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Processo n.º 267/2021
(Autos de recurso cível)

Data: 21/Outubro/2021

Descritor: Citação promovida por mandatário judicial

SUMÁRIO
Quando o n.º 2 do artigo 191.º do Código de Processo Civil diz que o mandatário judicial pode, na petição inicial, declarar o propósito de promover a citação por si, seja qual for o local em que se encontre o citando, está a referir-se a qualquer local dentro da RAEM.
E se a intenção legislativa é no sentido de não permitir que um mandatário judicial da RAEM promova, por si, a citação de réu localizado no exterior, muito menos permite que essa diligência seja levada a cabo por um mandatário judicial que exerce funções no estrangeiro.


O Relator,

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Tong Hio Fong

Processo n.º 267/2021
(Autos de recurso cível)

Data: 21/Outubro/2021

Recorrente:
- A (autor)

Objecto do recurso:
- Decisão que indeferiu o requerimento de citação pelo advogado credenciado no Canadá


Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:

I) RELATÓRIO
A, com sinais nos autos (doravante designada por “autor” ou “recorrente”), inconformado com a decisão que indeferiu o requerimento de citação dos réus que ainda não foram citados por advogado credenciado no Canadá, recorreu jurisdicionalmente para este TSI, formulando as seguintes conclusões alegatórias:
     “1. O ora Recorrente apresentou requerimento nos autos, para serem habilitados os herdeiros de B, Ré inicial nos autos principais do presente processo, por esta ter falecido, sendo que os seus termos correram por apenso com o número CV2-15-0022-CAO-B.
     2. Por despacho proferido em 11 de Maio de 2017, foram habilitados como herdeiros da falecida, entre outros, C e D.
     3. Estes dois herdeiros residem em XXX.
     4. Os quais, por diversas razões, ainda não foram citados da petição inicial, apesar de habilitados, sendo que o presente processo corre já desde 2015.
     5. Sendo que tais herdeiros são os únicos réus que ainda não foram citados nestes autos.
     6. No início de 2020, perante esta demora, o ora Recorrente requereu a sua citação edital, o que foi indeferido, tendo sido ordenado que se se repetisse a tentativa de citação por via postal.
     7. Só que, com a situação de pandemia que se tem vindo a viver por todo o mundo desde o início de 2020, os serviços de correio aéreo entre Macau e o Canadá encontram-se suspensos há vários meses, não havendo notícia de quando poderão ser retomados.
     8. Estando assim impossibilitada a realização de qualquer citação por via postal para aquele destino num futuro minimamente previsível.
      9. Em Maio de 2020, foi o Tribunal a quo informado da interrupção dos serviços postais, tendo sido, por douto despacho de fls. 324, decidido aguardar pela sua reabertura.
     10. Por isso, ora Recorrente disponibilizou-se para promover a citação dos habilitados C e D através de advogado credenciado no Canadá, nos termos e ao abrigo dos n.ºs 2 e 3 do artigo 191º do CPC.
     11. O que foi indeferido no douto despacho recorrido, de fls. 331, com o motivo de que a citada norma não fornece fundamento legal bastante.
     12. Verificou-se frustrada a citação por via postal, estando preenchido o pressuposto para a aplicação da segunda parte do n.º 2 do artigo 191º do CPC, qual seja, poder ser requerida a promoção da diligência ali prescrita em momento ulterior à apresentação da petição inicial.
     13. Diz o número 2 do referido artigo 191º do CPC que a citação por mandatário pode ser realizada seja qual for o local onde o citando se encontre, afigurando-se que a aplicação do mecanismo de citação por mandatário previsto na lei não exclui a designação de pessoa no exterior de Macau, antes pelo contrário.
     14. O douto despacho recorrido viola os artigos 191º e 6º do CPC, ao indeferir a realização de uma diligência essencial ao prosseguimento dos autos, com um fundamento que se afigura não ter apoio na lei.
     15. Além disso, e mesmo que se considerasse que poderiam existir dúvidas quanto à admissibilidade da realização da diligência da forma proposta, sempre pode o Tribunal a quo lançar mão do estipulado no artigo 7º do CPC, determinando a prática de actos da forma que melhor se adequem à prossecução do objectivo de dirimir o litígio em causa, com respeito pelos princípios do contraditório e da igualdade das partes.
     16. Estando os serviços postais suspensos entre Macau e o Canadá por causa da pandemia de Covid-19, sem se saber quando poderão estes ser retomados, e não oferecendo o Código do Processo Civil outras alternativas à diligência que não seja o envio de expediente processual por aquela via, estava, por aplicação do referido artigo 7º do CPC, aberto caminho à adopção de métodos alternativos para cumprir a necessária formalidade da citação, tendo em conta a especificidade da actual conjuntura mundial.
     17. A suspensão dos serviços de correios por tempo prolongado e sem previsão de retoma constituirá uma verdadeira lacuna processual, que, salvo melhor opinião, competirá ao Tribunal preencher, fazendo uso da liberdade que lhe oferece o artigo 7º do CPC.
     18. Tanto mais que nem se verá de que forma serão beliscados os direitos dos réus no processo, com o deferimento da diligência pretendida.
     19. E assim se cumprindo os princípios da celeridade processual e da adequação formal.
     20. Desta forma, afigura-se que o douto despacho recorrido violou os artigos 191º e 192º do CPC, e também o n.º 1 do artigo 6º e o artigo 7º do mesmo diploma.
     Nestes termos, e nos mais de Direito aplicáveis que V. Exas. doutamente suprirão, deverá ser dado provimento ao presente recurso, e, nessa conformidade, ser revogado o douto despacho recorrido e substituído por outro que admita a diligência de citação dos Réus C e D nos termos requeridos a fls. 325 a 329, sem prejuízo de, caso o Tribunal assim o julgar necessário, o Autor ser convidado a juntar aos autos procuração forense a favor do advogado canadiano ali proposto.”
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Corridos os vistos, cumpre decidir.
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II) FUNDAMENTAÇÃO
O recorrente insurge-se contra a seguinte decisão recorrida:
“Fls. 325 a 329:
O Autor vem requer a citação dos C e D, herdeiros da Ré B, com residência no Canadá, a ser efectuada por um designado advogado no Canadá, pela suspensão do correio via aéreo devida à pandemia “Covid-19”.
Segundo o art.º 191º, n.º 2 do CPC: “Sempre que, por qualquer motivo, a citação não se mostre efectuada no prazo de 30 dias a contar da declaração ou do requerimento a que alude o n.º 2 do artigo anterior, o mandatário judicial dá conta do facto, procedendo-se à citação nos termos gerais.”
Afigura-se que este normativo citado não fornece o fundamento legal bastante para se efectuar a citação por um indivíduo em exercício de advocacia no estrangeiro, para se configurar como mandatário judicial ou pessoa identificada nos termos do n.º 4 do art.º 111º do CPC.
Não é menos verdade que os presentes autos foram autuados em Setembro de 2015 e decorreu já cerca de cinco anos sem ter efectuada a citação dos todos os RRs. No entanto, não se pode deixar de anotar tem processado em anexo a habilitação dos três RRs que indubitavelmente demorou tempo com a subsequente citação dos outros herdeiros em ordem e nos termos legais.
Pelos expostos, não é de deferir o presente requerimento do Autor.
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Renova do despacho de fls. 324.
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Notifique e DN.”
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Coloca-se a questão de saber se a citação promovida por mandatário judicial é permitida em qualquer espaço territorial, ou seja, fora da RAEM, ou apenas dentro dos seus limites territoriais.
Prevê o artigo 191.º do Código de Processo Civil o seguinte:
“1. À citação promovida pelo mandatário judicial é aplicável o regime do artigo 185.º, com as necessárias adaptações.
2. Seja qual for o local em que se encontre o citando, o mandatário judicial pode, na petição inicial, declarar o propósito de promover a citação por si, por outro mandatário judicial ou por via de pessoa identificada nos termos do n.º 4 do artigo 111.º; pode também requerer a promoção de tal diligência em momento ulterior, sempre que qualquer outra forma de citação se tenha frustrado.
3. A pessoa encarregada da diligência é identificada pelo mandatário, na petição inicial ou no requerimento, com expressa menção de que foi advertida dos seus deveres.”
A nosso ver, não obstante que se estatui a expressão “seja qual for o local em que se encontre o citando”, a verdade é que a ideia que está subjacente reporta-se a qualquer local dentro da RAEM.
Efectivamente, há-de ter em consideração que o interesse público aparece-se como o interesse dominante do processo civil, na medida em que a lei processual da Região é a mais adequada e qualificada para regular o funcionamento dos tribunais e tutelar a própria tramitação processual, mas admitindo-se a citação por mandatário judicial não integrado no ordenamento jurídico da RAEM, não se vê como pode o juiz controlar e fiscalizar a actividade levada a cabo por aquele, mesmo que a tal se não opuser a respectiva legislação estrangeira.
Defendem no mesmo sentido Cândida Pires e Viriato de Lima1, comparando com a versão da lei portuguesa, nos seguintes termos:
“Em nosso entender, esta pretendida adaptação da locução que, na altura em que foi redigido o Projecto de CPC para Macau, iniciava o preceito homólogo do CPC português – locução essa que, aliás, teve em Portugal uma existência legal muito efémera -, veio a redundar em fórmula desajustada e de eventual aplicação prática local porventura nula. É que, em Portugal, o alcance que tinha a locução em análise (entretanto retirada do texto da lei) era o de permitir esta modalidade de citação em qualquer das circunscrições judiciais que integram o território português, mas sempre, e apenas, dentro dos seus limites territoriais. Fora desse espaço, por razões de soberania, há que aplicar o regime que resulte de convenções internacionais ou de acordos no domínio da cooperação judiciária e, na sua falta, o regime previsto no respectivo CPC para a comunicação de actos processuais no plano externo, designadamente a carta rogatória.
Ora, é consabido, a RAEM tem o seu território bem delimitado na respectiva Lei Básica; e na sua ordem jurídica continuam a vigorar algumas convenções internacionais, cujas cláusulas regem para as relações entre a RAEM e os países soberanos que foram partes nesses tratados. Já nas relações (inter-regionais), a nível judiciário, entre a RAEM e a RPC ou entre a RAEM e a RAEK (que na prática serão porventura as mais frequentes), ainda que parcelas de um único País soberano – País que todavia lhes conferiu um alto grau de autonomia -, tais relações, no que respeita à RAEM, reger-se-ão pelo estipulado em acordos bilaterais nesse domínio e, na falta deles, pelas normas do CPC disciplinadoras da comunicação de actos processuais, v.g., através de carta rogatória (art. 126.º) ou, sendo caso disso, pelo disposto no artigo 193.º do CPC.
Em nosso entender, de modo nenhum a fórmula usada no n.º 2 do artigo em anotação pode ter o pretenso alcance de permitir que um mandatário judicial de Macau efective, por si, a citação de réu localizado no exterior, nem mesmo na RAEK ou na RPC. O uso de tal modalidade não pode deixar de se considerar confinado às fronteiras territoriais da RAEM, cuja exiguidade especial não justifica a sua divisão em circunscrições, o que torna surpreendentemente caricato esse segmento da previsão legal.”
Ora bem, se a intenção legislativa é no sentido de não permitir que um mandatário judicial da RAEM promova, por si, a citação de réu localizado no exterior, muito menos permite que essa diligência seja levada a cabo por um mandatário judicial que exerce funções no estrangeiro.
Improcede o recurso quanto a esta parte.
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Mais invoca o recorrente que o tribunal a quo deveria ter lançado mão do estipulado no artigo 7.º do CPC (princípio da adequação formal), no sentido de determinar a prática de actos da forma que melhor se adequasse à prossecução do objectivo de dirimir o litígio em causa, com respeito pelos princípios do contraditório e da igualdade das partes.
Dispõe o artigo 7.º do Código de Processo Civil que “quando a tramitação processual prevista na lei não se adeque às especificidades da causa, deve o juiz oficiosamente, ouvidas as partes, determinar a prática dos actos que melhor se ajustem aos fins do processo”.
Ora bem, a consagração deste novo princípio no processo civil não significa que são atribuídos ao juiz poderes de alterar as regras processuais definidas na lei.
De facto, a opção do legislador é no sentido de atribuir poderes de adequação formal ao juiz quando a forma legal não se adequar às especificidades do caso concreto2.
Pedro Madeira de Brito, citado por Viriato de Lima3, sustenta que o princípio da adequação formal é susceptível de aplicar-se às seguintes situações:
- Quando a forma de processo comum não seja adequada à pretensão do autor e exista um processo especial mais adequado à justa composição do litígio;
- Nos casos em que seja necessário praticar actos numa determinada fase pertencentes a outra fase processual.
No vertente caso, uma vez que a própria lei processual não permite que a citação seja efectivada por advogado credenciado no Canadá, não há lugar a aplicação do princípio da adequação formal, sob pena de o juiz vir a sobrepor as regras processuais.
Isto posto, nenhum reparo merece a decisão recorrida, devendo negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida.
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III) DECISÃO
Face ao exposto, acordam em negar provimento ao recurso jurisdicional, confirmando a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente.
Registe e notifique.
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RAEM, 21 de Outubro de 2021
Tong Hio Fong
Rui Carlos dos Santos P. Ribeiro
Lai Kin Hong
1 Código de Processo Civil de Macau, Anotada e Comentado, Volume I, 2006, página 453 e 454
2 José Lebre de Freitas, João Redinha e Rui Pinto, in Código de Processo Civil Anotado, 1º Volume, página 471
3 Viriato Manuel Pinheiro de Lima, in Manual de Direito Processual Civil, CFJJ, 2005, página 33 e 34
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