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Processo nº 303/2021
(Autos de Revisão e Confirmação de Decisões)

Data: 21 de Outubro de 2021
Requerente: A
Requerida: B
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ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:

I. RELATÓRIO
  
  A, com os demais sinais dos autos,
  vem instaurar a presente acção para Revisão e Confirmação de Decisão Proferida por Tribunal Exterior de Macau, contra
  B, também com os demais sinais dos autos.
  
  Citada a Requerida para querendo contestar veio esta invocar que a “Charging Order Absolute” não é passível de revisão por se tratar de um mero acto de execução e a falta de capacidade judiciária da Requerente para requerer a revisão da sentença proferida pelos tribunais da RAEHK por haver sido declarada falida, ou se assim não se entender que seja reconhecida apenas esta decisão.
  Notificada da contestação veio a Requerente pugnar no sentido de ser julgada improcedente a excepção dilatória invocada uma vez que tem capacidade judiciária para estar em juízo nestes autos.
  Pelo Magistrado do Ministério Público foi emitido parecer no sentido da Requerente não ter interesse processual que justifique a instauração da presente acção, ou, a não se entender assim que entende não se verificar a excepção dilatória da incapacidade judiciária invocada pela Requerida, nada obstando à revisão da decisão proferida pelo Tribunal de Primeira Instância do Tribunal Superior de Justiça de Hong Kong a qual contudo, não deve abranger a chamada “Charging Order Absolute”.
  Notificadas as partes para se pronunciarem sobre a excepção dilatória invocada pelo Ilustre Magistrado do Ministério Público, veio a Requerente pugnar pelo seu interesse processual no sentido daquela ser julgada improcedente.
  
  Foram colhidos os vistos.
  
  II. PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
  
  O Tribunal é o competente.
  O processo é o próprio e não enferma de nulidades que o invalidem.
  As partes gozam de personalidade judiciária e são legítimas.
  
  Da capacidade judiciária da Requerente.
  
  Está assente nos autos – invocado pela própria Requerente – que no processo que corre termos no Tribunal Judicial de Base sob o nº CV2-20-0001-CFI por sentença de 01.03.2021 a Requerente foi declarada no estado de falência – cf. fls. 50 verificado por confronto com o original do BO -.
  Não se alega que haja sido interposto recurso da mesma, mas apenas deduzida oposição por meio de embargos.
  Estabelece o artº 1095º do CPC que «1. A declaração da falência produz a inibição do falido para administrar e dispor dos seus bens presentes ou futuros, os quais passam a integrar a massa falida. 2. Ao falido é lícito, em qualquer caso, adquirir pelo seu trabalho meios de subsistência. 3. O administrador da falência assume a representação do falido para todos os efeitos de carácter patrimonial que interessem à falência.».
  Ora, para se apreciar desta excepção dilatória importa antes de mais apreciar que “decisão” se pretende rever.
  A decisão revidenda – cuja certidão consta de fls. 17 a 22 redigida em língua inglesa – proferida em 27.01.2014 condena a aqui Requerente a pagar à aqui Requerida «uma quantia total de HKD83.159.013,04 em virtude do crédito supramencionado (incluindo a dívida não paga, no valor de HKD54.990.570,00 e os juros à taxa anual de 18% estabelecida no contrato, referentes ao período compreendido entre 24 de Maio de 2010 e 13 de Agosto de 2012, no valor de HKD28.168.443,04), bem como os juros à taxa anual de 18% da quantia de HKD54.990.570,00 de dívida não paga, referentes ao período compreendido entre 14 de Agosto de 2012 e a presente data (data da prolação da sentença), quantias essas acrescidas dos juros à “taxa de julgamento” (“the Judgement Rate”), contados a partir da prolação da sentença até integral e efectivo pagamento.».
  O que resulta da sentença é a condenação da Requerente a pagar uma quantia a outrem, isto é, a sentença reconhece simultaneamente um direito e uma obrigação, a saber, o direito do credor a ser pago e a obrigação do devedor a pagar, o que tudo se traduz no reconhecimento do crédito do credor – passe o óbvio - e um débito que a Requerente tem para com aquele (o credor).
  Dito ainda de outra forma, para que dúvidas não haja, a sentença em causa reconhece um passivo da Requerente.
  Ora se a sentença em causa reconhece uma obrigação da Requerente em pagar uma quantia em moeda específica, se essa obrigação corresponde a um passivo, se passivo é o mesmo que uma diminuição patrimonial negativa, não conseguimos alcançar como é que esta obrigação não afecta e não integra a massa falida, como a Requerente pretende.
  Por acaso, até se dá a circunstância do credor e Requerida ser a Requerente da falência, mas poderia não ser e estas matérias não permitem interpretações subjectivistas.
  Pelo que, tratando-se de matéria que afecta a massa falida, havendo a falência sido decretada em 01.03.2021 conforma anúncio publicado no BO de 10.03.2021 – cf. fls. 50 –, não se invocando que haja sido interporto recurso da decisão mas apenas oposição por embargos a qual não tem efeito suspensivo da decisão e tendo esta acção sido instaurada em 14.04.2021 – depois da declaração de falência -, dúvidas não temos que a Requerente carece de capacidade judiciária.
  Aliás se se analisasse a questão na perspetiva de uma acção a instaurar pela Requerente da Revisão e do interesse processual – pressuposto processual (artº 414º al. h) do CPC) que igualmente se invocou não existir mas cuja apreciação ficará prejudicada face à procedência daquele outro (capacidade judiciária) - o raciocínio ajudar-nos-ia a chegar à mesma conclusão.
  Poderia a Autora em alguma circunstância instaurar acção contra si própria pedindo a sua condenação a pagar a outrem determinada dívida?
  A resposta só poderia ser negativa.
  Se a Autora reconhecia a dívida, como sucede, mais não teria a fazer do que pagar e se não pudesse pagar haveria que aguardar a actuação de quem detém o direito, ou quiçá apresentar-se à falência.
  Ou seja, a Autora, no caso em apreciação não só não teria em circunstâncias normais interesse em agir a pedir a sua própria condenação - como também nem sequer teria legitimidade porque não era a titular do direito de crédito -, como também, depois de declarada em estado de falência e afectando essa decisão a massa falida em sentido negativo não teria capacidade judiciária para o efeito.
  Ou seja, juridicamente o que se pretende é um absurdo pois não pode alguém vir instaurar acção contra si próprio para ser condenado a pagar a outrem.
  A decisão poderia ser de falta de interesse em agir, mas face à declaração de falência e à perda da capacidade judiciária do falido quanto a todas as acções que possam afectar a massa falida, dada a ordem pela qual as excepções dilatórias devem ser apreciadas – personalidade judiciária, capacidade judiciária, legitimidade processual, interesse em agir -, precedendo a capacidade judiciária o conhecimento das que lhe seguem, e faltando esta, é neste sentido que se impõe decidir.
   As excepções dilatórias, nas quais a falta de capacidade judiciária se enquadra, obstam a que o tribunal conheça do mérito da causa e dão lugar – neste caso – à absolvição da instância, sendo de conhecimento oficioso, tudo conforme, no caso sub judice, o artº 412º, al. c) do artº 413º e artº 414º, todos do CPC.
  
  III. DECISÃO
  
  Nestes termos e pelos fundamentos expostos, julgando-se procedente a excepção dilatória da falta de capacidade judiciária da Requerente absolve-se a Requerida da instância.
  
  Custas pela Requerente.
  
  Registe e Notifique.
  
  RAEM, 21 de Outubro de 2021
  
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Rui Carlos dos Santos P. Ribeiro
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Lai Kin Hong
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Fong Man Chong


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