Processo n.º 716/2021
(Autos de recurso em matéria cível)
Relator: Fong Man Chong
Data: 30 de Setembro de 2021
ASSUNTOS:
- Meios legalmente previstos para impugnar a decisão da recusa da Conservadora de registo predial
SUMÁRIO:
I - Perante a decisão da conservadora de recusar, ainda que tacitamente, a prática de qualquer acto de registo nos termos requeridos, o meio correcto de reagir contra tal decisão é um dos previstos no artigo 131º do CRP, ou seja, pode lançar-se mão de a) reclamação para o conservador; ou b) recurso administrativo; ou c) recurso judicial, sendo certo que a interposição de recurso judicial faz precludir o direito de reclamação ou de recurso administrativo e equivale à desistência dos processos pendentes.
II – Errou na utilização da forma de processo (tipo de processo), quando o MP, na sequência da declarada a insolvência de uma pessoa singular e de recusa de registo pela conservadora com o argumento de que a insolvência não estar sujeita ao registo e o juiz do TJB indeferir o pedido do MP, uma vez que este insistiu em enviar novamente a certidão do acórdão para conservadora para proceder ao registo, veio a interpor recurso jurisdicional para este TSI contra a decisão de indeferimento do juiz do TJB, em vez de lançar mão dos meios previstos no artigo 131º do CRP para atacar a decisão da respectiva conservadora.
O Relator,
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Fong Man Chong
Processo nº 716/2021
(Autos de recurso em matéria cível)
Data : 30 de Setembro de 2021
Recorrente : Ministério Público (檢察院)
Objecto do Recurso : Despacho que indeferiu a remessa da certidão à Conservatória dos Registos Comercial e de Bens Móveis (不批准寄送證明書予商業及動產登記局之批示)
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Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:
I - RELATÓRIO
Ministério Público (檢察院), Recorrente, discordando do despacho proferido pelo Tribunal de primeira instância, datada de 07/06/2021 (fls. 618), que indeferiu o pedido do MP, consistente em enviar certidão à Conservatória do Registo Comercial e Bens Móveis para registo do insolvente (pessoa singular), dele veio, em 09/07/2021, interpor recurso para este TSI, com os fundamentos constantes de fls. 638 a 641, tendo formulado as seguintes conclusões:
1. O douto Acórdão proferido anteriormente em sede de recurso nestes mesmos autos pelo Tribunal de Segunda Instância não só se mostra devidamente transitado em julgado como é de cristalina clareza o respectivo segmento que determina "Cumpra imediatamente os termos fixados no artigo 1089°/2 do CPCM" (destaque e sublinhado no original).
2. Assim tendo o Tribunal de Segunda Instância também determinado que a decisão em referência fosse "registada oficiosamente na conservatória competente com base na respectiva certidão, para o efeito remetida pela secretaria" [cfr. alínea b) do n.º 2 do normativo indicado (sublinhado do signatário)]. .
3 - Sendo igualmente claro que, tendo a mesma decisão transitado em julgado, deverá a mesma ser acatada, conforme decorre do disposto no n.º 2 do artigo 8.° da Lei n.º 9/1999 - Lei de Bases da Organização Judiciária - que determina que "As decisões dos tribunais são obrigatórias para todas as entidades públicas e privadas e prevalecem sobre as de quaisquer outras autoridades" (destaque e sublinhado do signatário).
4. Assim não se vislumbrando como poderá prevalecer o entendimento assumido pela Exm.ª Senhora Conservadora dos Registos Comercial e de Bens Móveis em recusar-se a cumprir o superiormente determinado pelo Tribunal de Segunda Instância, pese embora, como a mesma bem observa, tal tipo de decisão não conste expressamente do elenco das acções e decisões sujeitas a registo constante do artigo 7.° do CRC.
5. Na realidade, e tendo-se por adquirido que a segurança do comércio jurídico é o fim assumidamente prosseguido pelo registo comercial e que, afinal, justificará a própria razão de ser de tal registo, como resulta do artigo 1.° do CRC,
6. O registo da insolvência de A, cidadão que era o único sócio de uma sociedade unipessoal também declarada falida, é a solução que melhor permite prosseguir aquele fim,
7. Ainda que tal registo se faça por, por exemplo, mero averbamento ao registo da falência da sociedade unipessoal de que o mesmo, anteriormente, foi sócio único.
8. E tendo o Acórdão do Tribunal de Segunda Instância, conforme já referido, transitado em julgado - cfr. n.º 2 do artigo 8.° da Lei n.º 9/1999 - o entendimento no mesmo assumido tornou-se obrigatório para todas as entidades públicas e privadas, prevalecendo sobre as decisões de quaisquer outras autoridades.
9. Assim prevalecendo, também e necessariamente, sobre o entendimento que sobre a mesma matéria e nos mesmos autos, possa (ou pudesse) ser assumida em sede de primeira instância,
10. Aqui com o acrescido " ... dever de acatamento das decisões proferida em via de recurso por tribunais superiores", expressamente estabelecido no n.º 2 do artigo 5.° da Lei de Bases da Organização Judiciária (destaque do signatário).
11. Pois que, assim não acontecendo, não só se desrespeitaria o valor do caso julgado, como se operaria, também, a absoluta subversão da hierarquia dos tribunais,
12. O que, no limite, poderia conduzir à possibilidade de os tribunais de categoria inferior se sentirem capacitados para sindicar as decisões proferidas, em sede de recurso, pelos tribunais de categoria superior, permitindo-se reavaliar os juízos por estes emitidos.
13. Desta forma se impondo, salvo distinto e melhor entendimento, revogar a douta decisão recorrida, substituindo-a por outra que determine o (re)envio da certidão em devido tempo remetida pelo Tribunal de Segunda Instância à Exm.ª Senhora Conservadora dos Registos Comercial e de Bens Móveis para que esta dê cabal cumprimento ao doutamente determinado pelo mesmo venerando Tribunal,
14. Ou, no limite e caso assim o entenda, solicitar que a douta decisão em referência seja aclarada pelo Tribunal de Segunda Instância.
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Corridos os vistos legais, cumpre analisar e decidir.
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II - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
Este Tribunal é o competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são dotadas de legitimidade “ad causam”.
Não há excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
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III – FACTOS ASSENTES:
- Em 25/02/2021 por este TSI foi declarada a insolvência A por acórdão de fls. 461 a 478;
- Foram realizadas várias diligências em cumprimento do disposto no artigo 1089º/2 do CPC;
- Em 09/03/2021 foi enviada certidão à Conservatória do Registo Comercial e de Bens Móveis de Macau para registo(fls. 488);
- Tal certidão foi devolvida pela Senhora Conservadora ao TJB mediante ofício de fls. 497, alegando que tal sentença não está sujeita ao registo comercial nos termos do artigo 7º do Código de Registo Comercial;
- 31/05/2021 o Digno. Magistrado do MP insistiu em enviar novamente certidão à Conservadora para registo, sob pena de desautorizar o acórdão do TSI que declarou a insolvência da pessoa singular;
- Tal pedido foi indeferido pelo Exmo. Juiz da 1ª instância mediante despacho de fls. 618 dos autos;
- Discordando deste despacho, em 16/06/2021 veio o Digno. Magistrado do MP a interpor o presente recurso jurisdicional.
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IV – FUNDAMENTAÇÃO
É o seguinte despacho (fls. 618), proferido pelo Tribunal de primeira instância, que constitui o objecto deste recurso:
(...)
Fls. 614 (Requerimento do M.P.)
Diferente do que se passa no sistema português, onde o art. 1.º, al. l) do C.R.C. prevê o registo da declaração de insolvência, o sistema de Macau não contempla tal evento limitador da capacidade de exercício de direitos como registável – art. 1 C.R.C. de Macau.
Desta sorte cremos acertada a decisão da Sr.ª Conservadora ao recusar o registo da insolvência de A, pessoa singular, a cujo processo de insolvência se aplicam as disposições processuais que regulam a falência na parte não relacionada com a empresa comercial – art. 1187 do CPC.
Em face disto, indefere-se o requerido pelo M.P.
Notifique, igualmente à Sr.ª Conservadora com cópia do requerimento do M.P.
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Quid Juris?
A recusa do registo pela Senhora Conservadora tem por base no artigo 7º do Código do Registo Comercial (CRC), aprovado pelo DL nº 56/99/M, de 11 de Outubro, que tem a seguinte redacção:
(Acções e decisões sujeitas a registo)
Estão sujeitas a registo as seguintes acções e decisões:
a) As acções de interdição e inabilitação do empresário comercial, pessoa singular, bem como as de levantamento daquelas;
b) As acções que tenham como fim, principal ou acessório, declarar, fazer reconhecer, constituir, modificar ou extinguir qualquer dos direitos referidos nos artigos 2.º e 5.º;
c) As acções de declaração de nulidade ou anulação do acto constitutivo dos empresários comerciais, pessoas colectivas;
d) As acções de declaração de nulidade ou anulação de deliberações sociais e as providências cautelares de suspensão destas;
e) As acções de declaração de nulidade de um registo;
f) As providências cautelares não especificadas requeridas com referência às acções mencionadas nas alíneas anteriores;
g) As decisões finais, com trânsito em julgado, proferidas nas acções e procedimentos cautelares referidos nas alíneas anteriores;
h) As decisões judiciais, com trânsito em julgado, de homologação ou rejeição das deliberações das assembleias de credores que tenham aprovado, no respectivo processo judicial, a concordata ou o acordo de credores;
i) As sentenças declaratórias de falência, com trânsito em julgado;
j) Os despachos, com trânsito em julgado, do levantamento da inibição e reabilitação do falido.
Independentemente da exactidão ou inexactidão da “decisão” (ambígua) da Senhora Conservadora em causa, importa destacar os seguintes aspectos relevantes neste ponto:
a) – Em rigor das coisas, o que está em causa é a decisão da Senhora Conservadora, e não o juiz do TJB, e como tal o objecto de ataque para efeito de recurso deve ser aquela decisão;
b) – Para esta situação o legislador prevê um regime especial, consagrado nos artigos 130º e 131º do Código de Registo Predial (CRP) que mandam:
(Decisões impugnáveis)
1. As decisões do conservador de recusar, ainda que tacitamente, a prática de qualquer acto de registo nos termos requeridos ou de registar o acto como provisório por dúvidas, bem como a recusa da passagem de certidões ou de outros documentos que devam ser emitidos pela conservatória e a conta dos actos de registo, podem ser impugnadas por um dos meios previstos neste Código.
2. A recusa de rectificação de registo só pode ser apreciada no processo próprio regulado neste Código.
Artigo 131.º
(Meios de impugnação)
1. As decisões do conservador a que se refere o n.º 1 do artigo anterior podem ser impugnadas por um dos seguintes meios:
a) Reclamação para o conservador;
b) Recurso administrativo;
c) Recurso judicial.
2. O recurso administrativo é dirigido ao director dos Serviços de Justiça e o recurso judicial ao competente tribunal de primeira instância em matéria cível.
3. O recurso administrativo é facultativo e não depende, mas faz precludir o direito e equivale à desistência, de reclamação prévia para o conservador.
4. A interposição de recurso judicial faz precludir o direito de reclamação ou de recurso administrativo e equivale à desistência dos processos pendentes.
5. À interposição de recurso administrativo ou judicial na pendência de reclamação aplica-se o disposto no artigo 136.º e nos n.os 2 e 3 do artigo 145.º
É de ver que existem 3 meios disponíveis à opção do MP para atacar a decisão em causa, como não foi correctamente escolhido o meio para impugnar a decisão, ficamos impedidos de apreciar o mérito da questão em discussão.
Por outro lado, nos termos acima analisados, o recurso tal como ele está interposto é inútil, porque para o TSI, este mantém a decisão anteriormente tomada, para a Conservadora, ela também manteria a sua posição, pergunta-se, em que ficaríamos? No fundo, este recurso não trará nenhuma utilidade prática.
Pelo expendido, é de negar provimento ao recurso por se ter cometido erro no uso de meio adequado e na utilização da forma de processo (judicial) e também erro no ataque da decisão em causa, ou seja, não foi dado correcto cumprimento ao artigo 7º do CPC (cfr. artigo 145º do CPC, com adaptações) e aos artigos 130º e 131º do CRP.
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Síntese conclusiva:
I - Perante a decisão da conservadora de recusar, ainda que tacitamente, a prática de qualquer acto de registo nos termos requeridos, o meio correcto de reagir contra tal decisão é um dos previstos no artigo 131º do CRP, ou seja, pode lançar-se mão de a) reclamação para o conservador; ou b) recurso administrativo; ou c) recurso judicial, sendo certo que a interposição de recurso judicial faz precludir o direito de reclamação ou de recurso administrativo e equivale à desistência dos processos pendentes.
II – Errou na utilização da forma de processo (tipo de processo), quando o MP, na sequência da declarada a insolvência de uma pessoa singular e de recusa de registo pela conservadora com o argumento de que a insolvência não estar sujeita ao registo e o juiz do TJB indeferir o pedido do MP, uma vez que este insistiu em enviar novamente a certidão do acórdão para conservadora para proceder ao registo, veio a interpor recurso jurisdicional para este TSI contra a decisão de indeferimento do juiz do TJB, em vez de lançar mão dos meios previstos no artigo 131º do CRP para atacar a decisão da respectiva conservadora.
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Tudo visto e analisado, resta decidir.
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V ‒ DECISÃO
Em face de todo o que fica exposto e justificado, os juízes do Tribunal de 2ª Instância acordam em negar provimento ao presente recurso, mantendo-se a decisão recorrida.
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Sem custas por isenção subjectiva.
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Registe e Notifique.
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RAEM, 30 de Setembro de 2021.
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Fong Man Chong
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Ho Wai Neng
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Tong Hio Fong
2021-716-registo-insolvência 8