apresentado no T.S.I.).
Pois bem, tem estas conclusões o teor seguinte:
“A. A resposta negativa ao quesito 6.° da base instrutória violou o disposto no artigo 335.°, n.° 2 e 3, do Código Civil e nos art.os 437.º e 558.º, n.º 2, ambos do CPC, este ultimo aplicável por força do incumprimento pelo tribunal a quo do art.° 382.°, do Código Civil, devendo por isso ser alterada para "Não provado".
B. A resposta positiva ao quesito 7.º da base instrutória violou o disposto nos artigos 335.º, n.º 2 e 3 e 339.º, do Código Civil e no art.° 437.º, do CPC, devendo por isso ser alterada para "Não provado".
C. A resposta positiva ao quesito 9.º da base instrutória é contraditória com a resposta parcialmente positiva ao quesito 8.º, devendo por isso ser alterada para "Não provado".
D. A resposta positiva ao quesito 9.º da base instrutória viola também o disposto no artigo 558.º, n.º 1, do CPC porque não foi alegado nem ficou provado porque é que o dinheiro tinha que passar primeiro pela conta da 1.ª Ré, nem porque é que o dinheiro não podia ter entrado directamente na conta da sociedade comercial "[Empresa(1)]", uma vez que segundo o perguntado no quesito 9.º (e dito pela testemunha D) era a sua conta pessoal e não a conta da referida sociedade que supostamente tinha problemas…
E. A resposta positiva ao quesito 13.° viola o disposto no art.° 1603.°, n.° 1, do Código Civil, uma vez que o 2.° Réu é casado com a 1.ª Ré no regime da comunhão de adquiridos (fls. 25 da certidão predial) presumindo-se existir entre eles a plena comunhão de vida prevista no art.° 1463.°, do mesmo diploma.
F. A resposta positiva ao quesito 13.° viola também o disposto nos artigos 1229.°, 335.°, n.° 2 e 3 e 339.°, do Código Civil e no art.° 437.°, do CPC, impondo-se por isso a sua alteração para "Provado".
G. Caso assim não se entenda, deverá ser anulada a decisão de facto nos termos e para os efeitos do art.° 629.°, n.° 4, do CPC, por a resposta dada ao quesito 13.° ser contraditória com as respostas dadas aos quesitos 1.° a 5.° e 8.° da base instrutória.
H. As respostas aos quesitos 6.°, 7.°, 9.° e 13.° da base instrutória violaram as regras de direito probatório supra referidas, devendo por isso ser alteradas em conformidade com o exposto supra.
I. Por outro lado, mesmo que se mantenha a decisão sobre a matéria de facto deverá a decisão que recaiu sobre questão do vício do negócio jurídico alegado pelo Autor ser revogada e substituída por outra por outra que declare a inexistência jurídica do contrato de fls. 30 e 31, com as legais consequências, designadamente, a condenação da 1.ª Ré a restituir tudo o que lhe foi depositado na sua conta bancária por causa desse contrato, i.e., o valor de HKD$1.000.000,00 acrescido dos juros vencidos e vincendos desde a citação até integral pagamento, conforme resulta da aplicação analógica do disposto no artigo 282.°, n.° 1 e 3, do Código Civil.
J. Primeiro, porque a questão de direito da inexistência jurídica do contrato-promessa de fls. 30 e 31 foi oportunamente objecto de discussão em sede própria, ou seja, aquando da discussão por escrito do aspecto jurídico da causa em 07/05/2020, pelo que o seu não conhecimento pelo tribunal a quo viola o disposto no artigo 567.° do CPC.
K. Segundo, porque o não conhecimento da questão da inexistência jurídica do contrato-promessa de fls. 30 e 31 (e das suas consequências jurídicas) viola o disposto no artigo 563.°, n.° 3, do CPC.
L. Terceiro, porque tal como sucede com o acto nulo, o acto inexistente é do conhecimento oficioso e do seu (re)conhecimento resulta a obrigação de restituir o que tiver sido prestado.
M. Quarto, porque face às respostas aos quesitos 1.° a 5.° e 8.° da base instrutória, quem recebeu o valor de HKD$1.000.000,00 foi a 1.ª Ré, então, face à inexistência jurídica por falsidade do contrato-promessa, é essa mesma pessoa quem terá a obrigação de restituir tudo o que lhe tiver sido prestado por aplicação analógica do art.° 282.° do Código Civil - Cf. Acórdão do TSI, 31/01/2019 (Proc.° n.° 756/2018), in www.court.gov.mo.
N. Subsidiariamente, deverá a decisão que recaiu sobre o pedido subsidiário ser revogada por violação dos artigos 467.º, n.° 1 e 2, e 475.º, ambos do Código Civil, e substituída por outra por outra que condene os RR. (ou pelo menos a 1.ª Ré) a restituir, a título de enriquecimento sem causa, tudo o que lhe foi depositado na sua conta bancária por causa do contrato-promessa de fls. 30 e 31, i.e., o valor de HKD$1.000.000,00 acrescido dos juros vencidos e vincendos desde a citação até integral pagamento.
O. Primeiro, por as respostas dadas aos quesitos 1.º a 5.º e 8.º da base instrutória demonstrarem a verificação, no caso "sub judice", dos três requisitos de que depende a obrigação de restituir fundada no injusto locupletamento, à custa alheia prevista no art.° 467.º do Código Civil, designadamente: a existência de um enriquecimento obtenção deste à custa de outrem; e a falta de causa justificativa dessa valorização patrimonial.
P. Segundo, porque o facto de a 1.ª Ré ter transferido o dinheiro, depois de ele ter entrado na sua conta bancária, para a conta da sociedade comercial "[Empresa(1)]", não apaga o facto de o dinheiro ter ingressado na esfera jurídica da 1.ª Ré B, com o correspondente empobrecimento do património do Autor,
Q. nem o facto de, em seguida, a 1.ª Ré ter disposto dele como muito bem entendeu a favor da sociedade comercial "[Empresa(1)]", conforme resulta da resposta ao quesito 10.º da base instrutória.
R. Terceiro, por à presente acção não interessarem os arranjos ou as eventuais combinações dos RR. com a testemunha D, nem as relações internas entre eles e ela, nem o que os RR. fizeram depois com o valor do sinal depositado na conta bancária da Ré n.° XXXXXXXXXXXXXXX do BOC, conforme foi decidido no Apenso A pelo acórdão do TSI proferido em 12/03/2020, no recurso n.° 1231/2019, já transitado em julgado.
S. Não importando. de todo, se a 1.ª Ré dispôs do dinheiro para pagar uma dívida a essa sociedade, para fazer um favor à D ou para cometer um crime de branqueamento decapitais p.p. pelo art. 3°, n.° 2, da Lei n.° 2/2006, por não ser esse o objecto da presente acção.
T. A decisão recorrida violou, pois, nesta parte, o caso julgado formado no acórdão do TSI proferido no Apenso A, em 12/03/2020, no recurso n.° 1231/2019, pelo que deve ser revogada, com as legais consequências.
U. Quarto, porque não se verifica nenhum dos dois pressupostos enunciados por Luís Manuel Teles de Menezes Leitão na sua obra "O Enriquecimento sem Causa no Direito Civil" para que se possa aplicar ao caso sub judice o regime da alienação gratuita da coisa restituída previsto no art.° 475.° do Código Civil.
V. O primeiro pressuposto para a aplicação do art.° 475.° do Código Civil é que o alienante se tenha constituído como enriquecido e, portanto, como devedor da obrigação de restituição do enriquecimento, mas é o próprio tribunal a quo a dizer que não houve enriquecimento da 1.ª Ré, pelo que se impõe a revogação da decisão recorrida por, nesta parte, ter incorrido na nulidade prevista no art.° 571.º, n.° 1, alínea c), do CPC.
W. O segundo pressuposto que importa a extinção da responsabilidade do alienante de boa fé é que é que se tenha verificado a transmissão gratuita da coisa que se devesse restituir.
X. Sucede que não existiu qualquer alienação gratuita da 1.ª Ré à D.
Y. Isto por não ter ficado provado (nem ter sido alegado) qualquer facto demonstrativo de que o depósito referido na resposta ao quesito 10.º da base instrutória se tratou de um negócio gratuito, designadamente de uma doação de coisa móvel ou de uma doação remuneratória à D nos termos dos artigos 934.º ou 935.º do Código Civil.
Z. Acresce que a prestação deve ser feita ao credor, ao seu representante, ou a outrem autorizado para recebê-la em seu nome (art.° 759.º do Código Civil), pelo que o cumprimento feito a terceiro sem legitimidade não extingue a obrigação, excepto nos casos do art.° 760.º do Código Civil, aqui inaplicável.
AA. Por isso, não é pelo facto de a 1.ª Ré ter transferido para um terceiro o dinheiro que foi depositado pelo Banco da China na conta n.° XXXXXXXXXXXXXXX, que fica desonerada perante o Autor da obrigação de lhe restituir o valor que indevidamente recebeu e transferiu para a sociedade comercial "[Empresa(1)]"!
BB. Sendo evidente que apresente acção nunca teria sido proposta contra os RR. se o valor de HKD$1.000.000,00 depositado na conta n.° XXXXXXXXXXXXXXX da 1.ª Ré através da ordem de caixa n.° XXXXXX tivesse sido devolvido ao sacador, como teria feito qualquer pessoa minimamente prudente e honesta.
CC. Logo, nada obsta à procedência do pedido subsidiário por não se ter alegado nem provado a hipótese do negócio gratuito previsto no art.° 475.º do Código Civil.
DD. Se os RR. entendiam que a única culpada pela presente situação era a testemunha D, então deviam ter suscitado a sua intervenção acessória nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 272.° e ss. do CPC.
EE. Optaram por não o fazer para melhor enganar o tribunal a quo, pelo que só podem culpar-se a si mesmos, dado vigorar no processo civil o princípio do dispositivo e da auto-responsabilidade das partes pela sua estratégia processual.
FF. Acresce que a 1.ª Ré actuou de má fé no caso sub judice, verificando-se a situação prevista na al. b) do n.° 1 do art.° 385.° do CPC, a qual por também ser do conhecimento oficioso, deverá ser censurada com a cominação de multa nos termos do disposto no art.° 101.°, n.° 2 do Regime das Custas nos Tribunais, o que desde já se requer, com as legais consequências.
(…)”; (cfr., fls. 251 a 254).
Aqui chegados, tendo presente o que se deixou transcrito, e ponderando no teor do Acórdão ora recorrido, cremos que se impõe reconhecer razão ao ora recorrente.
Com efeito, o Acórdão recorrido transcreveu, (integralmente), a “matéria de facto” dada como provada pelo Colectivo do Tribunal Judicial de Base assim como a “fundamentação” de tal decisão, consignando, seguidamente, que:
“Atenta a supra transcrita decisão do Tribunal a quo, não se detecta erro ou desvio notório na apreciação da prova por parte do Tribunal. Pelo contrário, mostram-se reunidos os princípios probatórios e as regras da experiência comum.
Razão pela qual, o recurso improcede nesta parte”; (cfr., fls. 12 do Apenso).
Após isso, e passando à “questão de mérito”, transcreveu a sentença recorrida na parte que teve como pertinente, consignando, seguidamente que:
“Concordamos totalmente com os argumentos e decisão do Tribunal a quo sobre as respectivas questões. Portanto, nos termos do disposto no artigo 631.º, n.º 5 do CPC, remetemos para os fundamentos e decisão da sentença impugnada para negarmos provimento ao recurso também quanto a este aspecto.
Na verdade, resulta do factualismo provado que quem obteve fraudulentamente o dinheiro do Autor foi D (já condenada no âmbito do processo penal n.º CR4-19-0281-PCC). Ela usou o nome dos dois Réus para praticar a burla, sem que estes estivessem cientes do facto ou dele beneficiassem de forma alguma.
Embora o facto de os dois Réus terem prestado auxílio a D no sentido de transferir o dinheiro depositado na sua conta bancária para a conta indicada por esta última possa suscitar suspeitas de conluio e comparticipação por parte dos Réus, isso não se dá por provado pela falta de mais prova. Ademais, o pedido de restituição formulado pelo Autor não se baseia no conluio entre os Réus e D, mas antes na nulidade do contrato-promessa e no enriquecimento sem causa.
Ora, a sentença a quo explicita claramente a inexistência jurídica do alegado contrato-promessa, e que quem recebeu o sinal em questão não foram os Réus, os quais também não enriqueceram com a burla em causa.
Daí se infere que deve ser D, e não os Réus, quem deve assumir a responsabilidade indemnizatória.
*
IV. Decisão
Face ao expendido, acordam negar provimento ao recurso do Autor, mantendo a sentença recorrida.
(…)”; (cfr., fls. 299 a 299-v e 20 do Apenso).
E, desta forma, como se vê, em relação às “questões” pelo recorrente suscitadas em relação à (adequação da) “decisão da matéria de facto” – ou seja, em relação às “respostas dadas aos quesitos 6°, 7°, 9° e 13°” – inegável se nos apresenta que do que do Acórdão recorrido consta, possível não é concluir que se efectuou uma (efectiva) “reapreciação” do que decidido foi, com uma (efectiva) “reponderação” dos elementos probatórios pelo Tribunal Judicial de Base e recorrente invocados, acabando assim por constituir uma “decisão por (adesão e) remissão”.
É verdade que se citou, também, (expressamente), o art. 631°, n.° 5, do C.P.C.M., consignando-se que “remetemos para os fundamentos e decisão da sentença impugnada para negarmos provimento ao recurso também quanto a este aspecto”, de forma alguma se pretendendo por em causa esta “faculdade” que legalmente assiste de “decidir por remissão”; (sobre idêntica questão, cfr., v.g., o recente Ac. deste T.U.I. de 14.07.2021, Proc. n.° 139/2020).
Porém, e sem prejuízo do muito respeito por outro entendimento, a “situação” (agora) em questão tem (outros) contornos que importa atentar.
De facto, e como cremos ser de se entender, a permissão (geral e legal) de tal “remissão”, não pode significar o total e indiscriminado afastamento do “dever de fundamentar”, (de forma clara e explícita os motivos de uma decisão judicial, havendo que se expor, ainda que de forma sucinta, o “processo racional” utilizado para se chegar à decisão).
Não se nega que no dito art. 631°, n.° 5 se prescreve que: “Quando o Tribunal de Segunda Instância confirmar inteiramente e sem voto de vencido o julgado em primeira instância, quer quanto à decisão, quer quanto aos respectivos fundamentos, pode o acórdão limitar-se a negar provimento ao recurso, remetendo para os fundamentos invocados na decisão impugnada”.
Contudo, o assim preceituado não deve ser entendido como uma (“cláusula” aberta de) “permissão” para a toda (e qualquer) decisão por “remissão”, desde que decidida por “unanimidade”, (sem voto de vencido), pois que o transcrito preceito legal tem de ser, (como nos parece evidente), adequadamente conjugado com o estatuído no n.° 6 do mesmo comando, onde se prescreve que: “Quando a decisão de facto não tenha sido impugnada nem haja lugar a qualquer alteração da matéria de facto, o acórdão limita-se a remeter para os termos da decisão da primeira instância proferida sobre aquela matéria”.
E, como se viu, in casu, no recurso para o Tribunal de Segunda Instância, a “decisão de facto” tinha sido objecto de (expressa) impugnação, o que desde logo afasta a possibilidade de decisão por (genérica) remissão para os “termos da decisão … proferida”, ou que se faça, como foi o caso, uma (mera) referência vaga e genérica à fundamentação da “decisão da matéria de facto”, (sem qualquer demonstração de se ter efectuado uma “análise crítica” da questão com base em efectiva reponderação dos elementos no recurso invocados e que sobre ela incidem).
Compreende-se a intenção legislativa em relação ao preceito em questão, obviamente assumida, numa óptica de simplificar a estrutura formal dos próprios Acórdãos, no sentido do seu aligeiramento, (permitindo a fundamentação por simples remissão para os termos da decisão recorrida), e visando, assim, em última análise, contribuir para a desejável celeridade da fase do recurso, (cfr., v.g., Armindo Ribeiro Mendes in, “Os Recursos no C.P.C. Revisto”, pág. 88 e Abílio Neto in, “C.P.C. Anotado”, 14ª ed., pág. 814), assim se logrando obter uma maior eficácia e uma justiça mais rápida.
Porém, impugnada estando a decisão da matéria de facto, (como no caso sucedeu), viável já não é tal (aligeiramento e) remissão, (tal como sucede, como é óbvio, quando existam motivos para uma alteração oficiosa da dita matéria de facto).
Como cremos que sabido é, em face de uma “impugnação da decisão da matéria de facto”, (como in casu sucedeu), ao Tribunal de Segunda Instância, como Instância a quem o recurso é dirigido, cabe – deve – tomar posição (expressa) sobre as suas “razões”, devendo expor, ainda que sucintamente, os motivos da decisão que vier a proferir; (cfr., art. 631°, n.° 2 e art. 562°, n.° 3 do C.P.C.M., até mesmo porque as razões invocadas na dita impugnação são lhe expressamente dirigidas como Tribunal que vai apreciar e decidir o recurso).
Como (cremos que) se deixou considerado, (ou sub-entendido), o uso do dispositivo previsto no n.° 5 do art. 631° do C.P.C.M. pressupõe que as questões colocadas no recurso tenham sido antes (identicamente) colocadas e objecto de apreciação na decisão recorrida, pois que o que efectivamente se pretende é evitar a “repetição da fundamentação”; (cfr., v.g., Lopes do Rego in, “Comentários ao C.P.C.”, Vol. I, 2ª ed., pág. 612, e o cit. Ac. de 14.07.2021).
E, nesta conformidade, evidente se apresenta de considerar que a utilização do instituto em questão não é legalmente possível em casos como o dos autos, em que se discute a “matéria de facto”, (e que não foi antes discutida), pois que não se pode remeter a fundamentação para uma sentença que não se pronunciou sobre tal matéria.
Dest’arte, o uso indevido do referido instituto, (quando a decisão recorrida não apreciou a “questão suscitada no recurso”), equivale, assim, à omissão de pronúncia e do seu conhecimento, (pois que não se pode remeter para onde “nada existe”), verificada estando assim a “nulidade por omissão de pronúncia” a que alude o art. 571°, n.° 1, al. d) do C.P.C.M., (o que, se bem ajuizamos, também sucede em relação a alegada “má fé”), necessária sendo a devolução dos presentes autos ao Tribunal recorrido para nova decisão em conformidade, (prejudicadas ficando a apreciação das restantes questões).
Decisão
4. Nos termos e fundamentos que se deixam expostos, em conferência, acordam conceder provimento ao recurso, ordenando-se a devolução dos presentes autos ao Tribunal de Segunda Instância para, nada obstando, proceder-se à reforma da decisão recorrida nos exactos termos consignados.
Custas pelos RR..
Registe e notifique.
Baixas e averbamentos necessários.
Macau, aos 23 de Julho de 2021
Juízes: José Maria Dias Azedo (Relator)
Sam Hou Fai
Song Man Lei
Proc. 61/2021 Pág. 12
Proc. 61/2021 Pág. 13