Processo nº 120/2021 Data: 24.09.2021
(Autos de recurso jurisdicional)
Assuntos : Autorização de permanência na R.A.E.M..
Revogação.
Recurso jurisdicional.
Perigo para a segurança ou ordem pública.
Presunção da inocência.
União familiar.
SUMÁRIO
1. Para efeitos de concessão da autorização de residência, a lei manda expressamente atender aos antecedentes criminais do interessado, ao comprovado incumprimento das leis da R.A.E.M. ou a qualquer das circunstâncias referidas no art. 4° da Lei n.° 4/2003, conferindo assim à Administração verdadeiros poderes discricionários.
2. Nos casos em que a Administração actua no âmbito de poderes discricionários, não estando em causa matéria a resolver por decisão vinculada, a decisão tomada pela Administração fica fora de controlo jurisdicional, salvo nos casos excepcionais.
3. Indiciando a conduta da recorrente a prática de um crime susceptível de ser punido nos termos do art. 18° da Lei n.° 6/2004, (pendente estando o Inquérito a seu respeito no Ministério Público), e, perante tal, ainda que tão só provável a violação das Leis da R.A.E.M., possível deixou de ser o necessário juízo de prognose favorável que constituiu o pressuposto da (anterior) autorização da sua permanência na R.A.E.M.; (cfr., art. 24°, n.° 1 do Regulamento Administrativo n.º 5/2003 e art. 9°, n.° 2, alínea 1) da Lei n.° 4/2003).
4. A Lei n.° 6/94/M, (“Lei de Bases da Política Familiar”), contém, essencialmente, “normas programáticas”, que não podem constituir obstáculo à actuação administrativa na matéria aqui em questão.
O relator,
José Maria Dias Azedo
Processo nº 120/2021
(Autos de recurso jurisdicional)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
Relatório
1. Por Acórdão do Tribunal de Segunda Instância de 15.04.2021, (Proc. n.° 673/2020), negou-se provimento ao recurso contencioso que A (甲), com os restantes sinais dos autos, interpôs do despacho de 20.05.2020 do SECRETÁRIO PARA A SEGURANÇA que rejeitou anterior recurso hierárquico que apresentou do acto administrativo que lhe revogou a antes concedida autorização de permanência na R.A.E.M.; (cfr., fls. 161 a 176 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).
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Mantendo-se inconformada, do assim decidido traz a recorrente o presente recurso jurisdicional, motivando para, a final, e em síntese, afirmar que se incorreu em “errada aplicação de direito” e “violação do princípio da «presunção da inocência»”; (cfr., fls. 185 a 210 e 45 a 85 do Apenso).
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Sem resposta, vieram os autos a esta Instância, onde, em sede de vista, juntou o Exmo. Magistrado do Ministério Público douto Parecer opinando no sentido da improcedência do recurso; (cfr., fls. 224 a 224-v).
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Adequadamente processados os autos, e nada obstando, cumpre decidir.
Fundamentação
Dos factos
2. Pelo Tribunal de Segunda Instância foram considerados como relevantes e “provados” os factos seguintes:
“a) Em 18.12.2013 foi concedida à Recorrente a autorização de residência em Macau, a qual tendo sido sucessivamente renovada era válida até 17.12.2020 – fls. 59, 60 e 128 do PA -;
b) Tendo a PSP apurado que a agora Recorrente e o seu marido para obterem vantagem económica de uma cidadã de nacionalidade Vietnamita declararam que a mesma trabalhava para si como empregada doméstica, o que sabiam não corresponder à verdade, permitindo que aquela assim obtivesse autorização de permanência em Macau como trabalhador não residente, veio a ser lavrada a proposta que consta de fls. 233 a 236 do processo administrativo apenso com o seguinte teor:
1. Tomando como referência a informação deste Departamento n.º 201558/SRDARPREN/2019P, foram recebidos, em 11 e 19 de Setembro de 2019, respectivamente, a notificação da Divisão de Investigação e Repatriamento deste Departamento (n.º 510061/CIRDCF/2019P) e o ofício da Subdivisão de Trabalhadores Não Residentes (n.º 201017/STNRDARP/2019P), cuja cópia se junta em anexo e cujo conteúdo passam a transcrever na íntegra: aquando da investigação de um caso encaminhado pela Subdivisão de Trabalhadores Não Residentes deste Departamento, foi descoberto que uma trabalhadora não residente, B, tinha sido contratada por um residente de Macau, C(丙) (cônjuge da interessada), desde 6 de Agosto de 2018 até à presente data, como empregada doméstica. Durante a investigação contra B, a interessada e o seu cônjuge deslocaram-se conjuntamente ao Posto do Comissariado para consultar as situações sobre a solicitação da colaboração de B para a investigação. No decurso de responder às perguntas dadas pelo cônjuge da interessada, foi descoberto que a interessada e o seu cônjuge apresentaram respostas inconsistentes e contraditórias relativamente aos horários de trabalho e descanso, e às informações de identidade da trabalhadora não residente por si contratada, suspeitando que os mesmos estavam envolvidos na falsa contratação, pelo que foram convidados os mesmos a ser investigados. Após as perguntas aos B, A(甲) e C(丙), sucessivamente, todos admitiram que a respectiva relação de trabalho era falsa, e nunca prestou qualquer forma de serviço ao empregador. Mais, B detinha sucessivamente dois títulos de Identificação de Trabalhador Não-Residente, ambos os quais foram adquiridos pelo preço de MOP$17000 e de MOP8000, pagos ao C(丙) a título de retribuição, a fim de permanecer em Macau para procurar emprego. Mais, a interessada e o seu cônjuge também admitiram que a finalidade era a intenção de obter interesses ilícitos. Relativamente a essa actuação, os mesmos são suspeitos da prática de crime de “falsificação de documentos” previsto no art.º 18.º da Lei n.º 6/2004, e o caso foi remetido ao Ministério Público em 7 de Setembro de 2019. (P.181-193)
2. Em 17 de Setembro de 2019, este Departamento oficiou (n.º 119279/SRDARPREN/2019P) ao Ministério Público solicitando informações sobre o andamento do processo da interessada. Em 27 de Setembro de 2019, foi recebida uma resposta por ofício (n.º 487/2019/S7/VL), informando que o processo está ainda na fase de inquérito e será oportunamente notificada decisão final quando haja sido proferida. (P.174 e 175)
3. Tendo em conta que a natureza da actuação da interessada constitui perigo para a ordem pública, nos termos do disposto nos art.º 93.º e art.º 94.º do Código do Procedimento Administrativo, por via de “audiência escrita”, viemos notificar à interessada a proposta elaborada por este Departamento que pretendia declarar a caducidade da autorização de residência inicialmente concedida. Em Setembro de 2019, este Departamento telefonou várias vezes à interessada, mas não conseguiu contactar com ela, e a interessada nunca se deslocou pessoalmente a este Departamento para receber o processo acima referido. (P.172 e 173)
4. Em 8 de Outubro de 2019, segundo as respectivas instruções, a notificação para “audiência escrita” foi efectuada para a interessada por via postal sem aviso de recepção, vide o ofício n.º 119292/SRDARPREN/2019P e a notificação n.º 201558/SRDARPREN/2019P. E, a interessada tem o prazo de dez dias contados da recepção da notificação para se pronunciar por escrito sobre os mesmos conteúdos. (P.167-171)
5. Em 11 de Outubro de 2019, a interessada deslocou-se ao Departamento para requerer, por escrito, a prorrogação por 30 dias do prazo para apresentação de documento, e esse requerimento foi aprovado pelo superior no mesmo dia. (P.166)
6. Em 16 de Outubro de 2019, foram recebidos uma carta apresentada pelo ilustre advogado da interessada e a telecópia dos respectivos documentos, solicitando a consulta do processo. Em 17 de Outubro, foi concluído o procedimento da consulta. (P.162 a 165)
7. Em 23 de Outubro de 2019, o ilustre advogado da interessada remeteu a este Departamento os seguintes documentos:
- Na declaração apresentada pelo ilustre advogado da interessada, Dr. D, alegou, em resumo, que: “… a depoente discorda totalmente do conteúdo da notificação para a audiência. O decurso dos acontecimentos não é o indicado na notificação. Em primeiro lugar, a depoente não cometeu crime em Macau, nem praticou o acto criminoso previsto no art.º 18.º da Lei n.º 6/2004 de Macau, bem como não cometeu outros crimes. A depoente acredita absolutamente que, após uma justa averiguação feita pelo Ministério Público, será declarada a depoente inocente e o processo da depoente será arquivado. No período em que lhe foi concedida a permanência em Macau, a depoente deu à luz o filho E (戊) e a filha F (己) com o seu marido. A depoente, o seu marido, os dois filhos menores e os pais do marido, seis membros residem em Macau. Os dois filhos menores são cuidados pela depoente desde o nascimento até ao presente e, já entram na fase de educação infantil, pelo que agora é extremamente necessário que a mãe (ou seja, a depoente) os acompanha para educa-los e cuidar deles. Caso a autorização de residência da depoente seja declarada caducada, ela não poderá residir em Macau por longo tempo, bem como a terra de origem da depoente é o Vietname, e por razões económicas e da distância entre os dois lugares, não conseguirá a depoente educar e cuidar dos dois filhos menores, ou seja, os dois menores perderão o cuidado e ensino da mãe. Como todos sabem, caso os dois menores percam o cuidado da sua mãe e a oportunidade de se aproximar da mãe durante o decurso de crescimento, isso faz absolutamente com que tenham influências negativas e irreversíveis ao desenvolvimento e à vida familiar dos menores. Da experiência comum da sociedade pode-se saber que a separação de filhos menores da sua mãe é absolutamente desumana. Para além disso, o sogro, G, sofre de diabete, hipertensão arterial, dores no pescoço, faringite e laringite, e tem ido ao hospital para acompanhamento das suas doenças por longo tempo. A responsabilidade de cuidar G recai principalmente sobre a depoente e o seu marido. Se for declarada caducada a autorização de residência da depoente, será destruída a família desta, e caberá ao marido e à sogra da depoente o encargo de cuidar de G e dos dois menores, mas, o marido da depoente precisa de trabalhar e a sogra tem uma idade avançada, pelo que eles também não têm a exigida força física e mental. Os sogros não têm rendimento económico, pelo que a referida renda é sustentada com os rendimentos da depoente e do seu marido. No presente caso concreto, não há qualquer facto ou prova concreto para verificar que a depoente constitui perigo efectivo para a segurança ou ordem pública de Macau. A depoente é suspeita da prática de falsificação de documentos e o respectivo processo ainda se encontra na fase de inquérito, bem como a depoente não vem acusada da prática de outros crimes, nem existem indícios de que a depoente constitui perigo para a segurança de Macau ou a segurança pública. O “princípio da presunção de inocência” é o princípio mais fundamental no direito penal moderno. A depoente presume-se inocente antes de ser julgado pelo tribunal. A depoente tem bom comportamento, não violou qualquer lei e, até ao presente, nunca foi julgada pelo tribunal. Posto isto, requer-se que tenha em consideração os factos e fundamentos acima referidos e, não seja declarada caducada a autorização de residência da depoente.” (vide tal declaração) (P.155-161)
- A cópia da certidão de narrativa do registo de casamento da interessada. (P.154)
- Da cópia da certidão de narrativa do registo de nascimento do filho da interessada consta que o nome é E (戊), nasceu em Macau em 30 de Maio de 2013 (tem actualmente 6 anos de idade), o pai é C(丙) e a mãe é A. (P.153)
- Da cópia da certidão de narrativa do registo de nascimento da filha da interessada consta que o nome é F (己), nasceu em Macau em 29 de Agosto de 2015 (tem actualmente 4 anos de idade), o pai é C(丙) e a mãe é A. (P.152)
- As cópias do contrato de arrendamento do prédio da sogra da interessada e dos seus recibos. (P.150 e 151)
- Os extractos mensais do cartão de crédito do Banco da China do cônjuge da interessada. (P.149)
- As facturas de pagamento dos serviços de telemóveis dos sogros da interessada. (P147 e 148)
- As cópias dos cartões de estudante de Macau dos filho e filha da interessada. (P145 e 146)
- As duas declarações médicas do sogro da interessada. (P143 e 144)
- O certificado de trabalho do cônjuge da interessada. (P142)
- O certificado de trabalho da interessada. (P141)
- A procuração da interessada. (P 139 e 140)
- O original ofício do pedido de consulta do processo apresentado pelo ilustre advogado da interessada, a notificação para a audiência escrita e a cópia do ofício da notificação. (P.136-138)
8. Após a consulta do registo da migração, demonstra-se que, durante a última quinzena do mês (19 de Outubro de 2019 a 30 de Outubro de 2019), a interessada e o seu cônjuge permaneceram em Macau por 12 dias. (P.133-135)
9. Após a análise complexa do presente caso, de acordo com as alegações prestadas pelo ilustre advogado da interessada, caso seja declarada caducada a residência da interessada, a mesma não poderá permanecer em Macau e cuidar da família de Macau, bem como a economia familiar também será afectada. Mas, durante o processo de investigação, a interessada admitiu os respectivos factos criminosos, reconhecendo que, através da assistência de um outro intermediário vietnamita e sob a forma de falsa contratação, estabeleceu uma falsa relação de trabalho com B, a fim de obter interesses ilícitos, mas, desde o início até final, B nunca prestou qualquer forma de serviços à requerente, bem como adquiriu os interesses pecuniários ilícitos na pressente contratação falsa, a título de retribuição. Uma vez que essa conduta constitui perigo para a ordem pública de Macau, tendo em consideração os elementos previstos no art.º 9.º, n.º 2 da Lei n.º 4/2003 e, o disposto no art.º 24.º, n.º 1 do Regulamento Administrativo n.º 5/2003, é proposto que seja declarada caducada a autorização de residência inicialmente concedida.
10. À apreciação superior.
c) Em 28.05.2020 foi proferido despacho a revogar a autorização de residência da aqui Recorrente com os fundamentos constantes da proposta referida na alínea anterior e parecer nela lavrado tudo conforme consta de fls. 236 e aqui se dão por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais;
d) A Recorrente foi notificada daquela decisão em 08.06.2020 conforme consta de fls. 248 do processo administrativo apenso”; (cfr., fls. 167 a 169-v e 22 a 30 do Apenso).
Do direito
3. Como se colhe do que até aqui se deixou relatado, o presente recurso (jurisdicional) tem como objecto o Acórdão do Tribunal de Segunda Instância que negou provimento ao anterior recurso contencioso pela recorrente interposto do despacho do Secretário para a Segurança que confirmou a revogação da autorização da sua permanência na R.A.E.M..
E, analisados os autos, ponderada a decisão recorrida e o agora pela recorrente alegado, nenhuma razão se nos mostra de lhe reconhecer, sendo de se negar provimento ao presente recurso.
Passa-se a (tentar) expor este nosso ponto de vista.
In casu, em sede da decisão que se proferiu no Acórdão recorrido, e atenta a factualidade provada, (que não vem impugnada nem se mostra de alterar), assim ponderou o Tribunal de Segunda Instância:
“Nas suas alegações de recurso invoca a recorrente que o despacho recorrido enferma de:
- Vício de violação de lei;
- Violação do princípio da presunção de inocência;
- Violação do princípio da proporcionalidade;
- Violação da Lei de Bases da Política Familiar.
Do Vício de violação de lei.
No que concerne ao vício de violação de lei entende a Recorrente que não tendo sido condenada pela prática de qualquer crime, nem havendo indícios de o ter cometido não está demonstrada a existência de perigo efectivo para a segurança ou ordem pública da RAEM.
O vício de violação de lei «é o vício que consiste na discrepância entre o conteúdo ou o objecto do acto e as normas jurídicas que lhe são aplicáveis» - Cit. Diogo Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, 4ª Ed., Vol. II, pág. 350.
«O vício de violação de lei, assim definido, configura uma ilegalidade de natureza material: neste caso, é a própria substância do acto administrativo, é a decisão em que o ato consiste, que contraria a lei. A ofensa não se verifica aqui nem na competência do órgão, nem nas formalidades ou na forma que o acto reveste, nem no fim tido em vista, mas no próprio conteúdo ou no objecto do acto.
Não há, pois, correspondência entre a situação abstractamente delineada na norma e os pressupostos de facto e de direito que integram a situação concreta sobre a qual a Administração age, ou coincidência entre a decisão tomada ou os efeitos de direito determinados pela Administração e o que a norma ordena.
(…)
A violação de lei, assim definida, comporta várias modalidades:
a) A falta de base legal, isto é, a prática de um acto administrativo quando nenhuma lei autoriza a prática de um acto desse tipo;
b) O erro de direito cometido pela Administração na interpretação, integração ou aplicação das normas jurídicas;
c) A incerteza, ilegalidade ou impossibilidade do conteúdo do acto administrativo;
d) A incerteza, ilegalidade ou impossibilidade do objecto do acto administrativo;
e) A inexistência ou ilegalidade dos pressupostos, de facto ou de direito, relativos ao conteúdo ou ao objecto do acto administrativo:
f) A ilegalidade dos elementos acessórios incluídos pela Administração no conteúdo do acto – designadamente, condição, termo ou modo -, se essa ilegalidade for relevante, nos termos da teoria geral dos elementos acessórios;
g) Qualquer outra ilegalidade do acto administrativo insusceptível de ser reconduzida a outro vício. Este último aspecto significa que o vício de violação de lei tem um carácter residual, abrangendo todas as ilegalidades que não caibam especificamente em nenhum dos outros vícios.» - Diogo Freitas do Amaral, Ob. Cit. pág. 351 a 353 -.
A autorização de residência da Recorrente foi revogada com base no artº 24º nº 1 do regulamento Administrativo nº 5/2003 e artº 9º da Lei nº 4/2003, porquanto para obter interesse pecuniário a Recorrente e o seu marido ajudaram determinado sujeito a obter o título de trabalhador não residente, declarando que o mesmo trabalhava para eles quando sabiam que tais declarações não correspondiam à verdade.
No que à situação dos autos interessa é a seguinte a redacção dos nºs 1 e 2, 1) do artº 9º da Lei nº 4/2003:
1. O Chefe do Executivo pode conceder autorização de residência na RAEM.
2. Para efeitos de concessão da autorização referida no número anterior deve atender-se, nomeadamente, aos seguintes aspectos:
1) Antecedentes criminais, comprovado incumprimento das leis da RAEM ou qualquer das circunstâncias referidas no artigo 4.º da presente lei;
Por sua vez é a seguinte a redacção da alínea 3) do nº 2 do artº 4º do mesmo diploma para o qual remete a citada alínea 1 do nº 2 do artº 9º:
2. Pode ser recusada a entrada dos não-residentes na RAEM em virtude de:
…
3) Existirem fortes indícios de terem praticado ou de se prepararem para a prática de quaisquer crimes;
Entende a Recorrente que na decisão sob recurso não está demonstrada a existência de perigo para a segurança e ordem pública, porquanto ainda não foi condenada pela prática de qualquer crime e não estar demonstrada a existência de fortes indícios.
Ora, tal como já se refere no Douto parecer do Ilustre Magistrado do Ministério Público o que releva para a atribuição da autorização de residência ou sua caducidade não é a existência concreta de uma condenação pela prática de actos criminalmente puníveis mas a formulação de um juízo de prognose para a segurança ou ordem pública que a actuação dessa pessoa tenha gerado.
São várias as situações que, podendo ser integradas como factos criminalmente puníveis, podem nunca vir a dar origem a uma condenação criminal, nomeadamente por prescrição do procedimento, ausência de queixa, ou outras circunstâncias que obstem àquele, sem que contudo, deixe de ser evidente em face dos factos apurados que a conduta do sujeito foi contrária ao direito e à ordem pública da RAEM.
Mais, quando na alínea 1) do nº 2 do artº 9º da Lei 4/2003 se fala de incumprimento das leis da RAEM ou qualquer das circunstâncias referidas no artº 4º, o legislador está expressamente a afastar a consideração de apenas aspectos criminais, da concessão de autorização de residência.
Isto é, a relevância dos factos criminalmente puníveis é um dos, mas não o único aspecto, no que concerne ao incumprimento das leis, que releva.
Em sentido idêntico ao destes autos se decidiu no Acórdão do TUI de 24.02.2021 proferido no processo nº 206/2020 relativamente a esta questão e ao conceito indeterminado que encerra:
«E, como no Acórdão de 21.10.2020, (Proc. n.° 84/2020), já tivemos oportunidade de considerar:
«Apresenta-se-nos inquestionável que a expressão “perigo para a segurança ou ordem pública” vertida na referida “alínea 3 do n.° 1 do art. 11°”, constitui um “conceito jurídico indeterminado”.
Sobre o seu “sentido” e “alcance”, teceram-se já considerações abundantes, valendo a pena aqui lembrar o que este Tribunal já teve oportunidade de sobre o mesmo explanar:
“Como refere ANTÓNIO FRANCISCO DE SOUSA a expressão conceito indeterminado pretende referir aqueles conceitos que se caracterizam por um elevado grau de indeterminação. A estes opõem-se os conceitos determinados, sendo os relativos a medidas (metro, litro, hora) ou a valores monetários (pataca, dólar norte-americano) os conceitos mais determinados.
Quase todos os conceitos jurídicos contêm algum grau de indeterminação, de tal sorte que PHILLIP HECK sublinhou que os conceitos absolutamente determinados seriam muito raros no direito.
A utilização pelo legislador de conceitos indeterminados constitui expediente de que aquele se serve por motivos vários, como para «permitir a adaptação da norma à complexidade da matéria a regular, às particularidades do caso ou à mudança das situações, ou para facultar uma espécie de osmose entre as máximas ético-sociais e o Direito, ou para permitir levar em conta os usos do tráfico, ou, enfim, para permitir uma “individualização” da solução».
ROGÉRIO SOARES acentua que o legislador utiliza prodigamente os conceitos indeterminados perante as complexidades da sociedade moderna.
Pois bem, a distinção fundamental entre discricionariedade e conceitos indeterminados está em que, enquanto no primeiro caso, o órgão tem uma liberdade actuação quanto a determinado aspecto, no segundo caso estamos perante uma actividade vinculada, de mera interpretação da lei, com base nos instrumentos da ciência jurídica.
Aqui, nos conceitos indeterminados, não há liberdade. Logo que se apure qual a interpretação correcta da norma – e em direito só há uma interpretação correcta em cada caso – o aplicador da lei tem de a seguir necessariamente.
Por isso, ANDRÉ GONÇALVES PEREIRA referiu que «a discricionariedade começa onde acaba a interpretação».
Deste modo, quando se conclua que a tarefa a efectuar é apenas a de interpretar a lei, o tribunal pode fiscalizar a aplicação do direito feita pela Administração.
(…)”; (cfr., v.g., o Ac. de 03.05.2000, Proc. n.° 9/2000, com vasta doutrina sobre a questão).
In casu, apresenta-se-nos ser exactamente o que sucede, pois que a consideração no sentido de que o ora recorrente constituía “uma ameaça para a ordem pública ou para a segurança de Macau”, implica uma “decisão administrativa”, mas “judicialmente sindicável”».
No âmbito do mesmo aresto, teve-se também oportunidade de considerar que «Como salienta Pedro J. Lopes Clemente: “a ordem pública representa o ponto de equilíbrio entre a desordem suportável e a ordem indispensável, pois que a liberdade não sobrevive na anarquia …”, (in “Da Polícia de Ordem Pública”, Lisboa, Governo Civil do Distrito de Lisboa, 1998), sendo de se ter em consideração dois princípios fundamentais intrinsecamente ligados à matéria da “ordem pública”: o da “legalidade” e o da “proporcionalidade” (ou, “proibição do excesso”), necessário sendo um permanente e são equilíbrio entre as “razões” e os “meios utilizados” e os “resultados” que se pretendem obter, não se podendo olvidar igualmente que o tema da “ordem pública” tem vindo a desempenhar um papel cada vez mais relevante, exigindo uma redobrada atenção (e responsabilidade) na sua abordagem por parte do Legislador, da Administração, dos Órgãos Judiciários e da própria Opinião Pública.
Da mesma forma, (e relacionada com a questão), mostra-se de reconhecer que, como o salienta G. Marques da Silva, a questão da “prevenção criminal” é de sobeja importância, podendo-se considerar que até suplanta a ideia de punir os que prevaricam: “o que importa à colectividade, (…), não é tanto punir os que transgridem, mas evitar, pelo adequado uso dos meios legais de dissuasão, que transgridam”; (in “A Polícia e o Direito Penal”, 1993)».
Nenhum motivo se nos afigurando existir para não se ter por adequado o que se deixou exposto, apresenta-se-nos absolutamente claro que o Acórdão recorrido do Tribunal de Segunda Instância fez uma correcta apreciação da “matéria de facto” (aí) dada como “provada”, tendo efectuado, igualmente, a um acertado “enquadramento jurídico”.
Com efeito, encontrando-se – no momento – o ora recorrente “acusado da prática de 3 crimes de emprego ilegal”, nenhuma razão existia para se censurar a decisão administrativa proferida (e então recorrida) que considerou verificada a situação da já referida “alínea 3, do n.° 1 do art. 11° da Lei n.° 6/2004” para efeitos da revogação da sua autorização de permanência na R.A.E.M.».
Por outro lado, tal como também resulta de todo o processo em momento algum a Recorrente põe em causa a prática dos factos que lhe são imputados, o que nada obstava que o fizesse, demonstrando a sua inocência.
Destarte, a exigência de uma decisão penal condenatória ou, até de acusação, não é requisito fundamental para que se possa concluir no sentido de estar verificado o “perigo para a segurança e ordem pública”, desde que, o juízo da administração assente em factos, que não tendo sido contrariados, permitam concluir que a conduta do sujeito em causa constitui um perigo para a segurança ou ordem pública, por exemplo se esses factos forem enquadráveis em situações que sejam susceptíveis de vir a preencher algum tipo legal de crime, como é o caso dos autos.
Assim sendo, sem necessidade de outras considerações, tendo sido apurado que a agora Recorrente juntamente com o seu marido prestou falsas declarações no sentido de fazer crer que determinado indivíduo para si trabalhava quando sabia que tais declarações não correspondiam à verdade recebendo em contrapartida benefício económico para permitir que aquele obtivesse autorização de permanência em Macau, o que, não sendo legalmente admissível constitui matéria criminal, constando tal facto do acto recorrido e tendo sido com base no mesmo que se concluiu que o comportamento da ora Recorrente era gerador de potencial perigo para a segurança ou ordem pública da RAEM, impõe-se concluir que o acto administrativo objecto deste recurso não enferma de vício de violação de lei, seja por erro nos pressupostos de facto, seja por errada aplicação do direito.
Da violação do princípio da presunção de inocência.
Mais entende a Recorrente que o acto administrativo em causa ofende o princípio de presunção de inocência.
Remete-se para o que o Ilustre Magistrado do Ministério Público no seu Douto Parecer refere a respeito do princípio da presunção de inocência.
Este princípio apenas implica que até que seja condenado não podem recair sobre o “suspeito” quaisquer efeitos decorrentes da prática dos factos criminalmente puníveis que lhe são imputados.
No entanto, não invalida que noutra sede, que não a criminal, se possa fazer a prova dos mesmos factos para os efeitos que daí sejam decorrentes.
Mais uma vez, volta à colação que não se exige que aquele a quem é revogada a autorização haja sido “condenado” por crime algum, sendo bastante que se faça a prova de lhe serem imputados factos que eventualmente possam levar a uma condenação, ainda que por outras razões aquela possa até nunca acontecer.
No que concerne à Recorrente, em sede de juízo criminal continua a beneficiar da alegada presunção, porém, aqui, onde os factos que lhe são imputados nem sequer são contraditados, face aos elementos existentes nos autos, convenceu-se a administração e este tribunal pela prática dos mesmos.
Pelo que, não enferma o acto impugnado do vício de violação de lei por violação daquele princípio.
Da violação do princípio da proporcionalidade.
Mais entende a Recorrente que o acto administrativo em causa ofende o princípio da proporcionalidade.
Dispõe o artº 5º do Código do Procedimento Administrativo que:
Artigo 5.º
(Princípio da igualdade e da proporcionalidade)
1. Nas suas relações com os particulares, a Administração Pública deve reger-se pelo princípio da igualdade, não podendo privilegiar, beneficiar, prejudicar, privar de qualquer direito ou isentar de qualquer dever nenhum administrado em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica ou condição social.
2. As decisões da Administração que colidam com direitos subjectivos ou interesses legalmente protegidos dos particulares só podem afectar essas posições em termos adequados e proporcionais aos objectivos a realizar.
O poder de revogar a autorização de residência é um poder discricionário a cargo da Administração.
Actualmente é pacífico o entendimento de que mesmo no exercício de poderes discricionários pode haver vício de violação do princípio de igualdade e proporcionalidade quando se ofenderem «os princípios gerais que limitam ou condicionam, de forma genérica, a discricionariedade administrativa, designadamente os princípios constitucionais: o princípio da imparcialidade, o princípio da igualdade, o princípio da justiça, o princípio da proporcionalidade, o princípio da boa-fé, etc.» – Diogo Freitas do Amaral, Ob. Cit a pág. 352.
Para Vitalino Canas o princípio da proporcionalidade é um «princípio geral de direito, constitucionalmente consagrado, conformador dos actos do poder público e, em certa medida, de entidades privadas, de acordo com o qual a limitação instrumental de bens, interesses ou valores subjectivamente radicáveis se deve revelar idónea e necessária para atingir os fins legítimos e concretos que cada um daqueles actos visam, bem como axiologicamente tolerável quando confrontada com esses fins”1».
Tem vindo a ser entendimento deste Tribunal e do TUI que «a intervenção do juiz na apreciação do respeito do princípio da proporcionalidade, por parte da Administração, só deve ter lugar quando as decisões, de modo intolerável, o violem.» - Acórdão do TUI de 31.07.2012, Procº nº 38/2012, entre outros.
A este respeito alega-se que a revogação da autorização de residência viola o princípio da proporcionalidade porque os factos que lhe são imputados ainda estão em fase de inquérito e embora noutra sede, porque implica que não possa estar permanentemente em Macau com a sua família prestando-lhe o auxílio e apoio necessário.
O princípio da proporcionalidade haverá de ser aferido em função do objectivo preconizado pela norma em causa, isto é, dos bens e interesses que se pretendem proteger ou alcançar em função da norma.
Ora, os efeitos que se invocam por lhe ser revogada a autorização de residência não cabem no campo de protecção da norma em causa nem de outra que se sobreponha aos interesses que se pretendem garantir ao fazer depender a autorização de residência do cumprimento das regras de segurança e de ordem pública que enfermam o sistema jurídico da RAEM.
Destarte, sendo o princípio da proporcionalidade também entendido como a proibição do excesso, cabendo a decisão de revogação de autorização de residência à Administração no âmbito de poderes discricionários, estando em causa a segurança e ordem pública, não resulta que a decisão em causa tenha violado de modo intolerável os interesses do interessado.
Da violação da Lei de Bases da Política Familiar.
Relativamente a esta matéria igualmente se remete para o que consta do Douto parecer do Ilustre Magistrado do Ministério Público.
A Lei de Bases da Política Familiar visa promover e concretizar a protecção das famílias residentes em Macau, contudo, para a ela recorrer e dela poder beneficiar necessário se torna que previamente a família ou algum dos elementos do respectivo agregado familiar esteja autorizado a residir em Macau.
A protecção da família sendo do interesse público não se sobrepõe à protecção e defesa de outros interesses também eles relevantes para a ordem pública, tendo todos eles de coexistir.
Ora, a protecção da família poderá justificar a atribuição da autorização de residência para reunião familiar, mas, não afasta que se verifiquem simultaneamente os demais pressupostos para o efeito, pelo que, nas situações em que tal situação não ocorra, não é bastante para a atribuição da respectiva autorização em violação dos demais requisitos para o efeito.
Assim sendo, impõe-se concluir que o acto recorrido não enferma dos vícios de violação de lei, violação do princípio da presunção de inocência, violação do princípio da proporcionalidade e violação da Lei de Bases da política Familiar que a Recorrente lhe imputa, devendo em consequência ser negado provimento ao recurso.
Em sentido idêntico ao destes autos tem este Tribunal vindo a entender, nomeadamente, nos acórdãos proferidos em 20.02.2019, Procº nº 389/2019, em 21.11.2019, Procº nº 11/2019 e em 16.07.2020, Procº nº 868/2019, assim como pelo Venerando Tribunal de Última Instância no Acórdão citado supra de 24 de Fevereiro deste ano.
(…)”; (cfr., fls. 170 a 175-v).
E, aqui chegados, muito mais não se mostra de dizer, (pois que se nos apresenta de acolher o que o Tribunal de Segunda Instância consignou e se deixou transcrito).
Com efeito, a decisão recorrida, para além de detalhada e clara, apresenta-se completa e objectiva, mostrando-se-nos totalmente acertada, nela se tendo efectuado uma escrupulosa análise e ponderação da factualidade (relevante e) apurada, assim como uma correcta decisão de direito, assente em justa aplicação do regime jurídico que sobre aquela incide, com assertiva fundamentação onde se fez expressa referência a variada doutrina e jurisprudência em sentido coincidente.
Compreende-se – e obviamente, respeita-se – o inconformismo da ora recorrente, (que, em boa verdade, limita-se a repisar tudo o que já alegou no anterior recurso para o Tribunal de Segunda Instância, nada de novo trazendo, pelo que, também por isso, pouco há a acrescentar).
Na verdade, e como no Acórdão recorrido se fez (igualmente) referência, o entendimento (aí) assumido, tem sido o (repetidamente) adoptado pelos Tribunais da R.A.E.M. (de forma pacífica e firme), pois que a questão (ou questões) colocada(s) e apreciadas tem sido objecto de abundantes decisões, inclusivé, deste Tribunal de Última Instância, nenhum motivo existindo para delas divergir.
Com efeito, e como em “situação semelhante” se ponderou e consignou no Sumário do Acórdão deste Tribunal de Última Instância de 19.11.2014, Proc. n.° 28/2014:
“No caso de haver fortes indícios quanto à prática ou à preparação para a prática de crimes, a Administração pode decretar a interdição de entrada com fundamento na existência de perigo efectivo para a segurança ou ordem públicas da RAEM - art.º 12.º n.ºs 2 e 3 da Lai n.º 6/2004 e art.º 4.º n.º 2, al. 3) da Lei n.º 4/2003.
Com a previsão, como pressuposto da interdição de entrada, de existência de “fortes indícios” da prática do crime, não se pode falar na aplicação dos princípios da presunção de inocência e do in dubio pro reo, já que a exigência legal, tão só, de fortes indícios se opõe logicamente à ideia de comprovação de prática do facto ilícito.
Não se aplica, na matéria de interdição de entrada em virtude de existirem fortes indícios da prática do crime, os princípios da presunção de inocência e do in dubio pro reo.
Quanto à “existência de perigo efectivo para a segurança ou ordem públicas”, exigida no n.º 3 do art.º 12.º da Lei n.º 6/2004 como fundamento para interdição de entrada, afigura-se-nos que a sua avaliação cabe no âmbito do poder discricionário da Administração, insindicável pelo tribunal.
É conferida à Administração uma margem de livre apreciação sobre se, perante a situação concreta, deve formular um juízo de prognose positivo quanto à existência de perigo efectivo para a segurança ou ordem públicas.
No que respeita à proporcionalidade da medida de interdição de entrada por 3 anos à gravidade, perigosidade ou censurabilidade dos actos que determinam, mais uma vez estamos perante o exercício do poder discricionário da Administração.
Está-se perante o exercício do poder discricionário quando a Administração determina o prazo de interdição de entrada na RAEM segundo as normas legais.
Nos casos em que a Administração actua no âmbito do poder discricionário, não estando em causa matéria a resolver por decisão vinculada, a decisão tomada pela Administração fica for a de controlo jurisdicional, salvo nos casos excepcionais.
E só o erro manifesto ou a total desrazoabilidade no exercício de poderes discricionários constituem uma forma de violação de lei que é judicialmente sindicável.
A intervenção do juiz na apreciação do respeito do princípio da proporcionalidade, por parte da Administração, só deve ter lugar quando as decisões, de modo intolerável, o violem”.
O mesmo sucedendo com os Acórdãos desta Instância de 15.12.2016 e de 22.03.2018, Processos n°s 69/2016 e 83/2016, onde se considerou, nomeadamente, que:
“Para efeitos de concessão da autorização de residência, a lei manda expressamente atender aos antecedentes criminais do interessado, ao comprovado incumprimento das leis da RAEM ou a qualquer das circunstâncias referidas no art.º 4.º da Lei n.º 4/2003, conferindo assim à Administração verdadeiros poderes discricionários.
Nos casos em que a Administração actua no âmbito de poderes discricionários, não estando em causa matéria a resolver por decisão vinculada, a decisão tomada pela Administração fica fora de controlo jurisdicional, salvo nos casos excepcionais.
O Tribunal de Última Instância tem entendido que a intervenção do juiz na apreciação do respeito do princípio da proporcionalidade, por parte da Administração, só deve ter lugar quando as decisões, de modo intolerável, o violem.
Não se descortina no acto administrativo impugnado qualquer desvio do objecto legislativo da Lei n.º 4/2003 nem erro manifesto ou grosseiro no exercício do poder discricionário, sabendo que só o erro manifesto ou a total desrazoabilidade no exercício desse poder constituem uma forma de violação de lei que é judicialmente sindicável.
E o acto administrativo recorrido visa obviamente prosseguir um dos interesses públicos, que é precisamente prevenção e garantia da ordem pública e segurança social da RAEM, necessidade esta perante a qual devem ceder os interesses pessoais do interessado.
A protecção da união familiar e da estabilidade familiar, conferida aos residentes da RAEM pela Lei Básica da RAEM e pela Lei n.º 6/94/M, não se revela, só por si , suficiente para que seja concedida a autorização de residência aos não-residentes casados com residentes da RAEM com vista à união da sua família”.
Mais recentemente, ponderou-se, igualmente, nos Acórdãos de 24.02.2021 e de 19.03.2021, Processos n°s 206/2020 e 8/2021, que:
“A expressão “perigo para a segurança ou ordem pública” vertida na “alínea 3 do n.° 1 do art. 11°” da Lei n.° 6/2004, constitui um “conceito jurídico indeterminado”.
A consideração no sentido de que um trabalhador não residente constitui “uma ameaça para a segurança ou ordem pública” para efeitos de revogação da sua autorização de permanência na R.A.E.M. implica uma “decisão administrativa judicialmente sindicável”.
A posterior absolvição do recorrente pela prática dos crimes cuja acusação levou à decisão de revogação da sua autorização de residência constituiu “questão nova” que não se pode conhecer em sede de um “recurso ordinário” (e de mera anulação como o presente)”.
Ora, em face do exposto, onde – de entre outras – se fez referência ao que sobre a questão se tem vindo a entender, vista está a solução para o presente recurso.
Na verdade, a conduta da recorrente indicia a prática de um crime susceptível de ser punido nos termos do art. 18° da Lei n.° 6/2004, (pendente estando o Inquérito a seu respeito no Ministério Público), e, perante tal, ainda que tão só provável a violação das Leis da R.A.E.M., possível deixou de ser o necessário juízo de prognose favorável que constituiu o pressuposto da (anterior) autorização da sua permanência na R.A.E.M.; (cfr., art. 24°, n.° 1 do Regulamento Administrativo n.º 5/2003 e art. 9°, n.° 2, alínea 1) da Lei n.° 4/2003).
Dest’arte, mostrando-se-nos que nenhuma censura merece a decisão recorrida, pois que como se viu, legal é o “acto administrativo” aí apreciado, e que, como se viu, foi praticado no respeito das atribuições e poderes por Lei conferidos à entidade administrativa agora recorrida, não sendo de olvidar também que a Lei n.° 6/94/M, (“Lei de Bases da Política Familiar”), contém, essencialmente, “normas programáticas”, que não podem constituir obstáculo à actuação administrativa na matéria aqui em questão, imperativa é a sua confirmação, com a necessária improcedência do presente recurso.
Decisão
4. Em face do que se deixou expendido, em conferência, acordam negar provimento ao recurso.
Pagará a recorrente a taxa de justiça que se fixa em 8 UCs.
Registe e notifique.
Macau, aos 24 de Setembro de 2021
Juízes: José Maria Dias Azedo (Relator)
Sam Hou Fai
Song Man Lei
O Magistrado do Ministério Público
presente na conferência: Álvaro António Mangas Abreu Dantas
1 Em O princípio da proporcionalidade Uma Nova Abordagem em Tempos de Pluralismo, de Laura Nunes Vicente, pág. 23, Publicação de Instituto Jurídico, Faculdade De Direito da Universidade de Coimbra.
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