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Processo nº 150/2020
(Autos de Revisão e Confirmação de Decisões)

Data: 15 de Outubro de 2021
Requerente: A (Hong Kong) Limited
Requerido: B
*
ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:

I. RELATÓRIO

A (Hong Kong) Limited, com os demais sinais dos autos,
   vem instaurar a presente acção para Revisão e Confirmação de Decisão Proferida por Tribunal Exterior de Macau, contra
   B, também com os demais sinais dos autos.
   
   Citado o Requerido editalmente este silenciou, vindo a ser-lhe nomeado defensor o qual contestou a taxa de juros que consta da decisão revidenda por ser ofensiva da ordem pública em Macau.
   
   Pelo Magistrado do Ministério Público foi emitido parecer no sentido de nada opor ao pedido de revisão e confirmação formulado.
   
   Foram colhidos os Vistos.
   
II. PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
  
   O Tribunal é o competente.
   O processo é o próprio e não enferma de nulidades que o invalidem.
   As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são legítimas.
   Não existem outras excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa e de que cumpra conhecer.
   
   Cumpre assim apreciar e decidir.
  
III. FUNDAMENTAÇÃO

a) Dos factos

1. Por sentença datada de 16.09.2019 do tribunal de 1ª Instância do Tribunal Superior de Hong Kong foi decidido que:
“1. O réu deve pagar à autora, a título de indemnização:
(1) o capital do empréstimo que a autora concedeu ao réu no dia 15 de Março de 2016 (“capital”), no montante de HKD$3.000.000,00 (como é referido nos parágrafos 3(1) e 7 no mandado de intimação (writ of summons) e na petição inicial (statement of claim), arquivados em 9 de Março de 2018); e
(2) os juros do empréstimo calculados à taxa anual de 36%, desde 15 de Março de 2016 até liquidação da dívida (como é referido nos parágrafos 3(2) e 13 na petição inicial);
2. As custas da presente acção e do requerimento por intimação arquivado em 6 de Agosto de 2019 (incluindo os honorários ao advogado e todas as custas ulteriores) são fixadas, de forma sumária, em HKD$119.880,00, a pagar pelo réu à autora.” – cf. fls. 137/138 -.

b) Do Direito

   De acordo com o disposto no nº 1 do artº 1199º do CPC «Salvo disposição em contrário de convenção internacional aplicável em Macau, de acordo no domínio da cooperação judiciária ou de lei especial, as decisões sobre direitos privados, proferidas por tribunais ou árbitros do exterior de Macau, só têm aqui eficácia depois de estarem revistas e confirmadas.».
   Como é sabido nos processos de revisão e confirmação de decisões proferidas no exterior de Macau o Tribunal não conhece do fundo ou mérito da causa limitando-se a apreciar se a decisão objecto dos autos satisfaz os requisitos de forma e condições de regularidade para que possa ser confirmada.
   Esses requisitos são os que vêm elencados no artº 1200º do CPC, a saber:
   «1. Para que a decisão proferida por tribunal do exterior de Macau seja confirmada, é necessária a verificação dos seguintes requisitos:
   a) Que não haja dúvidas sobre a autenticidade do documento de que conste a decisão nem sobre a inteligibilidade da decisão;
   b) Que tenha transitado em julgado segundo a lei do local em que foi proferida;
   c) Que provenha de tribunal cuja competência não tenha sido provocada em fraude à lei e não verse sobre matéria da exclusiva competência dos tribunais de Macau;
   d) Que não possa invocar-se a excepção de litispendência ou de caso julgado com fundamento em causa afecta a tribunal de Macau, excepto se foi o tribunal do exterior de Macau que preveniu a jurisdição;
   e) Que o réu tenha sido regularmente citado para a acção, nos termos da lei do local do tribunal de origem, e que no processo tenham sido observados os princípios do contraditório e da igualdade das partes;
   f) Que não contenha decisão cuja confirmação conduza a um resultado manifestamente incompatível com a ordem pública.
   2. O disposto no número anterior é aplicável à decisão arbitral, na parte em que o puder ser.».
   
   Vejamos então.
   
   Da certidão junta aos autos resulta que pelo Tribunal de 1ª Instância do Tribunal Superior de Hong Kong o Réu foi condenado a pagar os valores ali indicados, nada havendo que ponha em causa a autenticidade da mesma e o sentido da decisão, estando assim preenchido o pressuposto da al. a) do nº 1 do artº 1200º do CPC.
   Igualmente resulta da certidão junta que a decisão se tornou definitiva o que equivale nos termos da legislação de Hong Kong a que já transitou em julgado, não provindo de tribunal cuja competência haja sido provocada em fraude à lei e não versando sobre matéria da exclusiva competência dos tribunais de Macau, estando preenchidos os requisitos das alíneas b) e c) do nº 1 do artº 1200º do CPC.
   Igualmente não consta que a questão tenha sido submetida a qualquer tribunal de Macau, não havendo sinais de poder ser invocada a litispendência ou caso julgado, pelo que se tem por verificada a condição da alínea d) do nº 1 do artº 1200º do CPC.
   Resulta dos documentos juntos que o Réu foi regularmente citado, pelo que se conclui ter sido cumprido o princípio do contraditório e da igualdade das partes, pelo que se tem por verificada a condição da alínea e) do nº 1 do artº 1200º do CPC.
   A sentença revidenda procede à condenação do Réu no pagamento de dívida, direito que a legislação de Macau igualmente prevê.
   Alega o Requerido na sua contestação que por ser superior ao máximo legalmente permitido em Macau a taxa de juros aplicada é incompatível com a ordem pública, pelo que, não se verifica a condição da alínea f) do nº 1 do artº 1200º do CPC.
   Sobre esta matéria pronuncia-se o ilustre Magistrado do Ministério Público no seu parecer nos seguintes termos:
   «Importa notar que na referida alínea o que está em causa é a chamada exceção de ordem pública internacional ou reserva da ordem pública. Ora, tal reserva o que visa é justamente evitar que, em cada caso, os resultados chocantes que poderiam advir da aplicação da lei estrangeira, em função das valorações económicas, sociais e políticas de que, no caso, a RAEM, não pode prescindir.
   A excepção de ordem pública internacional ou reserva da ordem pública só tem cabimento quando da aplicação do direito estrangeiro cogente resulte contradição flagrante, grosseiro atropelo ou intolerável ofensa dos princípios fundamentais que enformam a ordem jurídica do foro e, assim, a conceção de justiça de direito material tal como o Estado a entende (veja-se, neste sentido, o acórdão da Relação de Lisboa de 9.7.2020, processo n.º 2818/19.1YRLSB-8, disponível em www.dgsi.pt) .
   Como já vimos decidido, «só há que negar a confirmação das sentenças estrangeiras quando contiverem em si mesmas, e não nos seus fundamentos, decisões contrárias à ordem pública internacional do Estado Português - núcleo mais limitado que o correspondente à chamada ordem pública interna, por aquele historicamente definido em função das valorações económicas, sociais e políticas de que a sociedade não pode prescindir, e que opera em cada caso concreto para afastar os resultados chocantes eventualmente advenientes da aplicação da lei estrangeira» (cfr. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de Portugal, de 21.2.2006, processo n.º 05B4168, disponível em www.dgsi.pt).
   No caso em apreço, não se nos afigura que a condenação no pagamento de juros a uma taxa anual de 36%, ultrapassando embora o limite resultante das disposições conjugadas do artigo 553.º e do n.º 1 do artigo 1073.º do Código Civil e do artigo 1.º da ordem executiva n.º 29/2006, ofenda e muito menos de modo intolerável a reserva de ordem pública internacional da Região.».
   Destarte, concordando com o parecer do Magistrado do Ministério Público, não sendo a estipulação dos juros contrária ao direito de Macau, estando apenas em causa a quantificação dos mesmos, sendo certo que nos termos do nº 2 do artº 1073º do C.Civ. em caso de falta de pagamento de empréstimo a indemnização devida pode ser igual ao quíntuplo dos juros legais que actualmente corresponde a 48,75% (5x9,75%), impõe-se concluir que a taxa fixada de modo algum ofende princípios fundamentais do direito de Macau que impedissem o reconhecimento da decisão revidenda.
   Termos em que se impõe concluir no sentido de estarem verificados os requisitos para a confirmação de sentença proferida por tribunal exterior a Macau.
   
IV. DECISÃO
  
   Nestes termos e pelos fundamentos expostos, acorda-se em conceder a revisão e confirmar a decisão do Tribunal de 1ª Instância do Tribunal Superior de Hong Kong nos termos acima transcritos.
   
   Custas pela Requerente.
   
   Registe e Notifique.
   
   RAEM, 15 de Outubro de 2021
   
   (Relator)
   Rui Carlos dos Santos P. Ribeiro
   
   (Primeiro Juiz-Adjunto)
   Lai Kin Hong
   
   (Segundo Juiz-Adjunto)
   Fong Man Chong
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