Processo nº473/2021
(Autos de Recurso Civil e Laboral)
Data do Acórdão: 15 de Outubro de 2021
ASSUNTO:
- Sub-rogação
- Juros de mora
- Pedido genérico
SUMÁRIO:
- Quando no artº 25º nº 1 do Decreto-lei nº 57/94/M se diz que o A tem ainda direito aos juros de mora legais e ao reembolso das despesas que tiver feito com a liquidação e a cobrança visa-se compensar integralmente o Fundo pelo prejuízo resultante do cumprimento de obrigação alheia, sendo os juros devidos desde a data em que o fez;
- Não dispondo no momento da instauração da acção de todos os elementos necessários à concretização e quantificação dos créditos reclamados, o Autor pode peticionar na petição inicial simplesmente as despesas que venha a realizar no decurso desta acção, quer no de uma eventual acção executiva contra os Réus, desde que tais despesas sejam determináveis, nos termos permitidos no artº 392º do Código Civil.
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Rui Pereira Ribeiro
Processo nº 473/2021
(Autos de Recurso Civil e Laboral)
Data: 15 de Outubro de 2021
Recorrente: A
Recorridos: B e C
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ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:
I. RELATÓRIO
A, com os demais sinais dos autos,
vem instaurar acção declarativa sob a forma de processo ordinário contra
B e C, também, com os demais sinais dos autos,
Pedindo a condenação solidária dos 1.ª e 2.º Réus a pagar ao Autor:
- a quantia de MOP1.000.000,00, acrescida de juros de mora à taxa legal, vencidos até 25 de Julho de 2019, no montante de MOP24.842,47, o que perfaz a quantia global de MOP1.024.842,47, bem como dos que se vencerem a partir desta data, até efectivo e integral pagamento;
- a quantia de MOP70.118,00, acrescida dos juros vincendos à taxa legal, contados desde a data da citação, até efectivo e integral pagamento; e, ainda,
- todas as despesas que o A venha a fazer com a liquidação e cobrança, quer no decurso desta acção, quer no de uma eventual acção executiva, nomeadamente com despesas administrativas e com os honorários dos mandatários do Autor, tudo acrescido de juros de mora à taxa legal, montantes que apenas em execução de sentença se poderão liquidar;
- devem ainda os Réus ser condenados no pagamento das custas judiciais, selos e em procuradoria condigna.
Proferida sentença, foi a acção julgada parcialmente procedente, sendo os Réus condenados a pagar ao Autor a quantia de MOP1.070.118,00 (um milhão, setenta mil e cento e dezoito patacas), acrescida dos juros de mora à taxa legal, contados desde a data da citação e absolvidos dos restantes pedidos.
Não se conformando com a decisão proferida vem o Autor e agora Recorrente interpor recurso da mesma, formulando as seguintes conclusões e pedido:
I. Vem o presente recurso interposto da sentença proferida nos presentes autos, de fls. 156-160, unicamente na parte em que julgou improcedente os pedidos: (i) de pagamento dos juros vencidos à taxa legal, desde a data de satisfação da indemnização pelo A até à citação (no montante de MOP$48.349,32); e, (ii) de reembolso de todas as despesas que o A venha (futuramente) a fazer com a liquidação e cobrança acrescidas dos respectivos juros;
II. Por terem sido réus na acção ordinária, decorrente de acidente de viação, subjacente a esta, os aqui RR. estavam ao corrente e tiveram conhecimento da data em que o A satisfez a indemnização aos ali Autores, através de depósito à ordem do Tribunal: 23 de Abril de 2019;
III. A obrigação ali satisfeita pelo A provém de facto ilícito (o acidente de viação) e, com o seu cumprimento, este ficou sub-rogado nos direitos dos ali Autores;
IV. Enquanto a obrigação de indemnização por facto ilícito, por impossibilidade de reconstituição natural, é fixada em dinheiro e tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado na data mais recente e a que teria nessa data se não existissem danos, em consagração da teoria da diferença, a qual determina que o montante da indemnização seja actualizado “por correcção monetária” - cfr. n.º 5 do artigo 560.º do Código Civil -, a obrigação de juros é calculada através de uma taxa fixada em Ordem Executiva - cfr. artigo 552.º do Código Civil;
V. Daqui não resulta que o referido mecanismo da actualização da obrigação de indemnização “por correcção monetária”, nos termos do n.º 5 do artigo 560.º, seja incompatível com a determinação de juros de mora, nos termos da alínea b) do n.º 2 do artigo 794.º, ambos do Código Civil;
VI. A correcção monetária a que o A tem direito, atento o disposto no n.º 1 do artigo 25.º do Decreto-Lei n.º 57/94/M, de 28 de Novembro - que se recorda ser norma especial, relativamente às disposições do Código Civil -, é efectuada recorrendo, precisamente, «aos juros de mora legal»;
VII. Dest'arte, os juros de mora sobre a quantia a reembolsar ao A, não devem ser contabilizados apenas desde a data de citação, mas sim desde a data em que aquele satisfez a indemnização, enquanto mero garante;
VIII. O Tribunal a quo fez assim uma intrepretação ab rogante do disposto no n.º 1 do artigo 25.º do Decreto-Lei n.º 57/94/M, de 28 de Novembro (quanto ao «direito aos juros de mora legal»), em conjugação com o n.º 5 do artigo 560.º e a alínea b) do n.º 2 do artigo 794.º, ambos do Código Civil;
IX. Não dispondo, no momento da instauração da acção, de todos os elementos necessários à concretização e quantificação dos créditos reclamados, o autor pode peticionar na petição inicial simplesmente as despesas que venha a realizar no decurso de uma eventual acção executiva contra os réus, desde que tais despesas sejam determináveis, nos termos permitidos no artigo 392.º do CPC;
X. Atento o valor a recuperar (superior a MOP$1.000.000,00) e a obrigatoriedade de constituição de mandatário judicial decorrente da alínea c) do n.º 1 do artigo 74.º do CPC, é evidente que o A, caso tenha de recorrer a uma acção executiva, terá de incorrer em despesas com honorários de advogado e administrativas;
XI. Assim, importa proferir igualmente uma condenação ilíquida, condenando-se os RR. à satisfação de tais despesas, aplicando-se o n.º 2 do artigo 564.º do CPC de Macau, conjugadamente com o regime especial do n.º 1 do artigo 25.º do Decreto-Lei n.º 57/94/M, de 28 de Novembro;
XII. Tal solução não diminui as garantias dos RR., porquanto os mesmos terão sempre oportunidade processual de exercer o contraditório, em sede de oposição à execução, relativamente às despesas de cobrança que o A invoque;
XIII. Resultando inequivocamente da lei que os RR. são tão responsáveis pela indemnização como pelas despesas com a liquidação e cobrança, não faz sentido não contemplar desde já na decisão condenatória as despesas que o A venha futuramente a realizar para a recuperação integral das quantias dispendidas;
XIV. Tal decisão absolutória obrigaria o A a recorrer a uma acção autónoma subsequente à efectivação das despesas, com ofensa aos ditames da economia processual, obrigando a uma duplicação de litigância, com custos acrescidos para ambas as partes e para o tribunal; e, obstaculizando a concretização do direito com a excepção do efeito de caso julgado formal que tal sentença acarretaria.
Nestes termos, deve ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se consequentemente a sentença de fls. 156-160, unicamente na parte ora posta em crise e que julgou improcedente os pedidos de pagamento dos juros vencidos até à citação e, de reembolso de todas as despesas que o A venha (futuramente) a fazer coma liquidação e cobrança acrescidas dos respectivos juros, com substituição por outra decisão que que condene os RR. ao pagamento:
i) da quantia de MOP$48.349,32 (quarenta e oito mil, trezentas e quarenta e nove Patacas e trinta e dois avos), referente aos juros de mora vencidos desde a data de satisfação da indemnização pelo A até à citação; e,
ii) de todas as despesas que o A venha a fazer com a liquidação e cobrança no decurso de uma eventual acção executiva, nomeadamente com despesas administrativas e com os honorários dos mandatários do Autor, tudo acrescido de juros de mora à taxa legal, montantes que apenas em execução de sentença se poderão liquidar,
com o que se fará JUSTIÇA.
Notificados da admissão do recurso os Recorridos silenciaram.
Foram colhidos os vistos.
Cumpre, assim, apreciar e decidir.
II. FUNDAMENTAÇÃO
a) Factos
Na decisão sob recurso foi apurada a seguinte factualidade:
Dos factos assentes:
- Por sentença proferida pelo Tribunal Judicial de Base e datada de 30 de Junho de 2016, no âmbito do processo autuado sob o n.º CV1-13-0044-CAO, que correu termos pelo 1º Juízo Civil deste Tribunal, o Fundo de Garantia Automóvel e Marítimo – A foi condenado a pagar aos Autores naqueles autos, D e E, a título de indemnização, a quantia de MOP$1.000.000,00 (cfr. doc. 1 junto com a p.i., cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais). (alínea A) dos factos assentes)
- Inconformado com a supracitada sentença, o A (aqui Autor e ali 1º Réu), recorreu para o Tribunal de Segunda Instância, tendo sido, todavia, negado provimento ao recurso, mantendo a decisão recorrida. (alínea B) dos factos assentes)
- Esta decisão transitou em julgado em 14 de Janeiro de 2019. (alínea C) dos factos assentes)
- Em conformidade com o decidido, o A satisfez a indemnização em 23 de Abril de 2019, depositando à ordem deste Tribunal a quantia de MOP$1.000.000,00 (um milhão de patacas), cujo pagamento aos ali Autores foi realizado mediante precatório-cheque emitido pelo Tribunal. (alínea D) dos factos assentes)
- Constituiu objecto dos referidos autos com o n.º CV1-13-0044-CAO, um acidente de viação ocorrido em 5 de Outubro de 2009, pelas 14 horas e 20 minutos, do qual foi vítima F, aliás G, filha dos ali Autores, que veio a falecer na sequência das lesões sofridas. (alínea E) dos factos assentes)
- No âmbito daquele processo, ficou provado que o acidente de viação em causa foi originado pelo veículo automóvel com a chapa de matrícula MG-XX-X3, então conduzido pela ora 1ª Ré B. (alínea F) dos factos assentes)
- Bem assim, o mesmo e a vítima G tiveram culpa na ocorrência do acidente em partes iguais. (alínea G) dos factos assentes)
- A ora 1ª Ré não era proprietária do referido veículo automóvel, o qual pertencia, na data da ocorrência do acidente de viação ao ora 2.º Réu, C. (alínea H) dos factos assentes)
- O mencionado veículo automóvel não beneficiava de seguro válido ou eficaz junto de qualquer companhia seguradora, ou por qualquer outra instituição autorizada a explorar as actividades de seguro porque o ora 2º Réu não efectuou o respectivo seguro de responsabilidade civil automóvel. (alínea I) dos factos assentes)
- Por não existir qualquer contrato de seguro relativo ao veículo causador do acidente, o A foi condenado naqueles autos ao pagamento da referida indemnização, atento o disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 23.º do Decreto-Lei n.º 57/94/M, de 28 de Novembro. (alínea J) dos factos assentes)
Da base instrutória:
- Para além da satisfação do referido montante de MOP$1.000.000,00, a título de indemnização, o A despendeu ainda, até presente data, a quantia de MOP$70.118,00 (setenta mil e cento e dezoito patacas), para liquidação e cobrança do dito montante. (resposta dada ao quesito 1º da base instrutória)
- Tal quantia respeita aos serviços prestados pelos seus mandatários, quer a título de honorários, no valor de MOP$70.000,00 (setenta mil patacas). (resposta dada ao quesito 2º da base instrutória)
- Quer quanto às despesas administrativas incorridas (com certidões, selos, papel de qualidade e cópias), e que ascendem a MOP$118,00 (cento e dezoito patacas). (resposta dada ao quesito 3º da base instrutória)
b) Do Direito
O objecto do recurso versa apenas sobre a decisão em 1ª instância quanto ao momento a partir do qual são devidos os juros de mora e as eventuais despesas futuras a realizar com a execução se vier a ser necessária.
Sobre esta matéria diz-se na decisão recorrida:
«Juros de mora
O Autor requereu aos Réus o pagamento de juros de mora contados a partir da data em que o pagamento de indemnização foi efectuado à vítima.
O artigo 787.º do Código Civil de Macau dispõe que o devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor.
Dispõe-se no art.º 793.º do Código Civil de Macau:
“1. A simples mora constitui o devedor na obrigação de reparar os danos causados ao credor.
2. O devedor considera-se constituído em mora quando, por causa que lhe seja imputável, a prestação, ainda possível, não foi efectuada no tempo devido.”
Daí pode-se ver que, o devedor só fica constituído em mora depois de ter sido judicial ou extrajudicialmente interpelado para cumprir (cfr. o art.º 794.º, n.º 1 do Código Civil), ou se se verificar qualquer das situações previstas no n.º 2 do art.º 794.º, incluindo se a obrigação tiver prazo certo, se a obrigação provier de facto ilícito ou se o próprio devedor impedir a interpelação.
Dispõe-se no art.º 795.º, n.º 1 do Código Civil: “Na obrigação pecuniária a indemnização corresponde aos juros a contar do dia da constituição em mora.”
Nos elementos dos autos apenas se demonstra a data em que os Réus foram efectivamente interpelados através da citação, pelo que os Réus ficam constituídos em mora após a citação.
Com base nisso, uma vez que os Réus ficam constituídos em mora e a obrigação existente entre o Autor e os Réus é pecuniária, nos termos das disposições legais acima referidas, o Autor tem direito a receber os juros à taxa legal contados desde a citação.
***
Outras despesas
O Autor mais pretende exigir aos Réus o pagamento de outras eventuais despesas com a reivindicação dos direitos do crédito, nomeadamente todas as despesas ocorridas na sua execução e os honorários de mandatário.
O pedido do Autor não só não tem um valor concreto, mas também envolve despesas futuras e de existência incerta, pelo que o tribunal não pode condenar com base em uma dívida de existência incerta e este pedido do Autor não pode ser julgado procedente.».
Vejamos então.
Nos termos dos nºs 1 e 4 do artº 25º do Decreto-Lei nº 57/94/M «1. Satisfeita a indemnização, o FGA fica sub-rogado nos direitos do lesado, tendo ainda direito aos juros de mora legais e ao reembolso das despesas que houver feito com a liquidação e cobrança. 4. As pessoas que, estando sujeitas à obrigação de segurar, não tenham efectuado seguro podem ser demandadas pelo FGA, nos termos do nº 1, beneficiando do direito de regresso contra outros responsáveis pelo acidente, se os houver, relativamente às quantias que tiverem pago.».
O FGA pode exigir o pagamento seja do responsável pelo acidente, seja da pessoa que estava obrigada a segurar e não o fez, sendo consequentemente a responsabilidade destes solidária nos termos do artº 505º e 506º do C.Civ..
No que a esta matéria concerne, como resulta da disposição legal citada, tem o Autor direito a receber o valor que pagou acrescido de juros de mora.
A questão que se coloca no caso em apreço consiste em saber desde quando são devidos os juros de mora.
Entende a decisão recorrida que na situação “sub judice” o devedor só se constitui em mora depois de interpelado para cumprir.
Não acompanhamos essa solução.
O A intervém para satisfazer uma indemnização porquanto a pessoa que estava sujeita à obrigação de segurar, não efectuou seguro, ou seja, para assegurar o cumprimento de uma obrigação de terceiro, ficando sub-rogado nos direitos do credor – artº 586º do C.Civ. -.
A obrigação de indemnizar do obrigado a fazer o seguro (obrigação que não cumpriu) e/ou do responsável pelo acidente, decorre de facto ilícito – o acidente de viação -.
Nada obstava a que o obrigado a segurar e/ou o responsável pelo acidente tivessem satisfeito a indemnização em que o A foi condenado, de imediato.
Quando no artº 25º nº 1 do decreto-Lei nº 57/94/M se diz que o A “tem ainda direito aos juros de mora legais e ao reembolso das despesas que tiver feito com a liquidação e a cobrança”, visa-se compensar integralmente o Fundo pelo prejuízo resultante do cumprimento de obrigação alheia, a qual decorre do incumprimento do obrigado de disposição legal imperativa, garantindo-se deste modo a satisfação do direito de terceiros.
A ratio da existência do A é a protecção dos direitos de lesados/vítimas, o credor, e não do autor do facto ilícito e/ou do inadimplente da obrigação de segurar.
Note-se que decorrendo a indemnização de facto ilícito o lesado, segundo o Acórdão de Uniformização de Jurisprudência do TUI de 02.03.2011, teria direito a juros à taxa dos juros legais, devidos a partir da data da decisão em 1ª instância, do tribunal de recurso ou da acção executiva que liquide a obrigação1 - se fossem devidos -.
Ficando o A sub-rogado nos direitos do credor “quando tiver garantido o pagamento” não faria sentido nenhum que na reparação do seu prejuízo só fossem devidos juros a partir do momento da interpelação do devedor para lhe pagar, devedor esse que desde o início – e a maior parte das vezes até por intervenção na acção em que foi condenado o A – sabe da sua responsabilidade e conhece o valor da indemnização a pagar desde a condenação daquele (o A).
Destarte, o sentido do indicado artº 25º do referido Decreto-Lei conjugado com o artº 586º do C.Civ. não pode ser outro que não seja o dos juros de mora a que o A tem direito serem devidos desde a data em que cumpriu a obrigação de terceiro.
A não se entender assim, teríamos que cumprindo o A a obrigação de terceiro espontaneamente para obviar à contagem de juros a que o credor tinha direito, se o pagamento fosse tardio, só seria ressarcido do prejuízo causado pelo pagamento através dos juros depois de interpelar o devedor, quando em circunstancias normais este era o responsável pelo pagamento dos mesmos desde a condenação até integral pagamento, o que redundaria num inegável prejuízo para o A sem qualquer justificação.
Assim sendo, deve proceder o pedido de condenação nos juros de mora devidos à taxa dos juros legais a contar da data em que o A procedeu ao depósito da quantia devida à ordem do tribunal no montante de MOP1.000.000,00 e a contar da citação quanto ao remanescente.
No que concerne ao pedido de pagamento das despesas a liquidar em execução de sentença quanto a despesas futuras, já se decidiu no Acórdão deste Tribunal de 12.04.2018 proferido no Processo nº 739/2016, cujo texto aqui reproduzimos:
«Na petição o Autor reclamou também todas as despesas que o A venha a fazer com a liquidação e cobrança, quer no decurso da presente acção, quer no de uma eventual acção executiva, nomeadamente com despesas administrativas e com os honorários dos mandatários do Autor, tudo acrescido de juros de mora à taxa legal, a liquidar em sede de sentença.
A sentença a quo julgou improcedente esse pedido com o mesmo fundamento, ou seja, as despesas com honorários e com o processo não cabem na parte final do artº 25º/1 do Decreto-Lei nº 27/94/M, por deverem enquadrar-se na procuradoria e custas de parte.
Todavia, por razões que vimos supra em relação aos honorários e às despesas administrativas já realizadas, não é de acolher esta solução.
Resta saber se é de acolher um pedido formulado nos termos tão genéricos.
O CPC regula os pedidos genéricos, no seu artº 392º, o qual dispõe:
1. É permitido formular pedidos genéricos:
a) Quando o objecto mediato da acção seja uma universalidade;
b) Quando não seja ainda possível determinar, de modo definitivo, as consequências do facto ilícito, ou o lesado pretenda usar da faculdade que lhe confere o artigo 563.º do Código Civil;
c) Quando a fixação do quantitativo esteja dependente de prestação de contas ou de outro acto que deva ser praticado pelo réu.
2. 2. Nos casos das alíneas a) e b) do número anterior o pedido pode concretizar-se em prestação determinada por meio do incidente de liquidação, quando para o efeito não caiba o processo de inventário; não sendo liquidado na acção declarativa, observa-se o disposto no n.º 2 do artigo 564.º
O Autor pediu a condenação dos Réus nas despesas de liquidação e cobrança que o A …...venha a realizar com a respectiva liquidação e cobrança, quer no decurso desta acção, quer no de uma eventual acção executiva contra os Réus – vide o artº 27º da p.i..
Em vez de concretizar e quantificar as despesas que pretendia ser-lhe arbitradas, o Autor peticionou simplesmente as despesas que venha a realizar no decurso desta acção, quer no de uma eventual acção executiva contra os Réus.
Compreende-se a dificuldade que o Autor tinha para a melhor concretização e quantificação da obrigação, pois no momento da instauração da acção, ele não dispunha ainda de todos os elementos necessários para o efeito.
E face ao disposto no artº 392º/1-b) do CPC, cremos que lhe basta alegar nos termos como alegou, ou seja, as despesas que venha a realizar no decurso da esta acção, quer no de uma eventual acção executiva contra os Réus, pois atendendo aos elementos que lhe eram disponíveis, não lhe era exigível concretizar mais do que isso.
Assim, devem os Réus condenados no que venha a ser liquidado em sede de execução da sentença.».
Sem necessidade de outros fundamentos, segundo a jurisprudência ali consagrada, impõe-se igualmente conceder provimento ao recurso no que concerne ao pedido formulado quanto todas as despesas que o A venha a fazer com a liquidação e cobrança, quer no decurso desta acção, quer no de uma eventual acção executiva, nomeadamente com despesas administrativas e com os honorários dos mandatários do Autor, tudo acrescido dos juros de mora à taxa dos juros legais, a liquidar em sede de execução de sentença.
III. DECISÃO
Nestes termos e pelos fundamentos expostos, concedendo-se provimento ao recurso, condena-se os Réus a:
- pagar ao A os juros de mora vencido e vincendos, à taxa dos juros legais, sobre a quantia de MOP1.000.000,00, a contar desde 23.04.2019 até efectivo e integral pagamento;
- pagar ao A todas as despesas que venha a fazer com a liquidação e cobrança, quer no decurso desta acção, quer no de uma eventual acção executiva, nomeadamente com despesas administrativas e com os honorários dos mandatários do Autor, tudo acrescido dos juros de mora à taxa dos juros legais, a liquidar em sede de execução de sentença;
mantendo-se em tudo o mais a decisão recorrida.
Custas a cargo dos Recorridos.
Registe e Notifique.
RAEM, 15 de Outubro de 2021
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Rui Carlos dos Santos P. Ribeiro
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Lai Kin Hong
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Fong Man Chong
1«A indemnização pecuniária por facto ilícito, por danos patrimoniais ou não patrimoniais, vence juros de mora a partir da data da decisão judicial que fixa o respectivo montante, nos termos dos artigos 560.º, n.º 5, 794.º, n.º 4 e 795.º, n. os 1 e 2 do Código Civil, seja sentença de 1.ª Instância ou de tribunal de recurso ou decisão na acção executiva que liquide a obrigação.»
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473/2021 CÍVEL 4