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Processo nº 131/2021 Data: 10.11.2021
(Autos de recurso civil e laboral)

Assuntos : Recurso da decisão da matéria de facto.
Abuso de direito.
Má fé.



SUMÁRIO

1. Ao Tribunal de Última Instância apenas compete conhecer da “matéria de direito”, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa da Lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.

2. Se o A., invocando uma conduta “ilícita e danosa” do R., move-lhe uma acção, pedindo a sua condenação no pagamento a seu favor de determinadas quantias a título de indemnização, e, se em audiência de julgamento se vier a provar que o entre A. e R. sucedido foi tão só o resultado de uma actuação conjunta, na sequência de um acordo entre ambos – livre e voluntariamente – assumido, manifesto é que ocorre frontal violação do “princípio da boa fé”, incorrendo o A. em “abuso de direito” e “litigância de má fé”.

3. Litiga de má-fé quem com dolo ou negligência grave “deduzir pretensão cuja falta de fundamento não deva ignorar”, “tiver omitido factos relevantes para a decisão da causa” e “tiver praticado omissão grave do dever de cooperação”.

O relator,

José Maria Dias Azedo


Processo nº 131/2021
(Autos de recurso civil e laboral)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. A “A”, (“甲”), com sede em Macau, e B, (乙), titular do B.I.R.N.P.M. n.° XXXXXXX(X), (1ª e 2° AA.), propuseram, no Tribunal Judicial de Base, a presente acção declarativa de condenação sob a forma de processo ordinário contra, C, (丙), titular do B.I.R.P.M. n.° XXXXXXX(X), R., todos com os restantes elementos identificativos dos autos, deduzindo, a final, pedido no sentido de ser o R. condenado a reembolsar à 1ª A. o valor de cinco milhões, cento e noventa mil e sessenta patacas, (MOP$5.190.060,00), e todos os activos levantados da companhia não destinados à operação e gestão de actividades da companhia da 1ª A. desde 01.04.2017 e seguintes, juntamente com os juros legais contados a partir da data de citação do R. até ao integral pagamento, bem como, de se condenar o mesmo R. no pagamento do valor de cem mil patacas, (MOP$100.000,00), a título de danos não patrimoniais à 1ª A., assim como no pagamento de igual valor de cem mil patacas, (MOP$100.000,00), a título de danos não patrimoniais do 2° A., valores esses acrescidos dos juros legais, contados desde a data de citação do R. até ao integral pagamento; (cfr., fls. 2 a 21 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

*

Citado, o R. contestou e deduziu pedido reconvencional; (cfr., fls. 116 a 133).

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Em sede do despacho-saneador decidiu-se não admitir o pedido reconvencional, e, oportunamente, por sentença, julgou-se a acção improcedente, condenando-se o 2° A. como litigante de má fé; (cfr., fls. 830 a 843 e 1183 a 1210).

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Do assim decidido recorreram os AA., tendo o Tribunal de Segunda Instância negado provimento ao recurso por Acórdão de 13.05.2021, (Proc. n.° 228/2020); (cfr., fls. 1253 a 1280).

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Trazem agora os AA. o presente recurso, pedindo a revogação do decidido e insistindo no pedido que tinham deduzido; (cfr., fls. 1291 a 1302).

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Cumpre decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. O Tribunal Judicial de Base deu como provada a matéria de facto elencada na sua sentença, (cfr., fls. 1186-v a 1200-v), que foi confirmada pelo Tribunal de Segunda Instância, e que aqui se dá como integralmente reproduzida, (mais adiante se fazendo o que se considera ser uma adequada referência à mesma para efeitos de apreciação e decisão do recurso).

Do direito

3. Como resulta do que se deixou relatado, pelos (1ª e 2°) AA. vem interposto recurso do Acórdão do Tribunal de Segunda Instância que negou provimento ao (anterior) recurso que apresentaram da sentença pelo Mmo Juiz do Tribunal Judicial de Base proferida e que julgou totalmente improcedente a acção e os pedidos que aí deduziram, (condenando também o 2° A. como litigante de má fé).

Em sede do seu recurso, e, especialmente, nas conclusões que aí produziram, dizem os ora recorrentes que no Acórdão agora recorrido se incorreu em “omissão de pronúncia”, (cfr., concl. 1ª a 5ª), impugnando, também, segmentos da “decisão da matéria de facto” para, daí, avançar para o que consideram constituir uma decisão assente em “erro na aplicação do direito”, (cfr., concl. 6ª a 26ª).

Porém, analisados os autos, a decisão do Mmo Juiz do Tribunal Judicial de Base então sindicada e apreciada pelo Acórdão do Tribunal de Segunda Instância agora objecto do recurso, e ponderando no que neste veredicto se considerou e consignou, evidente se nos apresenta que o presente recurso não merece provimento, pois que nenhuma censura se mostra de fazer – porque totalmente injustificada – a qualquer das decisões proferidas, que se apresentam, (ambas), claras na sua fundamentação e justas e acertadas na solução a que chegaram, cabendo notar que os ora recorrentes limitam-se a repetir e insistir nos pedidos que deduziram, alheando-se completamente dos fundamentos expostos na(s) decisão(ões) proferidas(s), reproduzindo, no presente recurso, o que então já tinham alegado em sede do anterior recurso para o Tribunal de Segunda Instância, e que, (para além de constituir “má prática processual”), evidência que todo o processado e decidido nos presentes autos não foi objecto de adequada compreensão por parte dos recorrentes, (só assim se podendo perceber as “razões” da presente lide recursória).

Seja como for, (e não nos parecendo que, em sede da presente lide recursória, e numa “situação” como a referida, a esta Instância deva caber a tarefa de “aclarar” o que decidido foi), não se deixa de consignar o que segue.

–– Quanto ao vício de “omissão de pronúncia”, o mesmo – manifestamente – não existe, pois que em relação à “questão” colocada (da “genuinidade dos documentos” e perante idêntico vício então imputado à sentença do Tribunal Judicial de Base), não deixou o Tribunal de Segunda Instância de emitir (clara e expressa) pronúncia nos termos que (para cabal esclarecimento da questão) aqui se passa a transcrever:

“1. Da nulidade da sentença por omissão de pronúncia
A omissão de pronúncia invocada pelos recorrentes é o não conhecimento do incidente da arguição da falsidade, por eles deduzida na réplica, das assinaturas apostas em alguns dos documentos, apresentados pelo Réu em sede de contestação.
Para o efeito, invocaram o artº 571º/1-d) do CPC, à luz do qual é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento e pediram que fosse declarada nula a sentença recorrida.
Antes de mais, temos de distinguir bem as coisas.
Uma coisa é a nulidade, ou seja, a ilegalidade por inobservância do formalismo processual prescrito na lei, ou por prática de um acto processual proibido ou por omissão de um acto prescrito na lei. Ou seja, são os casos em que por trás da ilegalidade cometida foi praticado ou omitido um acto, mas o tribunal não chegou a pronunciar-se expressamente sobre a legalidade do acto ou da omissão.
Outra coisa é uma decisão judicial ou um despacho que contém já a pronúncia expressa sobre legalidade da prática ou da omissão de um acto, ou que autoriza ou ordena expressamente a prática ou a omissão de um acto.
Ora, como se sabe, a doutrina tradicional ensina que, dos despachos recorre-se e contra as nulidades reclama-se, sem prejuízos do conhecimento oficioso de algumas nulidades expressamente previstas na lei – no mesmo sentido vide Alberto dos Reis, in Comentário ao Código de Processo Civil II, p. 339 e s.s..
E é do despacho que decidir a arguição da nulidade é que se recorre.
Este princípio segundo o qual dos despachos recorre-se e contra as nulidades reclama-se não se afirma, contudo, sem excepções.
Constituem justamente excepções a este princípio as nulidades a que se refere o artº 571º do CPC, à luz do qual as tais nulidades podem ser “arguidas” directamente, por via de recurso ordinário, perante o Tribunal superior ao Tribunal onde se cometerem as nulidades – artº 571º/3, in fine do CPC.
Foi de propósito que, além das nulidades de processo, o CPC fala das nulidades da sentença – artº 571º do CPC.
Tem a sua razão de ser.
A este propósito, ensina Amâncio Ferreira que “A distinção entre nulidades de processo e nulidades de sentença consiste fundamentalmente no seguinte: enquanto as primeiras se identificam com quaisquer desvios ao formalismo processual prescrito na lei, quer por se praticar um acto proibido, quer por se omitir um acto prescrito na lei, quer se realizar um acto imposto ou permitido por lei, mas sem o formalismo requerido, as segundas resultam da violação da lei processual por parte do juiz ao proferir alguma decisão, situando-se assim no âmbito restrito da elaboração de decisões judiciais, ……”
Ou seja, as nulidades da sentença são as que apensa se reflectem ou se tornam cognoscíveis pelas partes no próprio texto de sentença e numa altura em que o julgador já terá esgotado o seu poder de julgar.
Assim sendo, compreende-se que, tirando a nulidade por falta de assinatura do juiz prevista no artº 571º/1-a), que é meramente formal e em caso algum influi no sentido da decisão, todas as restantes nulidades de sentença podem ser fundamentos de recurso ordinário.
Voltando ao caso sub judice, a nulidade que ora se invoca é obviamente uma nulidade de processo.
Ora, não se integrando a omissão de pronúncia, ora invocada, em qualquer das situações de inobservância da lei processual, cominadas com a nulidade principal no artº 150º do CPC, a pretensa nulidade de processo, nos termos invocados, ficou já sanada uma vez que os ora recorrentes já intervieram numa grande pluralidade de vezes no processo até a prolação da sentença, sem que todavia tenha arguido logo perante o tribunal a quo a omissão da pronúncia sobre a falsidade dos documentos.
Finalmente, é de notar que não obstante a não arguição atempada dessa pretensa nulidade de processo a montante, os recorrentes não ficam impedidos de impugnar, a jusante, a decisão de matéria de facto, se entenderem que a determinada matéria da base instrutória tenha sido erradamente julgada com fundamento na valoração pelo Tribunal a quo de provas documentais inadmissíveis por falsidade. Todavia, a questão não se põe in casu, porquanto, ao alegar simplesmente que “O resultado da medida requerida é essencial para a qualificação do réu como litigante de má fé – em causa está a prática de “distorcer a verdade dos factos ou omitir factos relevantes para a decisão da causa”. De resto, também é importante para o pedido principal dos autos” os recorrentes não cumpriram o ónus que o artº 599º/1 do CPC que lhe fez impende e que é imperativamente exigido para a impugnação da matéria de facto”; (cfr., fls. 1271 a 1272-v).

Ora, perante o que se consignou, pouco há a acrescentar.

Como se vê, não deixou o Tribunal de Segunda Instância de apreciar e decidir (expressamente) a questão.

Pode-se, obviamente, não concordar com o que se decidiu.

Porém, totalmente inviável é considerar que sobre a questão colocada nada disse, incorrendo-se em “omissão de pronúncia”; (sobre o sentido do dito “vício”, cfr., v.g., entre outros, os recentes Acs. deste T.U.I. de 18.06.2021, Proc. n.° 200/2020-II, de 14.07.2021, Proc. n.° 139/2020 e de 23.07.2021, Proc. n.° 61/2021).

Avancemos.

–– Quanto à “decisão da matéria de facto”.

Como se referiu, também esta “questão” tinha já sido colocada perante o Tribunal de Segunda Instância e no Acórdão recorrido ponderou-se nos termos seguintes:

“3. Do erro da decisão de facto
O erro da decisão de facto ora invocado pelos recorrentes consiste na incorrecta valoração de provas, uma prova legal e outra prova sujeita à livre apreciação do tribunal.
Em síntese, no que diz respeito à violação da prova legal, o que pretendem dizer é o seguinte: Em face dos documentos autênticos emitidos pelos Serviços para os Assuntos de Tráfego, onde se menciona 1ª Autora como a adjudicatária para a prestação de serviços de administração e manutenção dos vários auto-silos. Assim, ao dar como provado que o Réu explorou sozinho a prestação desses serviços nos mesmos auto-silos com base em provas testemunhais, a decisão de facto assim formada padece do erro de julgamento de facto por ter violado a força probatória plena da prova legal.
É verdade que os documentos autênticos fazem prova, nas condições estabelecidas no artº 365º do CC, à luz do qual os documentos autênticos fazem prova plena dos factos que referem como praticados pela autoridade, oficial público ou notário respectivo, assim como dos factos que neles são atestados com base nas percepções da entidade documentadora.
Ora, os documentos emitidos pelos Serviços para os Assuntos de Tráfego limitaram-se a declarar que a 1ª Autora é a adjudicatária da prestação de serviços e com quem a Administração da RAEM contrata.
Todavia, se a 1ª Autora é apenas a entidade interposta, tal como ficou provada na 1ª instância, os tais documentos autênticos não tem a virtualidade de afirmar ou infirmar, uma vez que se não tratam de factos declarados como praticados pelos próprios Serviços para os Assuntos de Tráfego nem factos que neles são atestados com base nas percepções dos mesmos serviços.
Aliás, o que foi atestado pelos documentos emitidos pelos Serviços para os Assuntos de Tráfego é apenas a intervenção da 1ª Autora, enquanto adjudicatária dos serviços, nos contratos celebrados, o que não afasta a hipótese, tal com sucedeu in casu, de que por trás dessa adjudicatária, existe uma pessoa oculta que, por razões de variadíssimas ordens, não querendo ou não preferindo aparecer em nome próprio, como contraente, está efectivamente a prestar os serviços objecto de contrato.
Improcede assim a impugnação da matéria de facto com fundamento na violação da prova legal.
No que diz respeito ao erro na apreciação de prova sujeita à livre apreciação, os recorrentes questionaram as respostas dadas a determinada matéria tida por assente na 1ª instância.
(…)
É de notar que o Colectivo de 1ª instância teve todo o cuidado de expor o iter para a formação da sua convicção em relação a toda a matéria da base instrutória, com a devida identificação de meios de prova que produziu, examinou e valorou.
Ao passo que os recorrentes mais não fazem do que questionar a convicção do Tribunal a quo com a sua convicção, divergente daquela, formada a partir de determinados meios de prova produzidos na audiência e examinados pelo Tribunal a quo, não tendo, todavia, apontado erro, muito menos erro manifesto, na apreciação das provas por parte do Tribunal a quo.
Assim sendo, a impugnação da matéria de facto não pode deixar de ser julgada improcedente in totum”; (cfr., fls. 1273 a 1278).

Aqui chegados, e transcrito o segmento decisório do Acórdão do Tribunal de Segunda Instância na parte que se mostra relevante, (totalmente) claro fica o que atrás se deixou consignado.

Com efeito, e como se deixou já referido, (com o presente recurso), voltam os ora recorrentes a repetir os mesmíssimos argumentos – que foram, detalhada e desenvolvidamente, ponderados e apreciados pelo Colectivo do Tribunal a quo – sem a mais pequena preocupação de rebater os argumentos invocados no veredicto recorrido.

Nesta conformidade, e dado que, em concreto, nenhuma crítica dirigem ao decidido, cabe tão só dizer que no que toca à alegada “prova legal” nenhum reparo merece o decidido, que se apresenta em sintonia com o que este Tribunal de Última Instância tem vindo a entender sobre idêntica questão; (cfr., v.g., entre outros, os Acs. de 13.06.2001, Proc. n.° 3/2001, de 24.03.2004, Proc. n.° 5/2004 e de 26.06.2019, Proc. n.° 6/2015).

Por sua vez, em relação ao “erro na apreciação da prova sujeita à livre apreciação”, mostra-nos de consignar também (e apenas) que este Tribunal não está vocacionado para apreciar “recursos sobre decisões da matéria de facto” (sujeita à livre apreciação), e que, como tal, não lhe cabe apreciar a forma como as Instâncias apreciam – livremente – a prova que lhes é apresentada ou produzida.

Com efeito, constitui jurisprudência firme deste Tribunal de Última Instância que:

“Ao Tribunal de Última Instância apenas compete conhecer da “matéria de direito”, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa da Lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova”; (cfr., v.g., entre outros, o Ac. de 29.11.2019, Proc. n.° 111/2019, de 19.02.2020, Proc. n.° 83/2018 e de 10.06.2020, Proc. n.° 48/2020).

–– Por fim, e quanto ao “erro na aplicação do direito”, vejamos.

O referido “vício”, tem como pressuposto, uma matéria de facto que não ficou provada, e que, na opinião dos recorrentes, devia ter ficado.

Ora, como se viu, censura não merece a “decisão da matéria de facto” subjacente às decisões do Tribunal Judicial de Base e do Tribunal de Segunda Instância que a confirmou.

Dest’arte, e sem necessidade de mais alongadas considerações, visto cremos que fica a sem razão dos recorrentes.

Porém, para uma melhor compreensão da decisão proferida pelas Instâncias recorridas, adequado se apresenta de consignar o seguinte.

Desde já, importa ter presente que “provado” está que:
- “o 2° A. e o R. são sócios da 1ª A, (ou seja, a “A”)”; e que, (ambos, os mesmos, 2° A. e o R.),
- “exercem, simultaneamente, as funções de administrador da 1ª A.”; (cfr., alíneas b) e c) dos factos assentes).

Atento o assim dado como “provado”, e tendo-se em consideração os “termos” em que a acção foi pelos (1ª e 2°) AA. proposta no Tribunal Judicial de Base e no que, a final, se veio a provar, facilmente se alcança(m) o(s) motivo(s) da(s) decisão(ões) proferida(s).

Com efeito, na petição inicial que apresentaram alegavam (essencialmente) os aludidos (1ª e 2°) AA. que a “A”, (1ª A.), candidatou-se e ganhou vários concursos para a gestão e administração de parques de estacionamento, sendo que, a partir de determinado momento, o (sócio) R. deixou de informar o (outro sócio) 2° A. sobre a actividade pela sociedade desenvolvida, recebendo as quantias que eram pagas e destinadas à 1ª A. na conta bancária desta, e transferindo-as, posteriormente, para a sua conta pessoal sem que para tal estivesse autorizado, violando, desta forma, os seus deveres de administrador da sociedade e causando, assim, danos patrimoniais e não patrimoniais aos mesmos (1ª e 2°) AA.; (cfr., fls. 2 a 21).

Porém, o que (efectivamente) se veio a provar é que – recorde-se, entre o 2° A. e R. foi constituída a “A” aqui 1ª A., mas que – a partir de 2015, o 2° A. e o R. coligaram-se com outro indivíduo, (D), e, em conjunto, mas por sua própria conta, começaram a participar em concursos de prestação de serviços de administração e manutenção de auto-silos, tendo acordado que todos podiam participar no capital necessário ao investimento de cada um dos concursos, não sendo obrigatória a participação dos três em todos os concursos, sendo que, aquele que não quisesse participar não tinha de participar nas despesas nem tinha participação nos lucros; (cfr., alíneas f), jj) a pp)).

Dado que para participarem nos concursos precisavam de o fazer através de uma “sociedade”, passaram a concorrer como se fosse a “A”, 1ª A., e abriram uma outra conta bancária em seu nome, (ou seja, em nome da 1ª A.), mas para ser única e exclusivamente movimentada para os recebimentos e pagamentos relacionados com esta “actividade” exercida pelos três em conjunto e por sua conta; (cfr., alíneas z) e aa)).

Em Fevereiro de 2016, o 2° A. deixou de participar nos projectos com os outros dois, que continuaram até Maio de 2016, data em que o D também deixou de participar, passando o R. a participar sozinho nos concursos, embora continuando a usar o nome da 1ª A., tal como antes sucedia; (cfr., alíneas pp), qq) e rr)).

E, perante esta facticidade (que se veio a dar como provada, e que, como se viu, não merece censura), que dizer?

Ora, da mesma resulta (claramente) que o que (efectivamente) sucedeu foi que o 2° A., o R. e o referido D, acordaram e usaram a 1ª A. – como “fachada” – para poderem participar em concursos, sendo esta uma “actividade” que desenvolveram mas, em relação à qual, a (mesma) 1ª A. era totalmente alheia e estranha; (repare-se, que para gerir os dinheiros desta “actividade” até existia uma outra conta bancária especialmente aberta para tais fins).

E, então, aqui chegados, pouco mais há a dizer.

De facto, em relação à 1ª A., o que sucedeu foi que os seus (próprios) sócios-administradores, o 2° A. e o R., excluíram-na de toda a actividade que desenvolveram nos termos referidos e que, aqui, (nos presentes autos), está em causa.

Assim, sendo a 1ª A. alheia a tudo o que se passou por vontade dos seus próprios sócios-administradores, e provados (também) não estando quaisquer “danos” – nem “patrimoniais” nem “não patrimoniais” – necessariamente improcedente tinha que ser o pedido de se condenar o R. a “reembolsar à 1ª A.” qualquer quantia que fosse.

Em relação ao 2° A., desde já se diz que provados também não ficaram quaisquer “danos não patrimoniais”.

E quanto aos peticionados “danos patrimoniais”?

Pois bem, cremos que (totalmente) idêntica é – e só podia ser – a solução, (já que, não existem, e ainda que existissem, não podiam ser reclamados).

Com efeito, e independentemente do demais, da factualidade provada resulta com toda a clareza que, in casu, o 2° A., depois de ter acordado com o R. e o D no exercício de uma “actividade fora do âmbito da 1ª A.”, (e onde esta era apenas usada para dar a “forma” legalmente exigível), vem (agora) – como se o efectivamente “acordado” e “sucedido” fosse inexistente – alegar que a (mesma) “actividade” era (afinal) exercida pela própria 1ª A., e, invocando as regras aplicáveis à sociedade, reclama créditos, pretendendo fazer seus os proveitos obtidos no âmbito da actividade desenvolvida, violando, frontalmente, os “princípio da boa fé” e em manifesto “abuso de direito”, (cfr., art. 326° do C.C.M.), o que não pode deixar de afastar qualquer possibilidade de acolhimento da sua pretensão.

Não se olvida também que, a partir de Maio de 2016, o R. passou a exercer a “actividade” que antes vinham desenvolvendo sozinho.

Porém, acordado estando que podiam participar nas mais “diversas formas”, (participando todos, ou não), e tendo o 2° A. “consentido nesta continuação do R.”, (até porque nada fez), mal se entende que pretenda (agora) que se considere tal “actividade” como da “A”, 1ª A., para daí reclamar e obter qualquer vantagem patrimonial, não deixando de constituir igualmente tal atitude processual um claro “venire contra factum proprium”, impondo-se, assim, confirmar, in totum, a decisão de improcedência da acção proposta.

–– Uma última questão: quanto à “condenação do 2° A. como litigante de má fé”.

Pois bem, em face do que se consignou, cremos que demonstrada está a razão de tal condenação.

Com efeito, nos termos do art. 385°, n.° 2 do C.P.C.M. diz-se que litiga de má-fé quem com dolo ou negligência grave “deduzir pretensão cuja falta de fundamento não deva ignorar”, “tiver omitido factos relevantes para a decisão da causa” e “tiver praticado omissão grave do dever de cooperação”; (sobre a “litigância de má fé”, cfr., v.g., o atrás citado Ac. deste T.U.I. de 18.06.2021, Proc. n.° 200/2020-II).

In casu, sem esforço se mostra de concluir que a actuação dos AA. preenche o teor do mencionado preceito, pelo que, agiram como “litigantes de má fé”.

Contudo, sendo a 1ª A. uma pessoa colectiva aqui representada pelo 2° A., o qual foi também o sócio que votou a favor da deliberação para instaurar a acção que deu origem aos presentes autos, (cfr., alínea w)), é na pessoa deste que se verifica o dolo da actuação de má fé, (e não na 1ª A., mero instrumento utilizado para legitimar a acção).

Dest’arte, também aqui nenhuma censura merece o Acórdão recorrido que confirmou a decisão proferida pelo Tribunal Judicial de Base, evidente sendo a decisão que segue.


Decisão

4. Nos termos e fundamentos que se deixam expostos, em conferência, acordam negar provimento ao recurso.

Custas pelos recorrentes, com a taxa de justiça que se fixa em 10 UCs.

Registe e notifique.

Macau, aos 10 de Novembro de 2021


Juízes: José Maria Dias Azedo (Relator)
Sam Hou Fai
Song Man Lei

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