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Processo n.º 613/2021
(Autos de recurso em matéria cível)

Relator: Fong Man Chong
Data: 15 de Outubro de 2021

ASSUNTOS:

- Suspensão da instância

SUMÁRIO:

Quando decisão de uma causa depende de uma outra, ou seja, quando a situação jurídica deste processo pode ser modificada ou influenciada determinantemente por decisão de um outro processo pendente, é de entender que existe causa justificativa para suspender a instância deste processo ao abrigo do disposto no artigo 223º/1 do CPC, de modo a evitar praticar actos processuais inúteis que possam pôr em causa a justiça material.

O Relator,

________________
Fong Man Chong
Processo nº 613/2021
(Autos de recurso em matéria cível)

Data : 15 de Outubro de 2021

Recorrente : Sociedade de Investimento Predial e Imobiliário A (Macau), Limitada

Objecto do Recurso : Despacho que ordenou a suspensão da instância (命令中止訴訟程序之批示)

Ré : B Limitada (B有限公司)


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   Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:

I - RELATÓRIO
    Sociedade de Investimento Predial e Imobiliário A (Macau), Limitada, Recorrente, devidamente identificada nos autos, discordando do despacho proferido pelo Tribunal de primeira instância, datada de 12/03/2021 (fls. 403 a 406), dela veio, em 20/05/2021, interpor recurso para este TSI, com os fundamentos constantes de fls. 413 a 441, tendo formulado as seguintes conclusões:
     1. Vem o presente recurso do douto despacho do Meritíssimo Juiz a quo, explicitado em 12 de Março de 2021, a fls 403 e seguintes dos autos, que, ao abrigo do artigo 223.°, n.º 1, parte final, do CPC, ordenou a suspensão da instância, por haver motivo justificado, até que haja decisão transitada no processo n.º CV3-20-0070-CAO, conforme solicitado pela Ré/Recorrida, na presente acção ordinária.
     2. A Recorrente imputa ao douto despacho recorrido o vício de violação de lei, por incorrecta interpretação do art.º 223.°, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, o que diz com a ressalva do muito respeito que é devido.
     3. No dia 26 de Abril de 2020, a Autora/Recorrente intentou a presente acção, na qualidade de sócia, contra a Sociedade B, LIMITADA, aqui Ré/Recorrida, com vista a obter a declaração de inexistência da deliberação social tomada em AG de 30 de Outubro de 2012.
     4. Em 7 de Setembro de 2020, a Ré/Recorrida apresentou a sua defesa, por excepção (ilegitimidade activa, ineptidão da petição inicial e abuso de direito) e por impugnação, tendo, ainda, requerido ao douto Tribunal que "suspenda a presente instância nos termos e ao abrigo do artigo 223.° do CPC, devendo a mesma ficar a aguardar decisão final do processo judicial n.º CV3-20-0070-CAO que corre termos no 3.° Juízo Cível do Tribunal Judicial de Base".
     5. Com tal acção proposta já depois de ter sido a Ré/Recorrida citada para a presente acção e a quatro dias do termo do prazo para apresentar a sua contestação, apresentada em 7 de Setembro de 2020, a Ré/Recorrida, visa "obter a declaração judicial de invalidade e/ou ineficácia perante a Autora/Recorrente, da aquisição realizada, em 12 de Novembro de 2018, por C, representante da aqui Autora/Recorrente, da quota com o valor nominal de MOP$80.000,00 (Oitenta mil Patacas) representativa de 80% do capital social da aqui Autora/Recorrente, com o consequente reconhecimento judicial e declaração de nulidade de todas as deliberações sociais da Autora, posteriores à data da referida aquisição, as quais foram exclusivamente aprovadas com os votos de C "na putativa qualidade de sócio, administrador e representante da Autora/Recorrente".
     6. A ora Recorrente opôs-se à suspensão da presente instância tendo em consideração o que sobre a questão dispõe o art.º 223.º do CPC, nomeadamente, no que se refere não só ao facto de ter sido intentada tal acção para se obter a suspensão desta, mas, também, porque os prejuízos da suspensão superam as vantagens, porque as acções propostas em 2 de Setembro de 2020, têm como Réus, para além da Recorrente, e o seu gerente C, a empresa "A INVESTMENT (SINGAPORE) PTE LIMITED" (uma sociedade extinta), com sede em Singapura, o que pressupõe uma decisão em que se discutem normas de Direito Internacional Privado, e duas pessoas individuais (D e E), cujo paradeiro em parte incerta é uma realidade do conhecimento da Ré/Recorrida e que determinará que as respectivas citações devam ser feitas editalmente e com a demora que tal forma de citação provoca.
     7. Não só porque as circunstâncias muito específicas de três Rés nos referidos autos com o n.º CV3-20-0070-CAO - uma pessoa colectiva sediada fora da RAEM, com a particularidade de se encontrar já extinta, e duas pessoas individuais cujo paradeiro é desconhecido há muitos anos - determinarão um processo muito complexo e longo mas, também, porque a Ré/Recorrida, ao intentar tais acções, está a praticar uma manobra dilatória, pediu a Recorrente ao douto Tribunal a quo que não decretasse a suspensão da instância da presente lide, ainda que considerasse existir o nexo de prejudicialidade entre as acções em causa.
     8. Decorre da fundamentação do douto despacho recorrido que a razão pela qual foi ordenada a suspensão da instância do presente processo não foi por "ocorrer outro motivo também justificado", isto é, motivo diferente da pendência da causa prejudicial e que, no seu alto critério, justificasse a suspensão, sendo até suficiente que o prazo durante o qual estará suspensa a instância coincide com a decisão a ser explicitada no processo CV3-20-0070-CAO para se determinar que o Meritíssimo Juiz a quo ordenou a suspensão com fundamento na causa prejudicial.
     9. O art.º 223.°, n.º 1, do CPC começa por indicar ao Tribunal um motivo justificado de suspensão - a pendência de causa prejudicial - e, depois, atribui o poder de suspender a instância quando entender que ocorra outro motivo também justificado que fundamente a suspensão da instância.
     10. O douto Tribunal a quo apresentou como justificação para suspender a instância até que haja uma decisão definitiva na acção que corre termos pelo 3.° Juízo Cível do TJB, sob o n.º CV3-20-0070-CAO, 4 (quatro) razões, designadamente, (i) porque a decisão sobre o pedido de declaração de nulidade da procuração outorgada por C em 16 de Janeiro de 2019, em representação da Sociedade de Investimento Predial e Imobiliário A (MACAU), Limitada, pode afectar a presente causa; (ii) se esta acção prosseguir sem aguardar pela decisão proferida no processo n.º CV3-20-0070-CAO sobre a validade da procuração outorgada por C em 16 de Janeiro de 2019, pode correr-se o risco de virem a ser praticados actos inúteis no presente processo se for judicialmente reconhecida a invalidade da procuração em causa; (iii) o processo n.º CV3-20-0070-CAO é a sede própria para a questão da regularidade do mandato da Autora (ora Recorrente), na medida em que A Investment (SINGAPORE) PTE Limited e C não são partes neste processo e (iv) o facto de poder haver decisões contraditórias, isto é, considerar-se válida a procuração outorgada por C em 16 de Janeiro de 2019 no presente processo e vir a considerar-se inválida no processo n.º CV3-20-0070-CAO.
     11. Não decorre da lei o que se deve entender por "outro motivo justificado", permitindo concluir-se que se confere ao juiz uma margem lata de liberdade de acção, podendo ordenar a suspensão quando entenda que há utilidade ou conveniência processual em que a instância se suspenda, ou seja, será perante cada caso concreto que se terá de indagar se ocorre ou não motivo que justifique a suspensão da instância, e com base em tal fundamento, sendo que, contudo, o mesmo fundamento não poderá ter nada a ver com a pendência de outra acção.
     12. Das quatro (4) razões invocadas pelo douto Tribunal a quo, decorre que as mesmas têm todas a ver com a pendência da acção CV3-20-0070-CAO, certo sendo que parece ser unânime o entendimento de que existe verdadeira prejudicialidade e dependência quando na primeira causa se discute, em via principal, uma questão que é essencial para a decisão da segunda e que não pode resolver-se nesta em via incidental.
     13. O douto Tribunal a quo fez uma incorrecta ponderação e valoração dos motivos invocados pelas partes, designadamente, na oposição apresentada pela Autora/Recorrente, e, consequentemente, mal decidiu ao determinar a suspensão da instância até que seja conhecida a decisão definitiva na acção n.º CV3-20-0070-CAO, com fundamento "num outro motivo justificado", e não no facto de considerar que a decisão desta causa está dependente do julgamento da causa objecto do mencionado processo CV3-20-0070-CAO.
     14. Tendo fundamentado a suspensão da instância no nexo de prejudicialidade entre as duas causas, o douto Tribunal a quo teria que entrar em linha de conta com a norma do n.º 2 do art.º 223.º do CPC, uma vez que não só a presente causa (dependente e suspensa) não se compadece com a morosidade da causa do processo CV3-20-0070-CAO, mas, também, porque a Ré/Recorrida intentou os dois processos unicamente para se obter a suspensão, pois ambos foram movidos, após ter a Ré/Recorrida sido citada para os termos da presente causa e de uma outra (Exame Judicial à Sociedade).
     15. A Ré/Recorrida tinha conhecimento de que a Autora/Recorrente, enquanto sócia, tinha interesse em conhecer a vida societária da Ré/Recorrida e, através do seu representante C, a Autora/Recorrente teve acesso ao único livro de actas que lhe foi apresentado e de onde pôde confirmar que foi deliberado aumentar o capital social da Ré estando presente, apenas, sócios que detinham em conjunto quotas no valor de 10% do capital social.
     16. A Recorrente requer ao Venerando Tribunal ad quem que considere que, efectivamente, face ao pedido de Declaração de Inexistência de uma Deliberação Social, a suspensão da presente lide traz muitos prejuízos e poucas vantagens, sendo certo que, no âmbito deste processo não foi pedida a nulidade da transmissão da quota da empresa A (SINGAPORE) para C, pelo que não podia o douto Tribunal a quo indicar como um "motivo justificado" para ordenar a suspensão da instância, a possibilidade de haver decisões contraditórias, isto é, considerar-se válida a procuração outorgada por C em 16 de Janeiro de 2019 no presente processo e vir a considerar-se inválida no processo n.º CV3-20-0070-CAO.
     17. Nos termos da lei, "o registo definitivo constitui presunção de que existe a situação jurídica, nos precisos termos em que é definida", e "os factos comprovados pelo registo não podem ser impugnados em tribunal sem que simultaneamente seja pedido o seu cancelamento".
     18. Nos termos dos estatutos da sociedade registada na Conservatória dos Registos Comercial e de Bens Móveis, C tem poderes para representar a Autora/Recorrente.
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    A Recorrida, B Limitada (B有限公司), veio, 18/06/2021, a apresentar as suas contra-alegações constantes de fls. 535 a 542, tendo formulado as seguintes conclusões:
     1. O recurso jurisdicional a que se responde foi interposto pela Autora/Recorrente, tendo por objecto o douto despacho de fls. 403 a 406 dos autos a quo, do passado dia 12 de Março de 2021, que julgou inteiramente procedente e favorável a suspensão do processo n.º CV1-20-0036-CAO (doravante, a "Acção"), por haver motivo justificado, até que haja decisão transitada no processo n.º CV3-20-0079-CAO (doravante, o "Despacho").
     2. Inconformada com o Despacho, a Autora/Recorrente apresentou o recurso a que ora se responde, alegando que a decisão em crise enferma de um "vício de violação de lei, uma vez que o douto Tribunal a quo não fez uma correcta interpretação do art.° 223.°, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil", não se encontrando, em seu ver, reunidos os requisitos de "outro motivo justificado" para a suspensão da instância a que alude o artigo 223.°, n.º 1, in fine, do CPC, devendo por esse motivo ser revogado o Despacho.
     3. O recurso interposto pela Recorrente está - na modesta opinião da Ré/Recorrida - forçosamente fadado ao insucesso, dada a improcedência dos fundamentos em que assenta.
     4. No que toca à matéria recorrida, o Despacho encerra uma decisão de legalidade inquestionável, correctamente estruturado e cabalmente fundamentado, tendo o Tribunal a quo realizado uma interpretação irrepreensível dos factos e do direito em apreço.
     5. As alegações da Autora/Recorrente limitam-se essencialmente a replicar aquilo que a mesma havia já defendido nos autos a quo.
     6. A abordagem ao fundamento do recurso referido em II, nas alegações de recurso a que se responde (segundo a Autora/Recorrente, recorde-se, trata-se de um "vício de violação de lei, uma vez que o douto Tribunal a quo não fez uma correcta interpretação do art.º 223.°, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil"), parece ter sido inteiramente esquecida ou preterida no decurso da longa excursão da Autora/Recorrente. Com efeito, que interpretação daquelas normas é que está a ser colocada em causa, e qual é a interpretação que, na opinião da Autora/Recorrente, deverá prevalecer?
     7. As alegações de recurso prestam-se a uma esmagadora maioria - para não dizer totalidade - de afirmações de carácter ou genérico, ou conclusivo, ou especulatório.
     8. A alegada eventual morosidade de um processo em tribunal em si mesma considerada não é um prejuízo, para efeitos de aplicação do citado artigo 223.°, n.º 2 do CPC.
     9. Não é por a Ré/Recorrida ter instaurado diversos processos judiciais tendentes a proteger interesses diferentes daqueles que se discutem na Acção, que se devem ignorar, de forma insular ou desconectada, as consequências que aquelas acções poderão produzir relativamente à Acção.
     10. Não é pelo facto de existir uma outra acção (instaurada, in casu, pela Ré/Recorrida) que coloca em causa a qualidade do representante da Autora/Recorrente não tem (ou poderá ter) qualquer relação com a Acção, o que é não só incongruente e errado como igualmente revelador de uma negligência grave, ao nível das possíveis consequências processuais-legais que poderão decorrer de uma decisão que considere inválida a procuração sub judice.
     11. Não tem qualquer valor o argumento que procura abrigar-se por detrás de uma verdade formal como seja o registo comercial ou os estatutos de uma sociedade, sem se atender às concretas vicissitudes do caso concreto, fazendo-se tábua rasa de qualquer reflexo material quanto à realidade efectiva das coisas.
     12. Quanto à restante matéria constante das alegações de recurso - como por exemplo, insinuar-se manobras dilatórias por parte da Ré/Recorrente, e outrossim a instauração de acções com o intuito de suspender a Acção, ou afirmar-se tout court que o tribunal recorrido fez uma incorrecta ponderação e valoração dos motivos invocados pelas partes -, apenas referir que nenhuma das afirmações daí constantes se encontram minimamente desenvolvidas ou encontram sequer suporte lógico-argumentativo para aqui se discutir nestas contra-alegações, tratando-se, como se disse, de afirmações de conteúdo puramente genérico, conclusivo ou especulatório.
     13. Não há muito que se possa dizer ou acrescentar que já não tenha sido cabalmente exposto pela decisão decorrente do Despacho do douto Tribunal a quo. Em geral, o Despacho encontra-se perfeitamente fundamentado, arrimado em doutrina e jurisprudência pertinentes, não deixando o seu conteúdo de mencionar as razões de pura lógica, racionalidade e verdade material que o estruturam. Razões pelas quais a decisão da suspensão se revela mais-do-que pertinente e acertada, no caso concretamente em apreço.
     14. Para a hipótese meramente académica - e que apenas por cautela e dever de patrocínio se admite - de a questão suscitada pela Autora/Recorrente relativa à pretensa interpretação do artigo 223.°, n.º 1 e 2 do CPC vir de alguma forma a merecer o acolhimento desta superior instância, vem a Ré/Recorrida, subsidiariamente e com base na faculdade prevista no n.º 2 do artigo 590.° do CPC, avocar a existência de uma questão prejudicial.
     15. Fá-lo, dando por reproduzido para todos os efeitos legais o Capítulo I da sua contestação (sob a epígrafe, "DA QUESTÃO PREJUDICIAL") constante da Acção (contestação com a entrada n.º 82198/2020, de 07/09/2020).
     16. Em face de tudo quanto ficou demonstrado, dúvidas não restam que os fundamentos alegados pela Autora/Recorrente não podem colher a aceitação deste Tribunal ad quem. Pelo que, deverá este Venerando Tribunal julgar totalmente improcedente, por não provado, o recurso a que ora se responde.
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    Corridos os vistos legais, cumpre analisar e decidir.
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II - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
    Este Tribunal é o competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
    O processo é o próprio e não há nulidades.
    As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são dotadas de legitimidade “ad causam”.
    Não há excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
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  III – FACTOS ASSENTES:
    - Em 28/04/2020 pela Autora foi intentada esta acção no TJB pedindo a declaração de inexistência jurídica da deliberação tirada em 30/12/2012;
    - Em 07/09/2020 veio a Ré contestar a acção, invocando excepção da caducidade da acção e pedindo a suspensão da instância, por entender que existe prejudicialidade em relação ao objecto do processo CV3-20-0070-CAO;
    - Finda a fase de articulado, pelo TJB foi proferido o despacho de suspensão da instância destes autos.

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IV – FUNDAMENTAÇÃO
    É o seguinte despacho que constitui o objecto deste recurso, proferido pelo Tribunal de primeira instância:
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     - fls. 293 a 402:
     Visto.
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     - O pedido de suspensão
     A Ré pediu a suspensão de instância até à decisão final do processo judicial n.º CV3-20-0070-CAO, invocando que o presente processo se encontrar dependente da decisão proferida no âmbito do referido processo e no processo de rectificação do registo entretanto instaurado por a decisão sobre a invalidade e ineficácia da cessão da quota detida na SOCIEDADE DE INVESTIMENTO PREDIAL E IMOBILIÁRIO A (MACAU) LIMITADA e de nomeação de C como gerente desta sociedade poder originar a falta de legitimidade representativa da Autora por C.
     A Autora opôs o pedido de suspensão.
     Cumpre decidir.
     A Ré defende que a transmissão da quota da SOCIEDADE DE INVESTIMENTO PREDIAL E IMOBILIÁRIO A (MACAU) LIMITADA detida inicialmente pela A INVESTMENT (SINGAPORE) PTE LIMITED para C é inválida por não se encontrar demonstrado que o Senhor F tinha legitimidade de transmitir a referida quota, e a transmissão da quota em causa é ineficaz perante a SOCIEDADE DE INVESTIMENTO PREDIAL E IMOBILIÁRIO A (MACAU) LIMITADA, ora Autora, por não ter obtido o consentimento escrito desta sociedade. Por essa razão, C não tem qualidade de sócio da Autora e as deliberações outorgadas por C são nulas, incluindo a designação de C como gerente da SOCIEDADE DE INVESTIMENTO PREDIAL E IMOBILIÁRIO A (MACAU) LIMITADA. Consequentemente, a procuração outorgada por C como gerente da Autora cuja pública-forma se junto aos autos é irregular.
     No fundo, o que a Ré está a por em causa é a procuração outorgada por C em representação da SOCIEDADE DE INVESTIMENTO PREDIAL E IMOBILIÁRIO A (MACAU) LIMITADA, ora Autora.
     De fls. 183 a 193 resulta que a Ré pediu declaração de nulidade de cessão da quota com o valor nominal de MOP$80,000.00 realizada a favor de C, declaração de nulidade de todas as deliberações da SOCIEDADE DE INVESTIMENTO PREDIAL E IMOBILIÁRIO A (MACAU) LIMITADA tomadas na assembleia geral de 15 de Janeiro de 2019, cancelamento dos registos de tais deliberações junto da Conservatória do Registo Comercial de Macau sob AP.20/2XXXXX18, AP.27/2XXXX19 e AP.28/2XXXX19 e declaração de nulidade da procuração outorgada em 16 de Janeiro de 2019 por C, em representação da SOCIEDADE DE INVESTIMENTO PREDIAL E IMOBILIÁRIO A (MACAU) LIMITADA no processo n.º CV3-20-0070-CAO.
     Dispõe o artigo 223.º/1 do CPC que “O Tribunal poderá ordenar a suspensão quando a decisão da causa estiver dependente do julgamento de outra já proposta ou quando ocorrer outro motivo justificado.”.
     Como se refere o Prof. Alberto dos Reis (in Comentário ao Código do Processo Civil, vol. 3.º, Coimbra ed.1946, pág. 267 e ss), “Uma causa é prejudicial em relação a outra quando a decisão daquela pode prejudicar a decisão desta, isto é, quando a procedência da primeira tira a razão de ser à existência da segunda. Exemplos característicos: acção de anulação de casamento e acção de divórcio, acção de anulação de arrendamento e acção de despejo. O divórcio pressupõe um casamento válido; por isso, estando pendentes duas acções, uma destinada a anular determinado matrimónio, outra destinada a dissolvê-lo pelo divórcio, aquela é prejudicial em relação esta, porque, uma vez anulado o casamento, o pedido de divórcio já não tem razão de ser, já não tem suporte legal. Sucede o mesmo quando à anulação de arrendamento e ao despejo. O pedido de despejo pressupõe um arrendamento válido; portanto este pedido perde a sua razão de ser, desde que o arrendamento seja anulado.”.
     Já para RODRIGUES BASTOS, o conceito de prejudicialidade é mais amplo, “Quando deve entender-se que a decisão de uma causa depende do julgamento de outra? Quando na causa prejudicial esteja a apreciar-se uma questão cuja resolução possa modificar uma situação jurídica que tem de ser considerada para decisão de outro pleito”- in Notas ao Código de Processo Civil, Lisboa, 2000, vol. II, 3.ª ed., p. 43.
     A jurisprudência de Macau acolheram ambos conceitos, aceitando que é também causa prejudicial caso a resolução da questão na causa prejudicial modifica ou afecta de alguma maneira a causa dependente, mesmo que esta segunda causa não se extinga por via da decisão da primeira (TUI n.º 33/2015).
     Portanto, desde que a solução dada a uma causa possa ter reflexos ponderosos na decisão a proferir em outra acção, ou desde que a decisão da primeira possa destruir o fundamento ou a razão de ser da segunda, sob o ponto de vista do efeito jurídico pretendido, ou possa modificar uma situação jurídica que tem de ser considerada para a decisão de outro pleito, ou quando numa acção se ataca um acto ou um facto jurídico que é pressuposto necessário de outra acção, então o caso é de prejudicialidade (neste sentido, v.g., Ac. do TSI, Proc. n.º 610/2017, Ac. do TSI, de 12/07/2012, Proc. nº 326/2011; no direito comparado, Ac. do STJ, de 13/04/2010, Proc. nº 707/09).
     No caso em apreço, entendemos que a acção do processo n.º CV3-20-0070-CAO não é causa prejudicial na medida em que as questões que vão ser discutidas naquela acção não vão destruir a razão deste processo, que é declarar a inexistência da deliberação tomada na Assembleia Geral da SOCIEDADE B LIMITADA realizada em 30 de Outubro de 2012. Ou seja, mesmo que a transmissão de quota detida inicialmente por A INVESTMENT (SINGAPORE) PTE LIMITED para C seja inválida ou ineficaz, o presente processo não deixa de ter razão de prosseguir, embora possa acontecer que a SOCIEDADE DE INVESTIMENTO PREDIAL E IMOBILIÁRIO A (MACAU) LIMITADA não pode ser representada por C nesta acção.
     A invalidade ou ineficácia de transmissão de quota detida inicialmente por A INVESTMENT (SINGAPORE) PTE LIMITED para C também não irá modificar a situação jurídica que tem que ser decidida neste processo (se a deliberação tomada na Assembleia Geral da SOCIEDADE B LIMITADA realizada em 30 de Outubro de 2012 tem algum vício) porque tratam-se de duas questões independentes e autónomas.
     Deste modo, entendemos que não tem razões para ordenar a suspensão dos presentes autos por motivo de existência duma causa prejudicial.
     Não obstante, entendemos que a decisão sobre o pedido de declaração de nulidade da procuração outorgada por C em 16 de Janeiro de 2019, em representação da SOCIEDADE DE INVESTIMENTO PREDIAL E IMOBILIÁRIO A (MACAU) LIMITADA, pode afectar a presente causa. Uma vez que o mandatário da Autora destes autos foi constituído pela procuração outorgada em 16 de Janeiro de 2019 por C, em representação da Autora, caso o pedido de declaração de nulidade desta procuração for procedente, o mandato conferido pela SOCIEDADE DE INVESTIMENTO PREDIAL E IMOBILIÁRIO A (MACAU) LIMITADA passará a ser irregular e a SOCIEDADE DE INVESTIMENTO PREDIAL E IMOBILIÁRIO A (MACAU) LIMITADA teria que regularizar o mandato sob pena de se verificar a excepção dilatória prevista na al. i) do artigo 413.º do CPC.
     Assim sendo, caso prosseguir o presente processo sem aguardar pela decisão proferida no processo n.º CV3-20-0070-CAO sobre a validade da procuração outorgada por C em 16 de Janeiro de 2019, pode correr o risco de vir a ser praticado actos inúteis no presente processo se for judicialmente reconhecida a invalidade de procuração em causa. Deste modo, entendemos que existe motivo justificado para ordenar a suspensão dos presentes autos.
     Por outro lado, apesar de a questão de regularidade do mandato da Autora possa ser decidida incidentemente neste processo, entendemos que o processo n.º CV3-20-0070-CAO é a sede própria para a questão na medida em que A INVESTMENT (SINGAPORE) PTE LIMITED e C não são partes deste processo, mas partes de processo n.º CV3-20-0070-CAO. Ora, como a questão de validade de procuração outorgada por C em 16 de Janeiro de 2019 em representação da Autora encontra-se dependente da questão de validade e eficácia de transmissão de quota detida inicialmente por A INVESTMENT (SINGAPORE) PTE LIMITED para C e essa questão não deve ser decidida sem estarem presentes os intervenientes principais dos actos em causa, A INVESTMENT (SINGAPORE) PTE LIMITED e C, a questão de nulidade de procuração outorgada por C em 16 de Janeiro de 2019 deve ser decidida numa causa em que A INVESTMENT (SINGAPORE) PTE LIMITED e C intervêm, que é o processo n.º CV3-20-0070-CAO.
     Mais, caso prosseguir a presente acção e a decisão proferida nesta acção sobre a validade de procuração outorgada por C em 16 de Janeiro de 2019 não for igual à decisão a proferir no processo n.º CV3-20-0070-CAO, as decisões sobre a mesma matéria serão contraditórias.
     Pelas razões expostas, entendemos que há motivo justificado para ordenar a suspensão dos presentes autos para aguardar a decisão a proferir no processo n.º CV3-20-0070-CAO sobre a validade de procuração outorgada por C em 16 de Janeiro de 2019 em representação da Autora.
     A Autora defende que os prejuízos causados pela suspensão superam as vantagens pelo que não deve ordenar a suspensão dos presentes autos. Tendo em conta que a causa que esse Tribunal considera existe para ordenar a suspensão dos presentes autos não é a existência da causa prejudicial mas existência de motivo justificado, o motivo de não ordenar a suspensão prevista na 2.ª parte do n.º 2 do artigo 223.º do CPC não tem aplicação no presente caso. Assim sendo, a oposição deduzida pela Autora sobre os prejuízos causados pela suspensão não pode proceder.
     Também não entendemos que a Ré, ao intentar a acção n.º CV3-20-0070-CAO, está a praticar uma manobra dilatória tal como alegada pela Autora porque o que a Ré fez não é mais de que tentar salvaguardar os seus interesses mediante a arguição de irregularidade do mandato conferido pela Autora ao seu mandatário. Assim, não há indícios seguros de que tal acção foi intentada com intuitos meramente dilatórios por poder a Autora entender que a questão em causa deve ser decidida a título principal numa acção própria.
     Pelas razões expostas, ao abrigo do artigo 223.º/1, parte final, do CPC, ordeno a suspensão da instância por haver motivo justificado até que haja decisão transitada no processo n.º CV3-20-0070-CAO.
     Notifique.
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    Quid Juris?
    Ora, todas as questões suscitadas nas alegações do recurso já foram objecto de análise por parte do Tribunal recorrido, e como é de saber que o artigo 223º do CPC confere ao julgador um poder discricionário de mandar suspender a instância até que as questões prejudiciais sejam resolvidas, que é o caso dos autos.
    Pode levantar neste processo uma questão pertinente: quando uma parte suscita uma excepção peremptória: caducidade do direito de acção, uma vez que se pretende atacar uma deliberação social tirada em 2012, portanto passaram 9 anos, e o artigo 228º/3 do CCOM prevê um prazo máximo para atacar a deliberação social nula até 5 anos, não deverá resolver-se, ante de tudo, aquela questão antes de decretar a suspensão da instância? Mas como nenhuma das partes suscitou expressamente esta questão, ficamos dispensados de nos pronunciar sobre ela.
    Em suma, dos elementos invocados pelo Tribunal recorrido não resulta que tal decisão violou algum preceito legal ou foi tomada com base nos elementos erroneamente apreciados, pelo que, é da nossa conclusão que o Tribunal a quo fez uma análise ponderada dos factos e uma aplicação correcta das normas jurídicas aplicáveis, proferido uma decisão conscienciosa e legalmente fundamentada, motivo pelo qual, ao abrigo do disposto no artigo 631º/5 do CPC, é de manter a decisão recorrida.
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    Síntese conclusiva:
    Quando decisão de uma causa depende de uma outra, ou seja, quando a situação jurídica deste processo pode ser modificada ou influenciada determinantemente por decisão de um outro processo pendente, é de entender que existe causa justificativa para suspender a instância deste processo ao abrigo do disposto no artigo 223º/1 do CPC, de modo a evitar praticar actos processuais inúteis que possam pôr em causa a justiça material.
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    Tudo visto e analisado, resta decidir.
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V ‒ DECISÃO
    Em face de todo o que fica exposto e justificado, os juízes do Tribunal de 2ª Instância acordam em negar provimento ao presente recurso jurisdicional, mantendo-se a decisão recorrida.
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    Custas pela Recorrente.
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    Registe e Notifique.
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RAEM, 15 de Outubro de 2021.
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Fong Man Chong
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Ho Wai Neng
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Tong Hio Fong





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