Processo nº 30/2021 Data: 18.06.2021
(Autos de recurso jurisdicional)
Assuntos : Procedimento disciplinar.
Prescrição.
Suspensão (do prazo de prescrição).
Dever de zelo.
Ausência em intervenção cirúrgica (Colonoscopia).
SUMÁRIO
1. Resulta do art. 289° do E.T.A.P.M. aprovado pelo D.L. n.° 87/89/M de 21.12 que o “prazo de prescrição” é de “3 anos sobre a data em que a falta houver sido cometida”, e que este prazo se “suspende” com a decisão de instauração do processo disciplinar, assim se mantendo até ao seu termo, salvo se, da decisão punitiva aí proferida vier a ser interposto recurso contencioso, uma vez que, nessa situação, a suspensão deverá prolongar-se até ao trânsito em julgado da decisão proferida neste recurso (contencioso); (cfr., n.° 1 e 4).
2. A qualidade de “funcionário” (ou “agente da Administração”) não só atribuiu “direitos” vários, (cfr., art. 278° do E.T.A.P.M.), certo sendo que o sujeita igualmente a uma série de “deveres” que importa observar e cumprir (de forma escrupulosa), nomeadamente, (e com especial relevo para o caso dos autos), o “dever de zelo”, que não deixa de constituir um dever de “diligência”, de “competência”, de “aplicação”, de “sentido de responsabilidade” e de “brio profissional” no concreto desempenho e execução das funções/serviço/cargo em contínua melhoria e aperfeiçoamento, ocorrendo a sua violação se a conduta do agente se apartar de tais “padrões”, mormente, por não utilização do (necessário) “empenho ou diligência” devidas no seu desempenho profissional.
3. De forma alguma se mostra de considerar que (totalmente) “proibida” seja qualquer “ausência” de um profissional de saúde da sala onde decorre uma cirurgia na qual tem intervenção, directa, e, como tal, responsabilidade (pessoal).
Com efeito, uma “breve ausência” para acudir a qualquer “imprevisto”, (inesperado), em relação ao qual não foi possível evitar, apresenta-se, (perfeitamente), compreensível e aceitável.
4. Porém, como em tudo na vida, há que atentar na “razoabilidade”, “equilíbrio”, “adequação” e “justa medida das coisas”, ponderando-se a “situação concreta”, as suas próprias circunstâncias, efeitos e riscos inerentes.
5. Tendo o recorrente saído da sala onde decorria uma cirurgia “pouco tempo” após o seu início, para comer, mantendo-se (por este motivo) ausente por cerca de 45 minutos, e em momento crucial da cirurgia, não se mostra de considerar ou de se ter como uma “situação aceitável”.
O relator,
José Maria Dias Azedo
Processo nº 30/2021
(Autos de recurso jurisdicional)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
Relatório
1. A (甲), com os restantes sinais dos autos, recorreu contenciosamente para o Tribunal de Segunda Instância do despacho da SECRETÁRIA PARA OS ASSUNTOS SOCIAIS E CULTURA em 04.10.2019 proferido, que lhe aplicou a pena disciplinar de multa de 20 dias de vencimento; (cfr., fls. 2 a 60 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).
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Em sua apreciação, proferiu o Tribunal de Segunda Instância Acórdão de 12.11.2020, (Proc. n.° 1222/2019), julgou-se improcedente o recurso; (cfr., fls. 204 a 225).
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Ainda inconformado, do assim decido vem recorrer para esta Instância, alegando para, a final, produzir as conclusões seguintes:
“1. O acórdão recorrido rejeitou o recurso contencioso interposto pelo recorrente do Despacho n.º 75/SASC/2019 de 4 de Outubro de 2019, do Secretário para os Assuntos Sociais e Cultura (acto recorrido no presente processo). Inconformado com o decidido, o recorrente interpôs o presente recurso contencioso.
2. O recorrente estava inconformado com o acórdão recorrido, imputando ao mesmo erro no reconhecimento de facto da prescrição; bem como erro no reconhecimento de facto em que se fundamentou o acórdão recorrido, pelo que o despacho recorrido padeceu de vícios graves, e deve ser anulado ou declarado nulo.
3. Quanto ao fundamento de “erro no reconhecimento de facto da prescrição”: primeiro, o recorrente respeita o reconhecimento e a opinião do acórdão recorrido respeitantes à prescrição, mas entende que tal juízo padeceu do vício de “erro no reconhecimento de facto da prescrição”.
4. O acórdão recorrido indicou que “segundo as respectivas disposições, o prazo de prescrição tem como limite máximo 7,5 anos, isto é, 3 anos + 1,5 anos (art.º 113.º, n.º 3 do CPM) + 3 anos (art.º 112.º, n.º 2 do CPM), começou a correr desde 9 de Maio de 2013, e terminou no dia 9 de Novembro de 2020, enquanto o acto recorrido foi praticado em 4 de Outubro de 2019”, e tomou como referência os fundamentos constantes da parte relativa à prescrição do Acórdão do TUI no Processo n.º 30/2016.
5. Entende o recorrente que, a referida norma jurídica demonstra que ao determinar o prazo de prescrição, o acórdão recorrido incorreu no vício do erro no reconhecimento de facto da prescrição.
6. Isso porque, há divergência essencial no conteúdo do Acórdão do TUI n.º 30/2016 invocado pelo acórdão recorrido, e são diferentes as circunstâncias.
7. Ou seja, in casu, quer no regime de “interrupção”, quer no regime de “suspensão”, deve ser a data da interrupção ou da suspensão o dia 14 de Agosto de 2015, em que o director dos SS deduziu acusação.
8. O recorrente só interpôs o recurso hierárquico necessário em 25 de Junho de 2019, e o acto recorrido é a decisão tomada no dia 4 de Outubro de 2019 sobre tal recurso hierárquico necessário.
9. Obviamente, segundo o n.º 2 do art.º 112.º do CPM, o despacho de 14 de Agosto de 2015, proferido pelo director dos SS no relatório do procedimento disciplinar n.º PD-02/2015 deve ser uma decisão administrativa definitiva, e o prazo de interrupção ou de suspensão começou a correr a partir desse dia.
10. Então, quer a interrupção, quer a suspensão, começou a correr desde 14 de Agosto de 2015, e voltou a correr a prescrição no dia 14 de Agosto de 2018.
11. Dito por outra palavra, a entidade recorrida proferiu o Despacho n.º 75/SASC/2019 no dia 4 de Agosto de 2019, ultrapassando, obviamente, o prazo de 3 anos, pelo que o acórdão recorrido violou os dispostos relativos à prescrição.
12. Por isso, deve haver lugar a prescrição da respectiva decisão administrativa pretendida pelo recorrente, e deve ser revogado o acórdão recorrido.
13. Relativamente ao erro no reconhecimento de facto em que se fundamentou o acórdão recorrido, no entendimento do recorrente, o acórdão recorrido teve erro no reconhecimento de facto sobre a razoabilidade e justiça dos “processos” e “juízos” numa intervenção cirúrgica.
14. O ponto-chave da questão reside em como avaliar a saída provisória, por certo motivo, dum médico que participe numa intervenção cirúrgica durante a sua realização, ou se verificar a razoabilidade, justiça e legalidade das suas condutas.
15. De facto, em Macau, não há disposições legais sobre os processos da intervenção cirúrgica, nem casos consuetudinários.
16. Então, o ponto-chave para determinar se o recorrente tem culpa ou não reside em como determinar se as suas condutas de sair temporariamente da sala de cirurgia durante o acto operatório, com observância dos princípios da razoabilidade, da legalidade, da adequação e da proporcionalidade, violaram os respectivos deveres; ou seja, quando haja uma “consequência negativa”, é de determinar necessariamente que existe erro humano?
17. A aludida controvérsia é importante para determinar se o recorrente assumiu a responsabilidade legal pelas consequências da cirurgia concreta ora em questão.
18. Em Macau, não há legislação sobre os processos da intervenção cirúrgica, e nos autos não se encontra qualquer argumentação nesse aspecto, pelo que o recorrente procurou opiniões profissionais às associações do pessoal médico de cirurgia de Macau e do exterior, de modo a fazer prova da não violação dos deveres, constituindo-se um fundamento importante.
19. Segundo os comentários dos dois especialistas, a ausência a toda a localização durante a intervenção cirúrgica, devido à presença do médico de gastroenterologia, que por sua vez, realizou a localização e elaborou relatório, não tem qualquer relação directa com as consequências negativas causadas ao paciente. Como no caso sub judice, os médicos de gastroenterologia que participaram na localização acabaram por não serem disciplinarmente punidos, será que eles não tiveram erro na localização ou não prevaricaram?
20. O recorrente acha que não se verificou a violação dos deveres quer nos processos, quer no regime, e todo o pessoal médico que participou na cirurgia trabalhou com zelo.
21. Porém, nas fls. 39 e 40 do acórdão recorrido, fez-se o juízo de que as condutas do recorrente violaram o dever de zelo. Tal juízo não considerou completamente a circunstância de que o recorrente sofreu de dores no estômago, senão, a médica-cirurgiã não iria dizer, por iniciativa própria, ao recorrente que podia tomar refeição no quarto ao lado da sala de cirurgia no tempo em que o médico de gastroenterologia efectuou a localização, isso porque, eles sabiam que a localização durou uns tempos, acreditaram no juízo profissional do colega de gastroenterologia, e perceberam que era possível que a cirurgia durasse mais tempo. Embora o acórdão recorrido também indicasse nesta parte que parecer incensurável a saída do recorrente para tomar refeição, entendeu que o mesmo violou o dever de zelo por só voltar mais de 45 minutos depois da saída.
22. Mas como é que se avaliou que a saída por 45 minutos violou o dever de zelo? Não foi especificado o critério objectivo no juízo acima referido.
23. Por outro lado, no aludido juízo, avaliou-se que o recorrente não devia sair do local com fundamento em que a médica-cirurgiã estava presente durante todo o decurso de localização, e reconheceu-se que o recorrente violou o dever de zelo.
24. Por isso, entende o recorrente que o acórdão recorrido teve erro no reconhecimento de facto”; (cfr., fls. 233 a 250 e 77 a 100 do Apenso).
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Nas suas alegações, pugna a entidade recorrida pela improcedência do recurso; (cfr., fls. 266 a 289).
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Na vista que dos autos teve, juntou o Exmo. Representante do Ministério Público douto Parecer, considerando que o recurso não merecia provimento; (cfr., fls. 299 a 301-v).
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Adequadamente processados os autos, cumpre apreciar.
Fundamentação
Dos factos
2. Eis o que do Acórdão agora recorrido se fez constar em sede da “decisão sobre a matéria de facto”:
“1. O recorrente é médico consultor de cirurgia geral do Centro Hospitalar Conde de S. Januário.
2. Foi instaurado o procedimento disciplinar n.º PD-02/2015 e deduzida acusação contra o recorrente, por ser suspeito de, durante uma cirurgia efectuada no dia 9 de Maio de 2013, na qual foi o 1º ajudante, sair da sala de cirurgia antes da localização e excisão de tumor, fazendo com que a médica-cirurgiã perdesse a oportunidade de correição.
3. Em relação à respectiva acusação, o recorrente apresentou a defesa constante das fls. 71 a 83 do apenso II, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
4. No dia 2 de Julho de 2015, o pessoal dos Serviços de Saúde elaborou o relatório final com o seguinte teor:
“…
Parte I
Preâmbulo
Conforme se demonstra na Nota Interna de Trabalho n.º 141/SS/N/2015 dos Serviços de Saúde (vide as fls. 002 dos autos), por despacho de 3 de Março de 2015, do director dos SS, proferido no procedimento disciplinar n.º PD-01/2014, foi decidida a instauração do procedimento disciplinar n.º PD-02/2015 contra o médico consultor de cirurgia geral do Centro Hospitalar Conde de S. Januário, A (N.º de trabalhador: XXXXXXX), contratado em regime de contrato além do quadro, por ser suspeito de, durante uma cirurgia na qual foi médica-cirurgiã uma subordinada dele e ele próprio o 1º ajudante, sair antes da localização e excisão de tumor, fazendo com que a médica-cirurgiã perdesse a oportunidade de correição, com vista a apurar a eventual infracção disciplinar e efectivar a respectiva responsabilidade disciplinar.
De acordo com o despacho do director dos SS proferido na supracitada nota interna de trabalho, o ora signatário, B (乙), recebeu, no dia 13 de Março de 2015, a notificação de que tinha sido nomeado o instrutor, e para o efeito, nomeou, nos termos do art.º 326.º, n.º 4 do vigente Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau (ETAPM), C (丙), técnico superior de 1ª classe, como secretário do presente procedimento disciplinar (vide as fls. 003 dos autos).
Parte II
Instrução
Com observância do formalismo legal, e no uso das competências conferidas pelo art.º 329.º do ETAPM, o instrutor procedeu às seguintes diligências instrutórias:
1. Foi iniciada a instrução no dia 18 de Março de 2015, o que foi comunicado ao director dos SS conforme o art.º 328.º, n.º 3 do ETAPM; para saber as informações de fundo do procedimento disciplinar n.º PD-01/2014, o instrutor requereu ao director dos SS que remetesse os documentos desse processo disciplinar para efeitos de referência e análise, e no dia 26 de Março de 2015, o director dos SS concordou com a remissão dos respectivos documentos (vide as fls. 003 e 004 dos autos).
2. Por ofício n.º 2/PD-02/2015, datado de 31 de Março de 2015, foi o arguido notificado do início, no dia 18 de Março de 2015, da fase de instrução para instauração do procedimento disciplinar contra ele (vide as fls. 005 dos autos).
3. Por ofício n.º 3/PD-02/2015, datado de 10 de Abril de 2015, o instrutor requereu ao chefe da Divisão de Pessoal a emissão da certidão de registo disciplinar do arguido (vide as fls. 007 dos autos).
4. No dia 10 de Abril de 2015, pelas 17h30, foi realizada a inquirição do chefe de serviço de cirurgia geral, D (丁) (N.º de trabalhador: XXXXXXX), do Centro Hospitalar Conde de S. Januário, cuja declaração foi registada nas fls. 011 a 014 do presente processo disciplinar (vide o ofício n.º 4/PD-02/2015 constante das fls. 009 a 010 dos autos).
5. Em 14 de Abril de 2015, por Nota Interna de Trabalho n.º 1536/NI/DP/2015, a Divisão de Pessoal forneceu a certidão de registo disciplinar do arguido (vide as fls. 021 e 022 dos autos).
6. No dia 15 de Abril de 2015, pelas 09h30, foi realizada a inquirição da chefe de serviço de pediatria, E (戊) (N.º de trabalhador: XXXXXXX), do Centro Hospitalar Conde de S. Januário, cuja declaração foi registada nas fls. 023 a 024 do presente processo disciplinar (vide o ofício n.º 5/PD-02/2015 constante das fls. 015 a 016 dos autos).
7. Em 16 de Abril de 2015, para assegurar que toda a fase de instrução estivesse em conformidade com os direitos do SS e do arguido, e com o formalismo legal, o instrutor requereu, nos termos do art.º 326.º, n.º 4 do ETAPM, ao director dos SS um assessor jurídico para prestar ajuda aos trabalhos na fase de instrução, e por despacho de 20 de Abril de 2015, o director substituto dos SS concordou em arranjar F (己), assessor jurídico do gabinete jurídico dos SS, para prestar ajudar aos trabalhos acima referidos (vide as fls. 025 e 026 dos autos).
8. Em 17 de Abril de 2015, por ofício n.º 7/PD-02/2015, o instrutor pediu ao director dos SS para autorizar a prorrogação do prazo da instrução por 20 dias, pedido esse que foi deferido pelo director dos SS no mesmo dia (vide as fls. 027 dos autos).
9. No dia 24 de Abril de 2015, das 10h30 às 11h30, o instrutor e o secretário encontraram-se com o assessor jurídico F, para ter uma discussão preliminar sobre o teor do presente procedimento antes de ouvir o arguido.
10. No dia 24 de Abril de 2015, pelas 16h30, foi ouvido pelo instrutor o arguido, que por sua vez, entregou a procuração assinada por ele próprio, conferiu poderes ao advogado G (庚) (N.º da cédula profissional: XXX) para o representar (vide as fls. 030 e 032 dos autos), e compareceu em companhia deste advogado, sendo a respectiva declaração registada nas fls. 033 a 035 do presente processo disciplinar (vide o ofício n.º 8/PD-02/2015 constante das fls. 028 a 029 dos autos).
11. No dia 28 de Abril de 2015, pelas 10h00, foi realizada a inquirição da médica consultora de anestesiologia, anestesista na cirurgia em causa, H (辛) (N.º de trabalhador: XXXXXXX), do Centro Hospitalar Conde de S. Januário, cuja declaração foi registada nas fls. 038 a 040 do presente processo disciplinar (vide o ofício n.º 9/PD-02/2015 constante das fls. 036 a 037 dos autos).
12. No dia 28 de Abril de 2015, pelas 16h00, foi realizada a inquirição da médica assistente de cirurgia geral, médica-cirurgiã na cirurgia em causa, I (壬) (N.º de trabalhador: XXXXXXX), do Centro Hospitalar Conde de S. Januário, cuja declaração foi registada nas fls. 043 a 045 do presente processo disciplinar (vide o ofício n.º 10/PD-02/2015 constante das fls. 041 a 042 dos autos).
13. No dia 6 de Maio de 2015, das 10h00 às 12h00, o instrutor e o secretário encontraram-se com o assessor jurídico F, para apreciar e analisar os elementos recolhidos no presente procedimento.
14. Foi concluída a instrução no dia 8 de Maio de 2015, e o instrutor entendeu que havia necessidade de deduzir acusação contra o arguido, pelo que preparou-se, de imediato, para elaborar a acusação.
Parte III
Acusação
15. No dia 15 de Maio de 2015, o instrutor deduziu acusação contra o arguido médico A (vide as fls. 046 a 054 dos autos).
16. No dia 15 de Maio de 2015, o médico A assinou a notificação da acusação, confirmando a recepção da cópia da acusação constante das fls. 046 a 054 do presente processo disciplinar (vide as fls. 055 dos autos).
17. Ao abrigo dos dispostos nos artigos 333.º, n.º 1 e 334.º, n.º 2 do ETAPM, pode o médico A apresentar a defesa escrita no prazo de 10 dias (até 26 de Maio de 2015), durante o qual pode ele ou o advogado constituído examinar o presente processo disciplinar, indicar o rol de testemunhas, apresentar os respectivos documentos e requerer as diligências de prova (vide as fls. 055 dos autos).
Parte IV
Defesa
18. Em 19 de Maio de 2015, o médico A examinou o presente processo disciplinar na sala de reunião do Edifício da Administração dos SS (vide as fls. 056 e 057 dos autos), e pediu ao director dos SS para emitir uma cópia autenticada das fls. 11 a 14, 23 a 24, 33 a 35, 38 a 40 e 43 a 45 do presente processo disciplinar, bem como autorizá-lo a examinar o processo n.º PD-01/2014, com fundamento em que o instrutor citou conteúdos desse processo ao inquirir as testemunhas. No mesmo dia, o instrutor recebeu o referido ofício transmitido pelo director substituto dos SS (vide as fls. 058 dos autos).
19. Em 20 de Maio de 2015, por ofício n.º 11/PD-02/2015, o instrutor solicitou à notária privativa dos SS, J (癸), a emissão duma cópia autenticada dos supracitados documentos (vide as fls. 059, 060 e 063 dos autos). Além disso, por causa do termo da instrução, os documentos do processo disciplinar n.º PD-01/2014 já foram devolvidos, através do ofício n.º 12/PD-02/2015, ao director dos SS (vide as fls. 061 e 062 dos autos).
20. Em 21 de Maio de 2015, no que concerne ao pedido do arguido no sentido de examinar o processo n.º PD-01/2014, o instrutor submeteu o seguinte parecer ao director substituto dos SS através do ofício n.º 13/PD-02/2015 (vide as fls. 064 e 065 dos autos):
(I) O procedimento disciplinar n.º PD-02/2015, do qual é instrutor o ora signatário, derivou do procedimento disciplinar n.º PD-01/2014 no qual foi responsável um outro instrutor, pelo que tinha de consultar e saber as informações de fundo do supracitado procedimento para proceder à instrução; por isso, foi necessária a menção dessas informações de fundo ao convidar as testemunhas a prestar declaração.
(II) São independentes os dois procedimentos disciplinares em razão da finalidade da investigação, prova e conteúdo da acusação, pelo que o instrutor também salientou na acusação que não era adequada a citação das provas constantes do supracitado procedimento, e procedeu de novo às diligências instrutórias.
(III) No procedimento disciplinar n.º PD-01/2014, a investigação teve por objecto um outro arguido, e foram juntadas as informações desse pessoal e outras de natureza secreta, que não devem ser reveladas a outrem.
(IV) Pelo exposto, o instrutor propõe o indeferimento do pedido do arguido de examinar o processo disciplinar n.º PD-01/2014.
21. O director substituto dos SS concordou com o supracitado parecer no mesmo dia, e assinou o ofício n.º 310/SS/O/2015, de modo a responder ao arguido com a cópia autenticada exigida por este e o aludido parecer (vide as fls. 066 e 067 dos autos).
22. Em 22 de Maio de 2015, o secretário entregou pessoalmente os supracitados documentos ao arguido, que os assinou e recebeu (vide as fls. 068 e 069 dos autos).
23. Em 26 de Maio de 2015, o arguido médico A dirigiu-se à Secção de Expediente Geral dos SS e apresentou a defesa escrita, constante das fls. 070 a 092 dos autos.
24. Na sua defesa escrita, o médico A exigiu, nos termos do art.º 334.º, n.º 2 do ETAPM, que fossem ouvidas as seguintes testemunhas sobre os factos indicados na defesa escrita (vide as fls. 083 dos autos):
a) Médico consultor de cirurgia geral do Centro Hospitalar Conde de S. Januário, K (甲甲).
b) Médica consultora de anestesiologia do Centro Hospitalar Conde de S. Januário, H.
c) Médico consultor de cirurgia geral do Centro Hospitalar Conde de S. Januário, L (甲乙).
25. No dia 2 de Junho de 2015, pelas 10h30, foi realizada a inquirição da médica consultora de anestesiologia, H (N.º de trabalhador: XXXXXXX), do Centro Hospitalar Conde de S. Januário, cuja declaração foi registada nas fls. 099 a 101 do presente processo disciplinar (vide o ofício n.º 14/PD-02/2015 constante das fls. 093 a 094 dos autos).
26. No dia 2 de Junho de 2015, pelas 11h15, foi realizada a inquirição do médico consultor de cirurgia geral, L (N.º de trabalhador: XXXXXXX), do Centro Hospitalar Conde de S. Januário, cuja declaração foi registada nas fls. 102 a 105 do presente processo disciplinar (vide o ofício n.º 15/PD-02/2015 constante das fls. 095 a 096 dos autos).
27. No dia 2 de Junho de 2015, pelas 12h15, foi realizada a inquirição do médico consultor de cirurgia geral, K (N.º de trabalhador: XXXXXXX), do Centro Hospitalar Conde de S. Januário, cuja declaração foi registada nas fls. 106 a 110 do presente processo disciplinar (vide o ofício n.º 16/PD-02/2015 constante das fls. 097 a 098 dos autos).
Parte V
Julgamento
28. Tendo obtido o consentimento do director dos SS em 26 de Março de 2015, o instrutor examinou o processo disciplinar n.º PD-01/2014, e tomou conhecimento do conteúdo concreto do caso, a saber: um paciente, Senhor M (甲丙) (adiante designado por “paciente”), queixou-se de sofrer de obstipação e dores abdominais. Após exame de colonoscopia, o médico de endoscopia digestiva detectou um neoplasma em forma de anel a 100cm da margem anal, e devido ao estreitamento da cavidade intestinal, não podia passar o endoscópio. No relatório do exame, o paciente foi diagnosticado com cancro do intestino, pelo que, para a excisão de tumor e a resolução da obstrução intestinal causada pelo tumor, foi marcada para o dia 9 de Maio de 2013 uma cirurgia laparoscópica de urgência, da qual foi médica-cirurgiã a médica assistente de cirurgia geral, I (N.º de trabalhador: XXXXXXX), e 1º ajudante o médico consultor de cirurgia geral, A. Durante a realização da cirurgia, não foi detectado o tumor através da laparoscopia, pelo que com o consentimento da médica-cirurgiã, foi convidado o médico de gastroenterologia de medicina interna, N (甲丁) (N.º de trabalhador: XXXXXXX), para ajudar a localizar o tumor por meio de colonoscopia na sala de cirurgia. Durante a localização do tumor, o ajudante médico A saiu da sala de cirurgia para tomar refeição, pelo que não estava presente aquando da localização do tumor, que foi acompanhada pela médica-cirurgiã I. Após a localização do tumor, o médico A voltou ao seu posto e continuou a realizar a cirurgia. Finda a cirurgia, não foi detectado tumor no tecido excisado. Depois de ter alta, o paciente recebeu exame no Filial Luwan do Hospital Ruijin da Faculdade de Medicina da Universidade de Trânsito de Shanghai, onde se submeteu à laparotomia no dia 15 de Junho de 2013, na qual foi detectado e excisado um tumor de 5x4cm no seu cólon, perto da flexura esplénica. Em fim, o instrutor do procedimento disciplinar n.º PD-01/2014 apresentou a proposta, e o director dos SS proferiu despacho concordando com a punição do arguido deste procedimento.
29. O presente procedimento é destinado a apurar, com base no procedimento disciplinar n.º PD-01/2014, se constituem infracção disciplinar as condutas do arguido que, na qualidade de 1º ajudante, saiu da sala de cirurgia antes da localização e excisão de tumor, fazendo com que a médica-cirurgiã perdesse a oportunidade de correição (vide as fls. 002 dos autos). São diferentes a finalidade da investigação e o conteúdo do presente procedimento e do procedimento disciplinar n.º PD-01/2014, que por sua vez, já constituiu caso decidido, e para o cumprimento do princípio da imparcialidade, entendeu o instrutor que não era adequada a citação das provas do referido caso na investigação do presente procedimento, pelo que decidiu proceder, de novo, a um conjunto de investigação e diligências instrutórias.
30. O foco da investigação do presente procedimento é saber:
(I) Se o ajudante tem responsabilidade solidária quando o resultado da cirurgia cause danos ao paciente.
(II) Se o arguido, na qualidade de médico consultor e ajudante, orientou e prestou ajuda, com todo o empenho, à médica-cirurgiã I, médica assistente, durante a realização da cirurgia em causa.
(III) Se é culposo o motivo pelo qual o arguido saiu durante a localização por meio de colonoscopia, e se foi assim perdida a oportunidade de corrigir o erro.
31. De acordo com o auto de declaração do chefe de serviço de cirurgia geral, D, na data da cirurgia em causa, o arguido e a médica I não pertenceram ao mesmo grupo, e conforme a organização do grupo de cirurgia, salvo se for sintoma muito leve, a cirurgia não pode ser feita por um só médico, pelo que são arranjados dois médicos para realizar uma cirurgia. A respeito do pessoal da cirurgia em causa, o médico D arranjou o arguido para exercer o cargo de ajudante por estar preocupado com a realização de cirurgia intestinal pela médica-cirurgiã I sozinha, e achou que o arguido tinha capacidade e experiência suficiente para orientar a médica-cirurgiã, entendendo que o arguido não interveio na cirurgia na qualidade de apenas ajudante, mas tinha a responsabilidade de orientar a médica subordinada, e que devem os médicos, com zelo e dedicação, atribuir prioridade ao interesse do paciente, e quanto tem maior antiguidade, tem mais responsabilidade (vide as fls. 011 a 012 dos autos).
32. Foi também mencionado no supracitado auto que, na cirurgia, está em causa uma relação de colaboração, e em caso de disputa, cabe ao médico de categoria superior decidir. Não é explicitamente proibida pelos SS a saída do médico durante a cirurgia, mas é responsabilidade do médico da intervenção cirúrgica confirmar, por meio de toque, a localização antes e depois da excisão do tecido (vide as fls. 012 a 013 dos autos).
33. De acordo com o auto de declaração da chefe de serviço de pediatria, membro do Grupo do Regulamento do Centro Hospitalar Conde de S. Januário, E, o regulamento hospitalar não especifica as atribuições dos médicos de cada categoria, que já estão previstas pelo regime da carreira médica. Relativamente à questão de se pode o arguido sair durante a cirurgia, entendeu que caso a cirurgia já corresse por um longo tempo e o arguido não comesse, não se podia criticar a sua saída por curto tempo para tomar refeição durante a localização por via de colonoscopia. No que concerne às atribuições do respectivo médico, entendeu que constituíram uma equipa os médicos na cirurgia, e o médico consultor era responsável pela orientação. Quando ocorreu erro na cirurgia, o médico consultou também devia assumir responsabilidade ainda que fosse ajudante (vide as fls. 023 a 024 dos autos).
34. De acordo com o auto de declaração do arguido, a médica-cirurgiã I precisou realizar uma cirurgia de obstrução intestinal, contactou o arguido para ser ajudante e operar o endoscópio. Durante a cirurgia, com base nos elementos constantes do relatório colonoscópico do paciente, segundo os quais foi detectado tumor no lado direito do cólon, o arguido e a médica-cirurgiã examinaram cuidadosamente a localização do tumor, mas não o encontraram, pelo que foi chamado o médico de gastroenterologia de turno para proceder à localização intra-operatória por meio de colonoscopia. O arguido sentiu frequentemente dores no estômago, pelo que a médica-cirurgiã disse-lhe para tomar refeição num quarto da sala de cirurgia, razão pela qual ele não estava presente durante a localização por meio de colonoscopia. Finda a localização, o arguido voltou ao local, a médica-cirurgiã confirmou a localização da excisão, e o arguido acreditou no resultado da localização, pelo que continuou a operar o endoscópio e procedeu à excisão conforme a localização. No entendimento do arguido, não se verificou, na altura, qualquer dificuldade ou erro no juízo e no decurso da cirurgia, e o arguido, tendo observado a operação da médica-cirurgiã, concordou que ela teve bom comportamento em toda a cirurgia, e em fim, a médica-cirurgiã só disse ao arguido para sair antes da sutura da pele. Por outro lado, o relatório patológico do tecido excisado revelou mudança patológica do mesmo tecido, e a médica I foi a médica-cirurgiã, responsabilizando-se pelo acompanhamento pós-cirúrgico e pela alta do paciente (vide as fls. 033 a 035 dos autos).
35. Além disso, alegou o arguido que não lembrou claramente os pormenores das atribuições e dos deveres de médico consultor (vide as fls. 035 dos autos).
36. De acordo com o auto de declaração da médica assistente de cirurgia geral, I, não encontrou dificuldade no decurso da cirurgia, mas sim na localização do tumor. Ela procurou, cuidadosamente e junto com o arguido, a localização do tumor, e entendeu que a ausência do arguido na localização por meio de colonoscopia não afectaria o resultado da cirurgia, dizendo ao arguido que podia sair para tomar refeição, e em consequência, o arguido tomou refeição num outro quarto. Após a localização por meio de colonoscopia, ela discutiu o resultado da localização com o arguido, e durante a cirurgia, não se verificou a situação de hemorragia ou outra dificuldade (vide as fls. 043 a 044 dos autos).
37. De acordo com o auto de declaração da médica consultora de anestesiologia que participou na cirurgia em causa, H, a procura do tumor demorou demasiado tempo, e por não ser ideal a situação, foi proposta a localização por meio de colonoscopia intra-operatória; o hospital não prevê que todos os médicos devem estar presentes durante a colonoscopia, mas a médica-cirurgiã I não saiu durante toda a cirurgia. Embora haja escala de categoria entre os médicos, bem como a diferença entre médico-cirurgião e ajudante na intervenção cirúrgica, deve prevalecer sempre o interesse do paciente. Após a localização por meio de colonoscopia, a médica-cirurgiã I teve certeza da localização, obteve também a confirmação do arguido, e procedeu à excisão (vide as fls. 043 a 044 dos autos).
38. Nos termos do art.º 11.º - “deveres funcionais”, da Lei n.º 10/2010 (Regime da carreira médica), os médicos estão obrigados, no respeito pelas regras profissionais e deontológicas aplicáveis, ao cumprimento dos deveres funcionais, nomeadamente os previstos na al. 3): “exercer as suas funções com zelo e diligência, assegurando o trabalho em equipa, tendo em vista a continuidade e garantia da qualidade da prestação de serviços médicos e a efectiva articulação de todos os intervenientes”.
39. Na cirurgia em causa, não foi localizado o tumor após exame repetido por parte dos dois médicos, constatando-se, assim, que foi, em certa medida, difícil a cirurgia, sendo a localização por meio de colonoscopia o momento crítico que afectou directamente o resultado da cirurgia; o arguido é médico consultor com rica experiência, e a colonoscopia intra-operatória em causa não foi a primeira em que participou (vide as fls. 033 a 035 dos autos). Do ponto de vista da experiência médica, deve o arguido ser capaz de estimar o tempo necessário para a colonoscopia intra-operatória; embora não fosse explicitamente proibida a saída de médico durante a cirurgia, e o arguido precisasse tomar refeição por sentir frequentemente dores no estômago, o que é necessidade fisiológica humana e não é negada pelo instrutor, devia sair para tomar refeição depois de participar na localização; importa salientar mais uma vez que a localização por meio de colonoscopia é momento crítico e decisivo de toda a cirurgia, facto esse que a médica-cirurgiã e o ajudante deviam saber claramente.
40. Por outro lado, a anestesista na cirurgia em causa, médica H, alegou que desde o início da cirurgia até ao fim, a médica-cirurgiã I não saiu para tomar refeição, e concordou que devia prevalecer o interesse do paciente (vide as fls. 038 dos autos). E segundo a médica-cirurgiã I, precisou-se de tempo para chamar médico para prestar ajuda na localização por meio de colonoscopia, não podendo o médico chegar de imediato. Por isso, devia o arguido aproveitar esse tempo para comer alguma coisa de forma a aliviar a fome, e voltar à mesa cirúrgica no mais curto espaço de tempo possível, na premissa maior de que prevalece o interesse do paciente. Porém, o arguido não participou na colonoscopia e saiu para tomar refeição, só voltando ao local depois da conclusão da colonoscopia (vide as fls. 033 dos autos).
41. Mesmo que a médica-cirurgiã já tivesse certeza da localização, devia o arguido, na qualidade de ajudante, até médico com maior antiguidade, confirmar a localização, uma vez que a colonoscopia é apenas um exame de apoio, e não um método de tratamento. Declarou a médica-cirurgiã que discutiu o resultado com o arguido depois da sua volta, e após a excisão, o arguido não propôs o exame do tecido excisado pela médica-cirurgiã (vide as fls. 043 a 044 dos autos), o que demonstra, de forma suficiente, que o arguido viu-se como apenas ajudante em vez de médico consultor. Na verdade, o tecido excisado na cirurgia em causa não foi o objecto da excisão, facto esse que resultou da decisão feita pela médica-cirurgiã e pelo ajudante.
42. De acordo com o art.º 14.º, al. 5) da Lei n.º 10/2010 (Regime da carreira médica), ao médico consultor são atribuídas as funções inerentes à categoria de médico assistente, e de orientar e supervisionar o médico geral e o médico assistente das unidades ou serviços sob a sua dependência. Na cirurgia em causa, o médico de gastroenterologia operou o endoscópio, e a médica-cirurgiã só podia localizar e marcar o tumor com base na localização fornecida pela colonoscopia, mas o arguido não se envolveu neste processo, pelo que não podia orientar e supervisionar a respectiva localização; ademais, segundo o que declararam o médico de cirurgia geral D, a médica de pediatria E, e a médica de anestesiologia H, tem o médico consultor a responsabilidade de orientar e supervisionar o médico subordinado, e deve dar prioridade ao interesse do paciente (vide as fls. 011 a 013, 023 a 024 e 038 a 039 dos autos). Daí que, mesmo que a categoria do médico-cirurgião seja inferior à do ajudante, não pode tal médico de categoria superior desempenhar apenas o papel de ajudante, mas precisa orientar e supervisionar o médico-cirurgião, tratando-se duma disposição imposta pela lei.
43. De acordo com o auto de declaração da testemunha do arguido, ou seja a médica consultora de anestesiologia H, esta também concordou que, embora o médico-cirurgião seja responsável por todos os assuntos do paciente, no caso de acidente ocorrido na cirurgia, o médico-cirurgião não será o único responsável, e o ajudante também precisa assumir certa responsabilidade. Quando seja necessário tomar refeição durante a realização da cirurgia, a testemunha costuma comer um pouco e voltar logo ao posto, entendendo que isso é natural (vide as fls. 099 a 100 dos autos).
44. De acordo com o auto de declaração da testemunha do arguido, ou seja o médico consultor de cirurgia geral L, em muitos casos, na cirurgia, pode-se ver ou tocar o tumor, senão, deve-se agir com cuidado e prudência, e se for necessário pedir ajuda ao terceiro, a situação já é difícil; entendeu que durante a localização por meio de colonoscopia, o médico de cirurgia não podia ajudar por não ter conhecimentos dessa especialidade, e iria ficar se estivesse interessado em aumentar o conhecimento. Embora a decisão da localização não seja afectada pela estadia ou não do médico de cirurgia, a testemunha concordou que constituem uma equipa os médicos na cirurgia, e em geral, não deve o médico-cirurgião assumir toda a responsabilidade, porque todos os intervenientes têm suas próprias responsabilidades, cuja distribuição depende da situação concreta (vide as fls. 103 a 104 dos autos).
45. De acordo com o auto de declaração da testemunha do arguido, ou seja o médico consultor de cirurgia geral K, este entendeu que não obstante a hierarquia superior do médico consultor, na cirurgia, não existe uma subordinação hierárquica entre o médico consultor e o médico-cirurgião. Entendeu que, a menos que houvesse erro na operação, não havia problema sempre que fosse correcto o princípio, e a cirurgia fosse realizada em conformidade com as indicações e o âmbito da operação. Não entendeu que o médico A teve culpa no caso concreto, porque a presença de mais um médico na localização não foi importante, e já havia no local um médico especialista de gastroenterologia para a operação. Ademais, o médico A acreditou na capacidade da médica-cirurgiã, e ambos os médicos, com certa antiguidade, tinham a capacidade de realizar, independentemente, a cirurgia. Não se pode determinar, de modo genérico e simples, quem é o responsável, mas tendo em conta cada etapa da cirurgia, entendeu que não prevaricou o médico A (vide as fls. 106 a 108 dos autos).
46. Dos autos de declaração das referidas três testemunhas resulta que, duas testemunhas concordaram que na cirurgia, tanto o médico-cirurgião como o ajudante deviam assumir certa responsabilidade, e uma testemunha opôs-se a esta opinião. Por outro lado, segundo os autos de declaração do chefe de serviço de cirurgia geral D e da chefe de serviço de pediatria E, esses dois declarantes também concordaram com a referida opinião. Pelo que é de concluir, objectivamente, que na cirurgia, não pode o ajudante ficar sem qualquer responsabilidade, tanto mais que está em causa um acidente cirúrgico.
47. Em 18 de Junho de 2015, por ofício n.º 17/PD-02/2015, o instrutor pediu ao director para autorizar a prorrogação do prazo para a elaboração do relatório por 10 dias, pedido esse que foi deferido pelo director no mesmo dia (vide as fls. 111 a 112 dos autos).
Parte VI
Resposta às dúvidas suscitadas na defesa escrita
48. Por outro lado, o arguido suscitou, na sua defesa escrita, oito dúvidas, e vem o instrutor resumi-las e dar a seguinte resposta:
(I) Dúvida 1: Foram inquiridos os declarantes, ou seja o médico D e a médica E, mais cedo do que o arguido.
Resposta: A ordem da inquirição dos declarantes foi determinada pelo instrutor, por não ser prevista pelo ETAPM e não afectar a decisão final.
Dúvida 2: Qual é a lógica do instrutor ao citar a expressão “A disse …” antes da inquirição do arguido?
Resposta: O instrutor consultou o processo disciplinar n.º PD-01/2014 e teve conhecimento de que os médicos D e A foram declarantes no mesmo. O médico D ouviu, no referido processo, os factos descritos por A, mas o instrutor não citou a declaração prestada pelo médico D no procedimento disciplinar n.º PD-01/2014, limitando-se a lembrar o médico D do assunto, de forma a dar início às perguntas seguintes.
Dúvida 3: Durante a investigação, o instrutor causou a impressão de agir com preconceitos, o que é injusto para o arguido.
Resposta: O presente procedimento derivou do procedimento disciplinar n.º PD-01/2014, do qual foi instrutor uma outra pessoa. Por serem diferentes as finalidades da investigação nos dois procedimentos, o instrutor não citou as provas no procedimento de origem, e convidou de novo os respectivos indivíduos para a inquirição. Se calhar o arguido entendeu, por engano, que o ora instrutor foi o instrutor do procedimento disciplinar n.º PD-01/2014, e em consequência, suscitou tal dúvida.
(II) Dúvida 1: Não corresponde à verdade a descrição dos factos do médico D, que alegou que arranjou o arguido para exercer o cargo de ajudante e que a cirurgia teve lugar por volta das 3 horas.
Resposta: O instrutor fez a respectiva pergunta ao médico D com vista a saber melhor se na organização da equipa de cirurgia, o serviço atendeu ou não à hierarquia dos médicos; e ao mencionar que a cirurgia teve lugar por volta das 3 horas, o instrutor quis dizer que a cirurgia ainda estava em curso na altura, no entanto, tais factos não afectaram o decurso e o resultado da instrução.
Dúvida 2: A médica E alegou no auto de declaração que, mesmo no caso de erro na operação por parte dum interno do internato complementar, não será este o único responsável, mas a médica I é médica assistente com experiência e exerceu o cargo de médico-cirurgião, se ela for considerada culpada, não é razoável julgar o ajudante como “cúmplice”.
Resposta: A médica E pretendeu dizer que, mesmo um interno do internato complementar, que cometeu erro no exercício do cargo de médico-cirurgião, não seria o único responsável, e muito menos uma médica assistente de hierarquia superior, quer dizer, o ajudante também deve ser responsável, porque a cirurgia é realizada por uma equipa.
Dúvida 3: O relatório do exame referido na acusação não é um verdadeiro relatório do exame.
Resposta: O paciente submeteu-se a diversos exames de colonoscopia no Centro Hospitalar Conde de S. Januário, e o instrutor só citou a descrição no primeiro relatório como preâmbulo da acusação, e o arguido, por sua vez, referiu-se ao relatório da colonoscopia intra-operatória, sendo ambos relatórios registados. Ademais, o presente procedimento não visa apurar se a médica-cirurgiã excisou o tecido errado, mas sim se o interveniente na cirurgia se empenhou em evitar a excisão do tecido errado.
(III) Dúvida 1: Nenhum declarante disse que faltou ao arguido zelo e dedicação, e o arguido, na qualidade de ajudante, respeitou, concordou e prestou ajuda e apoio à decisão da médica-cirurgiã, o que não tem nada a ver com a falta de zelo do funcionário público.
Resposta: A falta de zelo referida neste caso significa que o arguido saiu para tomar refeição durante a colonoscopia intra-operatória, não escolheu aproveitar esse tempo para comer alguma coisa de forma a aliviar a fome, e voltar à mesa cirúrgica para intervir na localização no mais curto espaço de tempo possível, mas só voltou depois da conclusão da colonoscopia.
Dúvida 2: Em relação às perguntas do instrutor de se leu o regime da carreira médica, e se teve conhecimento das atribuições e deveres do médico consultor, o arguido respondeu “não lembro claramente os pormenores”, o que significa que leu o regime mas não podia o recitar de cor e palavra por palavra, entendendo que não podia o instrutor, apenas com base nisso, reconheceu que o arguido não cumpriu o dever de zelo.
Resposta: A recitação de cor do regime não equivale à observância dos respectivos dispostos, pelo que o ponto de partida do instrutor não é pedir ao arguido para recitar de cor a respectiva lei, mas sim confirmar se o arguido sabe as atribuições do médico consultor, porque da investigação resulta que o arguido viu-se como apenas ajudante, interveio na cirurgia com a mentalidade de obedecer à decisão da médica-cirurgiã, e não cumpriu os deveres do médico consultor, o que se reflecte nos pontos 6 a 9 do art.º 3.º da sua defesa escrita (vide as fls. 075 dos autos), nos quais o arguido salientou que não pertenceu ao mesmo grupo da médica-cirurgiã, prestou ajuda a pedido de colega, foi convidado pela médica-cirurgiã para intervir na cirurgia, a cirurgia foi tratada pela médica-cirurgiã, e respeitou o parecer e a habilitação técnica da médica-cirurgiã.
Dúvida 3: Entendeu o arguido que não existiu na carreira médica a subordinação hierárquica, nomeadamente neste caso concreto, não houve subordinação entre ele e a médica-cirurgiã. Deve-se respeitar o juízo da médica-cirurgiã, ressalvado o erro evidente, e o instrutor entendeu erradamente a lei.
Resposta: Nos termos do art.º 14.º, al. 5) da Lei n.º 10/2010 (Regime da carreira médica), ao médico consultor são atribuídas as funções inerentes à categoria de médico assistente, e de orientar e supervisionar o médico geral e o médico assistente das unidades ou serviços sob a sua dependência. Por isso, a carreira médica não tem a subordinação entre pessoal de direcção e chefia do serviço, do departamento e da divisão, até chefe da secção, como nas outras carreiras gerais, mas existe subordinação funcional entre o médico consultor e o médico assistente, o que é expressamente prevista por lei, revelando-se, assim, o mal entendimento da lei por parte do arguido. Por outro lado, apesar de não ser legalmente prevista a relação entre o médico-cirurgião e o ajudante, devem todos os médicos exercer as suas funções em conformidade com o regime da carreira médica.
(IV) Dúvida 1: O arguido citou a declaração da médica-cirurgiã, segundo a qual não encontrou dificuldade no decurso da cirurgia (ressalvada a localização), pelo que não precisou muito da orientação do arguido, com quem procurou cuidadosamente a localização do tumor e discutiu o resultado da localização, o que demonstrou que o arguido não só desempenhou o papel de ajudante.
Resposta: O que o arguido referiu só é susceptível de provar que ele cumpriu o dever de ajudante, mas não demonstra suficientemente o desempenho do papel de médico consultor, ainda que seja a médica-cirurgiã capaz e qualificada para realizar a cirurgia.
(V) Dúvida 1: Alegou o arguido que tomou refeição sem prejudicar a execução da cirurgia e a segurança do paciente, e o hospital não proibiu a saída do médico durante a cirurgia. Ademais, a sua saída para tomar refeição não afectou o resultado da localização por meio de colonoscopia, que foi especialidade do médico de gastroenterologia e não podia ser executada por médico de outra especialidade, até médico de cirurgia superior. Se fosse necessário, podia-se chamar, a qualquer momento, o arguido para voltar ao posto, o que não aconteceu, revelando-se, assim, que, na altura, não foi necessária a orientação e supervisão do arguido.
Resposta: Tendo em conta as necessidades fisiológicas humanas (por exemplo, precisar comer quando está com fome, e ir ao banheiro), o instrutor concorda que não é razoável proibir a saída durante todo o decurso da cirurgia; porém, no entendimento o arguido, ele não voltou imediatamente ao seu posto por não ser chamado pela médica-cirurgiã e pelo médico de gastroenterologia, o que é suficiente para provar a falta de zelo; em primeiro lugar, durante a cirurgia, pode ocorrer, de repente, situação perigosa dos sinais vitais do paciente, e em tal situação de emergência, cabe ao pessoal presente no local primeiro estabilizar a condição do paciente, em vez de notificar o ajudante ausente, razão pela qual o médico-cirurgião tem que estar presente no local. Em segundo lugar, a localização por meio de colonoscopia foi o processo chave da cirurgia em causa, da qual dependeram o sucesso da cirurgia e a segurança do paciente, mas o arguido não se interessou, por iniciativa própria, com a localização, e em contrário, aguardou passivamente o chamamento.
(VI) Dúvida 1: A localização por meio de colonoscopia é exame diagnóstico e afecta directamente o juízo na cirurgia. Na cirurgia em causa, foi excisado o tecido com base no resultado das duas colonoscopias efectuadas pelos médicos de gastroenterologia, não tendo culpa os médicos de cirurgia. Ainda alegou o arguido que a médica-cirurgiã tocou com a mão o tecido excisado e confirmou a existência do tumor, ele concordou com a prática da médica-cirurgiã e já exerceu as atribuições do médico consultor.
Resposta: O médico de gastroenterologia foi apenas responsável por operar o endoscópio para ajudar a médica-cirurgiã na localização, e a pessoa realmente responsável pela localização e marcação foi a médica-cirurgiã. É de notar que, a situação clínica do paciente muda com o tempo, pelo que a precisão do relatório da colonoscopia feita antes da cirurgia é, necessariamente, menos do qua a da colonoscopia intra-operatória, e mesmo sob anestesia, o intestino humano ainda apresenta movimento peristáltico. O arguido não interveio na localização por meio de colonoscopia, ou seja não estava presente no local aquando da localização por parte da médica-cirurgiã, então como é que julgou se foi correcta ou errada a localização em causa? Se fosse imprecisa a localização por parte da médica-cirurgiã e estivesse presente o arguido, teria este oportunidade de corrigir o erro, o que revelou que o arguido ignorou a possibilidade de ser correcta a operação do endoscópio mas errada a localização, limitando-se a acreditar na habilitação profissional e capacidade da médica-cirurgiã e do médico de gastroenterologia, pelo que o arguido não exerceu plenamente a atribuição de supervisionar a médica-cirurgiã (o instrutor não está a questionar a habilitação profissional e capacidade da médica-cirurgiã I e do médico de gastroenterologia N, limitando-se a indicar tal possibilidade).
(VII) Dúvida 1: Na cirurgia, o arguido fez o seu melhor para ajudar a médica-cirurgiã, discutiu com ela após a localização, orientou e supervisionou de lado, de forma suficiente, a médica-cirurgiã, e completou a cirurgia com sucesso. A médica-cirurgiã e o arguido efectuaram a cirurgia com base no diagnóstico profissional feito pelo médico de gastroenterologia e no resultado da colonoscopia, e foram correctas a localização e a área da excisão por parte da médica-cirurgiã, não se verificando qualquer erro.
Resposta: Mesmo que o arguido orientasse e supervisionasse de lado a médica-cirurgiã durante a cirurgia, não o fez aquando da localização por meio de colonoscopia, pelo que decai o alegado do arguido de “orientou e supervisionou de lado, de forma suficiente”.
(VIII) Dúvida 1: Segundo o relatório patológico do tecido intestinal excisado, verificaram-se edema e pólipo, o que se correspondeu às indicações da cirurgia, pelo que o resultado da cirurgia não causou dano desnecessário ao paciente.
Resposta: O resultado da cirurgia em causa é, foi excisada apenas a parte com edema e pólipo, mas não o tumor do paciente, que por sua vez, precisou submeter-se a exame e cirurgia laparoscópica num outro hospital, o que já constituiu dano desnecessário.
Dúvida 2: As atribuições do médico reflectem-se no seu trabalho diário, e não pode o arguido recitar, de cor e palavra por palavra, o respectivo artigo das atribuições, como também não pode a declarante médica H. Além disso, a avaliação do desempenho prova que o arguido trabalha com zelo, pelo que não se pode entender que não ser capaz de recitar de cor o artigo das atribuições do médico equivale à falta de zelo.
Resposta: A intenção do instrutor não é pedir ao arguido para recitar de cor o respectivo artigo, mas sim confirmar se o arguido sabe as suas atribuições. Da avaliação do desempenho do arguido resulta que o serviço está satisfeito com seu trabalho, pelo que o instrutor não está a questionar o zelo do arguido no trabalho diário, e só avalia o presente caso concreto; no caso sub judice, o arguido escolheu aproveitar o tempo da colonoscopia para tomar refeição e não interveio na colonoscopia, conduta essa que não reflectiu o zelo salientado pelo arguido.
Dúvida 3: A médica-cirurgiã concordou que o arguido tomou refeição durante o período da colonoscopia intra-operatória, sendo razoável a sua conduta. A localização por parte do médico de gastroenterologia foi o momento mais crítico da cirurgia e afectou directamente o resultado da cirurgia. Não importa se estavam presentes no local vários médicos de cirurgia superiores, a respectiva situação não mudaria, nem foi previsto o número dos médicos presentes na localização; a excisão do tecido intestinal baseou-se no diagnóstico feito pelo médico de gastroenterologia, e o médico de cirurgia, limitado pela sua especialidade, só podia proceder à excisão com base na localização por parte do médico de gastroenterologia, pelo que não tinha qualquer culpa.
Resposta: A correcta localização por parte do médico de gastroenterologia não significa que o médico de cirurgia não excisará o tecido errado, pelo que o médico de cirurgia também afecta directamente o resultado da cirurgia. O facto é, o médico de gastroenterologia executou colonoscopia para prestar ajuda na localização, a médica-cirurgiã marcou o lugar e localizou o tumor, e o ajudante só voltou depois da conclusão da localização, não podendo questionar se foi correcta ou não a localização, e limitando-se a cooperar com a médica-cirurgiã na excisão com base na respectiva localização, pelo que não é suficientemente convincente a afirmação do arguido no sentido de não ter culpa o médico de cirurgia.
Dúvida 4: Entendeu o arguido que cada pessoa precisa de tempo diferente para tomar refeição, e é senso comum que comer muito rápido pode provocar dores no estômago e indigestão. Caso houvesse qualquer problema na altura, podia-se notificar imediatamente o arguido para parar de comer, mas o arguido nunca foi notificado, pelo que ficava à espera.
Resposta: Na resposta à dúvida (V) acima referida, já foi indicado que, podia o arguido, sem notificação, comer alguma coisa e voltar à mesa cirúrgica no mais curto espaço de tempo possível. A colonoscopia intra-operatória não durou apenas uns minutos, e o arguido realmente precisou esperar até que houvesse problema e fosse notificado para voltar? A resposta do arguido já revelou o grau de zelo com que ele atendeu ao paciente.
Parte VII
Conclusão
49. Resumindo os supracitados factos provados, pode-se chegar às seguintes conclusões no que respeita ao foco da investigação mencionado no ponto 30:
(I) O arguido, na qualidade de médico consultor com maior antiguidade, não confirmou a localização antes e depois da excisão do tecido, e antes da excisão, discutiu com a médica-cirurgiã. A excisão foi decidida pelos dois médicos em causa, pelo que ambos estes são responsáveis pelos danos causados ao paciente pelo resultado da cirurgia.
(II) Não obstante que o arguido ajudasse a médica-cirurgiã a procurar o tumor na cirurgia e discutisse o resultado da localização, só que ele interveio na cirurgia com mentalidade de ajudante, e não se envolveu no processo chave de localização por meio de colonoscopia, pelo que não podia orientar e supervisionar a respectiva localização pela médica-cirurgiã, e não lembrou claramente os pormenores das atribuições e dos deveres de médico consultor. As referidas condutas do arguido constituem violação do dever geral de zelo previsto pelo art.º 279.º, n.º 2, al. b) e n.º 4 do ETAPM, do dever funcional de exercer as suas funções com zelo e diligência, previsto pelo art.º 11.º, al. 3) da Lei n.º 10/2010 (Regime da carreira médica), e do conteúdo funcional da categoria de médico consultor, ou seja atribuição de orientar e supervisionar o médico geral e o médico assistente das unidades ou serviços sob a sua dependência, previsto pelo art.º 14.º, al. 5) da mesma lei; as respectivas condutas constituem a infracção disciplinar prevista pelo art.º 281.º do ETAPM, integram em casos de negligência e de má compreensão dos deveres funcionais, e são punidas com pena de multa conforme o art.º 313.º, n.º 1 do ETAPM.
(III) O arguido escolheu tomar refeição durante o período da localização por meio de colonoscopia e voltar depois da conclusão da colonoscopia, em vez de comer um pouco e voltar à mesa cirúrgica no mais curto espaço de tempo possível, o que revelou que ele não deu prioridade ao interesse do paciente. Por outro lado, por não ter participado na localização por meio de colonoscopia, o arguido não podia confirmar se foi correcta a localização, causando, indirectamente, dano ao paciente e consequências irreversíveis. As respectivas condutas do arguido violam o art.º 314.º, n.º 1 e n.º 2, al. d) do ETAPM, constituem um caso de culpa e grave desinteresse pelo cumprimento dos deveres profissionais, e podem ser punidas com pena de suspensão.
50. No caso sub judice, o arguido agiu de forma livre, consciente e voluntária, mas por negligência, ao praticar as suas condutas.
51. De acordo com o art.º 316.º, n.º 1 e n.º 2 do ETAPM, deve-se considerar as circunstâncias atenuantes ou agravantes, para determinar o grau de culpa.
52. Reconheceram-se as seguintes circunstâncias atenuantes do arguido, previstas pelo art.º 282.º, al.s a), c) e g) do ETAPM, bem como a atenuação da pena aplicável:
(I) A prestação de mais 10 anos de serviço classificados de “Bom”.
(II) A prestação de serviços relevantes ao Estado e ao Território.
(III) A falta de intenção dolosa.
53. Reconheceram-se a seguinte circunstância agravante do arguido, prevista pelo art.º 283.º, al. j) do ETAPM, bem como a agravação da pena aplicável:
(I) A responsabilidade do cargo exercido e o grau de instrução do infractor.
54. Ao abrigo do disposto no art.º 316.º, n.º 1 do ETAPM, a pena gradua-se de acordo com as circunstâncias atenuantes e agravantes que no caso concorreram, atendendo-se ao grau de culpa do arguido, à sua personalidade, e ao facto de que praticou a infracção disciplinar por negligência.
55. Ao determinar a pena concreta aplicável ao infractor, deve-se atender também aos outros factos previstos no n.º 1 do art.º 316.º do ETAPM. Reconheceu-se a culpa do arguido, que constituiu negligência. Ademais, na determinação da responsabilidade disciplinar do arguido, há de ponderar a sua personalidade.
Parte VIII
Sugestão
56. Porém, sintetizados todos os factos e as condutas do arguido, demonstra-se que falta ao arguido zelo no trabalho, e que o arguido não sabe claramente as suas atribuições e deveres, não cumpriu, na qualidade de médico consultor com rica experiência, a função de orientar e supervisionar a médica-cirurgiã (médica assistente) no momento crítico de localização por meio de colonoscopia, só interveio na cirurgia com mentalidade de ajudante, e causou, indirectamente, consequências irreversíveis, condutas essas que violaram o art.º 314.º, n.º 1 e n.º 2, al. d) do ETAPM, e constituíram um caso de culpa e grave desinteresse pelo cumprimento dos deveres profissionais.
57. Para o efeito, segundo o art.º 314.º, n.º 3 do ETAPM, o instrutor propôs aplicar ao arguido, médico A, a pena de suspensão de dez (10) dias.
58. Nos termos do art.º 322.º do ETAPM e do n.º 1 da Ordem Executiva n.º 112/2014, a aplicação da pena de suspensão é da competência do Secretário para os Assuntos Sociais e Cultura.
59. De acordo com o art.º 337.º, n.º 3 do ETAPM, vem-se apresentar ao director dos SS o original dos presentes relatório e processo disciplinar, e se o director concorde com seu conteúdo, pede-se para enviar o referido documento, dentro de 2 dias após a sua recepção, ao Secretário para os Assuntos Sociais e Cultura para proferir a decisão.
…”
5. Por despacho de 14 de Agosto de 2015, o director dos SS decidiu aplicar ao recorrente a pena de multa de 20 dias.
6. Em 25 de Junho de 2019, o recorrente interpôs recurso hierárquico necessário para o Secretário para os Assuntos Sociais de Cultura.
7. Em 5 de Agosto de 2019, o director dos SS elaborou a Proposta n.º 458/SS/P/2019, com o seguinte teor:
“…
Foi instaurado o procedimento disciplinar n.º PD-02/2015 contra o médico consultor de cirurgia geral dos SS, A, por ser suspeito de, durante uma cirurgia realizada em 9 de Maio de 2013, na qual foi médica-cirurgiã uma subordinada dele e ele próprio o 1º ajudante, sair antes da localização e excisão de tumor, fazendo com que a médica-cirurgiã perdesse a oportunidade de correição.
Por despacho de 14 de Agosto de 2015, eu decidi aplicar a A a pena de multa, no montante correspondente a vinte (20) dias de vencimento e outras remunerações certas e permanentes, com excepção dos subsídios de família e de residência devidos à data da notificação do despacho condenatório (anexo 1).
Posteriormente, A interpôs recurso contencioso para o Tribunal Administrativo (Processo n.º 1220/15-ADM), que por sua vez, julgou improcedente o recurso no dia 12 de Maio de 2017. Inconformado com o decidido, A recorreu para o Tribunal de Segunda Instância (Processo n.º 843/2017). Por acórdão de 30 de Maio de 2019, o TSI entendeu que, do meu despacho condenatório de 14 de Agosto de 2015, não se pode interpor directamente recurso contencioso para o TA, mas cabe recurso hierárquico necessário conforme os dispostos no ETAPM, pelo que declarou a anulação da decisão do TA.
Em 25 de Junho do ano corrente, o advogado G, representando A, interpôs recurso hierárquico necessário para o Sr. Secretário (anexo 2). Após a leitura do parecer emitido pelo gabinete jurídico dos SS (anexo 3), concordo com o mesmo, e entendo que o respectivo despacho condenatório respeitou completamente os princípios da isenção, da justiça e da proporcionalidade, e não padeceu de qualquer vício.
Por isso, proponho ao Sr. Secretário que seja rejeitado o recurso hierárquico necessário interposto por A do despacho condenatório proferido para o procedimento disciplinar n.º PD-02/2015…”
8. Em 4 de Outubro de 2019, o Secretário para os Assuntos Sociais e Cultura proferiu o seguinte despacho:
“…
Tendo atendido à Proposta n.º 458/SS/P/2019 elaborada pelos SS em 5 de Agosto de 2019, bem como às análises, factos e fundamentos de direito constantes do seu anexo, concordo que o acto administrativo impugnado respeita completamente os princípios da isenção, da justiça e da proporcionalidade, está conforme a lei e é válido.
De acordo com os artigos 153.º, 154.º, n.º 1 e 161.º, n.º 1 do CPA, decido rejeitar o recurso hierárquico de A, e confirmar a decisão de 14 de Agosto de 2015 feita pelo director dos SS, que, nos termos do art.º 300.º, n.º 1 e 313.º, n.º 2, al. e) do ETAPM, aplicou a pena de multa de 20 dias ao recorrente do procedimento disciplinar n.º PD-02/2015.
Notifique o recorrente da presente decisão e da cópia da supracitada Proposta n.º 458/SS/P/2019.
A referida Proposta faz parte integrante do presente despacho para todos os efeitos legais.
Comunique aos SS, a quem cumpre notificar legalmente o recorrente…”
9. Em 21 de Novembro de 2019, o recorrente interpôs recurso contencioso para este Tribunal”; (cfr., fls. 208 a 218 e 12 a 52 do Apenso).
Do direito
3. Inconformado com o decidido pelo Tribunal de Segunda Instância, traz o recorrente o presente recurso (jurisdicional), pedindo que (com a sua procedência) se revogue a decisão recorrida com a consequente anulação do despacho de 04.10.2019 da Secretária para os Assuntos Sociais e Cultura.
Se bem ajuizamos, duas são as questões pelo recorrente trazidas à apreciação deste Tribunal.
A primeira, no que toca à “prescrição do procedimento disciplinar” que, como se viu, culminou com a sua condenação nos termos atrás já retratados por violação do seu “dever de zelo”, e, a segunda, precisamente, quanto ao acerto da decisão que deu como verificada tal “infracção disciplinar”.
Ora, sem prejuízo do muito respeito por entendimento em sentido diverso, nenhuma razão se mostra de reconhecer ao recorrente, necessária não se apresentando uma longa e elaborada fundamentação para se demonstrar o nosso entendimento.
Com efeito, e como em termos perfeitamente claros e de forma inteiramente acertada se deixou consignado no douto Parecer do Ministério Público – que se nos mostra de subscrever na íntegra, e que, aqui, em harmonia com o “princípio da economia processual” se dá como reproduzido para efeitos de fundamentação da decisão que se irá adoptar – evidente é que prescrito não está o procedimento disciplinar que ao ora recorrente foi instaurado, manifesto sendo igualmente que a sua “conduta” aí dada como “provada” integra uma – em nossa opinião, “triste” – violação do seu “dever de zelo”.
–– Quanto à “prescrição”.
Nos termos do art. 289° do E.T.A.P.M. aprovado pelo D.L. n.° 87/89/M de 21.12:
“1. O procedimento disciplinar prescreve passados 3 anos sobre a data em que a falta houver sido cometida.
2. Se o facto qualificado de infracção disciplinar for também considerado infracção penal e os prazos de prescrição do procedimento criminal forem superiores a 3 anos, aplicar-se-ão ao procedimento disciplinar os prazos estabelecidos na lei penal.
3. Se antes do decurso do prazo prescricional referido no n.º 1 for praticado relativamente à infracção qualquer acto instrutório com efectiva incidência na marcha do processo, a prescrição conta-se desde o dia em que tiver sido praticado o último acto.
4. Suspendem o prazo prescricional a instauração dos processos de sindicância e de averiguações e ainda a instauração dos processos de inquérito e disciplinar, mesmo que não tenham sido dirigidos contra o funcionário ou agente a quem a prescrição aproveite, mas nos quais venham a apurar-se faltas de que seja responsável”.
Resulta, (claramente), do normativo em questão que o “prazo de prescrição” é de “3 anos sobre a data em que a falta houver sido cometida”, e que, este prazo se “suspende” com a decisão de instauração do processo disciplinar, assim se mantendo até ao seu termo, salvo se, da decisão punitiva aí proferida vier a ser interposto recurso contencioso, uma vez que, nessa situação, a suspensão deverá prolongar-se até ao trânsito em julgado da decisão proferida neste recurso (contencioso); (cfr., n.° 1 e 4 do transcrito art. 289°).
Assim, e como – bem – se nota no já referido Parecer do Ministério Público:
“(…) considerando, por um lado, que o prazo de prescrição do procedimento disciplinar é de 3 anos e que começou a correr desde 9 de Maio de 2013 (data da infracção disciplinar), por outro lado, que o processo disciplinar foi instaurado no dia 3 de Março de 2015, produziu-se, nesta data, a suspensão do prazo da prescrição. E a verdade é que, desde que tal suspensão se produziu, o prazo da prescrição não voltou a correr.
Com efeito, após a decisão punitiva do Director dos Serviços de Saúde” – proferida em 15.08.2015 – “o Recorrente interpôs recurso contencioso que veio a culminar com um acórdão do Tribunal de Segunda Instância que julgou verificada a excepção da irrecorribilidade contenciosa do acto por considerar que o mesmo se encontrava sujeito a recurso hierárquico necessário e, como tal, não entrou na apreciação da legalidade do acto punitivo.
Na sequência de tal decisão do Tribunal de Segunda Instância, o Recorrente interpôs recurso hierárquico necessário da decisão punitiva do Director dos Serviços de Saúde perante a Secretária para os Assuntos Sociais e Cultura a qual, na sequência, indeferiu esse recurso hierárquico através do acto que foi objecto do recurso contencioso decidido pelo Tribunal a quo.
(…)”.
E, nesta conformidade, impõe-se reconhecer que até que a decisão proferida neste último recurso contencioso transite em julgado, manter-se-á a referida “suspensão do prazo de prescrição” decorrente da instauração do processo disciplinar.
Desta forma, nenhuma justificação (legal) existindo para se dar por verificada a invocada “prescrição”, censura não merece o Acórdão recorrido na parte em questão.
–– Quanto à “violação do dever de zelo”.
Nos termos do n.° 4 do art. 279° do referido do E.T.A.P.M.:
“O dever de zelo consiste em exercer as suas funções com eficiência e empenhamento e, designadamente, conhecer as normas legais e regulamentares e as instruções dos seus superiores hierárquicos, bem como possuir e aperfeiçoar os seus conhecimentos técnicos e métodos de trabalho”.
De facto, e como no Ac. deste T.U.I. de 18.12.2020, (Proc. n.° 178/2020), tivemos oportunidade de considerar, não se pode olvidar que a qualidade de “funcionário” (ou “agente da Administração”) não só atribuiu “direitos” vários, (cfr., art. 278° do E.T.A.P.M.), certo sendo que o sujeita igualmente a uma série de “deveres” que importa observar e cumprir (de forma escrupulosa), nomeadamente, (e com especial relevo para o caso dos autos), o “dever de zelo”, que não deixa de constituir um dever de “diligência”, de “competência”, de “aplicação”, de “sentido de responsabilidade” e de “brio profissional” no concreto desempenho e execução das funções/serviço/cargo em contínua melhoria e aperfeiçoamento, ocorrendo a sua violação se a conduta do agente se apartar de tais “padrões”, mormente, por não utilização do (necessário) “empenho ou diligência” devidas no seu desempenho profissional.
E, no bom (e são) rigor das coisas, cabe pois dizer: “não basta fazer”, (de forma que “a coisa fique feita”), havendo que “fazer – com a vontade e preocupação de fazer – bem”, com o cuidado, empenho e diligência que a situação exigir e justificar.
No caso dos autos, provado está que o ora recorrente, no decurso de uma intervenção cirúrgica para excisão de um tumor no intestino de um paciente do Centro Hospitalar Conde São Januário, e pouco tempo após o seu início, entendeu fazer uma “interrupção”, tendo-se ausentado por cerca 45 minutos para comer no “momento mais decisivo da operação”, em pleno decurso do procedimento de localização do dito tumor com recurso a colonoscopia, (tendo deixado na sala de operações os seus dois colegas que compunham a equipa cirúrgica escalada para tal intervenção), certo sendo que a incorrecta localização do tumor poderia conduzir ao total “insucesso” da cirurgia, o que, no caso, infelizmente, foi o que sucedeu.
E perante isto, ocorre-nos uma observação.
É a de que se admira (e que não se compreende) o “inconformismo” – e a insistência – do ora recorrente, pois que fosse o “dever de zelo” entendido com o sentido e alcance que o ora recorrente parece pretender atribuir e – muito – mal estaríamos, especialmente, atento o “serviço público” em questão, no caso, de “prestação de cuidados de saúde”…
Aliás, é caso para dizer que se fosse ele o “paciente” em situação idêntica à dos presentes, aí – talvez – outra poderia ser, (eventualmente), a sua opinião…
Ora, e como é óbvio, de forma alguma se nos mostra de considerar que (totalmente) “proibida” seja qualquer “ausência” de um profissional de saúde da sala onde decorre uma cirurgia na qual tem intervenção, directa, e, como tal, responsabilidade (pessoal)!
Com efeito, uma “breve ausência” para acudir a qualquer “imprevisto”, (inesperado), em relação ao qual não foi possível evitar, apresenta-se, (perfeitamente), compreensível e aceitável.
Porém, como em tudo na vida, há que atentar na “razoabilidade”, “equilíbrio”, “adequação” e “justa medida das coisas”, ponderando-se a “situação concreta”, as suas próprias circunstâncias, efeitos e riscos inerentes, o que, no caso, tendo o recorrente saído da sala onde decorria a cirurgia “pouco tempo” após o seu início, para comer, mantendo-se (por este motivo) ausente por cerca de 45 minutos, e em momento crucial da cirurgia, não se mostra de considerar ou de se ter como uma “situação aceitável”.
Pense-se pois, v.g., em idênticos “intervalos” no que toca a profissionais das Forças de Segurança em (pleno) serviço – v.g., na resposta a uma ocorrência ou diligência da Polícia de Segurança Pública ou do Corpo de Bombeiros – e cremos que a conclusão será idêntica e pacífica para qualquer pessoa dotada de um mínimo (de bom) senso.
In casu, o ora recorrente – para além de uma manifesta falta de ética, profissionalismo e solidariedade para com os seus colegas, (que, note-se, no geral, e felizmente, tem sido pela população reconhecidos como zelosos, dedicados e cumpridores) – violou, manifestamente, o “dever de zelo” ao qual estava vinculado, (constituindo, também, esta sua conduta um grave desrespeito em relação à saúde do utente em questão, (no momento, em “estado de sujeição”), cuja protecção, salvaguarda e cuidado lhe competia especialmente.
Isto dito, (e porque claramente ocioso), mais não se mostra necessário consignar para a decisão que segue.
Decisão
4. Em face do que se deixou expendido, em conferência, acordam negar provimento ao recurso.
Custas pelo recorrente, com a taxa de justiça de 8 UCs.
Registe e notifique.
Macau, aos 18 de Junho de 2021
Juízes: José Maria Dias Azedo (Relator)
Sam Hou Fai
Song Man Lei
O Magistrado do Ministério Público
presente na conferência: Álvaro António Mangas Abreu Dantas
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